Data da publicação:
Acordão - TST
Alexandre de Souza Agra Belmonte - TST
TRABALHO EM CRUZEIROS MARÍTIMOS QUE NAVEGAM EM ÁGUAS SUPRANACIONAIS. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL.
I - AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DAS RECLAMADAS EM FACE DE DECISÃO PUBLICADA APÓS A VIGÊNCIA DAS LEIS Nº 13.015/2014 E 13.467/2017. TRABALHO EM CRUZEIROS MARÍTIMOS QUE NAVEGAM EM ÁGUAS SUPRANACIONAIS. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL. CONFLITO ENTRE A LEGISLAÇÃO NACIONAL E OS TRATADOS INTERNACIONAIS. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ANTERIOR À RATIFICAÇÃO DA CONVENÇÃO 186 DA OIT (MARÍTIMOS). TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA. A controvérsia enseja o reconhecimento da transcendência jurídica do recurso, nos termos do art. 896-A, §1º, IV, da CLT. Diante de possível violação do artigo 178 da Constituição Federal, dá-se provimento ao agravo de instrumento para melhor exame do recurso de revista. Agravo de instrumento conhecido e provido.
II – RECURSO DE REVISTA DAS RECLAMADAS. TRABALHO EM CRUZEIROS MARÍTIMOS QUE NAVEGAM EM ÁGUAS SUPRANACIONAIS. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL. CONFLITO ENTRE A LEGISLAÇÃO NACIONAL E OS TRATADOS INTERNACIONAIS. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ANTERIOR À RATIFICAÇÃO DA CONVENÇÃO 186 DA OIT (MARÍTIMOS).
1. Cinge-se a controvérsia a se definir qual a legislação aplicável ao trabalhador brasileiro pré-contratado no Brasil para laborar em embarcação estrangeira, com prestação de serviço no exterior. O egrégio Tribunal Regional do Trabalho concluiu pela aplicação da legislação trabalhista brasileira, por ser mais favorável à autora, em detrimento da regra geral de Direito Internacional no tocante ao trabalho do marítimo, ao fundamento de que a contratação da empregada se deu no Brasil.
2. Consta expressamente do acórdão regional que "é incontroverso que a reclamante trabalhou em diversos navios das reclamadas, em águas internacionais, passando por países de diversos continentes, inclusive o Brasil" e que "restou comprovado que a efetiva contratação da reclamante ocorreu na cidade de São Paulo, iniciando-se com a oferta de emprego, palestra com as informações da contratação, exigência de exames médicos e trâmites burocráticos internacionais, como a emissão de passaporte, carta de emprego e vistos de trabalho". Extrai-se ainda do acórdão que a reclamante fora selecionada por uma agência de emprego contratada para a seleção, que a entrevista se deu via Skype com o preposto da reclamada, que estava em Miami, que, após a aprovação da trabalhadora, a reclamada emitiu uma carta de emprego (Letter of Employment) confirmando a contratação da reclamante às autoridades de imigração e alfandegárias, a fim de emissão do visto de emprego. Ou seja, diante de tais premissas fáticas extrai-se que a arregimentação se deu no Brasil.
3. Embora tenha havido recentemente a ratificação da Convenção 186 da OIT - referente ao trabalho marítimo - por meio do Decreto Legislativo 65 de 17/12/2019 e a sanção pelo Presidente da República pelo Decreto Nº 10.671, em 9 de abril de 2021 (DOU 12/4/2021), no presente caso, ao tempo da prestação dos serviços ela não vigorava, devendo ser analisada a lide à luz da legislação e dos Tratados Internacionais vigentes, não sendo de simples solução. Anteriormente, este relator, com ressalva do seu entendimento pessoal, acompanhava a jurisprudência majoritária desta Corte, no sentido de aplicar a legislação nacional ao trabalhador brasileiro, ainda que a prestação de serviços ocorra em navios cuja navegação abarque águas brasileiras e estrangeiras, com preponderância em águas internacionais.
4. Ocorre, entretanto, que os argumentos que justificam a aplicação da legislação estrangeira, em detrimento da nacional, demonstram-se convincentes e se traduzem na melhor solução jurídica aplicável ao caso, pelos motivos que se destaca:
I – a decisão do Supremo Tribunal Federal no tema 210 da Tabela de Repercussão Geral (RE – 636.331, relator Min. Gilmar Mendes, Pleno, DEJT 13/11/2017), interpretando antinomias de normas e tratados internacionais em face da legislação ordinária interna (Código de Defesa do Consumidor), para o caso de transporte internacional, decidiu, com apoio no art. 178 da Constituição Federal, que as convenções internacionais específicas sobre a matéria têm caráter de norma supralegal de sobredireito, conferindo-lhes predominância hierárquica;
II - o princípio da igualdade no aspecto de que as normas jurídicas não devem, de regra, conhecer distinções em relação aos destinatários. Dessa forma, não seria crível conceber que a dois trabalhadores laborando em idêntica situação sobressaiam direitos distintos. A hipótese fere a lógica do razoável e acima de tudo viola o direito universal da igualdade, que consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais;
III – o fato de que, no direito internacional, considera-se que o navio é um bem móvel sui generis, na medida em que a ele se aplicam alguns institutos próprios aos bens imóveis e as formalidades de registro e aquisição, assim, uma vez registrados, passa a fazer parte do território da nação da Bandeira do navio, justificando-se, ainda mais, a aplicação da legislação da Bandeira;
IV - o direito internacional do trabalho contempla o princípio da autonomia da vontade. Logo, ratificada pelo Brasil a convenção internacional que determina a incidência da legislação do "Pavilhão", a sua desconsideração afronta os princípios que regem o direito internacional;
V - o princípio do centro da gravidade do contrato de trabalho (most significant relationship) é um critério subsidiário, uma vez que, em face de o Brasil ter ratificado a convenção que determina a aplicação da legislação da bandeira do pavilhão, não há como se afastar a conclusão da incidência da legislação estrangeira.
5. No caso dos autos, é incontroverso que a embarcação pertence às Bahamas e tendo aquela nação ratificado a Convenção Internacional da OIT nº 186 (Convenção sobre o Trabalho Marítimo – MLC), penso que deveria ser ela aplicada, em detrimento da legislação nacional, a fim de enaltecer, inclusive, o princípio da igualdade, visto que o regramento inserto na referida Convenção é específico para os marítimos, uniformizando, dessa forma, a aplicação dos direitos da categoria. Desta forma, a decisão do Regional que aplicou a legislação nacional, em detrimento dos tratados internacionais, devidamente ratificados pelo Brasil, que reconhecem a aplicação da "Legislação do Pavilhão", contraria o art. 178 da Constituição Federal.
6. Assim, merece provimento o apelo para afastar a aplicação da legislação brasileira e reconhecer a incidência dos tratados internacionais, devidamente ratificados pelo Brasil, que reconhecem a aplicação da "Legislação do Pavilhão". No caso, sendo incontroverso que a embarcação pertence às Bahamas e, conforme se constata, tendo aquela nação ratificado a Convenção Internacional da OIT nº 186 (Convenção sobre o Trabalho Marítimo – MLC), deve ser ela aplicada, em detrimento da legislação nacional, a fim de enaltecer, inclusive, o princípio da igualdade, visto que o regramento inserto na referida Convenção é específico para os marítimos, uniformizando, dessa forma a aplicação dos direitos da categoria. Diante desse contexto, determina-se a baixa dos autos à Vara do Trabalho de origem, a fim de que examine os pedidos sob o enfoque da referida legislação. Recurso de revista conhecido por violação do art. 178 da CF e provido.
