TST - INFORMATIVOS 2022 263 - de 10 a 23 de outubro

Data da publicação:

Acordão - TST

Maurício Godinho Delgado - TST



REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO SEM REDUÇÃO DA REMUNERAÇÃO E SEM COMPENSAÇÃO DE HORÁRIOS. SERVIDORA PÚBLICA CELETISTA. FILHA MENOR DIAGNOSTICADA COM TRANSTORNOS DE ESPECTRO AUTISTA, DE LINGUAGEM RECEPTIVA, EXPRESSIVA E DE LEITURA. NECESSIDADE DE ACOMPANHAMENTO PARA ATIVIDADES MULTIDISCIPLINARES E TRATAMENTOS MÉDICOS E TERAPÊUTICOS. POSSIBILIDADE.



RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017. REDUÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO SEM REDUÇÃO DA REMUNERAÇÃO E SEM COMPENSAÇÃO DE HORÁRIOS. SERVIDORA PÚBLICA CELETISTA. FILHA MENOR DIAGNOSTICADA COM TRANSTORNOS DE ESPECTRO AUTISTA, DE LINGUAGEM RECEPTIVA, EXPRESSIVA E DE LEITURA. NECESSIDADE DE ACOMPANHAMENTO PARA ATIVIDADES MULTIDISCIPLINARES E TRATAMENTOS MÉDICOS E TERAPÊUTICOS. POSSIBILIDADE.

