TST - INFORMATIVOS 2021 246 - de 18 a 29 de outubro

Data da publicação:

Acordão - TST

Amaury Rodrigues Pinto Junior - TST



AÇÃO COLETIVA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS – ECT. PROTOCOLO INTERNO DE MEDIDAS DE PREVENÇÃO À COVID-19. ALTERAÇÃO FLEXIBILIZADORA DA REDAÇÃO ORIGINAL. PRESERVAÇÃO DAS NORMAS RELATIVAS À SEGURANÇA E MEDICINA DO TRABALHO. CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DA ESSENCIALIDADE DA ATIVIDADE POSTAL E DA ISONOMIA DE TRATAMENTO DE EMPRESAS QUE CONCORREM NA ATIVIDADE DE ENTREGA DE ENCOMENDAS.



AÇÃO COLETIVA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS – ECT. PROTOCOLO INTERNO DE MEDIDAS DE PREVENÇÃO À COVID-19. ALTERAÇÃO FLEXIBILIZADORA DA REDAÇÃO ORIGINAL. PRESERVAÇÃO DAS NORMAS RELATIVAS À SEGURANÇA E MEDICINA DO TRABALHO. CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DA ESSENCIALIDADE DA ATIVIDADE POSTAL E DA ISONOMIA DE TRATAMENTO DE EMPRESAS QUE CONCORREM NA ATIVIDADE DE ENTREGA DE ENCOMENDAS.

1. Trata-se de ação coletiva com pedido de tutela antecipada. A intenção do Sindicato autor é restabelecer o teor do item 6.2, alínea “b”, do informativo interno da ECT denominado “Primeira Hora”, posteriormente substituído.

2. A antiga redação previa que, uma vez identificado caso confirmado na unidade de trabalho, todos os empregados deveriam ser liberados por 15 dias para realização de trabalho remoto, enquanto a atual redação orienta que, identificado algum caso de coronavírus, somente serão afastados, para realização de trabalho remoto, aqueles que trabalham em um raio de 2 (dois) metros do trabalhador infectado e não mais todos os empregados da unidade.

3. Por certo, é obrigação do empregador a adoção de procedimentos acautelatórios e medidas de segurança, nos termos da Portaria Conjunta nº 20, de 18/6/2020, do Ministério da Economia e da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho.

4. Não obstante, passados quase dois anos de pandemia, com a vacinação de grupos sociais prioritários, as medidas protetivas mais enérgicas merecem alguma flexibilização, até para que a sociedade volte à normalidade ou, o mais próximo possível desse desiderato, pois é indiscutível que as medidas restritivas mais enérgicas dificultam a interação social, o desenvolvimento das atividades econômicas e até mesmo aquelas que podem ser consideradas de utilidade pública.

5. Para o enfrentamento da crise de saúde pública, a ré elaborou um protocolo especial, denominado “Protocolo de Medidas de Prevenção ao COVID-19 - Coronavírus”, contendo previsões referentes ao uso de máscaras; disponibilização de álcool gel; encaminhamento ao trabalho remoto dos empregados que contenham deficiência imunológica, pertençam ao grupo de risco (mais de 60 anos, gestantes e lactantes) ou aqueles que coabitam com pessoas do grupo de risco; intensificação da limpeza do local de trabalho e superfícies de contato; instruções aos trabalhadores; além de um plano de contingência com procedimentos específicos para casos suspeitos ou confirmados de Covid-19.

6. Tais medidas correspondem ao que foi definido nas normas legais e nas orientações técnicas. 7. As novas regras do protocolo interno de medidas preventivas, estabelecidas pela ECT, encontram previsão na Lei n° 13.979/2020, pois foi mantido o distanciamento social, não mais com a previsão inicial de afastamento de todo o efetivo da unidade/agência e sim com o afastamento apenas dos empregados que trabalham a um raio de distanciamento de até dois metros do empregado que testou positivo, por 15 dias, o que não desrespeita as orientações técnicas.

8. Finalmente, dois aspectos essenciais precisam ser sopesados, considerando que a ECT presta serviço essencial de forma exclusiva (serviço postal) e, concomitantemente, exerce atividade econômica (de entrega de encomendas) e se sujeita às regras de direito privado nas relações com particulares (art. 173, § 1º, inciso II, da Constituição Federal): de um lado, a paralisação completa de uma unidade de distribuição dos Correios até que todos os empregados realizem testes laboratoriais, o que inclui o prazo de diagnóstico e a possibilidade de retestagem, diante de resultados inconclusivos, não se mostra a medida mais razoável, a considerar a essencialidade do serviço prestado pela ECT (vale lembrar a existência de atividades postais incompatíveis com o trabalho remoto - triagem, entrega de objetos e atendimento à população) e, de outro, a realidade do lado comercial da ré no mercado não pode destoar das demais empresas que executam atividades econômicas correlatas, ligadas ao segmento de encomendas, atualmente explorado pelo setor privado da economia e aberto à concorrência.

9. Nessa ordem de ideias, exigir da ECT, sem respaldo legal, comportamento superior ao exigido da totalidade das empresas que atuam em atividade similar e concorrente, proporciona desequilíbrio da livre concorrência, garantido no inciso IV, do art. 170 da Constituição Federal. Recurso de revista conhecido e provido. (TST-RR-429-17.2020.5.10.0016, 1ª Turma, rel. Min. Amaury Rodrigues Pinto Junior, Julgado em 22/10/2021). 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-429-17.2020.5.10.0016, em que é Recorrente EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - ECT e é Recorrido SINDICATO DOS EMPREGADOS DA EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS DO DISTRITO FEDERAL E REGIÃO.

O Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, mediante acórdão de fls. 949-959, negou provimento ao recurso ordinário interposto pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, mantendo a sentença em que se ratificou a decisão de tutela provisória, restabelecendo a diretriz do item 6.2, "b", do informativo de 24/3/2020 da ré, no sentido de afastamento do trabalho, pelo prazo de quinze dias, de todos os empregados que exerçam suas atividades no mesmo ambiente ou espaço físico do empregado contagiado pelo coronavírus, passando-os para o trabalho remoto, caso isso seja possível, sem prejuízo remuneratório, até que seja feita a testagem de contaminação do vírus nos empregados afastados que apresentem sintomas, assim como a desinfecção do ambiente laboral, por conta da empresa.

O recurso de revista da ré foi admitido no despacho de admissibilidade de fls. 1.074-1.076, por divergência jurisprudencial.

Dispensada a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, em face do disposto no art. 95, § 2º, II, do Regimento Interno do TST.

É o relatório.

V O T O

I - AÇÃO COLETIVA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS – ECT. PROTOCOLO INTERNO DE MEDIDAS DE PREVENÇÃO À COVID-19. ALTERAÇÃO FLEXIBILIZADORA DA REDAÇÃO ORIGINAL. PRESERVAÇÃO DAS NORMAS RELATIVAS À SEGURANÇA E MEDICINA DO TRABALHO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA

1 - CONHECIMENTO

Reconheço a transcendência jurídica da causa (art. 896-A, § 1º, IV, da CLT), porquanto contempla questão nova, em relação a normas de segurança e saúde de trabalhadores – medidas de prevenção à COVID-19, que deve ser enfrentada por esta Corte Superior.

Presentes os requisitos extrínsecos de admissibilidade, passo ao exame dos intrínsecos.

O Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região negou provimento ao recurso ordinário interposto pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, mediante os seguintes fundamentos:

AFASTAMENTO DE EMPREGADOS QUE TRABALHEM NA MESMA UNIDADE DE EMPREGADO INFECTADO PELA COVID-19

A sentença objeto de inconformismo encontra-se assim vazada:

AFASTAMENTO DE EMPREGADOS QUE TRABALHEM NA MESMA UNIDADE DE EMPREGADO INFECTADO PELA COVID-19

O sindicato autor relata que em 24/03/2020 a empresa ré divulgou o informativo denominado "Primeira Hora", no qual informa uma série de medidas que seriam adotadas para combater a disseminação do covid-19 e, dentre essas medidas, havia a recomendação para que se fosse confirmado algum caso de contaminação pelo novo coronavírus em alguma de suas unidades, haveria a necessidade de se afastar todos os empregados da unidade operacional pelo prazo de quinze dias, quando então os afastados realizariam suas atividades de forma remota (item 6.2, alínea b).