III - RECURSO DE REVISTA DA RECLAMANTE. Diante do provimento do recurso de revista da reclamada, que julgou inaplicável a legislação trabalhista brasileira ao caso em epígrafe, fica prejudicada a análise do recurso de revista da reclamante.
Resumo: Agravo de instrumento das reclamadas conhecido e provido, recurso de revista das reclamadas conhecido por violação do art. 178 da CF e prejudicada a análise do recurso de revista da reclamante. (TST-RR-1001602-25.2016.5.02.0080, 8ª Turma, rel. Min. Alexandre de Souza Agra Belmonte, julgado em 8/6/2022)
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-1001602-25.2016.5.02.0080, em que são Recorrentes e Recorridos ROYAL CARIBBEAN CRUISES LTDA., ROYAL CARIBBEAN CRUZEIROS (BRASIL) LTDA. e DANIELLE VILARDO SANTOS.
O TRT da 2ª Região, por meio do acórdão das págs. 2599/2742, complementado às págs. 2769/2771, negou provimento ao recurso ordinário da reclamante e deu parcial provimento ao apelo das reclamadas para "arbitrar os honorários advocatícios, a favor das reclamadas, em 5% sobre a diferença apurada entre o valor corrigido da causa e o valor líquido devido à reclamante" (pág. 2633).
Inconformados, reclamante e reclamada interpuseram recursos de revista às págs. 2784/2798 e 2800/2962.
Contraminuta e contrarrazões interpostos por ambas as partes.
Dispensada a remessa ao Ministério Público do Trabalho, nos termos do art. 95 do RITST.
É o relatório.
V O T O
I – AGRAVO DE INSTRUMENTO DAS RECLAMADAS
1 - CONHECIMENTO
Satisfeitos os pressupostos extrínsecos de admissibilidade, conheço do agravo de instrumento.
2 – MÉRITO
2.1 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL. TRABALHO EM CRUZEIROS MARÍTIMOS QUE NAVEGAM EM ÁGUAS NACIONAIS E SUPRANACIONAIS. CONFLITO ENTRE A LEGISLAÇÃO NACIONAL E OS TRATADOS INTERNACIONAIS. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ANTERIOR À RATIFICAÇÃO DA CONVENÇÃO 186 DA OIT (MARÍTIMOS).
Alega a reclamada que "a incidência da legislação brasileira (CLT e Lei nº 7.064/82) aos contratos dos tripulantes marítimos de cruzeiros deu-se sob a ótica de argumentos estranhos ao nosso ordenamento jurídico (a aplicação dos princípios da contratualidade e do centro de gravidade, acrescido do artigo 3º, II da Lei 7.064/82) e, por tal razão, a decisão ora atacada viola princípios caros ao direito brasileiro, tais como: a harmonia do direito interno ao direito internacional vigente, a legalidade, a isonomia, a segurança jurídica (art. 5º, XXXVI) e a autonomia da vontade (artigo 5º, inciso II)". (pág. 3129)
Afirma que "a partir do emblemático julgamento do RE 466343, Relator, Min. Cezar Peluso, o Supremo Tribunal Federal estabeleceu novo entendimento acerca da hierarquia dos tratados internacionais ratificados face às normas do ordenamento jurídico nacional" (pág. 3129)
Defende que "a Suprema Corte brasileira (STF) firmou entendimento vinculante quanto à prevalência dos tratados e convenções internacionais que versem acerca de transporte internacional ratificados sobre a legislação infraconstitucional, ainda que se cuide de norma pátria protetiva, pois, em situações dessa natureza, se assegura vigência à norma internacional limitadora de responsabilidade" (pág. 3129)
Entende que "a decisão afronta a ordem jurídica internacional ao violar relevantes convenções internacionais da ONU (Organização das Nações Unidas) e da OIT (Organização Internacional do Trabalho), as quais formularam tais normativas com o espeque de unificar e harmonizar os direitos do mar (e dos marítimos ou da "gente do mar"), face a sua profunda especialidade e em razão de envolver interesses de múltiplos países" (pág. 3131)
Alega, alternativamente, que "os armadores internacionais de embarcações de cruzeiros marítimos deverão oferecer aos seus tripulantes brasileiros os direitos conferidos pela legislação territorial (Lei da Bandeira / Convenção do Trabalho Marítimo da OIT / ACT / demais Convenções Internacionais da OIT) adicionando a estas os direitos previstos no artigo 15 (pagamento de passagem ida e volta), artigo 16 (limitação contratual de 03 anos), artigo 17 (direito à repatriação)" (pág. 3139)
Indica violação dos arts. 178 e 5º, § 2º e 3º da CF/88, 198, 274, 279 e 281 do Código de Bustamante, (Convenção Internacional ratificada pelo Brasil por meio do Decreto nº 18.871/ 1929), 91 da Convenção da ONU sobre os Direitos do Mar de 1982, (ratificada pelo Brasil pelo Decreto nº 4.36 1/2002) e 27 da Convenção da ONU sobre os Direitos dos Tratados de 1969 (ratificada pelo Brasil por meio do Decreto nº 7.030/2009).
A controvérsia enseja o reconhecimento da transcendência jurídica do recurso, nos termos do art. 896-A, §1º, IV, da CLT, uma vez que a determinação de qual legislação é aplicável aos contratos de trabalho dos marítimos, em face da ratificação da Convenção 186 da OIT pelo Brasil, deve ser examinada à luz de tal Convenção.
Eis os termos da decisão agravada:
PRESSUPOSTOS EXTRÍNSECOS
Tramitação na forma da Lei n.º 13.467/2017.
Tempestivo o recurso (decisão publicada no DEJT em 13/11/2018 - Aba de Movimentações; recurso apresentado em 28/11/2018 - id. 8896496).
Regular a representação processual, id. 586fd04.
Satisfeito o preparo (id(s). db8ef32/f6de39d, 9e853ce/e9ff544 e b545c2e/5a53600/0cfb76b).
PRESSUPOSTOS INTRÍNSECOS
CATEGORIA PROFISSIONAL ESPECIAL / MARÍTIMOS.
CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO.
Alegação(ões):
Requerem "as recorrentes que seja reformado o v. Acórdão para desautorizar a aplicação da legislação nacional ( CLT ) bem como a consequente aplicação da l ei da bandeira da embarcação, da MLC, dos Acordos Coletios e de todas as Convenções Internacionais da OIT aos contratos de trabalho marítimos" .
Diante desses fundamentos, requer a reforma do v. Acórdão, que determinou a aplicação da legislação brasileira ao caso concreto sub judice .
Os arestos transcritos para essa finalidade são inservíveis para caracterizar o conflito pretoriano que propicia o recebimento do Recurso de Revista, porquanto não atendem todos os ditames autorizadores da reapreciação(alínea "a"/"b" e § 8º do art. 896 da CLT e Súmula 333/TST), notadamente porque oriundos de turma do Tribunal Superior do Trabalho.
DENEGO seguimento.
CONCLUSÃO
DENEGO seguimento ao recurso de revista.
Analiso.
