TST - INFORMATIVOS 2021 247 - de 03 a 17 de novembro

Data da publicação:

Acordão - TST

Alexandre de Souza Agra Belmonte - TST



AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. RITO SUMARÍSSIMO. EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO NA VIGÊNCIA DA CADUCA MP Nº 927/20. FORÇA MAIOR. DIFICULDADE FINANCEIRA. QUADRO PANDÊMICO DECORRENTE DO COVID-19 (SARS-COV-2). CONFIGURAÇÃO.



AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. RITO SUMARÍSSIMO. EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO NA VIGÊNCIA DA CADUCA MP Nº 927/20. FORÇA MAIOR.  DIFICULDADE FINANCEIRA. QUADRO PANDÊMICO DECORRENTE DO COVID-19 (SARS-COV-2). CONFIGURAÇÃO. Sabe-se que, por força do princípio da alteridade, o empregador deve arcar com os riscos de seu empreendimento, na forma do art. 2º da CLT. Nos termos do art. 501 da CLT, "entende-se como força maior todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente." O §2ºdo mesmo dispositivo, por sua vez, determina que "A ocorrência do motivo de força maior que não afetar substancialmente, nem for suscetível de afetar, em tais condições, a situação econômica e financeira da empresa não se aplicam as restrições desta Lei referentes ao disposto neste Capítulo." As restrições impostas pela norma consolidada, portanto, são aplicáveis apenas quando a situação econômica e financeira da empresa é afetada de tal modo que impossibilite a execução parcial e/ou total de suas atividades. É fato que o c. TST vem decidindo que a dificuldade financeira enfrentada pelas empresas, por constituir risco previsível da atividade econômica desenvolvida pelo empregador, não se enquadra como episódio de força maior. Precedentes. No entanto, a caduca MP 927/20, a qual dispunha sobre as medidas trabalhistas a serem adotadas pelas empresas para a preservação do emprego, por conta dos efeitos nefastos causados pela pandemia do Covid-19, vigente ao tempo da dispensa do empregado, equiparou o estado de calamidade pública, relacionado ao coronavírus (COVID 19), à hipótese de força maior (art. 1º, parágrafo único).  Verdade que o Decreto Federal 10.282/20 definiu o transporte intermunicipal, interestadual e internacional de passageiros como atividade essencial. Não passa despercebido, entretanto, que as ações de combate e prevenção ao coronavírus (COVID 19) impuseram nova dinâmica à mobilidade nas cidades. As medidas de distanciamento social, isolamento e a quarentena, que determinaram compulsoriamente por meio de decretos legislativos estaduais e municipais, o fechamento parcial e/ou total do comércio, de locais públicos ou acessíveis ao público, de escolas, bancos e serviços, a proibição de viagens nacionais e internacionais, além da flexibilização do teletrabalho, causaram de forma inconteste a queda brusca da demanda de passageiros, o que obrigou as empresas que atuam no ramo de transporte de passageiros em estradas e rodovias, como é o caso da ora ré, a reduzirem frotas e a frequência das linhas de ônibus (adequação oferta/demanda), implicando sem sombra de dúvida a redução significativa de faturamento e, portanto, eventual comprometimento de obrigações contratuais e fiscais em determinados casos. Não se olvida que em circunstâncias tais, o eventual equilíbrio das prestações às quais as empresas se obrigaram sofreu alteração significativa, tornando o pactuado, muitas vezes, impossível de ser cumprido naquele momento, sem o comprometimento