Assevera que em 20/04/2020 a reclamada divulgou um novo informativo, modificando tal procedimento, para que se fosse identificado algum caso de contaminação por covid-19 em uma de suas unidades, somente seriam afastados os que trabalhassem em um raio de dois metros do trabalhador infectado, para desempenharem seu trabalho remotamente, de modo que os demais continuariam a trabalhar presencialmente.

Assim, o sindicato reclamante requer que a ré seja compelida a afastar das atividades laborais de forma presencial, para que passem a laborar de forma remota, sem prejuízo de suas remunerações, os trabalhadores que trabalhem na mesma unidade da pessoa infectada, consoante o item 6.2, b, do informativo de 24/03/2020, por entender que a modificação da medida pela reclamada foi feita de forma arbitrária e sem embasamento científico. Também requer que a volta ao trabalho presencial dos empregados afastados somente ocorra após ser feita testagem de contaminação e após a desinfecção do ambiente de trabalho, tudo a ser custeado pela ECT.

A ECT, por seu turno, defende-se afirmando que desde o início da pandemia tem agido de forma autônoma e independente de qualquer decisão judicial para implementar medidas para reduzir ou evitar a disseminação do novo vírus no ambiente de trabalho. Assevera que tem cumprido integralmente a decisão de antecipação da tutela, mesmo que esse cumprimento resulte em impactos negamaitivos e prejuízos na prestação do serviço público essencial.

Afirma que a decisão que concedeu a tutela de urgência determinou o afastamento de empregados para trabalho presencial sem que houvesse prescrição médica e ainda determinou a realização de testagem, sem considerar as dimensões dos ambientes de trabalho, tudo sem ponderar a proteção simultânea do trabalhador e o dano à Administração Pública.

No mais, alega que a decisão que antecipou a tutela não considerou diversas variáveis, dentre elas a existência de atividades incompatíveis com o trabalho remoto.

Requer a improcedência da ação e, caso seja julgada procedente, que seja fixado um raio de distância de até dois metros do empregado infectado para fins de afastamento dos demais empregados, a não realização de testagem em trabalhadores assintomáticos e que o fechamento seja limitado à área onde atua o profissional contaminado, para fins de desinfecção do local.

Analisa-se.

A matéria em debate já foi objeto de análise na decisão que concedeu a tutela de urgência, sendo que na referida decisão houve a exposição de todos os fundamentos que ensejaram a concessão da tutela pretendida, inclusive com enfrentamento das questões trazidas pela ré na contestação, senão vejamos:

"(...).

O art. 300 do CPC possibilita a concessão de tutela inaudita altera parte de urgência sempre que "houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo".

Como cediço, em 11 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) decretou estado de pandemia em razão de níveis alarmantes de contaminação e gravidade do coronavírus, causador de doenças como a COVID-19.

Outrossim, na Portaria 454 MS/GM, de 20/03/2020, consta a declaração de estado de transmissão comunitária do coronavírus -COVID-19 em todo o território nacional.

Além disso, a Lei n.13.979/20, ao dispor sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus - COVID 10, garante "o pleno respeito à dignidade, aos direitos humanos e às liberdades fundamentais das pessoas" (artigo 3º, parágrafo 2º, inciso III).

É importante destacar que a primeira medida de controle do contágio pelo coronavírus-COVID-19 expressa pela Organização Mundial de Saúde é o isolamento social.

Nesse contexto fático e jurídico em que estamos inseridos, não pairam dúvidas de que é fundamental uma postura pró-ativa dos empregadores a fim de garantir a vida e a integridade física de seus trabalhadores. Como já decidiu o Supremo Tribunal Federal "entre proteger a inviolabilidade do direito à vida e à saúde, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado a todos pela própria Constituição da República (art. 5º, "caput" e art. 196), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo - uma vez configurado esse dilema - que razões de ordem éticojurídica impõem ao julgador uma só e possível opção: aquela que privilegia o respeito indeclinável à vida e à saúde humanas" (STF, AI 452312,Rel. Min. Celso de Mello).

Diante da similitude deste caso com o analisado nos autos do processo 0000384-52.2020.5.10.0003, transcrevo os fundamentos da brilhante decisão prolatada pelo Juiz Francisco Luciano de Azevedo Frota, em 12/05/2020:

'No caso presente, o fato de um empregado da empresa ter contraído o COVID-19 representa um risco potencial para os demais que com ele convivem no mesmo ambiente de trabalho, considerando as formas múltiplas de contágio identificadas pela ciência médica.

De acordo com as informações extraídas do sítio eletrônico do Ministério da Saúde (https//coronavirus.saude.gov.br/), a transmissão do vírus do COVID-19 ocorre não apenas pelo contato físico entre pessoas, mas também por gotículas de saliva, espirros, tosse, catarro e por meio de objetos contaminados, como mesas, maçanetas, teclados etc.

A manutenção de uma distância mínima de dois metros entre as pessoas é uma das formas de prevenção da doença recomendadas pelo Ministério da Saúde. No entanto, dentro de um mesmo ambiente de trabalho, onde a convivência é contínua e não estanque entre os empregados, com proximidades pessoais inevitáveis em razão da dinâmica da atividade laborativa, o risco de contágio é iminente. É preciso diferenciar as ações preventivas das ações protetivas. O distanciamento físico entre os empregados é uma medida preventiva, porém, uma vez verificado um caso concreto de contaminação, há que se adotar providências de proteção imediatas em relação aos demais empregados do mesmo ambiente, seja para evitar que contraiam a doença pelas diversas formas de contágio, seja, sobretudo, para impedir a propagação do vírus para outras pessoas.

A medida adotada pela ECT, estabelecida no seu Protocolo de Medidas de Prevenção ao COVID-19 - CORONAVíRUS (id 1b8bf51), item 6, não livra os empregados da exposição ao contágio, pois apenas libera para o trabalho remoto o empregado que contraiu a doença e aqueles que trabalham no raio de dois metros de proximidade do infectado (item 6.2, b, id 1b8bf51), desconsiderando todas as possibilidades de contaminação já estabelecidas pela literatura médica e reconhecidas pelo próprio Ministério da Saúde.

O art. 225 da Constituição Federal assegura a todos o "direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as "presentes e futuras gerações. A tutela constitucional focaliza o meio ambiente em todas as suas vertentes: natural, artificial, cultural e do trabalho. E quando estabelece o direito a um meio ambiente equilibrado, está garantindo, no âmbito das relações laborais, que aos trabalhadores seja assegurado um ambiente de trabalho adequado e seguro, que lhes possibilite uma qualidade devida sadia. É importante destacar que todo direito ambiental se pauta pela preservação do direito à vida (art. 5º, CF), que é o bem maior do ser humano, daí decorrendo o direito à saúde (art. 6º, CF), elevado também ao patamar de direito fundamental. Nesse contexto de proteção ambiental, o art. 7º, inciso XXII, da CF estabelece como direito social a "redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde,". E qual a dimensão desse comando constitucional? O trabalhador tem higiene e segurança e direito a não correr riscos no trabalho, sejam físicos, químicos, biológicos, fisiológicos ou psíquicos. Essa também é a leitura que deve ser feita do art. 4º da Convenção 155 da OIT, que prevê a obrigação do empregador de eliminar o risco ambiental, ou, quando não for tecnicamente possível a sua eliminação, deve neutralizá-lo ao máximo até níveis toleráveis pela saúde humana, verbis:

'Art. 4 - 1. Todo Membro deverá, em consulta com as organizações mais representativas de empregadores e de trabalhadores, e levando em conta as condições e as práticas nacionais, formular, pôr em prática e reexaminar periodicamente uma política nacional coerente em matéria de segurança e saúde dos trabalhadores e o meio-ambiente de trabalho.