Cinge-se a controvérsia a se definir qual a legislação aplicável ao trabalhador brasileiro, contratado no território nacional, por empresa sediada no Brasil, para prestar serviços em navio de cruzeiros, que navega tanto em mar territorial brasileiro, como em águas internacionais.
Diante de possível violação do artigo 178 da Constituição Federal, dá-se provimento ao agravo de instrumento para melhor exame do recurso de revista.
DOU PROVIMENTO ao agravo de instrumento.
II – RECURSO DE REVISTA DAS RECLAMADAS
1 – CONHECIMENTO
Satisfeitos os pressupostos genéricos de admissibilidade do recurso de revista, passo ao exame dos específicos.
1.1 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL. TRABALHO EM CRUZEIROS MARÍTIMOS QUE NAVEGAM EM ÁGUAS NACIONAIS E SUPRANACIONAIS. CONFLITO ENTRE A LEGISLAÇÃO NACIONAL E OS TRATADOS INTERNACIONAIS. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ANTERIOR À RATIFICAÇÃO DA CONVENÇÃO 186 DA OIT (MARÍTIMOS).
Alega a reclamada que "no caso de nossos autos, a antinomia se dá entre a regra geral em direito internacional da aplicação da bandeira/pavilhão da embarcação, consagrada em d u as convenções internacionais ratificadas pelo Brasil: artigos 198, 274, 279 e 281 do Código de Bustamante, (Convenção Internacional ratificada pelo Brasil por meio do Decreto n º 18.871/1 929), e artigo 91 da Convenção da ONU s obre os Direitos do Mar de 1982, (ratificada pelo Brasil pelo Decreto nº 4.361/20 02) e a norma celetista, acrescida do expatriado, a Lei 7.064/82, as quais sequer possuem normas específicas sobre o trabalhador marítimo" (pág. 2865).
Sustenta que "No entender dos Ministros da S u prema Corte, em que pese a jurisprudência majoritária do STF dispor que as convenções internacionais - à exceção das relativas aos direitos humanos - possuem força de lei ordinária, o artigo 178 da CF/88 resolve o critério hierárquico ao conferir prevalência das convenções internacionais especificamente relacionadas ao transporte internacional aéreo, marítimo e terrestre" (pág. 2866).
Afirma que "a bandeira das embarcações (Bahamas) aplica os direitos materiais contidos na única legislação internacional focada especialmente no trabalhador de cruzeiros marítimos, qual seja, a Convenção do Trabalho Marítimo (Convenção n. 186 da OIT)" (pág. 2866).
Indica violação dos arts. 178 e 5º, § 2º e 3º da CF/88, 198, 274, 279 e 281 do Código de Bustamante, (Convenção Internacional ratificada pelo Brasil por meio do Decreto nº 18.871/ 1929), 91 da Convenção da ONU sobre os Direitos do Mar de 1982, (ratificada pelo Brasil pelo Decreto nº 4.36 1/2002) e 27 da Convenção da ONU sobre os Direitos dos Tratados de 1969 (ratificada pelo Brasil por meio do Decreto nº 7.030/2009).
Eis o trecho do acórdão transcrito para fins de prequestionamento da controvérsia:
No caso, é incontroverso que a reclamante trabalhou em diversos navios das reclamadas, em águas internacionais, passando por países de diversos continentes, inclusive o Brasil.
Ocorre que restou comprovado que a efetiva contratação da reclamante ocorreu na cidade de São Paulo, iniciando-se com a oferta de emprego, palestra com as informações da contratação, exigência de exames médicos e trâmites burocráticos internacionais, como a emissão de passaporte, carta de emprego e vistos de trabalho.
(...)
Portanto, considerando que o contrato individual de trabalho pode ser realizado até mesmo de forma tácita ou verbal (art. 443 da CLT), a alegação de que a contratação ocorreu somente dentro do navio não se sustenta, posto que até chegar a esta etapa, de mera formalização do contrato, a reclamante já havia sido efetivamente contratada em território nacional, o que atrai a aplicação da Lei n.º 7.064/1982, que regula a situação de trabalhadores contratados no Brasil ou transferidos por seus empregadores para prestar serviço no exterior, em razão da especialidade da norma.
Assim dispõe o art. 3º, da referida legislação especial:
"A empresa responsável pelo contrato de trabalho do empregado transferido assegurar-lhe-á, independentemente da observância da legislação do local da execução dos serviços:
I - os direitos previstos nesta Lei;
II - a aplicação da legislação brasileira de proteção ao trabalho, naquilo que não for incompatível com o disposto nesta Lei, quando mais favorável do que a legislação territorial, no conjunto de normas e em relação a cada matéria.
Parágrafo único. Respeitadas as disposições especiais desta Lei, aplicar-se-á a legislação brasileira sobre Previdência Social, Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS e Programa de Integração Social - PIS/PASEP."
Como se vê, referida lei não afasta a aplicação de normas internacionais ou do local da execução dos serviços, mas garante aos trabalhadores aqui contratados e transferidos, a legislação trabalhista brasileira, se for mais favorável, não demonstrando as reclamadas que não é o caso. Sendo assim, não há que se falar em violação ao princípio da legalidade, da autonomia privada coletiva, da igualdade e não discriminação entre nacionalidades.
Trecho transcrito do acórdão em sede de embargos de declaração:
Sem razão.
Da leitura atenciosa do acórdão, verifica-se que não ocorreu qualquer vício do art. 1.022 do CPC e artigo 897-A da CLT, sendo que os embargos declaratórios não se prestam ao reexame das matérias já enfrentadas.
E mais. O Juiz não precisa rebater todas as teses jurídicas defendidas pelas partes. A decisão encontra-se fundamentada, de modo que não há infração ao art. 93 da CF.
O inciso IV do art. 489 do CPC fala da necessidade de enfrentamento dos "argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador". Evidentemente, os argumentos de que trata o referido dispositivo legal não se confundem com as teses jurídicas deduzidas pelas partes. Esses argumentos são as questões do processo (fatos controversos e suas consequências jurídicas) sobre as quais deve o Juiz manifestar-se. Isso porque, adotada as razões de decidir jurídicas, têm-se por repelidas as interpretações ou teses jurídicas propostas pelas partes para os mesmos pontos. Em outras palavras, os "argumentos" de que trata o art. 489 do CPC são as questões ou pontos trazidos à luz por meio da manifestação técnica.
Não se ignora que as teses jurídicas estão intimamente ligadas aos fatos-questões, mas ao Juiz cabe a subsunção do fato à norma e o dever de fundamentar a sua decisão, por força do art. 93 da Constituição Federal, não se vinculando às teses jurídicas trazidas por uma ou outra partes.
O Juiz deve manifestar-se sobre todos os pontos da causa, que, em última análise, são os fatos sobre os quais divergem os litigantes. Seria ilógico pensar que, decididas as questões com os devidos fundamentos, tivesse o julgador de analisar cada tese jurídica vinculada às mesmas questões, para dizer as razões do seu não acolhimento. Ora, o fundamento de não aceitação da tese proposta pela parte é aquele declinado pelo julgador como razão de decidir da questão.