de outras obrigações trabalhistas e fiscais, a ponto de aproximar, nas relações de trabalho, tamanho o impacto, a teoria do fortuito com a da imprevisão na busca de soluções de enfrentamento. São vários os dispositivos legais, civis, trabalhistas e processuais que, com base na força maior e na imprevisão, dão suporte a essa conclusão: arts. 317, 413, 478 a 480 do Código Civil; 873 da CLT; e 505, I, do CPC, sem falar na Lei nº 14.010/2020, que suspendeu, dentre outras providências, até mesmo prazos prescricionais e decadenciais, liminares para desocupação de imóveis. Em que pese a toda a fundamentação exposta, ressalta-se que o art. 502 da CLT, plenamente válido no período de vigência da MP 927/20 (sequer mencionado na MP 927/90), estabelece que "ocorrendo motivo de força maior que determine a extinção da empresa, ou de um dos estabelecimentos em que trabalhe o empregado, é assegurada a este, quando despedido, uma indenização na forma seguinte: I - sendo estável, nos termos dos arts. 477 e 478; II - não tendo direito à estabilidade, metade da que seria devida em caso de rescisão sem justa causa; III - havendo contrato por prazo determinado, aquela a que se refere o art. 479 desta Lei, reduzida igualmente à metade." Portanto, não se acolherá a arguição de força maior como justificativa para rescindir contratos de trabalho se a empresa não foi extinta, ou seja, se não encerrou suas atividades. Efetivamente, o foco dos normativos editados pelo governo federal para o enfrentamento da crise mundial, notadamente as caducas MP 927/20 e 928/20 e a MP 936/20, esta convertida na Lei 14.020/20, que promoveram a flexibilização temporária em pontos sensíveis da legislação trabalhista, não foi permitir rescisões contratuais ou a mera supressão de direitos de forma unilateral e temerária por parte do empregador, mas exclusivamente proporcionar meios mais céleres e menos burocráticos, prestigiando o diálogo e o bom senso, para garantir a continuidade das atividades laborais e empresariais e, por consequência, preservar o pleno emprego e a renda do trabalhador.  In casu, a ré fundamentou o apelo na alegação de afronta ao art. 7º, XXVI, da Constituição Federal, o que não se viabiliza. Conforme consignado pela Corte Regional, "o Acordo Coletivo de Trabalho juntado em ID. 283ff86 e as Atas de Reuniões Emergenciais colacionadas em ID. 5523aa9 não previram a supressão do pagamento do aviso prévio nem a quitação de 13º salário proporcional a menor ou multa do FGTS pela metade no caso de rescisão sem justa causa, pelo contrário, convencionaram diversas medidas a serem adotadas para manutenção dos contratos de trabalho". Assim, arrematou que "não se trata de negar validade aos ajustes coletivos, mas de ausência de permissivo de quitação a menor do acerto rescisório." Já que não se deixou de reconhecer, portanto, a validade de ajustes coletivos, a rejeição da pretensão recursal quanto ao pagamento das verbas rescisórias pertinentes, no particular, na forma do art. 502 da CLT, não afronta o art. 7º, XXVI, da Constituição Federal. Agravo de instrumento conhecido e desprovido. (TST-AIRR-10402-15.2020.5.03.0008, 3ª Turma, rel. Min. Alexandre de Souza Agra Belmonte, julgado em 26/11/2021).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento em Recurso de Revista n° TST-AIRR-10402-15.2020.5.03.0008, em que é Agravante EMPRESA GONTIJO DE TRANSPORTES LTDA. e Agravado DIRCEU RIBEIRO DE MATOS.