Essa política terá como objetivo prevenir os acidentes e os danos à saúde que, ou se forem conseqüência do trabalho tenham relação com a atividade de trabalho apresentarem durante o trabalho, reduzindo ao mínimo, na medida que for razoável e possível, as causas dos riscos inerentes ao meio-ambiente de trabalho.'

A Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, aprovada na Conferência das Nações Unidas realizada na cidade do Rio de Janeiro no ano de1992, estabeleceu em seu Princípio 15:"De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com as suas capacidades.

Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a" degradação ambiental. Essa norma internacional trouxe à luz o princípio de Direito Ambiental denominado de princípio da precaução, que se distingue do princípio da prevenção, embora sejam raízes de um mesmo tronco. O princípio da precaução enuncia que, sempre diante da possibilidade de um dano ambiental grave ou irreversível (risco potencial), devem ser adotadas as medidas necessárias para preveni-lo, mesmo quando se verifica ausência de certeza científica absoluta. A hipótese concreta trazida na inicial impõe a aplicação direta do princípio da precaução, pois são iminentes os riscos que correm os empregados da ECT que compartilhando do mesmo ambiente de trabalho do empregado que contraiu o COVID-19. Mesmo que sejam riscos potenciais, há necessidade de eliminá-los antes que possam ocorrer danos concretos à saúde dos empregados, priorizando-se, assim, o direito à vida que, no âmbito laboral, depende de um meio ambiente seguro e adequado, sem exposição a eventos potencialmente danosos'.

Diante de todos os fundamentos acima expostos, inclusive pelo ilustre colega na decisão acima transcrita, concluo que estão presentes, nestes autos, os requisitos autorizadores da concessão de tutela provisória de urgência, porquanto o direito dos empregados a um meio ambiente de trabalho saudável e seguro tem assento constitucional e amparo em normativos internacionais, sendo, ainda, evidente o perigo de dano à saúde dos trabalhadores do mesmo ambiente de trabalho de um eventual trabalhador que tenha sido infectado pelo vírus do COVID-19, por todas as razões aduzidas.

Pelo exposto, DEFIRO a tutela de urgência para determinar que a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos afaste imediatamente do trabalho presencial todos os empregados lotados e/ou que exercem suas atividades, ainda que parcialmente, no mesmo ambiente ou espaço físico (como sala, galpão ou outro espaço de trabalho assemelhado) de qualquer empregado contagiado, passando-os para o trabalho remoto, sem prejuízo remuneratório, até que seja feita a testagem de contaminação do vírus desses empregados, bem como a desinfecção do ambiente laboral, por conta da empresa. Em caso de descumprimento da decisão, fixo multa diária de R$50.000,00(cinquenta mil reais) em favor dos trabalhadores expostos aos riscos, além das demais penalidades legais decorrentes de descumprimento de ordem judicial. (...)." (ID d0ed5d1).

Como bem lembrado na referida decisão, ao citar a decisão do Exmo. Magistrado Francisco Luciano de Azevedo Frota nos autos do processo nº 0000384-52.2020.5.10.0003, a manutenção de uma distância mínima de dois metros entre os trabalhadores é uma forma de prevenção e não de proteção.

Não se pode esquecer, como pontuado na petição inicial, que no ambiente de trabalho da ré é inevitável o contato com os empregados de dentro da unidade e não apenas no raio de dois metros, até mesmo em razão da dinâmica da atividade desempenhada, sobretudo se consideramos que há manuseio de encomendas por diversos setores, sendo que durante esse manuseio pode haver o contato com o víruspor meio de objeto contaminado, independentemente de o empregado ficar a mais de dois metros de distância de empregado infectado.

Por outro lado, o isolamento social é a única medida cientificamente comprovada capaz de desacelerar a disseminação da Covid-19, conhecida por Coronavírus. E essa medida se torna ainda mais importante na situação atual, pois ainda não há vacina disponível que possa imunizar a população.

Aliás, sequer há tratamento médico aprovado como tratamento eficaz para as pessoas que já tenham a enfermidade, que tenha o consenso da comunidade científica.

Também já é cediço que mesmo com a adoção de todas as medidas de prevenção, como utilização de máscaras, álcool gel 70% e distanciamento mínimo de 1,5m, não é capaz de eliminar totalmente a probabilidade de contágio do vírus.

A reclamada defende que a decisão de tutela provisória foi prolatada sem respaldo científico, no entanto esquece que no seu ambiente de trabalho o empregado não fica parado, sem contato com os demais colegas do mesmo espaço físico. Nesse caso, a orientação das autoridades sanitárias, como já descrito, é o isolamento das pessoas que mantiveram contato com alguém infectado. Infelizmente não há outra saída que possa resguardar a vida e a saúde dos trabalhadores.

Mesmo que em um primeiro momento a prestação do serviço possa ser parcialmente prejudicada com a redução temporária da mão de obra em trabalho presencial ou por conta de deficiência para as atividades que não podem ser desenvolvidas remotamente, evita-se que os locais de atendimento ao público pela reclamada sejam pontos de disseminação do vírus na comunidade.

Por mais que o serviço prestado pela reclamada seja considerado essencial, a ponderação entre os valores em jogo, impõe que sempre seja observada a preservação da vida e da saúde das pessoas, não havendo falar em violação dos dispositivos citados na defesa.

Pelo tempo que a população se encontra atualmente submetida a regras que buscam diminuir a disseminação do vírus, por óbvio que vários outros setores da economia, inclusive atividades essenciais, também tiveram que se readequar e se adaptar para essa situação em que a possibilidade de trabalho presencial pelos empregados é reduzida.

A sociedade como um todo está sofrendo os reflexos que essas medidas de proteção impõem, todavia, o que está em risco é um bem muito maior, cuja proteção não pode ser relativizada ou amenizada.

A conciliação entre a vida e saúde dos empregados e a execução da atividade essencial da ré está sendo observada, pois não se trata de uma medida por tempo indefinido, mas tão somente até que os empregados envolvidos não estejam mais contaminados.

Desse modo, mesmo que algumas atividades não possam ser executadas de forma remota, ainda sim impõe-se a medida de isolamento do trabalho presencial, sem prejuízo da remuneração, para os empregados do local de trabalho ou espaço físico de empregado infectado.

Por fim, entendo plausível o pedido da ré para que a testagem dos empregados afastados ocorra apenas nos trabalhadores que apresentem sintomas característicos da Covid-19 durante o período de afastamento.

Já é de conhecimento geral que o período de incubação do vírus pode ser de até quatorze dias. Dessa forma, o empregado afastado, por conta de algum trabalhador do mesmo ambiente detectado com o vírus, que no período de afastamento não apresentar sintomas, não necessita realizar exame. O período de afastamento já é suficiente para o assintomático passar pelo tempo de incubação do Sars-CoV-2 e a partir daí não ter possibilidade de transmissão.

Assim sendo, julgo procedente a demanda para, ratificando a decisão de tutela provisória de ID d0ed5d1, restabelecer a diretriz do item 6.2, "b" do informativo de 24/03/2020 da ré, para que sejam afastados do trabalho pelo prazo de quinze dias todos os empregados lotados e/ou que exerçam suas atividades, ainda que parcialmente, no mesmo ambiente ou espaço físico (como sala, galpão ou outro espaço de trabalho assemelhado) de qualquer empregado contagiado, passando-os para o trabalho remoto, caso isso seja possível, sem prejuízo remuneratório, até que seja feita a testagem de contaminação do vírus nos empregados afastados que apresentem sintomas, assim como a desinfecção do ambiente laboral, por conta da empresa. Em caso de descumprimento da decisão, mantenho a fixação da multa diária de R$ 50.000,00(cinquenta mil reais) em favor dos trabalhadores expostos aos riscos, além das demais penalidades legais decorrentes de descumprimento de ordem judicial.

