TST - INFORMATIVOS 2021 247 - de 03 a 17 de novembro

Data da publicação:

Acordão - TST

Breno Medeiros - TST



AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. CALAMIDADE PÚBLICA. PANDEMIA DE COVID-19. SAQUE DOS DEPÓSITOS DE FGTS. CONDIÇÕES ESTABELECIDAS NA MP Nº 946/2020. VINCULAÇÃO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA.



AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. CALAMIDADE PÚBLICA. PANDEMIA DE COVID-19. SAQUE DOS DEPÓSITOS DE FGTS. CONDIÇÕES ESTABELECIDAS NA MP Nº 946/2020. VINCULAÇÃO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA. A questão relativa à aplicação das restrições contidas na MP nº 946/2020 à pretensão obreira de saque dos depósitos de FGTS da conta vinculada é nova no âmbito desta Corte Superior, razão pela qual a matéria possui transcendência jurídica. No tema de fundo, contudo, a decisão do Regional, naquilo em que limitou o direito ao saque dos depósitos de FGTS ao valor de R$ 1.045,00 (hum mil e quarenta e cinco reais), nos termos do art. 6º da citada MP nº 946/2020, está em consonância com o posicionamento externado pelo Supremo Tribunal Federal na decisão monocrática proferida pelo relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.379, na qual o pedido liminar, no sentido de cassar o limite de saque e o cronograma elaborado pela medida provisória, foi rejeitado. Nos termos da fundamentação do Ministro Gilmar Mendes, "não me parece que a mera declaração de estado de calamidade pública permita o levantamento do FGTS, independentemente de expedição de outro regulamento específico e autorizativo do saque. Em razão disso, justamente, foi editada a Medida Provisória 946/2020, que disciplinou o assunto e permitiu o saque do fundo, no valor de até R$ 1045 por trabalhador, segundo cronograma." Sua Excelência, observou, ainda, que "Não vejo, ao menos nesse juízo liminar, como a concessão do saque do FGTS prevista para o dia 15 de junho de 2020 e em valor fixado em até R$ 1045,00 pode violar os princípios questionados nestas ações diretas de inconstitucionalidade." Concluiu, ao final, pela ausência do periculum in mora, que para ele seria exatamente o inverso, uma vez que "o deferimento da liminar postulada poderia, em última análise, prejudicar a capacidade de pagamento do FGTS neste instante, conforme as já citadas informações do Secretário de Política Econômica." Em que pese ainda não haja solução final para esta ação direta de inconstitucionalidade (ou mesmo para a outra ADI que tramita conjuntamente no STF – ADI nº 3.671), parece razoável, diante do cenário jurídico instalado com a MP nº 946/2020, concluir que, de fato, o enquadramento da hipótese específica da pandemia de COVID-19 na seara genérica do art. 20, XVI, da Lei nº 8.036/1990 e do Decreto nº 5.113/2014, liberando saques da conta vinculada, sem respeitar os limites e cronogramas estabelecidos pelas normas regulamentares expedidas pelo Governo Federal, seria invadir um campo de atuação política ligado exclusivamente às atividades típicas dos Poderes Executivo (que gere o fundo) e Legislativo (a quem cabe a apreciação da referida Medida Provisória, assim como a edição normas gerais sobre esse tema). Diante desse contexto, a decisão do Regional merece ser mantida, na medida em que não há, na norma específica editada após a calamidade pública decretada com o surgimento da pandemia de COVID-19 (MP nº 946/2020), previsão capaz de viabilizar o pleito autoral de saque integral dos valores depositados na conta vinculada do