TST - INFORMATIVOS 2018 2018 187 - 12 a 19 de novembro

Data da publicação:

Subseção II Especializada em Dissídios Individuais

Lelio Bentes Corrêa - TST



06 -Mandado de segurança. Decisão judicial proferida na vigência do CPC de 1973. Determinação de penhora de verba de natureza alimentar. Atos de constrição realizados sob a égide do CPC de 2015. Ofensa a direito líquido e certo. Configuração. Orientação Jurisprudencial nº 153 da SBDI-II.



Resumo do voto

Mandado de segurança. Decisão judicial proferida na vigência do CPC de 1973. Determinação de penhora de verba de natureza alimentar. Atos de constrição realizados sob a égide do CPC de 2015. Ofensa a direito líquido e certo. Configuração. Orientação Jurisprudencial nº 153 da SBDI-II. Ofende direito líquido e certo a decisão judicial que, na vigência do CPC de 1973, determinou a penhora de 30% da remuneração líquida da executada, ainda que os atos que deram cumprimento à referida decisão tenham sido efetivados sob a égide do CPC de 2015. Incidência da Orientação Jurisprudencial nº 153 da SBDI-II. Sob esse entendimento, a SBDI-II, em sua composição plena, conheceu, à unanimidade, do recurso ordinário da executada e, no mérito, por maioria, deu-lhe provimento para, concedendo a segurança postulada, determinar o imediato levantamento do bloqueio realizado e a liberação dos valores indevidamente retidos. Vencidos os Ministros Douglas Alencar Rodrigues, relator, Renato de Lacerda Paiva e Brito Pereira, os quais negavam provimento ao recurso ao fundamento de que a superveniência do CPC de 2015 convalidou o ato de penhora considerado ilegal à luz do CPC de 1973.

A C Ó R D Ã O

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ATO IMPUGNADO PRATICADO NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. DETERMINAÇÃO DE BLOQUEIO DE 30% DA REMUNERAÇÃO LÍQUIDA PERCEBIDA PELA EXECUTADA. ILEGALIDADE. ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL N.º 153 DA SBDI-II DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO.

1. Nos termos da Orientação Jurisprudencial n.º 153 da SBDI-II desta Corte superior, "ofende direito líquido e certo decisão que determina o bloqueio de numerário existente em conta salário, para satisfação de crédito trabalhista, ainda que seja limitado a determinado percentual dos valores recebidos ou a valor revertido para fundo de aplicação ou poupança, visto que o art. 649, IV, do CPC de 1973 contém norma imperativa que não admite interpretação ampliativa, sendo a exceção prevista no art. 649, § 2º, do CPC de 1973 espécie e não gênero de crédito de natureza alimentícia, não englobando o crédito trabalhista".

2. Extrai-se da prova carreada aos autos que o MM. Juízo da 3ª Vara do Trabalho de Natal/RN determinou, em 9/9/2015, o bloqueio de valores relativos a 30% da remuneração líquida percebida mensalmente pela impetrante em decorrência do vínculo empregatício havido com o Município de São Gonçalo do Amarante - procedimento que encontra óbice no entendimento consubstanciado na Orientação Jurisprudencial n.º 153 desta colenda SBDI-II. 3. Recurso Ordinário conhecido e provido. (TST-RO-261-96.2016.5.21.0000, SBDI-I, rel. Min. Lelio Bentes Corrêa, 19.12.2018).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Ordinário n° TST-RO-261-96.2016.5.21.0000, em que é Recorrente SANDRA MARIA DA SILVA CÂMARA e Recorrido VICENTE FARIAS DE MEDEIROS e Autoridade Coatora JUIZ TITULAR DA 3ª VARA DO TRABALHO DE NATAL.

"SANDRA MARIA DA SILVA CÂMARA impetrou mandado de segurança, com pedido liminar, contra ato do Juízo da 3ª Vara do Trabalho de Natal/RN, que determinou, nos autos do processo nº 102200-18.2013.5.21.0003, o bloqueio de 30% (trinta por cento) de sua remuneração mensal junto Município de São Gonçalo do Amarante/RN.