Em suas razões recursais, a reclamada invoca as diretrizes da Portaria Conjunta 20, de 18/6/20, exarada pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia e Ministério da Saúde, com escopo de estabelecer medidas para prevenção, controle e mitigação dos riscos da Covid-19. Ressalta que a decisão recorrida induz ao colapso do serviço postal em grave lesão à ordem pública, eis que em descompasso com as normas de medicina e segurança do trabalho. Destaca que a Lei nº 13.979/20, regulamentada pelo Decreto nº 10.282/20, define o serviço postal como atividade pública essencial ao combate da pandemia. Salienta, ainda, que a determinação de realização de exames para detecção de Covid-19 em todos os empregados das Unidades alvo da sentença ou ainda naquelas Unidades em que posteriormente se venha a indicar um infectado, não possui lastro científico. Entende que não há nenhuma razão para afastamento de todos os empregados de cada setor das unidades de correios em caso de um empregado ser contaminado, pois não há recomendação técnica para esse tipo de procedimento nos termos da PORTARIA CONJUNTA nº 20/2020. Destaca que desde aquela época, todos os empregados em grupo de risco estão devidamente afastados! Logo, em nenhuma das unidades objeto da presente demanda existe empregado em grupo de risco! Importante informar que quando a ECT é notificada de que seus empregados estão com sintomas de COVID-19, o afasta imediatamente de suas atividades. Assim, o contato com os demais empregados do setor/unidade de trabalho cessa antes mesmo de eventual resultado de teste clínico, além de realizar a desinfecção e segurança no ambiente de trabalho. Relata que realiza monitoramento diário de casos suspeitos ou confirmados para a devida aplicação do protocolo estabelecido. Insurge-se, ainda, quanto ao valor da multa diária, a qual poderá gerar prejuízo inestimável e sem proporcionalidade, razão pela qual pleiteia a redução da multa para R$5.000,00, em aplicação única, ao revés da contagem diária.

O autor contrarrazoa o apelo ordinário, valendo-se da argumentação já deduzida na petição inicial, bem como da fundamentação externada na sentença recorrida.

Examino.

Observa-se dos destaques assinalados na sentença recorrida, que a reclamada adotara, inicialmente, medidas preventivas e sanitárias, objetivando a não propagação do vírus em seu ambiente de trabalho, por ocasião da adoção do protocolo de medidas de prevenção ao Covid-19, adunado às fls. 57-66. Nesse protocolo, havia a seguinte previsão normativa em relação aos empregados e as medidas adotadas pelos gestores para controle da doença no ambiente de trabalho:

6. Procedimentos em casos de empregados com suspeita/confirmação de COVID-19

6.1. Empregado

a) Em caso de apresentação de sintomas ou confirmação do Coronavírus (COVID-19), o empregado deverá comunicar o gestor imediato;

Observação: em hipótese alguma, o empregado deverá comparecer no trabalho com confirmação ou sintomas da COVID-19.

b) Seguir as recomendações dos serviços de saúde público ou privado e comunicar ao gestor o período de afastamento, se houver;

c) Em caso de sintomas, a princípio os demais empregados do turno ou do setor de trabalho não serão encaminhados para cumprir quarentena.

6.2. Gestor

a) Em caso do empregado comunicar sintomas da COVID-19, o gestor deverá liberá-lo, imediatamente, para trabalho remoto;

b) Uma vez identificado caso confirmado na unidade de trabalho, liberar os empregados da unidade por 15 dias para realização de trabalho remoto;

c) Demandar a limpeza de maneira imediata e intensiva do posto e setor de trabalho;

d) Comunicar a ocorrência ao SESMT;

e) Notificar o Comitê Gestor do Coronavírus via sistema SMON;

f) Receber as autodeclarações dos empregados definidos no grupo de risco, bem como daqueles que coabitam com pessoas também pertencentes do grupo de risco.

6.3. SESMT

a) Orientar as áreas em relação a prevenção do COVID-19 nos ambientes de trabalho;

b) Orientar os gestores sobre empregados que relatarem sintomas relacionados ao COVID-19 ou confirmação, para avaliar possível afastamento do trabalho;

c) Acompanhar, por meio do SMON, os casos de empregados recepcionados em suas respectivas áreas de saúde com suspeita ou diagnostico confirmado;

d) Solicitar apoio das demais áreas da empresa que possam apoiar as ações de prevenção ao COVID-19, tais como, engenharia, serviço de limpeza e conservação, etc;

e) Observar as demais orientações emanadas pela Presidência dos Correios;

f) Orientar os gestores e empregados que adquiriram o COVID-19, a procurar os serviços de saúde público ou privado e proceder imediatamente o isolamento necessário para sua recuperação clínica.

7. Outras Observações

No caso de um empregado se contaminar, a liberação para a quarentena recairá para os empregados que trabalharam próximo a ele, nos seguintes casos:

Unidades Administrativas: Ficarão afastados os empregados que trabalham no mesmo ambiente físico da unidade. Ex: empregados no mesmo andar.

Agências, CDDs e CEEs: Ficará afastado todo o efetivo.

Unidades que funcionam com mais de 1 (um) turno: Ficará afastado todo o efetivo daquele turno onde o empregado estiver infectado.

Para todos os casos, após assepsia do ambiente, a unidade estará liberada para funcionamento com uma nova equipe ou novo turno, conforme o caso.

Cientes de que tais medidas são paliativas diante da velocidade de propagação da COVID-19 e a superveniência da situação de Emergência de Saúde Pública, a recomendação final desta área técnica de saúde é no sentido de que a Empresa busque novas ações para que o vírus não se propague, inicialmente, nos próximos 07 (sete) dias, quando a doença alcançará o ápice de transmissão local. (fls. 64-65, g. n.).

Posteriormente, e sem nenhuma motivação científica, resolveu alterar seu protocolo, passando o item 6.2 a ter a seguinte redação

6. Procedimentos em casos de empregados com suspeita/confirmação de COVID-19

6.1. Empregado

a) Em caso de apresentação de sintomas ou confirmação do Coronavírus (COVID-19), o empregado deverá comunicar o gestor imediato;

Observação: em hipótese alguma, o empregado deverá comparecer no trabalho com confirmação ou sintomas da COVID-19.

b) Seguir as recomendações dos serviços de saúde público ou privado e comunicar ao gestor o período de afastamento, se houver;

c) Em caso de sintomas, os demais empregados do turno ou do setor de trabalho não serão encaminhados para cumprir quarentena.

6.2. Gestor

a) Em caso do empregado comunicar sintomas da COVID-19, o gestor deverá liberá-lo para trabalho remoto;

b) Uma vez identificado caso confirmado na unidade de trabalho, liberar os demais empregados que trabalham no raio de 2 metros de proximidade, por 15 dias, para realização de trabalho remoto;

c) Demandar a limpeza de maneira imediata e intensiva do posto e setor de trabalho;

d) Comunicar a ocorrência ao SESMT;

e) Notificar o Comitê Gestor do Coronavírus via sistema SMON;

6.3. SESMT

a) Orientar as áreas em relação a prevenção do COVID-19 nos ambientes de trabalho;

b) Orientar os gestores sobre empregados que relatarem sintomas relacionados ao COVID-19 ou confirmação, para avaliar possível afastamento do trabalho;

c) Acompanhar, pelos sistemas corporativos da empresa, os casos de empregados recepcionados em suas respectivas áreas de saúde com suspeita ou diagnostico confirmado;

d) Solicitar apoio das demais áreas da empresa que possam apoiar as ações de prevenção ao COVID-19, tais como, engenharia, serviço de limpeza e conservação, etc;

e) Observar as demais orientações emanadas pelos Correios;

f) Orientar os empregados que adquiriram o COVID-19, a procurar os serviços de saúde público ou privado e proceder imediatamente o isolamento necessário para sua recuperação clínica.

