TST - INFORMATIVOS 2018 2018 174 - 12 a 27 de março

Data da publicação:

Subseção I Especializada em Dissídios Individuais

Augusto Cesar Leite de Carvalho - TST



03 - Dano moral. Configuração. Intermediação fraudulenta de mão de obra mediante cooperativa. A contratação de empregado para atuar na atividade fim da empresa, condicionada à filiação a cooperativa fraudulenta, enseja o pagamento de indenização por danos morais,



Resumo do voto

Dano moral. Configuração. Intermediação fraudulenta de mão de obra mediante cooperativa. A contratação de empregado para atuar na atividade fim da empresa, condicionada à filiação a cooperativa fraudulenta, enseja o pagamento de indenização por danos morais, pois constitui prática de ato ilícito que precariza a relação laboral e desvirtua a finalidade social do trabalho, estando em desalinho com os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho. Sob esse fundamento, a SBDI-I, por unanimidade, conheceu dos embargos, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, por maioria, negou-lhes provimento. Vencidos os Ministros Maria Cristina Irigoyen Peduzzi e Ives Gandra Martins Filho. 

A C Ó R D Ã O

RECURSO DE EMBARGOS REGIDO PELA LEI 13.015/2014. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. INTERMEDIAÇÃO DE MÃO DE OBRA. CONTRATAÇÃO DE EMPREGADO MEDIANTE COOPERATIVA FRAUDULENTA. A Carta Magna vigente consolidou a possibilidade de se buscar indenização por dano ligado à esfera psíquica ou extrapatrimonial do trabalhador (artigo 5º, V e X), contemplando o dano moral como ilícito passível de reparação. O art. 1º da Declaração Universal de Direitos Humanos consagra que "todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos". Iguais em dignidade. Em outras palavras: a condição humana equaliza todos os seres racionais e exige, por isso, ordem jurídica restritiva de qualquer atividade econômica que não a considere um fim em si mesmo. Ou não considere o trabalho humano um valor social e ético transcendente, insuscetível de ser tratado como insumo, ferramenta, objeto de direito. A guardar coerência sistêmica, a Constituição brasileira – art. 1º, III – consagra a dignidade humana como fundamento da ordem republicana e assim situa o homem na centralidade do sistema jurídico, não permitindo que se possa atribuir, a norma alguma, significado ou eficácia destoantes de tal perspectiva. O homem é sujeito de direitos, não podendo ser ele, ou a energia de trabalho que dele emana, mercantilizados. Ademais de o princípio da dignidade da pessoa humana ser fundamento da nossa República, tem esta como objetivos, dentre outros, constituir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I), assim como erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III), tudo em consonância com o art. 170 da Constituição, a apenas consentir a ordem econômica que, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tenha por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. A rotina empresarial que menoscaba o trabalho humano, não lhe reconhecendo a imprescindibilidade e precificando-o à semelhança de como procede com outros fatores de produção, vulnera o princípio da dignidade da pessoa humana. E justifica reparação que resgate a preeminência do homem, desfeiteado e aviltado, no processo produtivo. O aspecto de o empregador engendrar fraude e o desvirtuamento do instituto da cooperativa com vistas a disfarçar relação de emprego, em desapreço às condições de contrato e trabalho que confeririam identidade e dignidade à empregada, diferencia a situação retratada nos autos daquelas em que a irregularidade formal na contratação do trabalhador revela-se insuficiente, per se, à configuração do dano imaterial. In casu, a reclamada, durante todo o tempo da relação laboral, incorreu na prática de ato ilícito ao contratar o trabalhador mediante cooperativa fraudulenta, precarizando a relação laboral e desvirtuando a finalidade social do trabalho. Configurado o dano extrapatrimonial. Recurso de embargos conhecido e desprovido. (TST-E-RR-216100-08.2008.5.02.0027, SBDI-I, rel. Min. Augusto César Leite de Carvalho, 23.3.2018).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Embargos em Recurso de Revista n° TST-E-RR-216100-08.2008.5.02.0027, em que é Embargante DR. GHELFOND DIAGNÓSTICO MÉDICO S/C LTDA. e Embargados ANDRÉIA ARAÚJO DA SILVA e ALT SERVICE - COOPERATIVA DE ALTERNATIVAS DE TRABALHOS PROFISSIONAIS.