FGTS, ou, subsidiariamente, o saque de R$ 6.220,00 (seis mil, duzentos e vinte reais), nos termos do art. 4º do Decreto nº 5.113/2004, o qual é inaplicável à espécie. A interpretação sugerida pela reclamante, no sentido de que o pleito de saque do FGTS por necessidade pessoal ocasionada pela calamidade decorrente da COVID-19 não se confunde com a liberação de saque do FGTS regulamentada pela MP nº 946/2020, pois não teria como pressuposto essa condição de "necessidade pessoal", é um contrassenso, se foi exatamente a dimensão e amplitude econômica da crise causada pela pandemia do novo Corona Vírus (SARS-COV-19) que motivou a edição da referida medida provisória, tendo em vista não apenas a situação de decréscimo de renda e de postos de trabalho para a população, mas, igualmente, a necessidade de manter o fundo hígido. Ou seja, não fosse a calamidade pública decorrente da deflagração dos efeitos econômicos deletérios da COVID-19 uma causa associada exatamente ao art. 20, XVI, da Lei nº 8.036/1990, e com características próprias que impuseram ao Poder Executivo uma regulamentação emergencial mais restritiva, dada a sua amplitude, não haveria necessidade de edição da medida provisória, já que a situação já estaria abraçada pelo Decreto nº 5.113/2004. O intuito do Governo Federal com essa medida foi organizar a liberação de saques sem promover a ruína do fundo, que possui um relevante papel social que transcende às causas transitórias da atual conjuntura econômica, e deve permanecer fiel à sua missão constitucional de fomentar o desenvolvimento econômico do país e a estabilidade financeira dos trabalhadores em momentos de crise ou necessidade emergencial, mas tudo isso dentro das balizas econômicas traçadas pelos gestores do fundo, sob pena de rompimento brusco de sua liquidez, com consequente vulneração de seus princípios instituidores. A limitação dos saques, ao que tudo indica, foi uma medida de natureza protetiva do fundo, com o intuito de fomentar a liberação limitada de suas reservas, sem descurar do delicado momento econômico dos seus legítimos legatários, já que outras políticas públicas de amparo e assistência social foram implementadas em conjunto com essa medida, a exemplo daquelas tratadas pelas Medidas Provisórias nºs 927/2020 e 937/2020. Qualquer invasão discricionária do Poder Judiciário nesse campo atuarial de gestão equilibrada das reservas do FGTS, ou mesmo das medidas de enfrentamento econômico da crise legada pela pandemia de COVID-19, seria uma atuação fora dos limites da jurisdição, porquanto dissociada de critérios econômico-financeiros apreciáveis e vinculantes da aplicação política adequada de tais recursos. Não há, portanto, um direito da reclamante a obter um saque ilimitado dos valores vinculados à sua conta do FGTS, tampouco um direito ao saque pretendido nos termos do art. 4º do Decreto nº 5.113/2004 (no valor de R$ 6.220,00), já que os saques motivados pelo contexto de calamidade pública decorrente da deflagração da pandemia de COVID-19 estão limitados pelo art. 6º da citada MP nº 946/2020. Ante o exposto, em que pese a transcendência jurídica reconhecida, não comporta provimento o agravo de instrumento da reclamante. Agravo de instrumento não provido. (TST-AIRR-578-19.2020.5.06.0341, 5ª Turma, rel. Min. Breno Medeiros, julgado em 12/11/2021).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento em Recurso de Revista n° TST-AIRR-578-19.2020.5.06.0341, em que é Agravante MARIA JOSE DA SILVA e Agravada CAIXA ECONÔMICA FEDERAL.