Enfim, o acórdão encontra-se suficientemente claro, sendo certo que a tese nele adotada é perfeitamente compreensível. Não há necessidade, portanto, de se interpor embargos de declaração sob a alegação de prequestionamento. Aliás, cumpre ressaltar que a jurisprudência não criou nova hipótese para a interposição de embargos de declaração, tampouco novo pressuposto de admissibilidade do recurso de revista. O prequestionamento é exigido quando há omissão, obscuridade ou contradição no acórdão capaz de inviabilizar a remessa do debate à instância extraordinária.
Vejamos.
Cinge-se a controvérsia a se definir qual a legislação aplicável ao trabalhador brasileiro, contratado no território nacional, por empresa sediada no Brasil, para prestar serviços em navio de cruzeiros, que navega tanto em mar territorial brasileiro, como em águas internacionais.
O egrégio Tribunal Regional do Trabalho concluiu pela aplicação da legislação trabalhista brasileira, por ser mais favorável à autora, em detrimento à regra geral de Direito Internacional no tocante ao trabalho do marítimo, ao fundamento de que a contratação da empregada se deu no Brasil.
Consta expressamente do acórdão regional que "é incontroverso que a reclamante trabalhou em diversos navios das reclamadas, em águas internacionais, passando por países de diversos continentes, inclusive o Brasil" e que "restou comprovado que a efetiva contratação da reclamante ocorreu na cidade de São Paulo, iniciando-se com a oferta de emprego, palestra com as informações da contratação, exigência de exames médicos e trâmites burocráticos internacionais, como a emissão de passaporte, carta de emprego e vistos de trabalho".
Extrai-se ainda do acórdão que a reclamante fora selecionada por uma agência de emprego contratada para a seleção, que a entrevista se deu via Skype com o preposto da reclamada que estava em Miami, que após a aprovação da trabalhadora, a reclamada emitiu uma carta de emprego (Letter of Employment) confirmando a contratação da reclamante às autoridades de imigração e alfandegárias, a fim de emissão do visto de emprego. Ou seja, diante de tais premissas fáticas extrai-se que a arregimentação se deu no Brasil.
Pois bem.
Anteriormente, este relator, com ressalva ao seu entendimento pessoal, acompanhava a jurisprudência majoritária desta Corte, no sentido de aplicar a legislação nacional ao trabalhador brasileiro, ainda que a prestação de serviços ocorra em navios cuja navegação abarque águas brasileiras e estrangeiras, com preponderância em águas internacionais.
Ocorre, entretanto, que os argumentos que justificam a aplicação da legislação estrangeira, em detrimento da nacional, demonstram-se convincentes e se traduzem na melhor solução jurídica aplicável ao caso, pelos motivos que se passa a expor:
A Emenda Constitucional nº 7, de 15 de agosto de 1995, alterou o artigo 178 da Constituição Federal para permitir a navegação de cabotagem nos portos do país por navios de bandeira estrangeira, tornando-se os cruzeiros marítimos, a partir de então, uma presença constante nas praias, nos portos e na costa brasileiras.
Os referidos cruzeiros, quando navegam em águas brasileiras e/ou internacionais e se utilizam de trabalhadores brasileiros para a força de trabalho, geram várias questões relacionadas à incidência da lei brasileira ou estrangeira aplicável às relações de trabalho, bem como às atinentes à escolha do foro, nacional ou estrangeiro, competente para as ações trabalhistas.
Quanto à lei material aplicável, nos navios que operam predominantemente em águas internacionais, mas aportam em portos de vários países, aplicar a legislação correspondente a cada país onde está engajado o trabalhador seria o caos.
Nesse prisma, os artigos 274 e 279 do Código de Bustamante (Convenção Internacional de Havana, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto nº 18.871, de 13 de agosto de 1929), determinam a aplicação da lei do país do local da matrícula da embarcação como a de regência para os contratos de trabalho dos marítimos.
Contudo, peculiaridades ainda levam ao questionamento sobre a incidência da lei do local da prestação de serviços (LPS), da lei do local da contratação (LINDB) ou da lei mais benéfica (LMP, da Lei nº 7.064/1982) em casos peculiares, em detrimento da lei do pavilhão (LP), aspecto que demonstra a complexidade das relações trabalhistas em embarcações, mormente em cruzeiros marítimos, que envolve enorme contingente de tripulantes de diversas nacionalidades.
Os artigos 248 a 250, da CLT, previstos para aplicação aos marítimos contratados no Brasil não esgotam o assunto, até porque estão centrados exclusivamente nas questões atinentes à duração do trabalho e mesmo assim sem considerar a diversidade profissional dos trabalhadores em cruzeiros marítimos.
A legislação internacional do trabalho, da OIT, prevê direitos aos marítimos: Convenção nº 7, sobre idade mínima; Convenção 146, sobre férias remuneradas; Convenção 163, sobre bem-estar no mar e no porto; Convenção 164, sobre proteção à saúde e assistência médica; Convenção 166, sobre repatriação dos trabalhadores marítimos; Convenção 147, sobre normas mínimas da marinha mercante; Convenção 178, sobre inspeção das condições de vida e de trabalho; e, Convenção do Trabalho Marítimo nº 186 (MLC 2006, para regulação abrangente dos direitos do trabalhador marítimo).
O Brasil ratificou todas as convenções acima elencadas, inclusive, recentemente, a Convenção do Trabalho Marítimo nº 186 (Maritime Labour Convention- MLC 2006), por meio do Decreto Legislativo 65 de 17/12/2019, sujeita apenas à sanção presidencial, que se destina a regular internacionalmente os direitos dos trabalhadores marítimos, incluindo horas de trabalho e descanso, férias, repatriação no fim de contrato, acomodação, alimentação e proteção à saúde e à segurança dos trabalhadores.
A Convenção sobre Trabalho Marítimo (Convenção nº 186 da OIT), aprovada durante a 94ª Conferência Internacional do Trabalho, realizada em 2006, consolida e atualiza 68 convenções e recomendações para o setor marítimo adotadas ao longo dos 90 anos de existência da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A Convenção estabelece direitos e condições decentes de trabalho em diversas áreas e busca ser aplicável internacionalmente, a fim de uniformizar as relações de trabalho neste setor.
Por meio do Decreto nº 99.165, de 12 de março de 1990, o Brasil tambem ratificou a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. No artigo 92,1, estabelece que "Os navios devem navegar sob a bandeira de um só Estado e, salvo nos casos excepcionais previstos expressamente em tratados internacionais ou na presente Convenção, devem submeter-se, no alto mar, à jurisdição exclusiva desse Estado. Durante uma viagem ou em porto de escala, um navio não pode mudar de bandeira, a não ser no caso de transferência efetiva da propriedade ou de mudança de registro." E no item 2, que "Um navio que navegue sob a bandeira de dois ou mais Estados, utilizando-as segundo as suas conveniências, não pode reivindicar qualquer dessas nacionalidades perante um terceiro Estado e pode ser considerado como um navio sem nacionalidade."
No tocante à aplicação das leis materiais, embora tenha havido recentemente a ratificação da Convenção dos Marítimos (Convenção 186 da OIT), no caso, ao tempo da prestação dos serviços ela não vigorava devendo ser analisada a lide à luz da legislação e dos Tratados Internacionais vigentes, não sendo de simples solução.
Assim, desde logo se observa que a escolha da lei aplicável, brasileira ou estrangeira como elemento de conexão, envolve não apenas as normas heterônomas, de natureza estatal, como também as normas autônomas negociadas no plano coletivo (acordos e convenções coletivas de trabalho brasileiras ou equivalentes estrangeiras) e as normas internacionais negociadas entre o Brasil e os países estrangeiros.