A Desembargadora Relatora indeferiu a liminar requerida (fls. 38/41).

A Impetrante interpôs Agravo Regimental, que foi desprovido (fls. 60/63).

Inconformada, a Impetrante interpôs recurso ordinário às fls. 70/81, que foi admitido às fls. 84/85.

Por meio de decisão monocrática, com fundamento na diretriz da OJ 100 da SBDI-2 do TST, não conheci do recurso ordinário, determinando o retorno dos autos à Corte de origem, para prosseguimento (fls. 93/94).

O Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região proferiu acórdão julgando improcedente o presente mandado de segurança (fls. 120/124).

A Impetrante interpôs recurso ordinário às fls. 151/162, admitido às fls. 165/166.

O Litisconsorte passivo apresentou contrarrazões às fls. 179/183.

O Ministério Público do Trabalho emitiu parecer, opinando pelo provimento do recurso ordinário (fls. 188/190)."

É o relatório, na forma regimental.

V O T O

I – CONHECIMENTO

"O recurso ordinário é tempestivo, pois o acórdão foi publicado em 23/2/2017 e o recurso interposto em 23/2/2017 (fls. 68 e 81). Regular a representação processual (fl. 18). Dispensado o pagamento de custas. Inexigível o depósito recursal.

CONHEÇO."

II - MÉRITO

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ATO COATOR PRATICADO NA VIGÊNCIA DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. PENHORA DE 30% DA REMUNERAÇÃO LÍQUIDA PERCEBIDA PELA EXECUTADA.

Discute-se, no presente caso, se os atos praticados com a finalidade de dar cumprimento à determinação de penhora de rendimentos alocados em conta corrente do executado podem ser constituídos de validade jurídica na hipótese em que, ainda que a determinação do Juízo da execução emane de decisão judicial proferida sob a égide do Código de Processo Civil de 1973, tenham sido cumpridos mediante a realização de bloqueios já na vigência do atual Código de Processo Civil.

A controvérsia situa-se, sem dúvida, no campo do direito intertemporal, sabendo-se que o Código de Processo Civil de 1973 vedava, peremptoriamente, a penhora de vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões e montepios, entre outros. Referida impenhorabilidade, no entanto, foi relativizada pelo Código de Processo Civil de 2015, quando, no parágrafo 2º do artigo 833, permitiu a penhora, inclusive, de vencimentos, salários e afins, para o pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem assim às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários mínimos mensais.

Por ocasião da entrada em vigor do novo CPC, o Tribunal Pleno do TST, por meio da Resolução n.º 220/2017, alterou o teor da Orientação Jurisprudencial n.º 153 da SBDI-II, a fim de constar expressamente que, na vigência do CPC de 1973, viola direito líquido e certo a decisão por meio da qual se determina o bloqueio de numerário existente em conta salário. Nesse sentido, é o disposto no referido verbete jurisprudencial:

MANDADO DE SEGURANÇA. EXECUÇÃO. ORDEM DE PENHORA SOBRE VALORES EXISTENTES EM CONTA SALÁRIO. ART. 649, IV, DO CPC DE 1973. ILEGALIDADE. Ofende direito líquido e certo decisão que determina o bloqueio de numerário existente em conta salário, para satisfação de crédito trabalhista, ainda que seja limitado a determinado percentual dos valores recebidos ou a valor revertido para fundo de aplicação ou poupança, visto que o art. 649, IV, do CPC de 1973 contém norma imperativa que não admite interpretação ampliativa, sendo a exceção prevista no art. 649, § 2º, do CPC de 1973 espécie e não gênero de crédito de natureza alimentícia, não englobando o crédito trabalhista.

A questão controvertida no presente recurso é definir se, à luz dos pressupostos de cabimento do mandado de segurança, pode o Julgador valer-se da norma revogadora para validar decisão que, embora cumprida na vigência do CPC de 2015, foi proferida sob a égide do CPC de 1973.

Dos termos do artigo 1º da Lei n.º 12.016/2009, extrai-se que o mandado de segurança é o meio processual posto à disposição do jurisdicionado "para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receito de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça".