Trata-se de agravo de instrumento interposto pela ré contra o r. despacho que negou seguimento ao seu recurso de revista. Sustenta que aludido despacho deve ser modificado para possibilitar o trânsito respectivo.

Não foi apresentada contraminuta nem contrarrazões.

Não há parecer do Ministério Público do Trabalho.

É o relatório.

V O T O

1.- CONHECIMENTO

CONHEÇO do agravo de instrumento porque satisfeitos os pressupostos extrínsecos de admissibilidade.

2. - MÉRITO

2.1 - EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO NA VIGÊNCIA DA CADUCA MP 927/20. FORÇA MAIOR.  DIFICULDADE FINANCEIRA. QUADRO PANDÊMICO DECORRENTE DO COVID-19 (SARS-COV-2). CONFIGURAÇÃO

O Tribunal Regional solucionou a questão nestes termos:

É incontroverso que o autor foi contratado em 13/09/2004 para exercer as funções de auxiliar de manutenção, ocupando como último cargo o de mecânico I A, tendo sido dispensado por culpa recíproca/força maior em 04/06/2020.

Segundo narrou na inicial (ID. 9fec6ab), a reclamada não lhe pagou a tempo e modo saldo salarial de abril/2020 (4 dias), de maio/2020 (30 dias) e de junho/2020 (4 dias); aviso prévio indenizado (75 dias); férias integrais 2018/2019 em dobro; 1/3 de férias integrais 2018/2019 em dobro; férias proporcionais 2019/2020 (9/12); 1/3 de férias proporcionais 2019/2020 (9/12); férias (projeção aviso prévio) 3/12; 1/3 de férias (projeção do aviso prévio) 3/12; 13º salário proporcional 2020; 13º salário (projeção do aviso prévio) 3/12. Não depositou o FGTS e a multa 40%. Postulou o pagamento das diferenças de verbas rescisórias pela dispensa imotivada ante a não caracterização de força maior, na forma prevista nos artigos 501 a 504 da CLT e a condenação da ré ao pagamento das multas previstas nos artigos 467 e 477 ambos da CLT.

Em contestação (ID. 0501dc4), a ré alegou ter procedido à rescisão contratual por motivo de força maior consistente nos reflexos econômico-financeiros deletérios do quadro pandêmico decorrente da Covid-l19 (SARS-COV-2). Disse que o transporte rodoviário regular intermunicipal e interestadual de passageiros foi duramente atingido pelas  medidas adotadas pela Administração Pública de contenção do contágio e propagação do vírus, afetando, no seu caso particular, 75% das linhas, tendo passado a operar aproximadamente com 15% do total de sua capacidade operacional, além do aumento de custos com a implementação das medidas de biossegurança impostas.

Ressaltou, ainda, que a empresa se viu obrigada a restituir os valores pagos por passagens compradas antecipadamente e devolvidas. Asseverou que, embora a negociação coletiva com o sindicato da categoria profissional já estivesse em fase avançada, foi interrompida em razão da pandemia. Não obstante, em 20/03/2020 o SINDPAS, representante sindical da reclamada, realizou reunião com o sindicato obreiro, tendo sido celebrada ata emergencial, na qual ficaram acordadas medidas para tentativa de manutenção dos postos de trabalho, com o agravamento da situação e, levando-se em conta a edição da MP 936, de 01/04/2020, foi celebrado em 08/04/2020 ACT ampliando as medidas já adotadas. Com o agravamento da situação, em 26/04/2020 a reclamada celebrou nova ata emergencial com o sindicato obreiro, visando à complementação das medidas até então adotadas. Em face do contexto delineado, entende configurada a força maior descrita no artigo 501 da CLT, justificando a rescisão do contrato de trabalho e a quitação das verbas correspondentes na forma como por ela procedida.

Estabelecida a controvérsia, o juízo singular proferiu a sentença de ID. 8116991 pela qual, considerando inaplicável o art. 502 da CLT, declarou que a rescisão contratual se deu por iniciativa da empregadora, condenando a ré ao pagamento de diferenças de verbas rescisórias. Em breve resumo, foram adotados os seguintes fundamentos:

‘A MP 927/2020 não afastou a incidência do artigo 502 da CLT (...). No caso dos autos, embora certamente a reclamada tenha sido afetada financeiramente pelas restrições ao exercício de sua atividade econômica, não encerrou suas atividades, não comprovando sequer a extinção do estabelecimento em que trabalhava o autor.

(...) os documentos de fls. 330/333 e 339/341 configuram, tão somente, atas de reuniões celebradas entre os sindicatos representativos das categorias profissional e econômica, não consubstanciando Acordo ou Convenção Coletiva de Trabalho, ajustes negociais que devem ser celebrados observando-se os requisitos legais previstos nos arts. 612/613 da CLT, não prevalecendo, pois, sobre o disposto no artigo 502 da CLT.