A Primeira Turma deste Tribunal conheceu do recurso de revista da reclamante, por violação do artigo 5º, X, da Constituição Federal, e, no mérito, deu-lhe provimento para restabelecer a sentença quanto à condenação ao pagamento de indenização por danos morais (fls. 553-578).

Dessa decisão, a reclamada Dr. Ghelfond Diagnóstico Médico S/C Ltda. interpõe recurso de embargos às fls. 580-603. Insurge-se quanto ao deferimento de indenização por danos morais. Transcreve arestos para o cotejo de teses.

Juízo de admissibilidade do recurso de embargos efetivado na forma do disposto na Instrução Normativa nº 35/2012, no sentido de reconhecer demonstrada a divergência jurisprudencial (fls. 650-657).

Regularmente intimados os embargados (fl. 658), apenas a reclamante apresentou impugnação aos embargos (fls. 659-679).

Desnecessária a remessa dos autos à Procuradoria Geral do Trabalho, nos termos do artigo 95, § 2º, II, do Regimento Interno do Tribunal Superior do Trabalho.

É o relatório.

V O T O

1 - PRESSUPOSTOS EXTRÍNSECOS

Atendidos os pressupostos extrínsecos de admissibilidade do recurso de embargos, porquanto tempestivo (fls. 579 e 648) e subscrito por procurador regularmente constituído nos autos (fls. 284 e 508) e regular o preparo (fls. 401, 420, 421, 472, 578, 604 e 605).

Em atenção ao Ato TST 725/SEGJUD.GP, de 30 de outubro de 2012, registre-se que os números de inscrição das partes no cadastro de pessoas físicas e jurídicas da Receita Federal do Brasil já constam dos autos, fls. 4 e 580.

Cumpre apreciar os pressupostos intrínsecos dos embargos, à luz da atual redação do artigo 894 da CLT, conferida pela Lei 13.015/2014.

2 - PRESSUPOSTOS INTRÍNSECOS

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. INTERMEDIAÇÃO DE MÃO DE OBRA. CONTRATAÇÃO DE EMPREGADO MEDIANTE COOPERATIVA FRAUDULENTA

Conforme relatado, a Primeira Turma deste Tribunal conheceu do recurso de revista interposto pela reclamante, por violação do artigo 5º, X, da Constituição Federal, e, no mérito, deu-lhe provimento, para deferir o pagamento de indenização por danos morais.

Eis as razões de decidir:

"O Tribunal Regional deu provimento parcial ao recurso ordinário interposto pela segunda reclamada, para, reformando a sentença, excluir da condenação o pagamento de indenização por danos morais decorrentes da intermediação ilegal de mão de obra. Erigiu, para tanto, os seguintes fundamentos, às fls. 317-v/318, dos autos físicos (pp. 467/470 do eSIJ – os grifos foram acrescidos):

5-) DO DANO MORAL E MATERIAL

Pretende a reclamada a reforma da decisão de Origem para excluir da condenação a indenização por danos morais e materiais.

Merece razão o inconformismo da recorrente.

Primeiramente destaco que a reclamante pleiteou a indenização por danos morais sob a alegação de que foi fraudulenta a sua contratação como cooperada e prestadora de serviços autônomos.

Entretanto, a fraude já foi reconhecida sendo determinada a correta anotação em CTPS do contrato havido entre as partes.

Ademais, não ficou comprovado que tais fatos tivessem causado dano à moral, à imagem, à dignidade ou à honra do recorrente. Não há prova de dano efetivo.

Dispõe o art.5º, inciso X, da Constituição Federal em vigor "são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;"

Pois, bem, têm direito à indenização aqueles que sofrerem dano material ou moral. Sob este aspecto, dano significa mal ou ofensa pessoal ou prejuízo que sofre quem tem seus bens deteriorados ou inutilizados (Dicionário de Língua Portuguesa; Aurélio Buarque de Holanda).

A necessidade da ocorrência de dano é pacífica na Doutrina. Ora, se não há dano, não há que se falar em indenização, segundo a própria norma constitucional.

[...]

Reformo, portanto, a r. sentença de Origem no tocante.