Com base no Código de Bustamante (Convenção Internacional de Havana, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto nº 18.871, de 13 de agosto de 1929), aos navios ou aeronaves que trafegam em áreas internacionais em grande parte da execução do trabalho, os artigos 274 e 279 da referida convenção são os de regência para as relações de direito material.
Eis os textos dos referidos dispositivos:
Art. 274. A nacionalidade dos navios prova-se pela patente de navegação e a certidão do registro, e tem a bandeira como sinal distintivo aparente.
Art. 279. Sujeitam-se também à lei do pavilhão os poderes e obrigações do capitão e a responsabilidade dos proprietários e armadores pelos seus atos.
Logo, o contrato de trabalho ("engajamento" ou "embarque") do trabalhador marítimo é regido pela lei do país do local da matrícula da embarcação.
Ensina ARNALDO SUSSEKIND (Conflitos de Leis do Trabalho. Biblioteca Jurídica Freitas Bastos, 1979, p.52) que "Os navios e as aeronaves constituem autênticos estabelecimentos móveis, cuja nacionalidade decorre da patente de navegação, comprovada pela respectiva certidão de registro. É essa patente que dá o direito ao uso da correspondente bandeira. Daí dizer-se que a "lei do pavilhão" rege os contratos de trabalho de seus tripulantes. Essa lei, no dizer de BATIFFOL, corresponde, em tais casos, "à lei do local da execução do trabalho" ("Traité Elémentaire du Droit lnternational Privé", 2ª edição nº 608), pois os navios e as aeronaves têm nacionalidade (PONTES DE MIRANDA, "Tratado de Direito Privado", Rio, 2g edição, vol. IV, pág.42), indicada pela patente de navegação (EDUARDO ESPÍNOLA e ESPÍNOLA FILHO, "Tratado de Direito Civil Brasileiro", Rio, 1949, vol. VIII, pág.1485}."
Mais adiante, explica que "O Código de Bustamante, como registramos no Capítulo I, desta Parte, consagra explicitamente a aplicação da lei do país da patente de navegação, quer em relação aos navios (Arts.274 a 281}, quer no tocante às aeronaves (Art.282}. Também as convenções adotadas pela Conferência Internacional do Trabalho consubstanciam o princípio da aplicação da lei do local de matrícula do navio às relações dos seus tripulantes".
Portanto, o Código de Bustamante adota o princípio da "lei da execução do trabalho" (o navio), correspondente à da nacionalidade da embarcação como regra. Regra, porque as várias situações que podem surgir colocam ela em xeque.
Com efeito, a convenção parte do pressuposto de que a bandeira da embarcação corresponde ao do país do armador que explora o navio. Pelo que, nos casos de escolha de bandeira "de favor" ou de "conveniência", que não guarda qualquer relação com a nacionalidade da empresa que explora a atividade econômica atrelada à embarcação e assim destinada apenas a evitar a incidência legislativa fiscal, trabalhista ou ambiental do país condizente com a origem operacional do armador, ficará caracterizada a fraude que anula a legislação da bandeira do navio, para incidência da nacionalidade da empresa exploradora da embarcação. Nos autos, no entanto, não se constata eventual fraude.
A respeito, a Convenção das Nações Unidas sobre Direitos do Mar (CNUDM) alude à necessidade da verificação de "um vínculo substancial entre o Estado e o navio", para que em alto mar os navios se submetam à jurisdição exclusiva do Estado da bandeira (art. 92, parágrafo 1).
Todavia, nessa questão da escolha da lei material aplicável, várias são as situações que colocam em confronto a lei do pavilhão ou do país de cionalidade da embarcação (LP), a lei do local da prestação de serviços (LPS), a lei do local da contratação (LICC) e a lei mais benéfica (LMP da Lei nº 7.064/1982}, tais como:
a) trabalhador brasileiro contratado no exterior para trabalho em navio de bandeira estrangeira;
b) trabalhador brasileiro contratado no Brasil para fazer exclusivamente a costa brasileira;
c) trabalhador contratado no Brasil para trabalho em navio de bandeira estrangeira, no exterior;
d) trabalhador contratado no Brasil para labor na costa brasileira e em águas internacionais;
e) trabalhador contratado por empresa estrangeira em território nacional para prestar serviços em embarcação que navega predominantemente em águas internacionais;
f) trabalhador recrutado no exterior em país da mesma bandeira do navio empregador para prestar serviços em águas internacionais e apenas eventualmente no Brasil;
g) trabalhador recrutado no exterior em país de bandeira diferente da do navio empregador para prestar serviços em águas internacionais e apenas eventualmente no Brasil e
h) trabalhador brasileiro recrutado no exterior quando o serviço é prestado em águas internacionais e brasileiras explorando a empresa roteiros da costa brasileira e roteiros de costa estrangeira.
O caso dos autos é de trabalhadora contratada por empresa estrangeira em território nacional para prestar serviços em embarcação que navega em águas nacionais, territoriais de outros países e em águas internacionais.
Apesar de não haver registro da predominância de navegação em águas internacionais, ela efetivamente se caracterizou, pois é evidente que a maior parte do trabalho, quando em costa brasileira, se deu em águas internacionais, pelo simples fato de que os cruzeiros precisam navegar além das 200 milhas náuticas para que o cassino possa funcionar, em face da vedação da legislação brasileira para essa atividade em território nacional.
Ademais, merece destaque a Resolução Normativa nº 5/2017, do Conselho Nacional de Imigração do Ministério (integrante do Ministério Trabalho), alterada em 23 de julho de 2020, que, tratando de questões afetas a marítimos que trabalham a bordo de embarcação de cruzeiros marítimos pela costa brasileira, aduz em seus artigos 4º e 7º que:
Art. 4º A partir do trigésimo primeiro dia de operação em águas jurisdicionais brasileiras, a embarcação de turismo estrangeira deverá contar com um mínimo de vinte e cinco por cento de brasileiros do total dos profissionais existentes a bordo da embarcação a serem definidas pelo armador ou pela empresa representante do mesmo. (Redação dada pela Resolução CNIG MJSP nº 43, de 23 de julho de 2020)
§1º ...
§2º ...
(...)
Art. 7º A saída da embarcação das águas jurisdicionais brasileiras por período inferior a quinze dias consecutivos não interromperá a contagem para efeito do disposto no art. 4º. (Redação dada pela Resolução CNIG MJSP nº 43, de 23 de julho de 2020)
Com efeito, extrai-se dessa norma a presunção de navegação em águas internacionais a partir dos 15 dias da operação da embarcação em águas jurisdicionais brasileiras, o que denota a predominância da navegação dessas embarcações de cruzeiros em águas internacionais, dados os períodos de duração da quase totalidade dos contratos de trabalho celebrados no território nacional, que segundo a própria Resolução deverá contar com 25% de brasileiros. No caso em apreço, é incontroverso que foram celebrados cinco contratos de trabalho, a saber: de 04.09.2011 até 18.03.2012, 21.09.2012 até 22.03.2013, 22.06.2013 até 13.12.2013, 22.03.2014 até 11.10.2014 e 02.05.2015 até 08.11.2015.