(...) a reclamada é delegatária dos serviços públicos de transporte intermunicipal e interestadual de passageiros, exercendo sua atividade por delegação do Estado, titular x do serviço, e, enquanto concessionária, a ré tem direito à observância do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão, nos termos do disposto no artigo 37, XXI da Constituição Federal de 1988 e artigo 9º da Lei Geral de Concessões - Lei 8.987, de 1995"

Inconformada, a reclamada interpôs recurso ordinário ( ID. 4404958).

Reitera que a pandemia, por si só, configura situação de força maior, não havendo necessidade de extinção da empresa ou do estabelecimento que trabalha o empregado, sobretudo porque a MP 927/2020 caracterizou o estado de calamidade gerado pela pandemia de Covid-19. Reforça que, embora não tenha havido extinção, a empresa foi substancialmente afetada em sua situação econômica e financeira a ponto de ser necessária a interrupção quase total de suas atividades. Colaciona ementas de julgados que entende corroborar a tese recursal defendida. Reafirma a validade da negociação coletiva a qual teria permitido a modalidade resilitória.

Malgrado as insurgências da ré, a sentença, no aspecto, não comporta reparos.

Explico.

O caput do art. 501 da CLT define a força maior como "todo o acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente".

O art. 502, por sua vez, estabelece o pagamento de indenizações  distintas quando a força maior implicar a extinção da empresa ou de um dos seus estabelecimentos em que trabalhe o empregado.

Por outro lado, a Medida Provisória nº 927, de 22/3/2020, que estabeleceu medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública advindo da pandemia do coronavírus, encerrou sua vigência em 19/7/2020, sendo certo, contudo, que, nos termos do 811º do artigo 62 da CR, em caso de perda da vigência de medida provisória, se o Congresso Nacional não editar decreto legislativo, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência  conservar-se-ão por ela regidas. Referido normativo reconheceu o estado de calamidade como força maior (art. 1º, §1º), buscando, entretanto, em vez que simplesmente chancelar rescisões contratuais abruptas e unilaterais, adotar medidas para preservação dos empregos e renda dos trabalhadores, como, aliás, não poderia deixar de ser.

Com efeito, a Medida Provisória 927/2020, não obstante tenha previsto o estado de calamidade pública e força maior, não trouxe qualquer autorização para dispensa de empregados com pagamento diferenciado de indenização rescisória. Ademais, a crise financeira suportada pela reclamada não configura "força maior", nos moldes do art. 501 da CLT, já que os riscos do empreendimento empresarial são suportados pelo empregador, que não pode transferi-los para o empregado, nos exatos termos do art. 2º da CLT.

Da mesma forma, o Acordo Coletivo de Trabalho juntado em ID. 283ff86 e as Atas de Reuniões Emergenciais colacionadas em ID. 5523aa9 não previram a supressão do pagamento do aviso prévio nem a quitação de 13º salário proporcional a menor ou multa do FGTS pela metade no caso de rescisão sem justa causa, pelo contrário, convencionaram diversas medidas a serem adotadas para manutenção dos contratos de trabalho. Assim, não se trata de negar validade aos ajustes coletivos, mas de ausência de permissivo de quitação a menor do acerto rescisório.

Ainda que assim não fosse, concordamos com o juízo singular no sentido de que as Atas de Reuniões Emergenciais, embora firmadas pelos entes coletivos, não reúnem os elementos necessários para a supressão de direitos legalmente previstos, porque não foram observados os requisitos legais previstos nos arts. 612 e 613 da CLT.

As ementas colacionadas pela ré na peça recursal não guardam correspondência com o caso sob exame, não podendo, sequer, ser extraída a ratio decidendi para ser levada em conta, analogicamente, como reforço argumentativo. Isso porque cuidam de casos em que, considerando a teoria da imprevisão, de origem civilista, admitiram a possibilidade de modificação na periodicidade do pagamento dos acordos, e não de supressão de direitos trabalhistas, como na presente hipótese.