Sustenta a reclamante, em suas razões de revista, que a conduta da empresa reclamada enseja a sua condenação ao pagamento de danos morais. Afirma que os danos tiveram origem na fraude praticada pela empresa e pela cooperativa com o explícito objetivo de sonegar direitos trabalhistas. Aponta violação dos artigo 5º, X, da Constituição da República e 186 do Código Civil, além de transcrever arestos para o cotejo de teses.

Ao exame.

No caso dos autos, evidencia-se que a primeira reclamada utilizava-se da cooperativa fraudulenta para a contratação de seus empregados, inclusive para a consecução de suas atividades fim, segundo expressamente assinala o Tribunal de origem à fl. 316-v dos autos físicos (p. 467 do eSIJ), com intuito de se eximir do pagamento dos encargos trabalhistas.

Registrou a Corte regional que "a pretensa caracterização da reclamante como cooperada, com a assinatura de ficha de matrícula e preenchimento de ficha cadastral, cai por terra diante da evidência de que a mesma laborou durante todo o período denunciado na peça de ingresso realizando as mesmas tarefas e cumprindo horários de trabalho. Portanto o que houve "in casu", foi verdadeira fraude a lei, consistindo em procedimento tumultuário a fim de ocultar a figura do empregador, vez que a Cooperativa, como verdadeira locadora de mão de obra, admite e paga salários, mas não assume os riscos da atividade econômica, nem dirige a prestação laboral. Por sua vez, a tomadora dirige a prestação laboral, mas não admite, nem assalaria" (fl. 316, autos físicos; p. 466 do eSIJ – grifos acrescidos).

Diante desses fatos, cabe perquirir se a contratação de mão de obra mediante a intermediação ilícita de "pseudo" cooperativa tem o condão de causar danos de conteúdo moral à obreira que, para laborar na empresa demandada, se associou à cooperativa fraudulenta.

Discute-se, portanto, se a intermediação de mão de obra com o objetivo de fraudar a legislação trabalhista repercute no patrimônio moral do trabalhador, de tal modo a dar ensejo ao direito à indenização por dano moral.

A jurisprudência deste Tribunal Superior tem reconhecido, reiteradamente, que desse tipo de fraude resulta dano moral coletivo, como se demonstra com a transcrição dos seguintes precedentes:

DANO MORAL COLETIVO. INDENIZAÇÃO COMPENSATÓRIA. INTERMEDIAÇÃO DE MÃO DE OBRA. COOPERATIVA FRAUDULENTA. ATO LESIVO À DIGNIDADE E À HONRA DO TRABALHADOR. CONFIGURAÇÃO. 1. A obrigação de indenizar a lesão extrapatrimonial resulta da interpretação sistemática do artigo 5º, inciso X, da Constituição da República, mediante o qual houve o reconhecimento expresso, pelo legislador constituinte, do dever jurídico de compensação por danos morais, em cotejo, sobretudo, com o princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado no inciso III do artigo 1º da Constituição da República. Infere-se, assim, que os bens extrapatrimoniais tutelados por nosso ordenamento não são apenas aqueles enumerados no inciso X do artigo 5º da Constituição da República. Frise-se, ainda, que a caracterização do dano moral prescinde da comprovação objetiva de dor, sofrimento ou abalo psicológico, especialmente diante da impossibilidade de sua comprovação material. 2. Feitas essas considerações, é de se concluir que do ato ilícito praticado pela reclamada, consistente na contratação de cooperativas com o objetivo de burlar a legislação trabalhista, decorre o dano à coletividade praticado pela reclamada, contribuindo para a precarização do trabalho e impedindo a aplicação das normas trabalhistas previstas na CLT às relações jurídicas existentes entre a empresa reclamada e seus empregados (e futuros empregados). 3. Agravo de Instrumento não provido. DANO MORAL COLETIVO. INDENIZAÇÃO COMPENSATÓRIA. INTERMEDIAÇÃO DE MÃO DE OBRA. COOPERATIVA FRAUDULENTA. ATO LESIVO À DIGNIDADE E À HONRA DO TRABALHADOR. FIXAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO. 1. Diante da ausência de critérios objetivos norteando a fixação do quantum devido a título de indenização por danos morais, cabe ao julgador arbitrá-lo de forma equitativa, pautando-se nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, bem como nas especificidades de cada caso concreto, tais como: a situação do ofendido, a extensão e gravidade do dano suportado e a capacidade econômica do ofensor. Tem-se, de outro lado, que o exame da prova produzida nos autos é atribuição exclusiva das instâncias ordinárias, cujo pronunciamento, nesse aspecto, é soberano. Com efeito, a proximidade do julgador, em sede ordinária, com a realidade cotidiana em que contextualizada a controvérsia a ser dirimida, habilita-o a equacionar o litígio com maior precisão, sobretudo no que diz respeito à aferição de elementos de fato sujeitos a avaliação subjetiva, necessária à estipulação do valor da indenização. Conclui-se, num tal contexto, que não cabe a esta instância superior, em regra, rever a valoração emanada das instâncias ordinárias em relação ao montante arbitrado a título de indenização por danos morais, para o que se faria necessário o reexame dos elementos de fato e das provas constantes dos autos. Excepcionam-se, todavia, de tal regra as hipóteses em que o quantum indenizatório se revele extremamente irrisório ou nitidamente exagerado, denotando manifesta inobservância aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, aferível de plano, sem necessidade de incursão na prova. 2. No caso dos autos, o Tribunal Regional, ao majorar o valor atribuído à indenização por danos morais para R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais), levou em consideração a natureza e a extensão do dano causado pela ré (terceirização da atividade fim por intermédio de cooperativas, resultando em verdadeira fraude aos direitos sociais do trabalho), a conduta e a capacidade econômica da empresa demandada, resultando observados os critérios da proporcionalidade e da razoabilidade. 3. Hipótese em que não se cogita na revisão do valor da condenação, para o que se faria necessário rever os critérios subjetivos que levaram o julgador à conclusão ora combatida, à luz das circunstâncias de fato reveladas nos autos. 4. Agravo de Instrumento a que se nega provimento. (AIRR - 21400-63.2008.5.02.0049, Relator Desembargador Convocado: Marcelo Lamego Pertence, Data de Julgamento: 28/10/2015, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 03/11/2015)