Logo, de um exame das circunstâncias do caso, é possível concluir que a prestação de serviços se deu em águas predominantemente estrangeiras.
E não se trata da simples aplicação do art. 3º da Lei nº 7.064/82, que determina a incidência da lei mais benéfica para o trabalhador em face de a situação assemelhar-se à de transferência para trabalho no exterior (em águas internacionais).
Com efeito, exceto nos casos de transferência do trabalhador brasileiro aqui admitido, em que é aplicável a Lei nº 7.064/1982, ou naqueles em que o trabalho ocorre predominantemente em águas brasileiras, a Lei do Pavilhão, como elemento de conexão entre elementos multinacionais da prestação do trabalho marítimo (nacionalidade da embarcação, nacionalidade do trabalhador, território da prestação do trabalho), é a que, nos termos do Código de Bustamante, evita a multiplicidade de legislações em relação aos trabalhadores de diversas nacionalidades.
Um exemplo de incidência da aplicação da legislação brasileira no caso de cruzeiro marítimo que, embora navegue em águas internacionais, se dá quando a contratação ocorre para a prestação de trabalho em águas nacionais, como no caso em que se contrata uma banda para apresentação durante o trajeto no mar territorial brasileiro.
O art. 5º, § 3º, da Constituição Federal define que os tratados que versem especificamente sobre direitos humanos são equivalentes a emendas constitucionais, se aprovados em cada Casa do Congresso Nacional em dois turnos, por 3/5 dos votos dos respectivos membros.
No caso, porém, por não versarem os diplomas internacionais em referência sobre direitos humanos, surge a controvérsia sobre sua aplicação em detrimento da legislação nacional.
O Supremo Tribunal Federal no tema 210 da Tabela de Repercussão Geral (RE – 636.331, relator Min. Gilmar Mendes, Pleno, DEJT 13/11/2017), interpretando antinomias de normas e tratados internacionais em face da legislação ordinária interna (Código de Defesa do Consumidor), para o caso de transporte internacional, decidiu, com apoio no art. 178 da Constituição Federal, que as convenções internacionais específicas sobre a matéria têm caráter de norma supralegal de sobredireito, conferindo-lhes predominância hierárquica.
O caso julgado no STF se refere a recurso extraordinário interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que negou aplicação, em relação de consumo, à regra da Convenção de Varsóvia que limita o valor da indenização devida, a título de dano material em extravio de bagagem em voos internacionais.
A Suprema Corte reafirmou que "Os diplomas normativos internacionais em questão não gozam de estatura normativa supralegal de acordo com a orientação firmada no RE 466.343, uma vez que seu conteúdo não versa sobre a disciplina dos direitos humanos.", concluindo que "a antinomia deve ser solucionada pela aplicação ao caso em exame dos critérios ordinários, que determinam a prevalência da lei especial em relação à lei geral e da lei posterior em relação à lei anterior."
Analisando os três critérios pacificadores das antinomias no âmbito internacional (critério hierárquico, critério de especialização e critério cronológico), aquela Corte concluiu pela aplicabilidade das convenções internacionais fixando a seguinte tese:
"É aplicável o limite indenizatório estabelecido na Convenção de Varsóvia e demais acordos internacionais subscritos pelo Brasil, em relação às condenações por dano material decorrente de extravio de bagagem, em voos internacionais".
Assim, seguindo os mesmos critérios utilizados pelo STF de antinomia em relação aos Tratados e Convenções Internacionais em face da CLT e da Lei 7.064/82, à luz dos critérios pacificadores no âmbito internacional, tem-se o seguinte panorama:
Quanto ao critério hierárquico, o art. 178 da Constituição Federal enuncia que "a lei disporá sobre a ordenação dos transportes aéreos, aquáticos e terrestre, devendo, quanto á ordenação do transporte internacional, observar os acordos firmados pela União, atendido ao princípio da reciprocidade."
O dispositivo constitucional, quando a matéria se refere a transporte internacional, como no caso dos cruzeiros que naveguem em águas supranacionais, confere status de norma supralegal aos tratados que versarem sobre a matéria.
Assim, os referidos acordos internacionais, por força do dispositivo constitucional em questão, se sobrepõem hierarquicamente à CLT e à Lei 7.064/82 invocada pela decisão recorrida.
No que se refere ao critério da especialidade a CLT e a Lei 7.064/82 não dispõem especificamente sobre o direito do trabalhador contratado para trabalhar em navio quando este navega em águas supranacionais, tampouco sobre o exercício da jurisdição em face da prestação de serviços em águas que excedam os limites do mar territorial brasileiro, e as convenções internacionais em questão têm disciplina própria, sobretudo no que diz respeito à jurisdição para solução dos conflitos em águas supranacionais.
Quanto ao critério cronológico, o voto proferido pelo Exmo. Min. Luiz Fux, no julgamento do referido RE 636.331, colocou a questão de que a lei posterior geral não derroga a lei anterior especial.
Confira-se:
"(...) de um estudo do professor Norberto Bobbio, conhecidíssimo, Teoria do Ordenamento jurídico, onde ele afirma que a lei posterior, geral, ela não derroga a lei anterior, especial. E é exatamente o que ocorre: o Código de Defesa do Consumidor é posterior, mas é uma lei geral. E a Convenção de Varsóvia é uma lei anterior, recepcionada pelo ordenamento brasileiro, mas é uma lei especial. A lei geral convive com uma lei especial."
Assim, embora o Código de Bustamante (Convenção Internacional de Havana, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto nº 18.871, de 13 de agosto de 1929), aplicado aos navios ou aeronaves, que trafegam em áreas internacionais em grande parte da execução do trabalho, seja anterior à CLT e à Lei 7.064/82, é normativo especial, como já demonstrado, que deve prevalecer sobre o geral.
Logo, atento aos critérios pacificadores das antinomias no âmbito internacional (critério hierárquico, critério de especialização e critério cronológico) devem prevalecer, no caso dos autos, os tratados internacionais.
A observância do disposto nos tratados mencionados não vulnera o direito dos trabalhadores brasileiros contratados para laborarem em cruzeiros marítimos que naveguem em águas supranacionais. Pelo contrário, a aplicação de um mesmo diploma visa garantir a todos os trabalhadores que laborem nessas mesmas condições o mesmo direito, enaltecendo o princípio da igualdade previsto na Convenção Interamericana de Direitos Humanos.
Ressalte-se que um dos aspectos do princípio da igualdade é de que as normas jurídicas não devem, de regra, conhecer distinções em relação aos destinatários. Dessa forma, não seria crível conceber que a dois trabalhadores laborando em idêntica situação sobressaiam direitos distintos. A hipótese fere a lógica do razoável e acima de tudo viola o direito universal da igualdade que consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais.