Não se desconhece, por certo, os efeitos devastadores no cenário econômico mundial advindos da pandemia do coronavírus, tanto mais adversos em economias reconhecidamente fragilizadas por crises crônicas de crescimento anteriores. Certo que os mais diversos setores econômicos formais e informais do país sofreram severa retração levando ao aumento significativo dos índices de desemprego, efeito deletério que se fará sentir por longo período, como amplamente elucidado por especialistas na área.

Vale dizer, capital e trabalho sofrem conjuntamente as consequências da drástica desaceleração econômica. Tal cenário, todavia, não pode servir de amparo para se autorizar a adoção indiscriminada de modalidade excepcionalíssima de rescisão contratual, sob pena de afronta aos princípios da proteção da pessoa humana e dos valores do trabalho.

A extinção da empresa ou de filial, segundo observa Maurício Godinho Delgado (Curso de Direito do Trabalho. 18º ed. LTr, p. 1.357), se encerra no âmbito do poder diretivo do empregador, "sendo, em consequência, inerente ao risco empresarial por ele assumido (princípio da alteridade; art. 2º, caput, CLT; arts. 497 e 498, CLT; Súmula 44, TST)", o que, por certo, não se alterou diante da situação de calamidade vivenciada nas esferas macro e microeconômicas.

Como observou o d. Juiz sentenciante, as circunstâncias que, no entender da reclamada, justificariam a rescisão contratual por força maior, não se apresentaram com a contundência por ela postulada, pois a atividade econômica explorada, aliás, reputada essencial no período (Decreto Federal n. 10.282/2020), não sofreu solução de continuidade, em que pese ter havido significativa redução e contingenciamento.

Diante do exposto, mantenho a sentença que declarou a nulidade da rescisão contratual fundada em força maior e deferiu: "a) saldo de salário de 04 dias de junho de 2020; b) aviso prévio indenizado (75 dias); c) 8/12 de 13º salário proporcional (já observada a projeção do aviso prévio; d) FGTS sobre o aviso prévio e gratificação natalina proporcional; e) multa de 40% sobre o saldo total do FGTS".

A ré afirma que "o r. acórdão afrontou expressamente o inciso XXVI, do artigo 7º, da Constituição da República, artigos 502, 82º e 611-A da CLT e artigo 2º da Lei 14.020/20, vez que desconsiderou a negociação coletiva realizada com o sindicato obreiro, mantendo em parte a decisão de 1º instância, que afastou a dispensa do Recorrido por motivo de força maior, reconhecida pela MP 927/2020 e pelos instrumentos coletivos, firmados frente ao estado de calamidade pública em decorrência da pandemia do coronavírus." Argumenta que a "extinção da empresa ou do estabelecimento que trabalha o empregado não é necessariamente um requisito para reconhecimento da força maior para os fins da legislação trabalhista", sendo necessário apenas que "a atividade do empregador seja afetada substancialmente em razão de determinado fato, cujos efeitos não eram possíveis de serem evitados ou impedidos."

À análise.

Sabe-se que, por força do princípio da alteridade, o empregador deve arcar com os riscos de seu empreendimento, na forma do art. 2º da CLT.

Nos termos do art. 501 da CLT:

Entende-se como força maior todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente.

O art. 501, §2º, da CLT por sua vez determina:

A ocorrência do motivo de força maior que não afetar substancialmente, nem for suscetível de afetar, em tais condições, a situação econômica e financeira da empresa não se aplicam as restrições desta Lei referentes ao disposto neste Capítulo.

Como se extrai, as restrições impostas pela norma consolidada são aplicáveis apenas quando a situação econômica e financeira da empresa é afetada de tal modo que impossibilite a execução parcial e/ou total de suas atividades.