Trata-se de agravo de instrumento interposto contra despacho que negou seguimento a recurso de revista.

Na minuta de agravo de instrumento, a parte sustenta, em síntese, a viabilidade do seu recurso de revista.

É o relatório.

V O T O

1 - CONHECIMENTO

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do agravo de instrumento.

2 – MÉRITO

CALAMIDADE PÚBLICA. PANDEMIA DE COVID-19. SAQUE DOS DEPÓSITOS DE FGTS. CONDIÇÕES ESTABELECIDAS NA MP Nº 946/2020. VINCULAÇÃO.

O recurso de revista foi interposto em face de acórdão publicado na vigência da Lei nº 13.467/2017, havendo a necessidade de se evidenciar a transcendência das matérias nele veiculadas.

A decisão agravada foi proferida nos seguintes termos:

PRESSUPOSTOS EXTRÍNSECOS

O apelo é tempestivo, tendo em vista que a publicação da decisão recorrida se deu em 30/09/2020 e a apresentação das razões recursais em 01/10/2020, conforme se pode ver dos documentos de Ids 061b4f4 e 92a97fd.

Representação processual regularmente demonstrada (Id 34a48f2).

Recolhimento das custas processuais dispensado (Id d34878f).

PRESSUPOSTOS INTRÍNSECOS

LIBERAÇÃO DO FGTS

Alegações:

- violação aos artigos 7º, III, da CF/88; 20, XVI, da Lei n.º 8.036/90; e

- divergência jurisprudencial.

A parte recorrente insurge-se contra a decisão Regional no tocante à liberação dos depósitos fundiários, argumentando, em síntese, que tal pedido se deu com base em necessidade pessoal, devidamente demonstrada documentalmente nos autos. Alega que sofreu significativa redução de sua remuneração mensal, com a redução, pela metade, de sua jornada de trabalho. Ressalta que seu pleito não se confunde com a hipótese regulamentada na MP n.º 946/2020. Defende que todos os requisitos legais para a movimentação de sua conta vinculada estão presentes, devendo ser autorizada a expedição de alvará com tal finalidade, por meio de tutela provisória, em seu favor.

Do acórdão recorrido exsurge a seguinte fundamentação (Id ebfe4dc):

[...]

Do confronto entre os fundamentos expendidos e as razões recursais apresentadas, não vislumbro as violações apontadas, pois o Regional decidiu as questões veiculadas no presente apelo com base no conjunto probatório colacionado nos autos e de acordo com a legislação pertinente à espécie, consistindo o insurgimento, quando muito, em interpretação diversa daquela conferida pela Turma.

Por outro lado, melhor sorte não teria a parte recorrente em sua pretensão de ser recebida a Revista por divergência jurisprudencial, porque não indicada a fonte de publicação, desatendendo ao regramento contido no art. 896, § 8º, da CLT.

CONCLUSÃO

Diante do exposto, DENEGO seguimento ao Recurso de Revista.

Na minuta de agravo de instrumento, a agravante sustenta que o acórdão do Regional violou o art. 20, XVI, "a", da Lei nº 8.036/1990, bem como diverge do entendimento externado em aresto paradigma colhido da 15ª Região, no tocante à aplicação do art. 4º do Decreto nº 5.113/2004 à hipótese de saque motivada por necessidade pessoal do trabalhador no curso da calamidade pública decorrente da pandemia de COVID-19, a qual não estaria sujeita aos limites impostos pelo art. 6º da MP nº 946/2020.

Entende que a previsão contida no art. 6º da MP 946/2020 não se confunde com a hipótese de requerimento prevista no art. 4º do Decreto nº 5.113/2004, já que este, diferentemente do primeiro, pressupõe causa específica (necessidade pessoal), o que não é requisito da medida provisória, não podendo, portanto, se confundir uma modalidade de saque com a outra.

Requer a reforma da decisão do Regional e, consequentemente, a procedência do pedido de saque dos valores depositados em sua conta vinculada do FGTS, nos termos da exordial.

Examino a transcendência da matéria.

O e. TRT consignou:

Da liberação do saldo da conta do FGTS

Como já explanado no relatório, a trabalhadora recorrente assegura ter direito ao levantamento do saldo da conta do FGTS em sua totalidade (ou no valor de R$ 6.220,00), em face do estado de calamidade pública, decorrente da pandemia da COVID-19. Anota, também, que, após redução da sua jornada, teve minoração salarial; contudo, não foi amparada por qualquer programa social do Governo Federal. Afirma que o seu pedido está albergado no Decreto 5.113/2004, que regulamenta o artigo 20, inciso XVI, da Lei 8.036/90, sendo que a MP 946/2020 (editada pelo Governo Federal) não impede o reconhecimento da sua pretensão.

Pois bem.

Na sentença atacada, o Magistrado de piso, após ressalvar seu posicionamento pessoal, seguiu o entendimento exposto no indeferimento do pedido de liminar, pelo Ministro Gilmar Mendes, nas ADI's 6.371 e 6.379, nas quais se buscava a liberação de saque das contas vinculadas dos trabalhadores no FGTS em razão da pandemia do COVID-19, e na decisão monocrática proferida no Mandado de Segurança n° 0000845-44.2020.5.06.0000 (ajuizado pela CAIXA em face da decisão de ID. 934961b), para consignar que a recorrente tem direito apenas ao saque do FGTS no valor de R$ 1.045,00.