(...). DANO MORAL COLETIVO. TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. LESÃO À COLETIVIDADE DOS TRABALHADORES (ATUAIS E FUTUROS) E À SOCIEDADE, EM FACE DA SONEGAÇÃO DE ENCARGOS FISCAIS E PREVIDENCIÁRIOS. O Regional deu provimento ao recurso ordinário interposto pelo Ministério Público do Trabalho para condenar o ora agravante ao pagamento de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) a título de dano moral coletivo, sob o fundamento de que a terceirização ilícita causa prejuízos não apenas aos trabalhadores, mas a toda a sociedade. Salientou que, além da sonegação de direitos fundamentais, a terceirização (prática empresarial) consubstancia percentual expressivo de ações no Judiciário Trabalhista, em que se discute a responsabilidade solidária ou subsidiária das empresas tomadoras de serviço, o que acarreta maiores despesas para o Poder Público, custeado pelos impostos pagos pelos cidadãos. O Regional destacou que a referida prática empresarial também acarreta danos aos recolhimentos do FGTS e da contribuição previdenciária, implicando prejuízos indiscutíveis a toda a coletividade. Na hipótese sub judice, houve fraude contra direitos trabalhistas, "tanto pela pretensão de barateamento da mão-de-obra e desvalorização do trabalho subordinado, quanto pelo objetivo de sonegação de encargos trabalhistas, fiscais e previdenciários", conforme registrou o Tribunal a quo. Salienta-se que, segundo o Regional, a cooperativa e o hospital, conjuntamente, impunham aos trabalhadores a adesão obrigatória e não voluntária àquela e que os empregados não possuíam autonomia na prestação dos serviços, ou de clientela diversificada, como exigem os princípios do cooperativismo. Portanto, ao contrário da tese defendida pelo agravante, sua culpa foi caracterizada por sua conduta irregular - utilização de trabalhadores (apenas formalmente cooperativados) - e o dano consistiu nos prejuízos sofridos por toda a sociedade. Assim, conclui-se que o Regional, ao condenar o réu pelo pagamento de indenização por dano moral coletivo, em face da citada conduta antijurídica, não afrontou o artigo 186 do Código Civil. A invocação genérica de violação do artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal de 1988, em regra e como ocorre neste caso, não é suficiente para autorizar o conhecimento deste recurso com base na previsão da alínea "c" do artigo 896 da CLT, na medida em que, para sua constatação, seria necessário concluir, previamente, ter havido ofensa a preceito infraconstitucional. Por fim, cabe destacar que a agravante não pleiteia a redução do valor da indenização a que foi condenada. Agravo de instrumento a que se nega provimento. (AIRR - 16640-48.2005.5.03.0114 , Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 02/12/2015, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 11/12/2015)