É fato que o c. TST vem decidindo que a dificuldade financeira enfrentada pelas empresas, por constituir risco previsível da atividade econômica desenvolvida pelo empregador, não se enquadra como episódio de força maior.

Nesse sentido, citam-se precedentes:

SUSPENSÃO DO PROCESSO. FORÇA MAIOR. Concluiu o Regional que, mesmo se tratando de entidade filantrópica, caberia à reclamada ser previdente e manter recursos em caso de ausência de repasse do valor convencionado pelo órgão público, sendo certo que o risco da atividade não pode ser transferido ao empregado por ele admitido em face de contrato mantido com o poder público. Logo, prescinde de reforma a decisão regional que concluiu não se tratar de hipótese de força maior prevista nos artigos 501 a 504 da CLT. (...). (TST-AIRR-100442-93.2017.5.01.0205, 8ª Turma, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, DEJT 15/05/2020)

(...) AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO HOSPITAL PSIQUIÁTRICO ESPÍRITA CAIRBAR SCHUTEL. RECURSO DE REVISTA REGIDO PELO CPC/2015 E PELA INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 40/2016 DO TST. (...) VERBAS RESCISÓRIAS E FGTS. O primeiro reclamado assegura que se encontra em estado de miserabilidade econômica em face do encerramento do convênio com o Município e, por motivo de força maior, pede seja afastada a condenação. Invoca o artigo 501 da CLT. A alegada situação de miserabilidade do primeiro reclamado não pode ser elencada como força maior. Ademais, o citado dispositivo apenas define o conceito de força maior para a Consolidação das Leis do Trabalho. Agravo de instrumento desprovido. (TST-AIRR-10577-30.2015.5.15.0079, 2ª Turma, Relator Ministro José Roberto Freire Pimenta, DEJT 05/10/2018)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. MULTA PREVISTA EM CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO. ATRASO NO PAGAMENTO DE SALÁRIOS. NÃO PROVIMENTO. O pagamento extemporâneo dos salários pela reclamada, por ausência de repasse de verbas pelo SUS, não configura motivo de força maior, pois ausente o caráter de inevitabilidade. No caso, os referidos atrasos perduraram por longo período, demonstrando, assim, se tratar de problema ligado à má administração da reclamada. Logo, correta a aplicação da multa por atraso de pagamento de salários e férias, ante a previsão em convenção coletiva, nesse sentido. Incólume o artigo 501, caput, da CLT. Agravo de instrumento a que se nega provimento. (TST-AIRR-271-67.2013.5.23.0008, 5ª Turma, Relator Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos, DEJT 12/12/2014)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. ENTE PÚBLICO. CARACTERIZAÇÃO DE CULPA IN VIGILANDO. ALCANCE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 331, V, DO TST. Do quadro fático registrado nos autos, extrai-se que a condenação subsidiária do ente público decorre da culpa in vigilando como tomador dos serviços. Com efeito, A sentença elucida que A tese da reclamada de que não "...pôde honrar o compromisso devido a problemas econômicos financeiros as quais enfrenta devido à falta de pagamento de faturas dos tomadores de serviço, que a deixaram em situação pré-falimentar " parece ser de invocação de força maior. Invoca a dificuldade financeira como motivadora do não cumprimento de diversas obrigações legais e contratuais. No entanto, as suas alegações não prosperam. É que a dificuldade financeira que enfrenta evidencia presumível má gestão empresarial e ruinosa administração de patrimônio. A situação financeira em que se encontra a reclamada não ocorreu por obra do acaso. Foi provocada pela imprevidência de sua administração, e é insuscetível de configurar força maior. Quando menos constitui risco previsível da atividade desenvolvida, pelo qual responde integralmente. O que não pode é querer transferir ao trabalhador o risco que é seu, eis que não transferiu para este o lucro obtido com as suas atividades. A reclamada sabia - ou devia saber - que a dificuldade financeira poderia bater à sua porta. É lógico que essa circunstância insere-se no contexto do risco econômico da atividade desenvolvida. A não-previsibilidade desta circunstância, revela imprevidência da reclamada, a afastar a incidência do contido no artigo 501 da CLT, conforme disposto no § 1º do preceptivo legal (fl. 113). Por sua vez, o TRT consigna que a relação entre a primeira reclamada e a União, terceirização da atividade, aliada à presunção de inidoneidade da empresa prestadora, que não quitou as verbas trabalhistas, impõe a responsabilização subsidiária da empresa tomadora, em decorrência de uma conduta omissa e irregular, ao contratar empresa inidônea e não fiscalizar o implemento das obrigações trabalhistas assumidas pela contratada (culpa in eligendo e in vigilando) (fl. 187). Nesse contexto, inviável o processamento do recurso de revista, pois a decisão recorrida dispõe em consonância com os entendimentos consolidados na Súmula nº 331 do TST. Agravo de instrumento a que se nega provimento. (TST-AIRR-433-21.2010.5.10.0011, 3ª Turma, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 24/05/2013)

