TST - INFORMATIVOS 2022 261 - de 12 a 23 de setembro

Data da publicação:

Acordão - TST

Alexandre de Souza Agra Belmonte - TST



INDENIZAÇÃO POR ASSÉDIO MORAL, PRATICADO EM GRUPO DE WHATSAPP NÃO CORPORATIVO.



INDENIZAÇÃO POR ASSÉDIO MORAL, PRATICADO EM GRUPO DE WHATSAPP NÃO CORPORATIVO.

O atual ambiente de trabalho difere bastante daquele que propiciou o surgimento das normas trabalhistas, idealizadas para pacificar as questões jurídicas decorrentes de sociedades agrária e fabril. Hoje, no entanto, o trabalho é comumente realizado num ambiente automatizado, informatizado e globalizado. As redes sociais constituem meios ágeis e eficientes de comunicação e relacionamento social. Como é possível ter acesso a elas no ambiente de trabalho por meio de computadores funcionais, celulares e tablets, com as comunicações alcançando em tempo real pessoas e comunidades as mais distantes; como também é possível acessar as informações postadas pelos trabalhadores e estes falarem publicamente sobre a empresa na qual trabalham e até formarem comunidades, novos problemas jurídicos decorrem de sua utilização. Na esteira do princípio da irrelevância dos atos da vida privada do trabalhador para efeitos laborais, a vida extraprofissional do trabalhador tem caráter autônomo em relação ao contrato de trabalho, pelo que, em princípio, não interessa ao empregador a vida extralaboral do empregado. No entanto, os atos da vida privada do empregado podem repercutir no relacionamento empregado-empregador. Há condutas extralaborais suscetíveis de produzir reflexos no contrato de trabalho de modo a ensejar a limitação de direitos fundamentais do trabalhador e até o rompimento do contrato de trabalho. Impende salientar ademais que incumbe ao empregador, que assume os riscos da atividade econômica, propiciar ao trabalhador ambiente laboral saudável. Nos termos do art. 2º da CLT c/c o art. 7º, XXVII, da Constituição da República, é ônus do empregador adotar medidas necessárias de segurança e medicina do trabalho, com vistas a preservar a incolumidade física e mental do trabalhador, em respeito inclusive à dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição da República). Nesse dizer, se a repercussão da vida privada alcança o ambiente laboral a ponto de causar perturbação, violando assim o bem-estar no trabalho, a ingerência da empresa é impositiva, sob pena, além de outras consequências, de responsabilização civil. Não há de olvidar-se que o dano moral é in re ipsa (pela força dos próprios atos), ou seja, independe da demonstração do abalo psicológico sofrido pela vítima e de sua extensão, sendo presumível a partir da ocorrência do evento. Inobstante isso, a imputação da responsabilidade subjetiva demanda prova inequívoca dos fatos a balizar o pleito de indenização. O assédio moral no trabalho pode ser juridicamente conceituado como o conjunto de reiteradas atitudes abusivas, degradantes do relacionamento digno no ambiente de trabalho. Decorre do modo abusivo de relacionamento no trabalho e que termina submetendo o trabalhador a atitudes, exigências ou condições ofensivas ao tratamento respeitoso que deve vigorar no ambiente de trabalho. Nas preciosas lições de Sônia A. C. Mascaro Nascimento, se caracteriza “por ser uma conduta abusiva, de natureza psicológica, que atenta contra a dignidade psíquica do trabalhador, de forma repetitiva e prolongada, e que expõe o mesmo a situações humilhantes e constrangedoras, capazes de causar ofensa à personalidade, à dignidade ou à integridade psíquica, e que tenha por efeito excluir a posição do empregado no emprego ou deteriorar o ambiente de trabalho, durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções” (NASCIMENTO, Sônia A. C. Mascaro Nascimento. O assédio moral no ambiente do trabalho, pp. 1-2). Partindo do pressuposto de que a essência da responsabilidade reside na indagação do modo como o comportamento pode contribuir para a verificação do prejuízo experimentado pela vítima, foi a doutrina da responsabilidade subjetiva assentada no erro de conduta, enfim, no comportamento culposo do agente. São requisitos da responsabilidade subjetiva: a) conduta culposa ou dolosa; b) dano patrimonial ou extrapatrimonial; e c) relação de causalidade entre a conduta e o dano. Com efeito, inexistindo relação entre a conduta (responsabilidade subjetiva) e o dano verificado, não se estabelece o liame causal ensejador da responsabilidade. Nos termos do art. 186 do