Penso que tal decisão não comporta retoques.

Por questões de economia e celeridade processuais, reproduzo as razões de decidir expostas no 0000833-69.2020.5.06.0181, da lavra da Desembargadora Nise Pedroso Lins de Sousa e julgado por esta Quarta Turma, para afastamento da aplicação das disposições contidas no Decreto Legislativo 5.113/2004 à presente ação - como pretende a recorrente.

"A lei 8.036/90 dispõe, em seu artigo 20, sobre as hipóteses de saque do FGTS:

"Art. 20. A conta vinculada do trabalhador no FGTS poderá ser movimentada nas seguintes situações:

(...)

XVI - necessidade pessoal, cuja urgência e gravidade decorra de desastre natural, conforme disposto em regulamento, observadas as seguintes condições:

a) o trabalhador deverá ser residente em áreas comprovadamente atingidas de Município ou do Distrito Federal em situação de emergência ou em estado de calamidade pública, formalmente reconhecidos pelo Governo Federal;

b) a solicitação de movimentação da conta vinculada será admitida até 90 (noventa) dias após a publicação do ato de reconhecimento, pelo Governo Federal, da situação de emergência ou de estado de calamidade pública; e

c) o valor máximo do saque da conta vinculada será definido na forma do regulamento"

O Decreto 5.113 de 22 de junho de 2004 regulamenta o artigo acima citado e dispõe em seu artigo 4º:

Art. 4º O valor do saque será equivalente ao saldo existente na conta vinculada, na data da solicitação, limitado à quantia correspondente a R$ 6.220,00 (seis mil duzentos e vinte reais), por evento caracterizado como desastre natural, desde que o intervalo entre uma movimentação e outra não seja inferior a doze meses. (Redação dada pelo Decreto nº 7.664, de 2012).

O presente caso trata sobre a pandemia decorrente do vírus COVID - 19, que, segundo o Decreto Legislativo nº 06/2020, ocasionou estado de calamidade pública. Para regulamentar o disposto no artigo 20 da Lei 8.036/90, o Governo Federal editou a Medida Provisória 946/2020 que expressamente destacou que a pandemia causada pelo coronavírus (COVID-19) enquadra-se no citado dispositivo por tratar-se de desastre natural. Assim dispôs:

Art. 6º Fica disponível, para fins do disposto no inciso XVI do caput do art. 20 da Lei nº 8.036, de 1990, aos titulares de conta vinculada do FGTS, a partir de 15 de junho de 2020 e até 31 de dezembro de 2020, em razão do enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da pandemia de coronavírus (covid-19), de que trata a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, o saque de recursos até o limite de R$ 1.045,00 (mil e quarenta e cinco reais) por trabalhador.

É o que se aplica no caso em apreço. Acrescento que foi indeferido o pedido de medida liminar em Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 6371 e 6379) nas quais se buscava a liberação de saque das contas vinculadas dos trabalhadores no Fundo de Garantia por Tempo de Serviço em razão da pandemia do coronavírus. Ao proferir a sua decisão, o Ministro Gilmar Mendes observou:

"(...) Nesse juízo preliminar, embora reconheça que o art. 20 da Lei8.036/1990 permite a movimentação do FGTS em caso de necessidade pessoal, cuja urgência e gravidade decorra de desastre natural, verifico a necessidade de regulamentação do referido dispositivo, de modo a viabilizar o exercício do direito subjetivo.

No caso, o regulamento existente, quando do ajuizamento da ação, aparentemente não se aplica ao caso de pandemia mundial, como a reconhecida pelo Decreto de Calamidade Pública do Congresso Nacional.

Ocorre que, após a distribuição desta ADI, o Presidente da República editou Medida Provisória buscando regulamentar o saque do FGTS para o caso da Pandemia Mundial da Covid-19, conforme informações apresentadas pelo Congresso Nacional e pela Presidência da República.