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. 1. FORÇA MAIOR. NÃO CONFIGURAÇÃO. DIFICULDADE FINANCEIRA. VERBAS RESCISÓRIAS. A dificuldade financeira evidencia presumível má gestão empresarial e ruinosa administração de patrimônio e constitui risco previsível do empreendimento econômico de uma empresa, pelo qual responde exclusivamente o empregador (art. 2º, da CLT). Portanto, a simples alegação de dificuldade financeira, por não constituir força maior, não exime o empregador de efetuar o pagamento das verbas rescisórias no prazo estabelecido no artigo 477, § 8º, da CLT. 2. (...). (TST-AIRR-22140-12.2007.5.01.0040, 8ª Turma, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, DEJT 11/09/2009)

FORÇA MAIOR. CONFIGURAÇÃO. DIFICULDADE FINANCEIRA. VERBAS RESCISÓRIAS. QUITAÇÃO. 1. De acordo com a norma inscrita no artigo 501 da CLT, força maior é "todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente". 2. A dificuldade financeira evidencia presumível má gestão empresarial e ruinosa administração de patrimônio. Não acontece: é provocada pela imprevidência do empregador e, assim, insuscetível de configurar força maior. Quando menos, constitui risco previsível do empreendimento econômico de uma empresa, pelo qual responde exclusivamente o empregador (art. 2º, da CLT). Inteligência do artigo 501, do CPC. 3. Nessas circunstâncias, portanto, a simples alegação de dificuldade financeira, por não constituir força maior, não exime o empregador de efetuar o pagamento das verbas rescisórias no prazo estabelecido no artigo 477, § 8º, da CLT. 4. Recurso de revista parcialmente conhecido e provido. (TST-RR-460819-73.1998.5.01.5555, 1ª Turma, Relator Ministro João Oreste Dalazen, DEJT 11/03/2002)

No entanto, a caduca MP 927/20, a qual dispunha sobre as medidas trabalhistas a serem adotadas pelas empresas para a preservação do emprego, por conta dos efeitos nefastos causados pela pandemia do Covid-19, vigente ao tempo da dispensa do empregado, equiparou o estado de calamidade pública, imposto pela disseminação do coronavírus, à hipótese de força maior (art. 1º, parágrafo único).

É verdade que o Decreto Federal 10.282/20 definiu o transporte intermunicipal, interestadual e internacional de passageiros como atividade essencial. Não passa despercebido, entretanto, que as ações de combate e prevenção ao coronavírus (COVID 19) impuseram nova dinâmica à mobilidade nas cidades. As medidas de distanciamento social, isolamento e a quarentena, que determinaram compulsoriamente por meio de decretos legislativos estaduais e municipais, o fechamento parcial e/ou total do comércio, de locais públicos ou acessíveis ao público, de escolas, bancos e serviços, a proibição de viagens nacionais e internacionais, além da flexibilização do teletrabalho, causaram de forma inconteste a queda brusca da demanda de passageiros, o que obrigou as empresas que atuam no ramo de transporte de passageiros em estradas e rodovias, como é o caso da ora ré, a reduzirem frotas e a frequência das linhas de ônibus (adequação oferta/demanda), implicando sem sombra de dúvida a redução significativa de faturamento e, portanto, eventual comprometimento de obrigações contratuais e fiscais em determinados casos.