II - RECURSO DE REVISTA DAS RECLAMADAS. MATÉRIA COMUM. 1. TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. COOPERATIVA. FRAUDE. CONFIGURAÇÃO. O Regional evidenciou a configuração de fraude aos direitos trabalhistas, porquanto constatada irregularidade no processo de admissão de novos cooperados, concluindo que foi desvirtuada a finalidade cooperativa, pois a Cootramerj atuou meramente como arregimentadora de mão de obra para a Petrobras. Recursos de revista não conhecidos. 2. DANO MORAL COLETIVO. 2.1. A terceirização ilícita por meio de falsas cooperativas gera lesão a direitos individuais homogêneos, coletivos e difusos. Suas consequências extrapolam a esfera individual dos envolvidos e repercutem nos interesses extrapatrimoniais da coletividade, fazendo exsurgir o dano moral coletivo. 2.2. O dano moral coletivo verifica-se a partir do próprio fato proibido (dano in re ipsa), sendo inexigível a sua comprovação. Recursos de revista não conhecidos. 3. DANO MORAL. INDENIZAÇÃO. VALOR. CRITÉRIOS PARA ARBITRAMENTO. A indenização por dano moral guarda conteúdo de interesse público. O valor fixado deve observar a extensão do dano sofrido, o grau de comprometimento dos envolvidos no evento, os perfis financeiros do autor do ilícito e da vítima, além de aspectos secundários pertinentes a cada caso. Incumbe ao juiz fixá-lo com prudência, bom senso e razoabilidade. Recursos de revista não conhecidos. (RR - 143600-68.2011.5.21.0007 Data de Julgamento: 02/04/2014, Relator Ministro: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 04/04/2014).

AGRAVOS DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA - ANÁLISE CONJUNTA - LEGITIMIDADE AD CAUSAM DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - COOPERATIVA- FRAUDE - CONTRATAÇÃO IRREGULAR DE MÃO DE OBRA. Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho da 2ª Região, que denuncia fraude no propósito de intermediação de mão de obra, referindo-se a controvérsia à obrigação de não fazer e à condenação ao pagamento de indenização por dano moral coletivo, a ser revertida para o FAT. Especificamente quanto à legitimidade do Ministério Público do Trabalho, na esteira dos arts. 127, caput, e 129, III e IV, da Constituição Federal, a Lei Complementar nº 75/93, em seu art. 83 c/c art. 6º, VII, "d", deixa inequívoca a legitimidade do Ministério Público do Trabalho para a propositura de ação civil pública. Os interesses a serem defendidos por esse instrumento são aqueles de natureza coletiva lato sensu ou transindividual, disciplinados no art. 81 do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90). Ao contrário do alegado pelas rés, não se persegue a tutela de direito ou interesse de reparação individual, na realidade, o que se pretende coibir é o desvirtuamento do sistema de cooperativa, circunstância que traz prejuízos flagrantes aos direitos dos trabalhadores. Há presença, pois, de interesse social relevante, e ao Ministério Público do Trabalho, como visto, compete promover a defesa dos direitos ou interesses difusos ou coletivos. Precedentes. (AIRR - 158400-95.2005.5.02.0442 Data de Julgamento: 02/06/2015, Relator Ministro: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 05/06/2015).

Esses mesmos fundamentos, mudando o que deve ser mudado (mutatis mutandis), têm aplicação ao dano moral individual, pois da fraude assim imposta à reclamante resulta mesmo afronta ao artigo 5º, X, da Constituição da República.

O dano moral advém da ofensa aos direitos da personalidade. Segundo Maria Helena Diniz, "o dano moral direto consiste na lesão a um interesse que visa a satisfação ou gozo de um bem jurídico extrapatrimonial contido nos direitos da personalidade (...) ou nos atributos da pessoa", ou, "ainda, a lesão à dignidade da pessoa humana (CF/88, art. 1º, III)" (Curso de direito civil brasileiro, v. 7. 23. ed., São Paulo, Saraiva, 2009, p. 94). Sílvio de Salvo Venosa, bem assim, afirma que "sua atuação [do dano moral] é dentro dos direitos da personalidade" (Direito civil: responsabilidade civil. 8ª ed., São Paulo, Atlas, 2008, p. 41). Tais direitos, na verdade, nada mais são que manifestações da cláusula geral da dignidade da pessoa humana.