Código Civil, “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” O art. 5º, V e X, da Constituição da República, por sua vez, assegura o direito à indenização por dano moral, material ou à imagem. A princípio, cumpre ressaltar que, conforme enfatizado no v. acórdão recorrido, “a pretensão recursal do reclamante, de ser indenizado moralmente por sua empregadora, não se baseia nessa relação de causalidade da doença com o trabalho e sim no fato de ter sido vítima de assédio e não ter essa empregadora tomado as providências que, aos olhos do reclamante, deveria adotar.” Ora, a Corte Regional concluiu pelo direito do autor ao pagamento de indenização por danos decorrentes de assédio moral, no valor expressivo de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais). Do quadro fático constante do v. acórdão recorrido, verifica-se que o autor foi vítima de assédio moral, praticado por um grupo de colegas de trabalho, via whatsapp não corporativo, ou seja, em ambiente extralaboral, tendo experimentado de modo insofismável desgaste emocional, com repercussão nefasta na órbita dos direitos da personalidade. Contudo, a ocorrência do fato descrito não induz de per si a conclusão pela obrigação empresarial de indenizar. Não se identifica no v. acórdão recorrido conduta culposa ou dolosa por parte da empresa, tampouco participação ainda que mínima nos eventos alegados pelo empregado (fato lesivo, subjetivamente caracterizado por uma ação ou omissão culposa ou dolosa, suscetível de violar direito e causar dano à esfera jurídica do autor - arts. 186 e 187 do Código Civil), tampouco sua inércia na tomada de decisão, quando os efeitos deletérios dos fatos ocorridos fora do ambiente laboral nele repercutiram. A Corte Regional consignou expressamente que o assédio moral se deu via Whatsapp, em um grupo, contudo, organizado e mantido pelos próprios empregados, em que pese a ser participante e administrador o supervisor da tomadora dos serviços e por meio dele serem veiculadas, além de frivolidades (conteúdo próprio desse tipo de grupo), vários assuntos de trabalho, inclusive orientações de caráter geral. Comezinho que em um grupo formado por colegas de trabalho sejam veiculados, ainda que informalmente assuntos relacionados ao trabalho; que um colega repasse ao outro, de maneira meramente altruísta, orientações ou recomendações por óbvio de caráter geral e extraoficial. Não consta do v. acórdão recorrido nenhuma premissa fático-jurídica que convença esse juízo de que a empresa tinha ciência da formação do grupo ou/e da ocorrência da prática de assédio moral até o momento da noticiada pelo Tribunal Regional “denúncia de forma oficial”. Posto expressamente no v. acórdão recorrido que “uma das testemunhas ouvidas foi clara ao dizer que, depois do episódio com o reclamante, veio a determinação de acabar com o grupo do whatsapp”, do que se concluiu que o empregador, em que pese à ocorrência de fatos alheios ao ambiente de trabalho propriamente dito, ao ter ciência da repercussão dos efeitos negativos gerados no âmbito da empresa, tomou as medidas cabíveis para, se não eliminá-los, ao menos minimizá-los. Assim, a conclusão da Corte Regional, em face do quadro fático descrito, de que o empregador quedou-se inerte, diante dos efeitos negativos gerados por fato lesivo não relacionado diretamente ao exercício da atividade econômica que desempenha, não se sustenta, máxime diante da contraditória resposta, ao proceder ao seguinte questionamento: “Dessa maneira, se assim tudo aconteceu, o que fez a empregadora do reclamante, ou até mesmo a tomadora do serviço, para coibir esse tipo de conduta?”, ou seja, “Absolutamente nada, ainda que tenha recebido a denúncia de forma oficial”. Em se tratando de um grupo de whatsapp não corporativo, que outra medida poderia tomar a empresa, se não de, no mínimo, “determinar” a dissolução do grupo, correndo o risco inclusive de violar direito à intimidade de seus empregados. Logo, é desejável e impositivo julgar improcedente o pedido de indenização por assédio moral, como a mais lídima justiça. Evidenciada, portanto, a má-aplicação do art. 186 do Código Civil. Evidenciada, portanto, a má-aplicação do art. 186 do Código Civil. Recurso de revista conhecido por violação do art. 186 do Código Civil e provido.” (TST-RRAg-1282-34.2017.5.08.0130, 8ª Turma, rel. Min. Alexandre de Souza Agra Belmonte, julgado em 20/9/2022)

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