7. Outras Observações

No caso de confirmação de que um empregado está contaminado a liberação para a quarentena recairá para os demais empregados que trabalharam próximo a ele.

definição de proximidade envolve o estabelecimento de um raio de distanciamento de até 2 metros ao redor do posto de trabalho do empregado contaminado. Portanto não haverá liberação de todos os empregados da unidade, mas tão somente daqueles que atuam no raio estabelecido. Para unidades que trabalham em mais de um turno, a regra do distanciamento e consequente afastamento aplica-se às pessoas do mesmo turno de trabalho.

Após assepsia do ambiente, a unidade estará liberada para funcionamento. (fls. 75-76, g. n.).

Ora, da mesma forma que a recorrente entende que a sentença padece de estudos científicos para determinar o restabelecimento de sua diretriz originária, não fora apresentada nenhuma pesquisa científica que motivasse a alteração da primeira normatividade por ela adotada no início da pandemia.

Agiganta-se a manutenção da sentença o fato de que os objetos manejados na órbita da reclamada (ECT), em determinados locais de prestação de serviços, são manuseados por diversas pessoas (empregados, terceirizados, clientes etc.), podendo, inclusive, o portador do vírus ser assintomático, como relatos médicos noticiados pela grande imprensa. Daí porque o alegado distanciamento pretendido no recurso, de 2 metros entre cada empregado, não produzirá, em tese, o efeito desejado pela recorrente, uma vez que a contaminação não se dará pelo contato direto entre seus empregados, terceirizados e/ou clientes, mas, sim, indireto.

Registre-se, por importante, que a Lei nº 13.979/20, regulamentada pelo Decreto nº 10.282/20, ao definir o serviço postal como atividade pública essencial ao combate da pandemia, não outorgou à recorrente o direito de não observar as regras sanitárias e profiláticas na prevenção da pandemia, tal como, a propósito, ela o fizera originariamente, mas, depois, alterara sua própria normatividade interna. Não há falar, ainda, em descompasso da sentença recorrida com os termos da Portaria nº 20/20 dos Ministérios da Economia e da Saúde.

Quanto ao valor da multa, a reclamada não precisará se preocupar com o montante que entende elevado, bastando, para tanto, apenas a observância  da própria normatividade por ela estabelecida inicialmente, fato que inibirá a intervenção do Judiciário. Nesse sentido, mantém-se a astreinte fixada na sentença.

Logo, nego provimento ao recurso ordinário." (fls. 950-959, destacou-se)

Nas razões do recurso de revista, a ECT afirma que o serviço postal possui caráter social essencial, de forma que, apesar da situação pandêmica, não pode ser paralisado, nos exatos termos do art. 3°, § 1°, do Decreto nº 10.282/2020.

Esclarece que "a quantidade de objetos distribuídos por mês em Brasília é da ordem de 5.790.220 (cinco milhões, setecentos e noventa mil duzentos e vinte). Parar esse serviço essencial geraria enormes prejuízos à sociedade, por toda a logística citada e por ser um alento público à população nesse momento de restrição de convívio, liberdade de ir e vir tolhida, enfim um momento em que a população tem se reinventado" (fl. 1.028) e que a "forma como estabelecido o acórdão tem resultado no fechamento de algumas unidades que funcionam em grandes ambientes físicos (Únicos), e tem afetado a prestação dos serviços públicos de atividade essencial que é indispensável ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, assim considerados aqueles que, se não atendidos, colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população" (fl. 1.028).

Assegura ter demonstrado que suas medidas profiláticas são embasadas em normas legais e orientações das autoridades públicas de saúde; que o pedido autoral implica o fechamento da unidade de trabalho/agência até que sejam realizadas as testagens de todos os empregados; que a determinação de exames médicos e testes laboratoriais está adstrita à prescrição médica, conforme art. 6º da Portaria MS nº 356/2020; que não se realiza testes para a detecção da Covid-19 indiscriminadamente, senão para pacientes sintomáticos, após o 7º dia de início dos sintomas e segundo avaliação médica determinante.

Reitera que, conforme relatório médico anexado aos autos, a realização de testes, de forma indiscriminada, constitui procedimento tecnicamente ineficaz ao fim desejado, constituindo-se em determinação de obrigação de fazer abusiva, sem base científica ou alinhada a diretrizes estratégicas em saúde.

Defende que nada justifica a remessa para teletrabalho de todos os empregados lotados no mesmo ambiente do empregado diagnosticado com a Covid-19 sem prévia avaliação médica nesse sentido, sendo ilegal e abusiva a decisão, no particular.

Requer seja determinada a aplicação integral do atual Protocolo de Medidas de Prevenção à Covid-19 dos Correios, principalmente quanto à delimitação do raio de distância entre o empregado infectado e os trabalhadores a serem afastados em quarentena.

Indica violação dos arts. 5º, caput e Il, 7°, XXII, 170, parágrafo único, 174, 196 e 255 da Constituição Federal, 154 e 157 da CLT, 4º da Convenção nº 155 da OIT, 3º, §§ 1°, 4°, 5°, I, 7°, I, 8°, 10 e 11 da Lei n° 13.979/20. Cita, ainda, portarias do Ministério da Saúde e transcreve aresto oriundo do TRT da 15ª Região para o cotejo de teses.

O recurso de revista logra êxito por divergência jurisprudencial.

Na hipótese, o Tribunal Regional manteve a sentença em que se julgou procedente a demanda "para, ratificando a decisão de tutela provisória de ID d0ed5d1, restabelecer a diretriz do item 6.2, "b" do informativo de 24 /03/2020 da ré, para que sejam afastados do trabalho pelo prazo de quinze dias todos os empregados lotados e/ou que exerçam suas atividades, ainda que parcialmente, no mesmo ambiente ou espaço físico (como sala, galpão ou outro espaço de trabalho assemelhado) de qualquer empregado contagiado, passando-os para o trabalho remoto, caso isso seja possível, sem prejuízo remuneratório, até que seja feita a testagem de contaminação do vírus nos empregados afastados que apresentem sintomas, assim como a desinfecção do ambiente laboral, por conta da empresa. Em caso de descumprimento da decisão, mantenho a fixação da multa diária de R$ 50.000,00(cinquenta mil reais) em favor dos trabalhadores expostos aos riscos, além das demais penalidades legais decorrentes de descumprimento de ordem judicial" (fl. 884).

O aresto paradigma trazido a cotejo (Processo TRT/15ª Região nº 0011410-35.2020.5.15.0059, colacionado na íntegra às fls. 1.064-1.073), também envolvendo a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos e o item 6.2, alínea "b", do protocolo interno de medidas de prevenção à Covid-19, alcança identidade fática com a questão debatida nestes autos e encontra solução diversa, nos seguintes termos:

Portanto, não merece prevalecer a determinação de afastamento de todos os empregados, restringindo-se apenas àqueles que apresentam sintomas, pelo prazo de 14 dias, ou até que tenha realizado o teste, no sistema público ou particular e não às expensas da empresa requerida, podendo retornar ao trabalho se assintomáticos, após o isolamento, ou com testagem negativa.

Diante do exposto, pelos mesmos fundamentos transcritos na r. decisão unânime proferida por esta C. 1º Câmara e os que ora se acrescenta, reforma-se a r. sentença para, cassando a tutela antecipada deferida, por consequência expungir a multa de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) pelo descumprimento do item "a" daquela decisão antecipatória, bem como julgar improcedentes os pedidos de custeio dos testes de trabalhadores e proceder, diretamente ou por intermédio de empresa terceirizada de limpeza, a desinfecção frequente e regular do setor - medida que por óbvio já deve estar sendo concretizada pela requerida -, afastando-se, outrossim, como corolário lógico, a penalidade imposta por eventual descumprimento." (fl. 1.070)

CONHEÇO por divergência jurisprudencial.

2 - MÉRITO

Trata-se de ação coletiva com pedido de tutela antecipada ajuizada pelo Sindicato dos Trabalhadores dos Correios e Telégrafos do Distrito Federal e Região do Entorno - SINTECT/DF, cuja pretensão é a condenação da ECT para que seja obrigada a afastar do ambiente físico e manter em trabalho remoto todos os trabalhadores que exercem suas atividades na mesma unidade operacional da pessoa que eventualmente estiver infectada com a Covid-19, sem prejuízo da remuneração, até que seja feita a testagem de contaminação do vírus, bem como a desinfecção do ambiente laboral, procedimentos a serem custeados pela ECT.