A obrigação de indenizar a lesão extrapatrimonial resulta da interpretação sistemática do artigo 5º, inciso X, da Constituição da República, mediante o qual houve o reconhecimento expresso, pelo legislador constituinte, do dever jurídico de compensação por danos morais, em cotejo, sobretudo, com o princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado no inciso III do artigo 1º da Constituição da República.

Oportunas, neste aspecto, as lições de Caio Mário da Silva Pereira, para quem "a Constituição Federal de 1988 declarou que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra, a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (art. 5º, X)", ressaltando, contudo, que "estes direitos ali elencados são considerados o mínimo" (Instituições de direito civil, v. 1. 20ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2005, p. 241). Gustavo Tepedino, no mesmo diapasão, leciona que "a tutela da personalidade (...) é dotada do atributo elasticidade", salientando que "elasticidade significa a abrangência da tutela, capaz de incidir a proteção do legislador e, em particular, o ditame constitucional de salvaguarda da dignidade humana a todas as situações, previstas ou não, em que a personalidade, entendida como valor máximo do ordenamento, seja o ponto de referência objetivo" (Temas de direito civil. 4. ed., Rio de Janeiro, Renovar, 2008, p. 55).

Nesse sentido já decidiu esta egrégia 1ª Turma:

(...). INDENIZAÇÃO COMPENSATÓRIA POR DANOS MORAIS. INTERMEDIAÇÃO DE MÃO DE OBRA. COOPERATIVA FRAUDULENTA. ATO LESIVO À DIGNIDADE E À HONRA DO TRABALHADOR. CONFIGURAÇÃO. 1. A obrigação de indenizar a lesão extrapatrimonial resulta da interpretação sistemática do artigo 5º, inciso X, da Constituição da República, mediante o qual houve o reconhecimento expresso, pelo legislador constituinte, do dever jurídico de compensação por danos morais, em cotejo, sobretudo, com o princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado no inciso III do artigo 1º da Constituição da República. Infere-se, assim, que os bens extrapatrimoniais tutelados por nosso ordenamento não são apenas aqueles enumerados no inciso X do artigo 5º da Constituição da República. Frise-se, ainda, que a caracterização do dano moral prescinde da comprovação objetiva de dor, sofrimento ou abalo psicológico, especialmente diante da impossibilidade de sua comprovação material. 2. Feitas essas considerações, é de se concluir que do ato ilícito praticado pela reclamada, ao criar cooperativa com o objetivo de burlar a legislação trabalhista, resulta o dano moral para a reclamante, sobretudo porque o desamparo a que é lançada a trabalhadora produz, em regra, danos de conteúdo material e moral suscetíveis de reparação. 3. Recurso de revista conhecido e provido. BENEFÍCIOS DA JUSTIÇA GRATUITA. DECLARAÇÃO DE INSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. INEXISTÊNCIA DE CONDENAÇÃO AO PAGAMENTO DE CUSTAS PROCESSUAIS. PREJUDICIALIDADE. Deferido à reclamante o pedido de benefícios da Justiça gratuita, resulta prejudicado o exame do recurso de revista no que se refere à conclusão do Tribunal origem quanto a ser desnecessário o pronunciamento sobre esse pedido no caso em que inexiste a obrigação da reclamante de pagar custas processuais. (RR - 197100-59.2004.5.02.0060 , Relator Desembargador Convocado: José Maria Quadros de Alencar, Data de Julgamento: 27/11/2013, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 29/11/2013)

Infere-se, assim, que os bens extrapatrimoniais tutelados por nosso ordenamento não são apenas aqueles enumerados no inciso X do artigo 5º da Constituição da República.

