TST - INFORMATIVOS 2017 2017 170 - 28 novembro a 19 dezembro

Data da publicação:

Subseção I Especializada em Dissídios Individuais

Cláudio Mascarenhas Brandão - TST



02 -Indenização por danos morais. Utilização do polígrafo. Ausência de fiabilidade probatória. Violação da dignidade humana e dos direitos de personalidade do empregado. Configuração. A utilização do polígrafo nas relações laborais configura ato ilícito, que atinge a dignidade humana e os direitos da personalidade do empregado, notadamente a honra, a vida privada e a intimidade, dando ensejo ao pagamento de indenização por danos morais. Se, no Brasil, nem mesmo na esfera penal o emprego do detector de metais é admitido, não se justifica a sua aplicação pelo empregador, sem que haja o resguardo do devido processo legal ou de qualquer outro direito fundamental do indivíduo. Prevalece, portanto, o art. 5º, LXIII, da CF, que garante aos acusados o direito de permanecerem em silêncio, bem como o art. 14, 3, g, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1966, ratificado pelo Brasil em 6.7.1992, e o art. 8º, 2, g, da Convenção Americana de Direitos Humanos, ratificada pelo Brasil em 6.11.1992, os quais consagram o princípio de que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo. Ademais, no caso dos autos, a ausência de respaldo científico e de fiabilidade probatória, somada à existência de outras medidas eficazes e menos invasivas de combate ao terrorismo na aviação (detectores de metais, inspeção de raio X, vistorias, revistas aleatórias, etc), revelam que o polígrafo não se constitui medida indispensável à garantia da segurança do transporte aéreo de passageiros. Sob esses fundamentos, a SBDI-I, por maioria, conheceu dos embargos no tópico, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, por unanimidade, negou-lhes provimento. Vencidos, quanto ao conhecimento, os Ministros Cláudio Mascarenhas Brandão, relator, Emmanoel Pereira, Augusto César Leite de Carvalho e José Roberto Freire Pimenta. (TST-E-ED-RR–28140-17.2004.5.03.0092, SBDI-I, rel. Min. Cláudio Mascarenhas Brandão, 30.11.2017).



Resumo do voto.

Indenização por danos morais. Utilização do polígrafo. Ausência de fiabilidade probatória. Violação da dignidade humana e dos direitos de personalidade do empregado. Configuração. A utilização do polígrafo nas relações laborais configura ato ilícito, que atinge a dignidade humana e os direitos da personalidade do empregado, notadamente a honra, a vida privada e a intimidade, dando ensejo ao pagamento de indenização por danos morais. Se, no Brasil, nem mesmo na esfera penal o emprego do detector de metais é admitido, não se justifica a sua aplicação pelo empregador, sem que haja o resguardo do devido processo legal ou de qualquer outro direito fundamental do indivíduo. Prevalece, portanto, o art. 5º, LXIII, da CF, que garante aos acusados o direito de permanecerem em silêncio, bem como o art. 14, 3, g, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1966, ratificado pelo Brasil em 6.7.1992, e o art. 8º, 2, g, da Convenção Americana de Direitos Humanos, ratificada pelo Brasil em 6.11.1992, os quais consagram o princípio de que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo. Ademais, no caso dos autos, a ausência de respaldo científico e de fiabilidade probatória, somada à existência de outras medidas eficazes e menos invasivas de combate ao terrorismo na aviação (detectores de metais, inspeção de raio X, vistorias, revistas aleatórias, etc), revelam que o polígrafo não se constitui medida indispensável à garantia da segurança do transporte aéreo de passageiros. Sob esses fundamentos, a SBDI-I, por maioria, conheceu dos embargos no tópico, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, por unanimidade, negou-lhes provimento. Vencidos, quanto ao conhecimento, os Ministros Cláudio Mascarenhas Brandão, relator, Emmanoel Pereira, Augusto César Leite de Carvalho e José Roberto Freire Pimenta.

A C Ó R D Ã O

RECURSO DE EMBARGOS EM EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO DE REVISTA, REGIDO PELA LEI Nº 11.496/2007, INTERPOSTO PELA PRUDENCIAL SERVIÇOS AUXILIARES DE TRANSPORTE AÉREO LTDA..

CONHECIMENTO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA AUTORA. A egrégia Turma considerou prescindível o traslado da contestação, uma vez que a matéria debatida nos autos  - "dano moral pela submissão da Reclamante ao teste do polígrafo" –  poderia ser inteiramente conhecida por meio dos fundamentos consignados pelo Tribunal Regional em seu acórdão. Além disso, alicerçou a sua decisão na jurisprudência desta Corte, que não considera a contestação como peça indispensável à formação do instrumento de agravo em sede de recurso de revista. Os arestos colacionados, a seu turno, revelam-se inespecíficos, porquanto o primeiro refere-se à falta de "peças necessárias", sem informar quais seriam, e o segundo indica como peça faltante a procuração das agravadas, o que não é o caso destes autos. Incide, portanto, na espécie o óbice contido na Súmula nº 296, I, desta Corte. Recurso de embargos de que não se conhece.

ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. Consoante o acórdão embargado, o contato da autora com o agente perigoso não era fortuito, ou por tempo extremamente reduzido, e ocorria em diversos dias da jornada de trabalho. Assim, diante dos pressupostos fáticos informados, tem-se que a decisão embargada, ao contrário do que entende a embargante, está em conformidade com a Súmula nº 364 do TST. O aresto transcrito, a seu turno, não emitiu tese jurídica a respeito da matéria, pois aplicou o óbice da Súmula nº 126 do TST, sob o fundamento de que o Tribunal Regional considerou a exposição apenas eventual. Incide na espécie o óbice contido Súmula nº 296, I, deste Tribunal. Recurso de embargos de que não se conhece.