A intenção do Sindicato autor é restabelecer o teor do item 6.2, alínea "b", do informativo interno da ECT denominado "Primeira Hora", de 24/3/2020, atualmente revogado, em que a empresa, com vistas a combater a disseminação do vírus, recomendava, na hipótese de confirmação de algum caso com testagem positiva em uma das unidades, o afastamento de todos os empregados da unidade operacional por 15 (quinze) dias, ou seja, todos deveriam se submeter ao regime de quarentena e realizar suas atividades remotamente.

Nesse sentido, pretendeu o Sindicato autor no item 5 da petição inicial da ação declaratória:

5. No mérito, confirmando-se os efeitos da tutela provisória, requer a procedência da presente demanda para determinar que a ECT seja obrigada a afastar de suas atividades laborais, sem prejuízo de suas remunerações, para que realizem trabalho remoto, todos os trabalhadores que exercem suas atividades na mesma unidade operacional da pessoa que eventualmente estiver infectada, até que seja feita a testagem de contaminação do vírus, bem como a desinfecção do ambiente laboral, custeados pela ECT, sob pena de multa diária a ser arbitrada por Vossa Excelência; (fl. 19).

Conforme registrado no acórdão regional, em 20/4/2020, a ré divulgou um novo informativo modificando especificamente as medidas a serem adotadas pelo gestor, na hipótese de o empregado comunicar sintomas da doença, o que significou alteração dos itens 6.2 e 7 do "Protocolo de Medidas de Prevenção ao Covid-19 – Coronavírus".

Em cotejo analítico, segue a redação das respectivas modificações:

 Primeiro documento:

6.2. Gestor

a) Em caso do empregado comunicar sintomas da COVID-19, o gestor deverá liberá-lo, imediatamente, para trabalho remoto;

b) Uma vez identificado caso confirmado na unidade de trabalho, liberar os empregados da unidade por 15 dias para realização de trabalho remoto;

c) Demandar a limpeza de maneira imediata e intensiva do posto e setor de trabalho;

d) Comunicar a ocorrência ao SESMT;

e) Notificar o Comitê Gestor do Coronavírus via sistema SMON;

f) Receber as autodeclarações dos empregados definidos no grupo de risco, bem como daqueles que coabitam com pessoas também pertencentes do grupo de risco.

(...)

7. Outras Observações

No caso de um empregado se contaminar, a liberação para a quarentena recairá para os empregados que trabalharam próximo a ele, nos seguintes casos:

Unidades Administrativas: Ficarão afastados os empregados que trabalham no mesmo ambiente físico da unidade. Ex: empregados no mesmo andar.

Agências, CDDs e CEEs: Ficará afastado todo o efetivo.

Unidades que funcionam com mais de 1 (um) turno: Ficará afastado todo o efetivo daquele turno onde o empregado estiver infectado.

Para todos os casos, após assepsia do ambiente, a unidade estará liberada para funcionamento com uma nova equipe ou novo turno, conforme o caso.

Cientes de que tais medidas são paliativas diante da velocidade de propagação da COVID-19 e a superveniência da situação de Emergência de Saúde Pública, a recomendação final desta área técnica de saúde é no sentido de que a Empresa busque novas ações para que o vírus não se propague, inicialmente, nos próximos 07 (sete) dias, quando a doença alcançará o ápice de transmissão local. (fls. 69-70, destacou-se).

Segundo documento:

6.2. Gestor

a) Em caso do empregado comunicar sintomas da COVID-19, o gestor deverá liberá-lo para trabalho remoto;

b) Uma vez identificado caso confirmado na unidade de trabalho, liberar os demais empregados que trabalham no raio de 2 metros de proximidade, por 15 dias, para realização de trabalho remoto;

c) Demandar a limpeza de maneira imediata e intensiva do posto e setor de trabalho;

d) Comunicar a ocorrência ao SESMT;

e) Notificar o Comitê Gestor do Coronavirus via sistema SMON;

(...)

7. Outras Observações

No caso de confirmação de que um empregado está contaminado a liberação para a quarentena recairá para os demais empregados que trabalharam próximo a ele.

A definição de proximidade envolve o estabelecimento de um raio de distanciamento de até 2 metros ao redor do posto de trabalho do empregado contaminado. Portanto não haverá liberação de todos os empregados da unidade, mas tão somente daqueles que atuam no raio estabelecido. Para unidades que trabalham em mais de um turno, a regra do distanciamento e consequente afastamento aplica-se às pessoas do mesmo turno de trabalho.

Após assepsia do ambiente, a unidade estará liberada para funcionamento. (fls. 80-81, destacou-se).

A antiga redação previa que, uma vez identificado caso confirmado na unidade de trabalho, todos os empregados deveriam ser liberados por 15 dias para realização de trabalho remoto, enquanto a atual redação orienta que, identificado algum caso de coronavírus, somente seriam afastados, para realização de trabalho remoto, aqueles que trabalham em um raio de 2 (dois) metros do trabalhador infectado e não mais todos os empregados da unidade, como previa a antiga redação.

O objeto da controvérsia nestes autos cinge-se a essa alteração específica do protocolo interno, aspecto sobre o qual recairá a análise de adequação das novas medidas adotadas pelo empregador aos princípios que norteiam o ordenamento jurídico brasileiro, a começar pelos princípios de caráter humanístico e social presentes na Constituição Federal de 1988 que integram a estrutura do Estado Democrático de Direito: a dignidade da pessoa humana, a valorização do trabalho e do emprego e a inviolabilidade do direito à vida.

A arquitetura principiológica do texto constitucional se ramifica para abranger, por derivação, a melhoria das condições de trabalho, mormente a redução dos riscos a ele inerentes por meio de normas de saúde, higiene e segurança (art. 7º, inciso XXII, da Constituição Federal); a preservação da segurança e saúde dos trabalhadores no meio ambiente de trabalho (Convenção nº 155 da OIT); o princípio da precaução, formalizado na Constituição Federal de 1988 (Capítulo VI, destinado à tutela ambiental); e o princípio da boa-fé (art. 5º do CPC/2015).

Sobre as condutas emergenciais para enfrentar o estado de pandemia, a Organização Mundial de Saúde (OMS) e o Ministério da Saúde (Recomendação nº 36 do Conselho Nacional de Saúde, de 11/5/2020) recomendam o isolamento ou distanciamento social como uma das medidas mais eficazes para prevenção e controle da Covid-19.

Na mesma dicção, a Lei n° 13.979/2020 prevê, entre outros, isolamento domiciliar, exames médicos e testes laboratoriais como medidas a serem adotadas para enfrentamento da emergência de saúde pública:

Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional de que trata esta Lei, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, entre outras, as seguintes medidas: (Redação dada pela Lei nº 14.035, de 2020)

I - isolamento;

II - quarentena;

III - determinação de realização compulsória de:

a) exames médicos;

b) testes laboratoriais;

c) coleta de amostras clínicas;

d) vacinação e outras medidas profiláticas; ou

e) tratamentos médicos específicos;

(...)

§ 1º As medidas previstas neste artigo somente poderão ser determinadas com base em evidências científicas e em análises sobre as informações estratégicas em saúde e deverão ser limitadas no tempo e no espaço ao mínimo indispensável à promoção e à preservação da saúde pública.

§ 2º Ficam assegurados às pessoas afetadas pelas medidas previstas neste artigo:

I - o direito de serem informadas permanentemente sobre o seu estado de saúde e a assistência à família conforme regulamento;

II - o direito de receberem tratamento gratuito;

III - o pleno respeito à dignidade, aos direitos humanos e às liberdades fundamentais das pessoas, conforme preconiza o Artigo 3 do Regulamento Sanitário Internacional, constante do Anexo ao Decreto nº 10.212, de 30 de janeiro de 2020 .