Frise-se, ainda, que a caracterização do dano moral prescinde da comprovação objetiva de dor, sofrimento ou abalo psicológico, especialmente diante da impossibilidade de sua comprovação material. Considera-se, assim, a ocorrência do dano in re ipsa, como bem ressaltado pelo eminente Ministro Walmir Oliveira da Costa, na oportunidade do julgamento do RR-1957740-59.2003.5.09.0011, publicado no DEJT de 4/2/2011:

O dano moral em si não é suscetível de prova, em face da impossibilidade de fazer demonstração, em juízo, da dor, do abalo moral e da angústia sofridos. O dano ocorre in re ipsa, ou seja, o dano moral é consequência do próprio fato ofensivo, de modo que, comprovado o evento lesivo, tem-se, como consequência lógica, a configuração de dano moral, exsurgindo a obrigação de pagar indenização, nos termos do art. 5º, X, da Constituição Federal.

Feitas essas considerações, é de se concluir que do ato ilícito praticado pelas reclamadas e contrário à ordem jurídica resulta, portanto, dano moral para a reclamante-recorrente, sobretudo porque o violado um direito humano fundamental, que é o direito a um trabalho digno e isso inclui, necessariamente, o reconhecimento cabal, pleno do contrato de emprego, com toda sua carga simbólica em uma sociedade que valoriza o trabalho humano e quem o exerce regularmente. O trabalho exercido em situação de fraude, como se mercadoria fosse o trabalhador, ofende e menoscaba direito da personalidade constitucionalmente protegido, viola a dignidade humana do trabalhador. Essa baixa prática produz, em regra, danos de conteúdo material e moral suscetíveis de reparação. O atual estágio civilizatório do país não tolera e não transige com essa e tantas outras fraudes, o que realça mais ainda o dano moral dela resultante.

Sendo assim, conheço do Recurso de Revista por violação do artigo 5º, X, da Constituição da República.

(...)

II – MÉRITO

INDENIZAÇÃO COMPENSATÓRIA POR DANOS MORAIS. INTERMEDIAÇÃO DE MÃO DE OBRA. OBRIGATORIEDADE DE FILIAÇÃO A COOPERATIVA FRAUDULENTA. ATO LESIVO À DIGNIDADE E À HONRA DO TRABALHADOR. CONFIGURAÇÃO.

Conhecido o Recurso de Revista por afronta ao artigo 5º, X, da Constituição da República, o seu provimento é medida que se impõe.

Desse modo, dou provimento ao Recurso de Revista para reestabelecer a sentença quanto à condenação das reclamadas ao pagamento de indenização por danos morais" (fls. 567-578. Grifos no original)

Nas razões dos embargos, a reclamada alega não ser devida indenização por danos morais. Sustenta que a contratação mediante cooperativa "nas condições narradas não caracteriza lesão moral indenizável e não configura de modo algum ato lesivo à dignidade e à honra do trabalhador, portanto não enseja o enquadramento jurídico dado pela C. Primeira Turma e não permite de forma alguma cogitar de qualquer ofensa literal e direta à previsão do inciso X do artigo 5 da Carta Política" (fl. 596). Apresenta arestos a confronto de teses.

À análise.

A tese central que ensejou o conhecimento e provimento do recurso de revista interposto pela reclamante foi de que a contratação mediante filiação à cooperativa fraudulenta enseja o pagamento de indenização por danos morais, porque configura ato ilícito "com o objetivo de burlar a legislação trabalhista" (fl. 554).

Em sentido diverso é o aresto originário da Quinta Turma deste Tribunal, cuja ementa encontra-se transcrita à fl. 600, com indicação do número do processo, órgão julgador e fonte de publicação (DEJT de 29/10/2015). O paradigma, sob o enfoque de idêntico dispositivo constitucional (art. 5º, X), registra tese no sentido de "necessidade de associação à cooperativa - não configura conduta que tenha o condão de macular os direitos da personalidade do trabalhador".

Desse modo, entende-se demonstrado o dissenso jurisprudencial nos termos das Súmulas 296, I, e 337 do TST, razão pela qual conheço do recurso de embargos.

Mérito

Trata-se de controvérsia relativa à configuração de dano moral por contratação mediante cooperativa fraudulenta.

A ordem constitucional instaurada em 1988 consagrou a dignidade da pessoa humana como princípio fundamental da República, contemplando suas diversas vertentes - pessoal, social, física, psíquica, profissional, cultural etc. - e alçando ao patamar de direito fundamental as garantias inerentes a cada uma dessas esferas. Assim, o legislador constituinte cuidou de detalhar no artigo 5º, caput e incisos, aqueles mais ligados ao indivíduo e, nos artigos 6º a 11, os direitos sociais, com ênfase nos direitos relativos à atividade laboral (artigos 7º a 11).