Ilustrando tal situação, é relevante mencionar o seguinte julgado do STF, em que se repeliu o tratamento diferenciado entre trabalhadores de nacionalidades diversas que laborem na mesma empresa:
EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRABALHO. PRINCÍPIO DA IGUALDADE. TRABALHADOR BRASILEIRO EMPREGADO DE EMPRESA ESTRANGEIRA: ESTATUTOS DO PESSOAL DESTA: APLICABILIDADE AO TRABALHADOR ESTRANGEIRO E AO TRABALHADOR BRASILEIRO. C.F., 1967, art. 153, § 1º; C.F., 1988, art. 5º, caput. I. - Ao recorrente, por não ser francês, não obstante trabalhar para a empresa francesa, no Brasil, não foi aplicado o Estatuto do Pessoal da Empresa, que concede vantagens aos empregados, cuja aplicabilidade seria restrita ao empregado de nacionalidade francesa. Ofensa ao princípio da igualdade: C.F., 1967, art. 153, § 1º; C.F., 1988, art. 5º, caput). II. - A discriminação que se baseia em atributo, qualidade, nota intrínseca ou extrínseca do indivíduo, como o sexo, a raça, a nacionalidade, o credo religioso, etc., é inconstitucional. Precedente do STF: Ag 110.846(AgRg)-PR, Célio Borja, RTJ 119/465. III. - Fatores que autorizariam a desigualização não ocorrentes no caso. IV. - R.E. conhecido e provido. (RE 161243, Relator(a): CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado em 29/10/1996, DJ 19-12-1997 PP-00057 EMENT VOL-01896-04 PP-00756)
Pontue-se, ainda, o disposto no art. 27 da Convenção da ONU sobre Direitos dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais de 1969, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto nº 7.030/2009, que dispõe que "Uma Parte não pode invocar as disposições do seu direito interno para justificar o incumprimento de um tratado".
Pelos critérios ora analisados, conclui-se que se aplicam os normativos internacionais em detrimento da legislação nacional e, nesse aspecto, os artigos 274 e 279 do Código de Bustamante (Convenção Internacional de Havana, ratificada pelo Brasil por meio do Decreto nº 18.871, de 13 de agosto de 1929) determinam a aplicação da lei do país do local da matrícula da embarcação como a de regência para os contratos de trabalho dos marítimos, cuja navegação exceda as águas nacionais.
Prevaleceria outra conclusão, se a hipótese se tratasse de incidência da lei do pavilhão na hipótese de bandeira de favor, mas não é o caso, conforme já salientado.
Não bastasse, reafirma a incidência da lei do pavilhão o fato de que a embarcação navegava em águas internacionais, fora dos limites do mar territorial brasileiro.
Neste aspecto, ressalte-se para o fato de que, no direito internacional considera-se que o navio é um bem móvel sui generis, na medida em que a ele se aplicam alguns institutos próprios aos bens imóveis e as formalidades de registro e aquisição, assim, uma vez registrado, passa a fazer parte do território da nação da Bandeira do navio, justificando-se, ainda mais, a aplicação da legislação da Bandeira.
Ressalte-se, ainda, que o direito internacional do trabalho contempla o princípio da autonomia da vontade. Logo, ratificada pelo Brasil a convenção internacional que determina a incidência da legislação do "Pavilhão", a sua desconsideração afronta os princípios que regem o direito internacional.
Pondera-se, também, para o fato de que o princípio do centro da gravidade do contrato de trabalho (most significant relationship) é um critério subsidiário, visto que, em face de o Brasil ter ratificado a convenção que determina a aplicação da legislação da bandeira do pavilhão, não há como se afastar a conclusão da incidência da legislação estrangeira.
Assim, tendo em vista que a Convenção Internacional dos Marítimos (Convenção 186 da OIT) busca conceder aos trabalhadores marítimos condições decentes e dignas de trabalho em vários aspectos, como idade mínima, horas de trabalho e descanso, pagamento, férias, repatriação ao fim do contrato, acomodação, alimentação e proteção à saúde e à segurança dos trabalhadores, inclusive quanto à prevenção de acidentes, constata-se que ela é mais benéfica, no conjunto, do que qualquer outro diploma legal que se cogite.
Some-se a isso a questão do princípio da equidade, em face da aplicação dos mesmos regramentos a um mesmo grupo de destinatários, evitando-se assim a disparidade de tratamento numa mesma comunidade.
Pontue-se, por fim, para a decisão desta Corte, que se inclina no sentido de afastar a aplicação da legislação brasileira no caso de trabalhador contratado para laborar em cruzeiro marítimo que navega em águas supranacionais:
3. TRABALHO EM NAVIO DE CRUZEIRO SOB BANDEIRA ESTRANGEIRA. PRÉ-CONTRATAÇÃO NO BRASIL. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS NA COSTA BRASILEIRA E EM ÁGUAS DE OUTROS PAÍSES. GENTE DO MAR. CONFLITO DE LEIS NO ESPAÇO. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL. LEI DO PAVILHÃO (CÓDIGO DE BUSTAMANTE).
I) A indústria do transporte marítimo internacional, inclusive de cruzeiros turísticos, tem caráter global, seja quanto à nacionalidade dos navios (pavilhão), seja quanto à diversidade de nacionalidades da tripulação, impondo-se que a gente do mar tenha proteção especial e uniforme numa mesma embarcação. A concepção de aplicação da legislação brasileira aos tripulantes brasileiros contratados por navios estrangeiros não se sustenta diante da realidade da atividade econômica desenvolvida pelas empresas estrangeiras de cruzeiros marítimos, pois, se assim fosse, em cada navio haveria tantas legislações de regência quanto o número de nacionalidades dos tripulantes. Num mesmo navio de cruzeiro marítimo, todos os tripulantes devem ter o mesmo tratamento contratual, seja no padrão salarial, seja no conjunto de direitos. Reconhecer ao tripulante brasileiro - contratado para receber em dólar - direitos não previstos no contrato firmado, conduziria à quebra da isonomia e subversão da ordem e da autoridade marítima, uma vez que os próprios oficiais poderiam questionar suas obrigações à luz da legislação de sua nacionalidade, em desrespeito à lei do pavilhão. Daí porque ser imperativo a aplicação, para todos os tripulantes, da lei do pavilhão, como expressamente prescreve o art. 281 da Convenção de Direito Internacional Privado (Código de Bustamante, ratificado pelo Brasil e promulgado pelo Decreto 18.791/1929): "As obrigações dos oficiais e gente do mar e a ordem interna do navio subordinam-se à lei do pavilhão". II) As tratativas preliminares para a contratação de trabalhador, iniciadas em território brasileiro por empresa de agenciamento e arregimentação de trabalhadores para prestar serviço a bordo de embarcação estrangeira com trânsito pela costa brasileira e em águas internacionais, não permitem concluir que a contratação se deu em solo brasileiro, pois a efetivação do contrato somente ocorre com a convergência de vontades das partes envolvidas. Agência de recrutamento atua na aproximação das partes contratantes, sem que se torne parte nas relações de trabalho daí decorrentes (Convenção 181 da Organização Internacional do Trabalho - OIT, Art. 1º, 1, a. III) Inaplicável a Lei nº 7.064/82, cujo pressuposto é a contratação de trabalhadores no Brasil ou transferidos por seus empregadores para prestar serviço no exterior, hipótese não revelada pelas premissas fáticas constantes no Acórdão Regional, de forma que a legislação brasileira não pode ser invocada sob o fundamento de ser mais benéfica ao trabalhador brasileiro que atua no exterior. O art. 3º da referida Lei se aplica na situação de empregado transferido para o exterior, hipótese que não se ajusta ao caso dos autos. A própria Lei nº 7.064/82 prevê a inaplicabilidade da legislação brasileira para o empregado contratado por empresa estrangeira (artigos 12 e seguintes). IV) Assim, a legislação brasileira não é aplicável ao trabalhador brasileiro contratado para trabalhar em navio de cruzeiro, (1) por tratar-se de trabalho marítimo, com prestação de serviços em embarcação com registro em outro país; (2) porque não se cuida de empregado contratado no Brasil e transferido para trabalhar no exterior. O fato de a seleção e atos preparatórios terem ocorrido no Brasil não significa, por si só, que o local da contração ocorreu em solo brasileiro; (3) o princípio da norma mais favorável tem aplicação quando há antinomia normativa pelo concurso de mais de uma norma jurídica validamente aplicável a mesma situação fática, o que não é a hipótese do caso concreto, pois não há concorrência entre regras a serem aplicáveis, mas sim conflito de sistemas. V) Ademais, independentemente do local da contratação ou do país no qual se executam os serviços, é inafastável a regra geral de que a ativação envolvendo tripulante de embarcação é regida pela lei do pavilhão ou da bandeira, e não pela legislação brasileira (Código de Bustamante, ratificado pelo Brasil e promulgado pelo Decreto 18.791/1929). VI) Demonstrado que a prestação de trabalho ocorreu em embarcação estrangeira, independentemente de ter navegado em todo ou em parte em águas brasileiras, não há falar em aplicação da lei brasileira. Assim, não há incidência do princípio do centro de gravidade (most significant relationship), o que levaria a situações limítrofes da prevalência do tempo de navegação em águas nacionais, internacionais ou estrangeiras, com risco de tratamento diferenciado da tripulação, em flagrante violação das normas de direito internacional privado e do art. 178 da Constituição Federal.