Não obstante, passados quase dois anos de pandemia, com a vacinação de grupos sociais prioritários, as medidas protetivas mais enérgicas merecem alguma flexibilização, até para que a sociedade volte à normalidade ou, o mais próximo possível desse desiderato, pois é indiscutível que as medidas restritivas mais enérgicas dificultam a interação social, o desenvolvimento das atividades econômicas e até mesmo aquelas que podem ser consideradas de utilidade pública.

Desde o início da pandemia, a ECT vem implementando procedimentos para reduzir a disseminação do novo vírus no ambiente de trabalho. Cite-se, a título exemplificativo, o próprio informativo denominado "Primeira Hora", a estabelecer um protocolo de prevenção à Covid-19 no momento social mais crítico, seguindo as normas e protocolos estabelecidos pelas autoridades públicas e as recomendações da OMS.

Por certo, é obrigação do empregador a adoção de procedimentos acautelatórios e medidas de segurança, nos termos da Portaria Conjunta nº 20, de 18/6/2020, do Ministério da Economia e da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho.

Para o enfrentamento da crise de saúde pública, a ré elaborou um protocolo especial, denominado "Protocolo de Medidas de Prevenção ao COVID-19 - Coronavírus", contendo previsões referentes ao uso de máscaras; disponibilização de álcool gel; encaminhamento ao trabalho remoto dos empregados que contenham deficiência imunológica, pertençam ao grupo de risco (mais de 60 anos, gestantes e lactantes) ou aqueles que coabitam com pessoas do grupo de risco; intensificação da limpeza do local de trabalho e superfícies de contato; instruções aos trabalhadores; além de um plano de contingência com procedimentos específicos para casos suspeitos ou confirmados de Covid-19.

Tais medidas correspondem às orientações contidas na Portaria Conjunta nº 20/2020, do Ministério da Economia e da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho[1] e às orientações oficiais empregador e trabalhador do Governo Federal, publicadas em 17/11/2020 e atualizadas em 3/9/2021[2], ambas direcionadas a estabelecer medidas visando à prevenção, controle e mitigação dos riscos de transmissão da Covid-19 nos ambientes de trabalho.

Por sua vez, a determinação de testagem laboratorial para a Covid-19 de forma indiscriminada, como pretende o Sindicato-autor, de forma a abranger inclusive os trabalhadores assintomáticos, além da ausência de recomendação técnica, contraria o disposto no item 12.11 da Portaria Conjunta nº 20/2020 do Ministério da Economia e da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, segundo o qual "Não deve ser exigida testagem laboratorial para a COVID-19 de todos os trabalhadores como condição para retomada das atividades do setor ou do estabelecimento por não haver, até o momento da edição deste Anexo, recomendação técnica para esse procedimento".

A respeito da contaminação assintomática, vale reproduzir as conclusões do material elaborado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, versão digital 2021, fundamentado em 194 referências bibliográficas nacionais e internacionais, esclarecedor no sentido de que "A transmissão por pessoas assintomáticas que nunca desenvolvem sintomas é possível, mas parece ser bastante rara" (pág. 6); "Na maioria dos casos, após 10 dias do início da doença, a presença de vírus passível para cultura viral se aproxima de zero" (pág. 6)[3].

O citado material traz outras informações de ordem técnica:

- Define o conceito de caso suspeito: "Para fins de vigilância, notificação e investigação de casos e monitoramento de contatos, o critério laboratorial deve ser considerado padrão-ouro, não excluindo os demais critérios de confirmação" (pág. 13).

- Explicita o conceito de contato próximo de caso suspeito ou confirmado: "- teve contato físico direto (por exemplo, apertando as mãos); - esteve a menos de um metro de distância, por um período mínimo de 15 minutos com um caso confirmado, sem ambos utilizarem a máscara facial ou utilizarem de forma incorreta; - profissional de saúde que prestou assistência ao caso de COVID-19 sem utilizar equipamentos de proteção individual (EPI), conforme preconizado, ou com EPIs danificados" (pág. 13).

- Estabelece o momento em que os exames devem ser colhidos: "O RT-PCR permanece sendo o teste de escolha para pacientes sintomáticos na fase aguda. O Ministério da Saúde recomenda que o teste seja coletado entre 1º e o 8° dia do início dos sintomas" (pág. 16).

- Relaciona os grupos a serem prioritariamente testados com RT-PCR (1º sintomáticos, 2º casos de síndrome respiratória aguda grave e 3º assintomáticos, com prioridade para os profissionais da saúde e segurança pública, com periodicidade a ser definida em cada serviço) (págs. 16 e 17).

- Diferencia os testes e o momento oportuno de realização: Teste de antígeno "o teste é realizado com amostras de swab de nasofaringe com o propósito de detectar indivíduos com infecção aguda. Deve ser realizado entre o 1º e o 7º dia após início dos sintomas" (pág. 17); "o uso para teste de contatos assintomáticos pode ser considerado, embora nessa situação um resultado negativo não deve excluir um contato dos requisitos de quarentena" (pág. 18). Teste sorológico:  "são indicados após o 8º dia do início dos sintomas, preferencialmente após o 14º dia" (pág. 18). Ainda quanto aos testes sorológicos, estabelece sua utilidade e indicação:  "assintomáticos, pode ser utilizado em toda população, a depender do objetivo da ação de cada município e/ou estado, sob supervisão das equipes de vigilância epidemiológica local, como por exemplo, na realização de inquéritos sorológicos para avaliar produção de anticorpos" (pág. 20).

- Alerta sobre a escassez de material de testagem e, conforme a disponibilidade de testes, sugere que sejam priorizados alguns grupos populacionais: "Quem deve ser testado. A coleta de testes diagnósticos está diretamente relacionada à disponibilidade de insumos laboratoriais e equipamentos para análise para pesquisa de SARS-CoV-2, bem como ao cenário epidemiológico atual. É importante estar atento às orientações de testagem da vigilância epidemiológica local/regional. Conforme a disponibilidade de testes, sugere-se que sejam priorizados os seguintes grupos para testagem, nesta ordem: SRAG hospitalizados; óbitos de casos suspeitos, caso a coleta não tenha sido realizada em vida; profissionais de saúde com Síndrome Gripal, que estejam atuando em serviços de saúde em contato com pacientes de municípios com casos confirmados de COVID-19; casos de Síndrome Gripal provenientes das unidades sentinelas de Influenza; trabalhadores de serviços de saúde e segurança; portadores de condições de risco: idosos, cardiopatas, renais crônicos, imunodeprimidos, doenças respiratórias, diabéticos e gestantes de alto risco; grupos de interesse para a saúde pública: crianças menores de 2 anos, indígenas, gestantes e puérperas; residentes e trabalhadores de instituições de longa permanência para idosos; população privada de liberdade; outras populações, conforme vigilância epidemiológica: ex.: população economicamente ativa, pessoa assintomática que resida no mesmo domicílio de um profissional de saúde ou de segurança pública em atividade, contatos próximos assintomáticos" (pág. 21).

Ao que se infere dos excertos acima reproduzidos, a testagem de pessoas assintomáticas é interpretada muito mais como uma medida de controle de vigilância epidemiológica do que como medida profilática para evitar a contaminação.

Conforme se depreende, são inúmeros os elementos de ordem técnica a serem observados para a testagem do vírus: a disponibilidade de testes, que está diretamente relacionada à disponibilidade de insumos laboratoriais e equipamentos para análise e pesquisa; as diretrizes de saúde pública adotadas por cada município/estado e as prioridades de grupos para testagem (pessoas que já apresentam sintomas, contatos próximos, integrantes dos grupos de risco, profissionais de saúde).

Não cabe ao Poder Judiciário determinar medida coercitiva de testagem em todos os trabalhadores da unidade/agência, mesmo que assintomáticos, sem o amparo normativo e muito menos sem a confirmação da viabilidade prática do provimento jurisdicional.