Tem-se, pois, que a efetivação do postulado da dignidade da pessoa humana está assegurada não só pelo direito à vida, como simples expressão de integridade física. A garantia há de ser verificada nas vertentes concretas do seu exercício, como acima delineado, mediante o atendimento das necessidades básicas do cidadão, como alimentação, saúde, moradia, lazer, segurança e previdência social. O trabalho é o meio por excelência a viabilizar o alcance de todos esses direitos.

A Carta Magna vigente consolidou a possibilidade de se buscar indenização por dano ligado à esfera psíquica ou extrapatrimonial do trabalhador (artigo 5º, V e X), contemplando o dano moral como ilícito passível de reparação.

Essas previsões do artigo 5º, V e X, aliadas ao caráter tuitivo do Direito do Trabalho e às já mencionadas garantias expressas da Carta Magna, relativas à natureza de direito social fundamental do trabalho e das necessidades básicas que ele viabiliza (saúde, moradia, lazer, etc.), deixam claro o dever de indenizar, ora em análise.

O artigo 1º da Declaração Universal de Direitos Humanos consagra que "todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos". Iguais em dignidade. Em outras palavras: a condição humana equaliza todos os seres racionais e exige, por isso, ordem jurídica restritiva de qualquer atividade econômica que não a considere um fim em si mesmo. Ou não considere o trabalho humano um valor social e ético transcendente, insuscetível de ser tratado como insumo, ferramenta, objeto de direito.

A guardar coerência sistêmica, a Constituição brasileira – art. 1º, III – consagra a dignidade humana como fundamento da ordem republicana e assim situa o homem na centralidade do sistema jurídico, não permitindo que se possa atribuir, a norma alguma, significado ou eficácia destoantes de tal perspectiva. O homem é sujeito de direitos, não podendo ser ele, ou a energia de trabalho que dele emana, mercantilizados.

Ademais de o princípio da dignidade da pessoa humana ser fundamento da nossa República, tem esta como objetivos, dentre outros, constituir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I), assim como erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III), tudo em consonância com o art. 170 da Constituição, a apenas consentir a ordem econômica que, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tenha por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.

A rotina empresarial que menoscaba o trabalho humano, não lhe reconhecendo a imprescindibilidade e precificando-o à semelhança de como procede com outros fatores de produção, vulnera o princípio da dignidade da pessoa humana. E justifica reparação que resgate a preeminência do homem, desfeiteado e aviltado, no processo produtivo.

A responsabilidade da ré advém do disposto no artigo 186 do Código Civil de 2002, in verbis:

"Artigo 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito."

O aspecto de o empregador engendrar fraude e o desvirtuamento do instituto da cooperativa com vistas a disfarçar relação de emprego, em desapreço às condições de contrato e trabalho que confeririam identidade e dignidade à empregada, diferencia a situação retratada nos autos daquelas em que a irregularidade formal na contratação do trabalhador revela-se insuficiente, per se, à configuração do dano imaterial.

In casu, a reclamada incorreu na prática de ato ilícito ao contratar o trabalhador mediante cooperativa fraudulenta para atuar em sua atividade fim, precarizando a relação laboral e desvirtuando a finalidade social do trabalho, estando configurado o dano moral.

Também assim o é porquanto verificado que houve violação de preceitos constitucionais, bem assim de disposições encartadas na legislação trabalhista consolidada, em razão da atitude ilícita praticada pela ré de não cumprir as normas nacionais relacionadas à proteção do emprego e dos trabalhadores, tendo-se, por consequência, a violação dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho.

Patente, pois, a possibilidade de condenação da demandada ao pagamento de indenização por dano moral, o qual se reveste de efeito pedagógico inibidor, para preservar o respeito aos direitos dos trabalhadores.

Portanto, nego provimento ao recurso de embargos.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de embargos, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, por maioria, negar-lhe provimento, vencidos os Exmos. Ministros Maria Cristina Irigoyen Peduzzi e Ives Gandra Martins Filho.

Brasília, 15 de março de 2018.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

AUGUSTO CÉSAR LEITE DE CARVALHO

Ministro Relator

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