Assim, ao menos nesse juízo preliminar, parece que nem o fumus boni iuris, nem o periculum in mora, colocam-se presentes para o deferimento da medida cautelar pleiteada pelo partido autor, uma vez que a intervenção do Poder Judiciária na política pública, pensada pelo poder executivo e em análise pelo poder legislativo, poderia casuar danos ao Fundo gestor do FGTS, ocasionando danos econômicos imprevisíveis.

(...)"

Seguindo nesta mesma direção, tenho que ao presente caso, deve-se aplicar o disposto no artigo 6º da MP 946/2020, de forma que o disposto no Decreto Legislativo 5.113/2004 não se sobrepõe ao que preceituou a medida de caráter urgente editada pelo Governo Federal." (destaques acrescidos)

Nestes termos, em detrimento do disposto no Decreto Legislativo 5.113/40, aplica-se, no presente caso, as disposições contidas na MP 946/2020, cujo artigo 6º, caput, determina, expressamente, a liberação ao trabalhador do valor de até R$ 1.045,00 da conta do FGTS.

Anoto, por fim, que não se questiona a alegada dificuldade financeira enfrentada pela autora diante da situação imposta pela pandemia do COVID-19, que resultou na sua minoração salarial; contudo, tal fato não afasta a aplicação da MP 946/2020 ao caso dos autos.

Destarte, nego provimento ao recurso ordinário.

Examino.

O § 1º do art. 896-A dispõe serem indicadores de transcendência, entre outros, o elevado valor da causa, o desrespeito da instância recorrida à jurisprudência sumulada do Tribunal Superior do Trabalho ou do Supremo Tribunal Federal e a postulação, por reclamante-recorrente, de direito social constitucionalmente assegurado, em nada não obstando, no entanto, que esta Corte conclua por hipóteses outras que ensejem o reconhecimento da transcendência, desde que dentro das quatro vertentes já mencionadas.

A questão relativa à aplicação das restrições contidas na MP nº 946/2020 à pretensão obreira de saque dos depósitos de FGTS da conta vinculada é nova no âmbito desta Corte Superior, razão pela qual a matéria possui transcendência jurídica.

No tema de fundo, contudo, a decisão do Regional, naquilo em que limitou o direito ao saque dos depósitos de FGTS ao valor de R$ 1.045,00 (hum mil e quarenta e cinco reais), nos termos do art. 6º da citada MP nº 946/2020, está em consonância com o posicionamento externado pelo Supremo Tribunal Federal na decisão monocrática proferida pelo relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 6.379, na qual o pedido liminar, no sentido de cassar o limite de saque e o cronograma elaborado pela medida provisória, foi rejeitado.

Nos termos da fundamentação do Ministro Gilmar Mendes, "não me parece que a mera declaração de estado de calamidade pública permita o levantamento do FGTS, independentemente de expedição de outro regulamento específico e autorizativo do saque. Em razão disso, justamente, foi editada a Medida Provisória 946/2020, que disciplinou o assunto e permitiu o saque do fundo, no valor de até R$ 1045 por trabalhador, segundo cronograma."

Sua Excelência, observou, ainda, que "Não vejo, ao menos nesse juízo liminar, como a concessão do saque do FGTS prevista para o dia 15 de junho de 2020 e em valor fixado em até R$ 1045,00 pode violar os princípios questionados nestas ações diretas de inconstitucionalidade."

Concluiu, ao final, pela ausência do periculum in mora, que para ele seria exatamente o inverso, uma vez que "o deferimento da liminar postulada poderia, em última análise, prejudicar a capacidade de pagamento do FGTS neste instante, conforme as já citadas informações do Secretário de Política Econômica."

Em que pese ainda não haja solução final para esta ação direta de inconstitucionalidade (ou mesmo para a outra ADI que tramita conjuntamente no STF – ADI nº 3.671), parece razoável, diante do cenário jurídico instalado com a MP nº 946/2020, concluir que, de fato, o enquadramento da hipótese específica da pandemia de COVID-19 na seara genérica do art. 20, XVI, da Lei nº 8.036/1990 e do Decreto nº 5.113/2014, liberando saques da conta vinculada, sem respeitar os limites e cronogramas estabelecidos pelas normas regulamentares expedidas pelo Governo Federal, seria invadir um campo de atuação política ligado exclusivamente às atividades típicas dos Poderes Executivo (que gere o fundo) e Legislativo (a quem cabe a apreciação da referida Medida Provisória, assim como a edição normas gerais sobre esse tema).