No caso, o Tribunal Regional do Trabalho manteve a sentença, que julgou improcedente a pretensão da Reclamante, servidora pública celetista, de ter a jornada de trabalho reduzida sem redução da remuneração e sem compensação de horário, para cuidados especiais de sua filha menor, que possui Transtorno de Espectro Autista (AUTISMO), Transtorno de Linguagem Receptivo e Expressivo e Transtorno de Leitura. Entendeu a Instância Ordinária que a Administração Pública está pautada no princípio da legalidade, sendo que a ausência de previsão legal para a redução da carga horária de empregados públicos responsáveis por pessoas com deficiência impede a concessão do pleito autoral. Diante desse contexto, observa-se que a decisão do TRT está em dissonância com o entendimento desta Corte sobre a matéria. Esclareça-se que, de fato, inexiste legislação estadual que atribua à Reclamada o dever de redução da jornada da Reclamante na situação retratada na hipótese. Contudo o fenômeno do Direito — sua referência permanente à vida concreta — importa no constante exercício pelo operador jurídico de três métodos específicos e combinados de suma relevância para resolução de situações como a que se apresenta: a interpretação jurídica, a integração jurídica e, finalmente, a aplicação jurídica. Especificamente sobre a integração jurídica, processo lógico de suprimento das lacunas percebidas nas fontes principais do Direito em face de um caso concreto, mediante o recurso a fontes normativas subsidiárias, tem-se que tal instituto permite atender ao princípio da plenitude do arcabouço jurídico, informador de que a ordem jurídica sempre terá, necessariamente, uma resposta normativa para qualquer caso concreto posto a exame do operador do Direito. Nesse sentido, dispõe o art. 8º, caput, da CLT - além do Decreto n. 4.647/1942, LINDB, (arts. 4º e 5º) e do Código de Processo Civil de 2015 (art. 140) -, que: “As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais do direito, principalmente do direito do trabalho e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público”. Partindo dessas premissas é que o ordenamento jurídico brasileiro deve ser analisado, ou seja, de forma congruente e organicamente integrado. Deve ser pesquisada, nos preceitos normativos já existentes sobre a matéria discutida, a noção que faça sentido, tenha coerência e seja eficaz na solução do caso concreto. Nesse sentido, na análise dos direitos concernentes às pessoas com deficiência e aos seus responsáveis – que foram estruturados por um conjunto normativo nacional e internacional -, deve ser considerado não só o princípio da legalidade, restrito à Administração Pública (art. 37 da CF), mas também a exegese dos princípios constitucionais da centralidade da pessoa humana, da dignidade (art. 1º, III, da CF) e da proteção à maternidade e à infância (art.6º da CF). A Constituição Federal de 1988, em seu art. 227, acolheu inteiramente os fundamentos da aclamada doutrina internacional da proteção integral e prioritária da criança, do adolescente e do jovem, inaugurando, no ordenamento jurídico brasileiro, um novo paradigma de tratamento a ser destinado ao ser humano que se encontra na peculiar condição de pessoa em desenvolvimento. Nessa linha, o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seus mais diversos artigos, prevê, como direito fundamental, a proteção integral da criança e do adolescente para que lhes seja facultado o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, sem qualquer tipo de discriminação. Atribui não só à família, mas à sociedade em geral e ao Poder Público o dever de “assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária” (art. 4º, caput). Além dos citados dispositivos, em 2008, foi integrada ao ordenamento brasileiro, a Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, assinado em Nova Iorque, pelo Decreto Legislativo 186/2008, com hierarquia de direito fundamental (art. 5º, § 3º, da CF). Nessa Convenção, os Estados Partes, especificamente para as crianças e adolescentes, comprometeram-se a adotar medidas necessárias para o pleno exercício de todos os direitos humanos, liberdades fundamentais, igualdades de oportunidades (art. 7º, item 1), sendo que, para a criança com deficiência, destacou inclusive que “o superior interesse da criança receberá consideração primordial” (art. 7º, item 2)”. No mesmo artigo, foi assegurado que as crianças com deficiência “recebam atendimento adequado à sua deficiência e idade, para que possam exercer tal direito”. Reforçando tal quadro de proteção, a Convenção apresenta outros dispositivos que expõem claramente o compromisso do sistema jurídico em proporcionar igualdade de direitos à criança com deficiência, assegurando suporte às famílias (art. 23, item 3), padrão de vida e proteção social adequados (art. 28), entre outras garantias. Consigne-se que a Lei nº 13.146/2015 – Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência –, em seu art. 8º, assentou que é dever, não só da família, mas também do Estado, assegurar a essas pessoas, com prioridade, diversos direitos inerentes à vida, à saúde, à alimentação, à dignidade, ao respeito e principalmente à convivência familiar. Ainda nessa esteira, em 2012, foi publicada a Lei 12.764, que “institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista”, prevendo diretrizes específicas para “a atenção integral às necessidades de saúde da pessoa com transtorno do espectro autista, objetivando o diagnóstico precoce, o atendimento multiprofissional e o acesso a medicamentos e nutrientes” (art. 2º). Destaca-se, também, o art. 1º, § 2º, da referida lei, que considera o autismo como uma deficiência, e o art. 3º, I, que estabelece, como direitos da pessoa com transtorno do espectro autista, a vida digna, a integridade física e moral, o livre desenvolvimento da personalidade, a segurança e o lazer. Em suma, a ordem jurídica dispõe de várias normas que concretizam as disposições constitucionais de amparo à criança, sobretudo aquela que demanda da família e do Estado uma atenção especial. Nesse contexto legal, não pode prevalecer qualquer ato que venha a impedir a proteção e a inclusão social da criança. De outra face, devem ser relevados os métodos de interpretação e integração para a efetividade do ordenamento jurídico, como já referido anteriormente. Conquanto a Lei 8.112/1990 trate dos direitos dos empregados públicos estatutários da União, não se pode olvidar da finalidade com que o art. 98, § 3º, da citada norma foi alterado pela Lei 13.370/2016. Esse dispositivo – por analogia e por integração normativa – mais as normas citadas formam um conjunto sistemático que ampara a pretensão da Reclamante. Interpretando o referido artigo, constata-se que foi intensificada a proteção do hipossuficiente, na forma do art. 1º, III e IV, e 227 da CF - garantia que deve ser prestigiada e aplicada, não obstante a especificidade do ente político que teve a iniciativa legislativa. Nessa linha de intelecção é que esta Corte Superior vem decidindo reiteradamente que o responsável por incapaz, que necessite de cuidados especiais de forma constante, com apoio integral para as atividades da vida cotidiana e assistência multidisciplinar, tem direito a ter sua jornada de trabalho flexibilizada sem prejuízo da remuneração, com vistas a amparar e melhorar a saúde física e mental da pessoa com deficiência. Alcançam-se, desse modo, os princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho, entre outros direitos sociais, normas nacionais e internacionais que amparam a criança, o adolescente e a pessoa com deficiência. Julgados desta Corte que perfilham a mesma diretriz. Recurso de revista conhecido e provido. (TST-RR-1001543- 10.2017.5.02.0013, 3ª Turma, Mauricio Godinho Delgado, julgado em 19/10/2022).

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