VII) O Supremo Tribunal Federal firmou tese em repercussão geral (Tema 210) no sentido de prevalência, com arrimo no art. 178 da Constituição Federal, de tratados internacionais sobre a legislação brasileira, especificamente no caso de indenização por danos materiais por extravio de bagagens em voos internacionais, caso em que devem ser aplicadas as convenções de Varsóvia e Montreal em detrimento do Código de Defesa do Consumidor. A tese firmada restou assim editada: "Nos termos do art. 178 da Constituição da República, as normas e os tratados internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor." A ratio desta tese de repercussão geral deve ser aplica ao presente caso, pois diz respeito a conflito de legislação nacional com aquelas previstas em acordos internacionais, essencialmente a discussão ora travada.
VIII) Recurso de revista provido para afastar a condenação com base na legislação trabalhista nacional e, consequentemente, julgar improcedentes os pedidos formulados na reclamação trabalhista. (RR - 1829-57.2016.5.13.0005 Data de Julgamento: 18/12/2018, Relator Ministro: Alexandre Luiz Ramos, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 01/02/2019)
No caso dos autos, é incontroverso que a embarcação pertence às Bahamas e tendo aquela nação ratificado a Convenção Internacional da OIT nº 186 (Convenção sobre o Trabalho Marítimo – MLC) penso que deveria ser ela aplicada, em detrimento da legislação nacional, a fim de enaltecer, inclusive, o princípio da igualdade, visto que o regramento inserto na referida Convenção é específico para os marítimos, uniformizando, dessa forma a aplicação dos direitos da categoria.
Desta forma, a decisão do Regional que aplicou a legislação nacional, em detrimento dos tratados internacionais, devidamente ratificados pelo Brasil, que reconhecem a aplicação da "Legislação do Pavilhão", contraria o art. 178 da Constituição Federal.
Ante o exposto, conheço do recurso de revista por violação do art. 178 da CF.
2 - MÉRITO
2.1 - LEGISLAÇÃO APLICÁVEL. TRABALHO EM CRUZEIROS MARÍTIMOS QUE NAVEGAM EM ÁGUAS NACIONAIS E SUPRANACIONAIS. CONFLITO ENTRE A LEGISLAÇÃO NACIONAL E OS TRATADOS INTERNACIONAIS. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ANTERIOR À RATIFICAÇÃO DA CONVENÇÃO 186 DA OIT (MARÍTIMOS).
Conhecido o recurso de revista por violação do artigo 178 da Constituição Federal, DOU-LHE PROVIMENTO a fim de afastar a aplicação da legislação brasileira e reconhecer a incidência dos tratados internacionais, devidamente ratificados pelo Brasil, que reconhecem a aplicação da "Legislação do Pavilhão". No caso, sendo incontroverso que a embarcação pertence à Bahamas e, conforme se constata, tendo aquela nação ratificado a Convenção Internacional da OIT nº 186 (Convenção sobre o Trabalho Marítimo – MLC) deve ser ela aplicada, em detrimento da legislação nacional, a fim de enaltecer, inclusive, o princípio da igualdade, visto que o regramento inserto na referida Convenção é específico para os marítimos, uniformizando, dessa forma a aplicação dos direitos da categoria. Diante desse contexto, determino a baixa dos autos à Vara do Trabalho de origem, a fim de que examine os pedidos sob o enfoque da referida legislação.
III – RECURSO DE REVISTA DA RECLAMANTE
1 – CONHECIMENTO
Satisfeitos os pressupostos genéricos de admissibilidade do recurso de revista, passo ao exame dos específicos.
1.1 - ESTABILIDADE DA GESTANTE - CONTRATO POR PRAZO DETERMINADO – CONTRATO DE EXPERIÊNCIA
A reclamante sustenta, em síntese, que o acórdão regional colide frontalmente com a compreensão firme assentada no item III da Súmula 244 desta Corte Superior, que entende pela manutenção da garantia de emprego à gestante em contrato a termo.
Diante do provimento do recurso de revista da reclamada, que julgou inaplicável a legislação trabalhista brasileira ao caso em epígrafe, fica prejudicada a análise do recurso de revista da reclamante.
Recurso de revista da autora prejudicado.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Oitava Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por maioria,
I – preliminarmente, determinar a retificação da autuação, para que constem como Agravantes e Recorridas ROYAL CARIBBEAN CRUISES LTDA. e ROYAL CARIBBEAN CRUZEIROS BRASIL LTDA e Agravada e Recorrente DANIELLE VILARDO SANTOS;
II - conhecer e dar provimento ao agravo de instrumento das reclamadas, para determinar o processamento do recurso de revista;
III – conhecer do recurso de revista das reclamadas, por violação do art. 178, da CF e, no mérito, dar-lhe provimento a fim de afastar a aplicação da legislação brasileira e reconhecer a incidência dos tratados internacionais, devidamente ratificados pelo Brasil, que reconhecem a aplicação da "Legislação do Pavilhão". No caso, sendo incontroverso que a embarcação pertence às Bahamas e, conforme se constata, tendo aquela nação ratificado a Convenção Internacional da OIT nº 186 (Convenção sobre o Trabalho Marítimo – MLC), deve ser ela aplicada, em detrimento da legislação nacional, a fim de enaltecer, inclusive, o princípio da igualdade, visto que o regramento inserto na referida Convenção é específico para os marítimos, uniformizando, dessa forma, a aplicação dos direitos da categoria. Diante desse contexto, determino a baixa dos autos à Vara do Trabalho de origem, a fim de que examine os pedidos sob o enfoque da referida legislação;
IV – julgar prejudicado o recurso de revista da reclamante. Vencida a Exma. Sra. Ministra Delaide Miranda Arantes.
Brasília, 8 de junho de 2022.
Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)
ALEXANDRE AGRA BELMONTE
Ministro Relator
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