Oportuno esclarecer que todos os cuidados de higiene e assepsia na rotina e trabalho foram implementados na primeira normatização interna e permanecem em vigor na atual normatização, cuja alteração substancial foi apenas a relacionada à flexibilização das regras de distanciamento que, de forma alguma, contrariam as recomendações de saúde pública.

A desinfecção do ambiente laboral, por exemplo, medida que integra o pedido inicial, continua a fazer parte do novo protocolo e não há indícios de que tenha sido descumprida pela empresa.

Por sua vez, o material elaborado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, anteriormente citado, ao explicitar o conceito de "contato próximo de caso suspeito ou confirmado", inclui apenas aqueles que estiveram a menos de um metro de distância, por mais de quinze minutos, de um caso confirmado. A Portaria Conjunta nº 20/2020, do Ministério da Economia e da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, no item 2.3, reitera essa diretriz.

Ao que se conclui, as novas regras do protocolo interno de medidas preventivas encontram previsão na Lei n° 13.979/2020, já que foi mantido o distanciamento social, não mas com a previsão inicial de afastamento de todo o efetivo da unidade/agência, e sim com a previsão de afastamento apenas dos empregados que trabalham a um raio de distanciamento de até dois metros do empregado que testou positivo, por 15 dias, o que não desrespeita as orientações técnicas.

Vale ainda ressaltar que o serviço postal, prestado de forma exclusiva pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, é essencial e sua continuidade é assegurada pelo art. 3º, § 1º, inciso XXI, do Decreto n° 10.282/2020, in verbis

Serviços públicos e atividades essenciais 

Art. 3º As medidas previstas na Lei nº 13.979, de 2020, deverão resguardar o exercício e o funcionamento dos serviços públicos e atividades essenciais a que se refere o§ 1º. 

§1º São serviços públicos e atividades essenciais aqueles indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, assim considerados aqueles que, se não atendidos, colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população, tais como: 

(...) 

XXI - serviços postais.

A ECT, empresa pública com personalidade jurídica de direito privado, embora se equipare à Fazenda Pública para diversos fins, exerce atividade econômica e se sujeita às regras de direito privado nas relações com particulares (art. 173, § 1º, inciso II, da Constituição Federal).

Em meio à crise sanitária, muitas empresas no mercado de encomendas aceleraram seus projetos de digitalização da comunicação, enquanto a ECT se viu obrigada a manter atividades presenciais, dada a essencialidade dos serviços prestados, cabendo-lhe, ainda, aperfeiçoar a coordenação logística para garantir a continuidade de suas operações durante a pandemia, principalmente as relacionadas ao transporte de material biológico perecível destinado a pesquisas científicas, cujos prazos de entrega são exíguos.

A realidade da empresa no mercado não pode destoar das demais empresas que executam atividades econômicas correlatas, ligadas ao segmento de encomendas, atualmente explorado pelo setor privado da economia e aberto à concorrência.

Nessa ordem de ideias, exigir da ECT, sem respaldo legal, comportamento superior ao exigido da totalidade das empresas que atuam em atividade similar e concorrente, proporciona o desequilíbrio da livre concorrência garantido no inciso IV do art. 170 da Constituição Federal.

Vale lembrar, ainda, a existência de atividades postais incompatíveis com o trabalho remoto (principalmente na triagem, entrega de objetos e atendimento à população). Além disso, conforme já mencionado, trata-se de serviço público essencial, daí a necessidade de se buscar o equilíbrio entre as medidas preventivas à Covid-19 e seus impactos na atividade econômica.

A despeito da realidade pandêmica sem precedentes, novas práticas de prevenção de contágio estão sendo implementadas. A paralisação completa de uma unidade de distribuição dos Correios até que todos os empregados realizem testes laboratoriais, o que inclui o prazo de diagnóstico e a possibilidade de retestagem, diante de resultados inconclusivos, não se mostra a medida mais razoável, a considerar a essencialidade do serviço prestado pela ECT.

E nem se alegue o descumprimento do art. 3º do Decreto n° 10.282/2020:

Art. 3º As medidas previstas na Lei nº 13.979, de 2020,  deverão resguardar o exercício e o funcionamento dos serviços públicos e atividades essenciais a que se refere o § 1º.

(...)

§ 7º Na execução dos serviços públicos e das atividades essenciais de que trata este artigo devem ser adotadas todas as cautelas para redução da transmissibilidade da covid -19.

O citado decreto, ao mesmo tempo em que busca resguardar o funcionamento dos serviços públicos e atividades essenciais, não descuida das cautelas necessárias para reduzir a transmissibilidade da Covid-19 na execução de tais serviços.

No caso concreto, reitere-se que a ré demonstrou um plano de ação, com medidas profiláticas embasadas em normas legais e nas orientações das autoridades públicas de saúde.

Certo é que as medidas adotadas pela empresa ECT encontram suporte nas normas de saúde pública, mormente no que diz respeito ao isolamento domiciliar e ao distanciamento social de dois metros, tendo o empregador se desvencilhado do seu dever de "cumprir e fazer cumprir" as normas de segurança e medicina do trabalho, bem como instruir os empregados quanto às precauções a serem tomadas para evitar doenças ocupacionais, nos termos do art. 157, incisos I e II, da CLT.

Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso de revista para, reformando o acórdão regional, julgar improcedentes os pedidos do Sindicato autor e permitir a aplicação integral do "Protocolo de Medidas de Prevenção ao COVID-19 – Coronavírus" da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT, principalmente quanto aos itens 6.2, alínea "b", e 7, relacionados à delimitação do raio de distância entre o empregado infectado pela COVID-19 e os empregados a serem afastados em quarentena, excluindo, via de consequência, as multas imputadas pelo não cumprimento da tutela antecipatória.

II - PEDIDO DE EFEITO SUSPENSIVO PREJUDICADO EM FACE DA SUPERVENIÊNCIA DO JULGAMENTO DO RECURSO DE REVISTA

Mediante petição de fls. 1120-1149, identificada com o id 82afaff, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT ajuíza "tutela de urgência cautelar recursal antecedente", recebida como petição avulsa pela Presidência do Tribunal Superior do Trabalho (despacho de fl. 1.154), em que objetiva a concessão de efeito suspensivo ao recurso de revista interposto em face do acórdão prolatado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região, nos autos deste processo.

Resta PREJUDICADO o pedido de efeito suspensivo em face da superveniência do julgamento do recurso de revista.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de revista, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, dar-lhe provimento para, reformando o acórdão regional, julgar improcedentes os pedidos do Sindicato autor e permitir a aplicação integral do "Protocolo de Medidas de Prevenção ao COVID-19 – Coronavírus" da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT, principalmente quanto aos itens 6.2, alínea "b", e 7, relacionados à delimitação do raio de distância entre o empregado infectado pela COVID-19 e os empregados a serem afastados em quarentena, excluindo, via de consequência, as multas imputadas pelo não cumprimento da tutela antecipatória. Pedido de efeito suspensivo prejudicado, em face da superveniência do julgamento do recurso de revista. Mantém-se o valor arbitrado à causa, de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Afasta-se a condenação da ré em honorários advocatícios e deixa-se de fixar verba honorária aos patronos do Sindicato autor, nos termos do art. 18 da Lei nº 7.347/85. Custas, em reversão, pelo Sindicato-autor, no importe de R$ 200,00 (duzentos reais), de cujo recolhimento fica isento, na forma prevista em lei.

Brasília, 20 de outubro de 2021.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

AMAURY RODRIGUES PINTO JUNIOR

Ministro Relator


[3] UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL. Faculdade de Medicina. Programa de PósGraduação em Epidemiologia. TelessaúdeRS (TelessaúdeRS-UFRGS). Telecondutas Coronavírus (COVID-19): informações para profissionais da APS: versão 11. Porto Alegre: TelessaúdeRS-UFRGS, 3 mar. 2020 [atual. 27 maio 2021]. Disponível em: https://www.ufrgs.br/telessauders/teleconsultoria/0800-644-6543/#telecondutas-0800 Acesso em: "14/out/2021".

 

 

 

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