Não se olvida que em circunstâncias tais, o eventual equilíbrio das prestações às quais as empresas se obrigaram sofreu alteração significativa, tornando o pactuado, muitas vezes impossível de ser cumprido naquele momento, sem o comprometimento de outras obrigações trabalhistas e fiscais, a ponto de aproximar, nas relações de trabalho, tamanho o impacto, a teoria do fortuito com a da imprevisão na busca de soluções de enfrentamento. São vários os dispositivos legais, civis, trabalhistas e processuais que, com base na força maior e na imprevisão, dão suporte a essa conclusão: arts. 317, 413, 478 a 480 do Código Civil; 873 da CLT; e 505, I, do CPC, sem falar na Lei nº 14.010/2020, que suspendeu, entre doutras providências, até mesmo prazos prescricionais e decadenciais, liminares para desocupação de imóveis.

Em que pese a toda a fundamentação, cabe salientar que o art. 502 da CLT, plenamente válido no período de vigência da MP 927/20 (sequer mencionado na MP 927/90), estabelece:

Ocorrendo motivo de força maior que determine a extinção da empresa, ou de um dos estabelecimentos em que trabalhe o empregado, é assegurada a este, quando despedido, uma indenização na forma seguinte:

I - sendo estável, nos termos dos arts. 477 e 478;

II - não tendo direito à estabilidade, metade da que seria devida em caso de rescisão sem justa causa;

III - havendo contrato por prazo determinado, aquela a que se refere o art. 479 desta Lei, reduzida igualmente à metade."

Portanto, não se acolherá a arguição de força maior como justificativa para rescindir contratos de trabalho se a empresa não foi extinta, ou seja, se não encerrou suas atividades.

Efetivamente, o foco dos normativos editados pelo governo federal para o enfrentamento da crise mundial, notadamente as caducas MP 927/20 e 928/20 e da MP 936/20, esta convertida na Lei 14.020/20, que promoveram a flexibilização temporária em pontos sensíveis da legislação trabalhista, não foi permitir rescisões contratuais ou a mera supressão de direitos de forma unilateral e temerária por parte do empregador, mas exclusivamente proporcionar meios mais céleres e menos burocráticos, prestigiando o diálogo e o bom senso, para garantir a continuidade das atividades laborais e empresariais e, por consequência, preservar o pleno emprego e a renda do trabalhador. 

In casu, a ré fundamentou o apelo na alegação de afronta ao art. 7º, XXVI, da Constituição Federal, o que não se viabiliza. Conforme consignado pela Corte Regional, "o Acordo Coletivo de Trabalho juntado em ID. 283ff86 e as Atas de Reuniões Emergenciais colacionadas em ID. 5523aa9 não previram a supressão do pagamento do aviso prévio nem a quitação de 13º salário proporcional a menor ou multa do FGTS pela metade no caso de rescisão sem justa causa, pelo contrário, convencionaram diversas medidas a serem adotadas para manutenção dos contratos de trabalho". Assim, arrematou que "não se trata de negar validade aos ajustes coletivos, mas de ausência de permissivo de quitação a menor do acerto rescisório." Já que não se deixou de reconhecer, portanto, a validade de ajustes coletivos, a rejeição da pretensão recursal quanto ao pagamento das verbas rescisórias pertinentes, no particular, na forma do art. 502 da CLT, não afronta o art. 7º, XXVI, da Constituição Federal.

Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao agravo de instrumento.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer e negar provimento ao agravo de instrumento.

Brasília, 10 de novembro de 2021.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

ALEXANDRE AGRA BELMONTE

Ministro Relator

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