O uso do mandado de segurança tem como pressuposto a existência de um ato que ponha em risco um direito supostamente líquido e certo. Nesse passo, não atende ao pressuposto de validade o mandado de segurança impetrado sem a prova da existência do ato coator, que, doutrinariamente, é reconhecido como a omissão ou ato de autoridade pública reputado ilegal e ofensivo a direito individual ou coletivo, líquido e certo.

Vale lembrar que somente pratica um ato tido por coator a pessoa investida de poder de decisão. Nesse caso, não é reputado como autoridade aquele a quem cabe apenas dar consequência ao ato impugnado.

Feitas essas considerações, passemos ao exame dos autos. Deles, extrai-se que a executada Sandra Maria da Silva Câmara, proprietária individual da empresa SM Câmara Auto Peças e Serviços ME, impetrou mandado de segurança, com pedido de concessão de medida em caráter liminar, em face de ato praticado pelo Juízo da 3ª Vara do Trabalho de Natal-RN, por meio do qual se determinou a penhora do percentual 30% da remuneração percebida por ela, como servidora pública do Município de São Gonçalo do Amarante/RN.

Refere-se a impetrante ao despacho exarado em 9 de setembro de 2015, que se encontra à p. 27 do Sistema de Informações Judiciárias (eSIJ), aba "Visualizar Todos (PDFs)", do qual se extrai a seguinte determinação:

Vistos, etc.

Atualize-se a dívida.

Após, expeça-se mandado de bloqueio, destinado ao Município de São Gonçalo do Amarante, para que este proceda à retenção do montante equivalente a 30% da remuneração líquida da servidora Sandra Maria da Silva Câmara, por tantos meses forem necessários até a garantir do montante total da execução. Outrossim, os valores retidos devem ser postos à disposição deste Juízo, mediante depósito judicial, devidamente informado nestes autos.

Em cumprimento à determinação judicial ora transcrita, foi expedido o Mandado de Penhora e Bloqueio de Créditos n.º 0003/16-EXE, cuja ciência do Procurador-Geral Adjunto do Município de São Gonçalo do Amarante deu-se em 15 de março de 2016.

Posteriormente à determinação judicial, o que se vê é a prática de atos que apenas vieram a dar cumprimento à determinação de bloqueio de numerário, consoante se verifica dos comprovantes de pagamento de títulos juntados às pp. 34 e 37 do eSIJ, datados, respectivamente, de 1º/4/2016 e 5/5/2016.

Todos esses dados evidenciam que o ato coator - qual seja aquele praticado por agente público investido de poder de decisão - foi praticado durante a vigência do Código de Processo Civil de 1973. Nesse caso, pode-se afirmar que o ato é, sim, ilegal porque praticado em desrespeito aos ditames do artigo 649, inciso IV, do CPC de 1973, cuja disposição é de clareza solar:

Art. 649. São absolutamente impenhoráveis:

(...)

IV – os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3º deste artigo.

Como o ato coator é único, foi praticado na vigência do Código de Processo Civil de 1973 e, sabendo-se que, no julgamento do mandado de segurança, deve o julgador exercer o controle de legalidade estrita, entendo que os atos de apreensão que emanam da ordem ilegal de penhora dos proventos de aposentadoria, ainda que levados a efeito na vigência do novo Código de Processo Civil, não se sustentam de per si, daí por que não devem ser preservados ou convalidados pelo direito superveniente.

Assim, reconhecida a ilegalidade da determinação de salários, proventos e afins, porque emanada de ato praticado na vigência do Código de Processo Civil de 1973, igualmente não se revestem de validade os atos de execução posteriormente praticados apenas para dar efetividade ao ato manifestamente ilegal. Nesse sentido, esta colenda SBDI-II já se pronunciou, conforme se verifica do seguinte precedente:

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ATO COATOR PROFERIDO NA VIGÊNCIA DO CPC DE 1973. PENHORA INCIDENTE SOBRE PERCENTUAL DE PROVENTOS DE APOSENTADORIA RECEBIDOS PELA IMPETRANTE. ILEGALIDADE. ARTIGO 649, IV, CPC/73.  ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL 153 DA SBDI-2 DO TST. O ato coator é datado de outubro de 2015, na vacacio legis do CPC de 2015 e quando ainda vigente o Código de Processo Civil de 1973. Conquanto o mandado de segurança seja disciplinado pela Lei nº 12.016/2009, o ato coator, em relação ao qual se sustenta ofensa a direito líquido e certo, tem como parâmetro as normas do CPC de 1973, o que afasta o exame da controvérsia com referência ao CPC de 2015, uma vez que, embora as normas processuais tenham aplicação imediata aos processos pendentes, não têm efeito retroativo, conforme regra de direito intertemporal, que as disciplina, segundo o princípio tempus regit actum. No caso concreto, verifica-se que a autoridade coatora determinou o bloqueio mensal de 20% dos proventos de aposentadoria recebidos pela impetrante para responder pelos créditos trabalhistas devidos, por ostentar a qualidade de sócia da empresa executada. O inciso IV do artigo 649 do CPC/73 é expresso ao considerar absolutamente impenhoráveis os vencimentos, soldos, remunerações, pensões, ou quantias percebidas e destinadas ao sustento do devedor e de sua família. Por sua vez, a jurisprudência desta Corte é no sentido de que é ilegal a ordem de penhora sobre tais parcelas de cunho remuneratório, situação, como no caso dos autos, em que foi concedida a segurança para sustar o ato impugnado, considerando a natureza alimentar do salário. Incidência do entendimento consubstanciado na Orientação Jurisprudencial nº 153 da SBDI-2. Ressalta-se, ainda, que não se desconhece a mudança de entendimento desta Corte (Resolução nº 220, de 18 de setembro de 2017, que alterou a redação da referida OJ) em função da inovação legislativa prevista no art. 833, IV, § 2º, do novo CPC/15, que passou a admitir a penhora de salários e proventos de aposentadoria para o pagamento de prestações alimentícias "independentemente de sua origem" - como o crédito trabalhista, mas que limitou a sua incidência aos atos praticados na vigência do CPC de 1973 (teoria do tempus regit actum), o que se aplica no caso dos autos. Nesse contexto, a impetrante tem, efetivamente, o direito líquido e certo de não serem penhorados os valores recebidos a título de proventos de aposentadoria creditados na sua conta bancária, mesmo em se tratando de execução trabalhista. Recurso ordinário conhecido e provido para conceder a segurança, a fim de cassar a ordem de penhora dos proventos de aposentadoria da impetrante, liberando-se, ainda, eventuais valores já penhorados sobre tais verbas (TST-RO-1241-24.2015.5.05.0000, SBDI-II, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, publicado no DEJT de 19/10/2018).

Com esses fundamentos, dou provimento ao Recurso Ordinário para, concedendo a segurança postulada pela impetrante, determinar o imediato levantamento do bloqueio de 30% da remuneração líquida da impetrante procedida nos autos da Reclamação Trabalhista n.º 102200-18.2013.5.21.0003, bem assim a liberação dos valores indevidamente retidos.

Comunique-se, com urgência, o inteiro teor do presente acórdão ao Exmo. Desembargador Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região e ao MM. Juízo da 3ª Vara do Trabalho de Natal/RN.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Subseção II Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do Recurso Ordinário, e, no mérito, por maioria, vencidos os Exmos. Ministros Douglas Alencar Rodrigues, Renato de Lacerda Paiva e João Batista Brito Pereira, dar-lhe provimento para, concedendo a segurança postulada pela impetrante, determinar o imediato levantamento do bloqueio de 30% de sua remuneração mensal líquida procedido nos autos da Reclamação Trabalhista n.º 102200-18.2013.5.21.0003, bem assim a liberação dos valores indevidamente retidos. Comunique-se, com urgência, o inteiro teor do presente acórdão ao Exmo. Desembargador Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 21ª Região e ao MM. Juízo da 3ª Vara do Trabalho de Natal/RN.

Brasília, 13 de novembro de 2018.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

LELIO BENTES CORRÊA

Ministro Redator Designado

Instituto Valentin Carrion © Todos direitos reservados | LGPD   Desen. e Adm by vianett

Politica de Privacidade