Diante desse contexto, a decisão do Regional merece ser mantida, na medida em que não há, na norma específica editada após a calamidade pública decretada com o surgimento da pandemia de COVID-19 (MP nº 946/2020), previsão capaz de viabilizar o pleito autoral de saque integral dos valores depositados na conta vinculada do FGTS, ou, subsidiariamente, o saque de R$ 6.220,00 (seis mil, duzentos e vinte reais), nos termos do art. 4º do Decreto nº 5.113/2004, o qual é inaplicável à espécie.

A interpretação sugerida pela reclamante, no sentido de que o pleito de saque do FGTS por necessidade pessoal ocasionada pela calamidade decorrente da COVID-19 não se confunde com a liberação de saque do FGTS regulamentada pela MP nº 946/2020, pois não teria como pressuposto essa condição de "necessidade pessoal", é um contrassenso, se foi exatamente a dimensão e amplitude econômica da crise causada pela pandemia do novo Corona Vírus (SARS-COV-19) que motivou a edição da referida medida provisória, tendo em vista não apenas a situação de decréscimo de renda e de postos de trabalho para a população, mas, igualmente, a necessidade de manter o fundo hígido.

Ou seja, não fosse a calamidade pública decorrente da deflagração dos efeitos econômicos deletérios da COVID-19 uma causa associada exatamente ao art. 20, XVI, da Lei nº 8.036/1990, e com características próprias que impuseram ao Poder Executivo uma regulamentação emergencial mais restritiva, dada a sua amplitude, não haveria necessidade de edição da medida provisória, já que a situação já estaria abraçada pelo Decreto nº 5.113/2004.

O intuito do Governo Federal com essa medida foi organizar a liberação de saques sem promover a ruína do fundo, que possui um relevante papel social que transcende às causas transitórias da atual conjuntura econômica, e deve permanecer fiel à sua missão constitucional de fomentar o desenvolvimento econômico do país e a estabilidade financeira dos trabalhadores em momentos de crise ou necessidade emergencial, mas tudo isso dentro das balizas econômicas traçadas pelos gestores do fundo, sob pena de rompimento brusco de sua liquidez, com consequente vulneração de seus princípios instituidores.

A limitação dos saques, ao que tudo indica, foi uma medida de natureza protetiva do fundo, com o intuito de fomentar a liberação limitada de suas reservas, sem descurar do delicado momento econômico dos seus legítimos legatários, já que outras políticas públicas de amparo e assistência social foram implementadas em conjunto com essa medida, a exemplo daquelas tratadas pelas Medidas Provisórias nºs 927/2020 e 937/2020.

Qualquer invasão discricionária do Poder Judiciário nesse campo atuarial de gestão equilibrada das reservas do FGTS, ou mesmo das medidas de enfrentamento econômico da crise legada pela pandemia de COVID-19, seria uma atuação fora dos limites da jurisdição, porquanto dissociada de critérios econômico-financeiros apreciáveis e vinculantes da aplicação política adequada de tais recursos.

Não há, portanto, um direito da reclamante a obter um saque ilimitado dos valores vinculados à sua conta do FGTS, tampouco um direito ao saque pretendido nos termos do art. 4º do Decreto nº 5.113/2004 (no valor de R$ 6.220,00), já que os saques motivados pelo contexto de calamidade pública decorrente da pandemia de COVID-19 estão limitados pelo art. 6º da citada MP nº 946/2020.

Ante o exposto, em que pese a transcendência jurídica reconhecida, não comporta provimento o agravo de instrumento da reclamante.

Nego provimento ao agravo de instrumento.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do agravo de instrumento e, no mérito, negar-lhe provimento.

Brasília, 10 de novembro de 2021.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

BRENO MEDEIROS

Ministro Relator

Instituto Valentin Carrion © Todos direitos reservados | LGPD   Desen. e Adm by vianett

Politica de Privacidade