CONTRATAÇÃO POR EMPRESA INTERPOSTA. VÍNCULO DE EMPREGO COM A SEGUNDA RÉ. O vínculo de emprego foi reconhecido com a segunda ré, que, inclusive, também interpôs embargos a esta Subseção, mas não recorreu quanto a esta matéria. A condenação da primeira ré, ora embargante, foi apenas subsidiária e da qual também não recorre. Logo, a primeira ré, não tem interesse, no particular, pois não foi sucumbente. Recurso de embargos de que não se conhece.

EMBARGOS EM EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO DE REVISTA, REGIDO PELA LEI Nº 11.496/2007, INTERPOSTOS PELA RÉS AMERICAN AIRLINES, INC. E PRUDENCIAL SERVIÇOS AUXILIARES DE TRANSPORTE AÉREO LTDA. MATÉRIA COMUM A AMBAS. ANÁLISE CONJUNTA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. UTILIZAÇÃO DO POLÍGRAFO. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS EPISTÊMICOS DE VALIDADE E DE FIABILIDADE PROBATÓRIA. VIOLAÇÃO AO DIREITO À INTIMIDADE. A aplicação das normas trabalhistas no espaço obedece aos Princípios da Territorialidade e da Soberania Nacional. Assim, o contrato de trabalho celebrado e executado no Brasil deve ser integralmente regido pelas regras e princípios do sistema pátrio, independentemente da nacionalidade da empregadora. É certo, ainda, que entre os fundamentos da República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho (artigo 1º, III e IV, da Constituição Federal), verdadeiros vetores que devem orientar quaisquer relações, públicas ou privadas, firmadas ou desenvolvidas no País. A par dessas garantias, convivem, no mesmo sistema, a livre iniciativa e o direito constitucional à propriedade privada (artigo 1º, IV, da Constituição Federal), embora esta última com função social. Porém, como proteção necessária à condição de hipossuficiência em que se encontra o empregado, o ordenamento jurídico impõe alguns limites intransponíveis a esse poder, em face da necessidade de respeito aos direitos fundamentais dos empregados, uma vez que estes devem ser assegurados em qualquer ambiente e em todas as situações, em razão de sua eficácia horizontal. Imperioso, assim, compreender que os direitos fundamentais, por serem indissociáveis da pessoa do empregado, não podem ser desconsiderados a partir do momento em que este ingressa no estabelecimento como se, nesse momento, todos os seus atributos pessoais se encontrassem ao alvedrio do empregador, independentemente de a empresa lidar com questões delicadas de segurança, como as concernentes ao transporte aéreo de passageiros. Por outro lado, é inquestionável a proibição de quaisquer investidas em aspectos referentes aos direitos fundamentais dos empregados ao mero argumento de que se está em lícito exercício do poder diretivo do empregador. Como não se cogita a hipótese de tratar-se, este último, de direito absoluto, deve obediência ao limite mínimo a que todas as demais faculdades subjetivas devem estar submetidas, qual seja: o respeito a dignidade humana. Ressalte-se, ademais, que no Brasil o uso do polígrafo não vem sendo admitido nem mesmo na área penal, principalmente em razão da sua ausência de confiabilidade científica. Nem se pode reconhecer, com segurança, o seu grau de fiabilidade, pois avaliar a fiabilidade probatória do polígrafo impõe, antes de mais nada, compreender e separar, epistemologicamente, a sua utilização enquanto equipamento que simplesmente afere as reações fisiológicas específicas para as quais foi concebido, portanto, uma espécie de "medidor de sinais psicofisiológicos" emitidos por uma pessoa, e diferenciá-la da capacidade de identificar se essa pessoa está mentindo, baseada na interpretação feita por alguém – o poligrafista –, desses mesmos sinais. Significa, por conseguinte, separar a confiabilidade da função meramente "mecânica", da atividade intelectiva e interpretativa de análise dos dados obtidos. Assim, se a utilização do polígrafo não é admitida nem mesmo no processo penal, conduzido pelo Estado e com participação do Ministério Público, fiscal da ordem jurídica por excelência, não há por que tolerar a sua aplicação pelo empregador, no âmbito de uma relação particular e privada, sem que haja garantia de resguardo a um suposto "devido processo legal" ou a quaisquer outros direitos fundamentais do indivíduo. Nesse contexto, seria possível afirmar que o empregador, ao fazer uso da aludida técnica de aferição da verdade, estaria investindo-se do exclusivo e indelegável Poder de Polícia, promovendo verdadeira persecução criminal que só pode ser levada a cabo pelo Estado. Saliente-se que tramitou no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 7.253/2002, arquivado em razão do encerramento da legislatura, de autoria do Senador Paulo Paim, que proibia expressamente o uso de polígrafo nas relações de trabalho. Em sua justificação frisou que "Seu uso configura grosseira violação à liberdade, à dignidade e à privacidade do homem. Mesmo em caso de existência de suspeitas veementes de crime praticado pelo empregado (p. ex., furto, ou apropriação indébita), sua utilização consiste em prática reprovável (além de bizarra), eis que o empregador não pode instituir por sua própria conta, um ‘processo penal’ travestido, pois cabe ao Estado a persecução penal". Sob o aspecto do prejuízo ao empregado, cumpre ressaltar que, antes do início do teste propriamente dito, é necessária a fase de calibragem do aparelho, onde são feitas diversas perguntas ao examinando, entre as quais podem ser indevidamente incluídas perguntas de ordem pessoal ou mesmo vexatórias, que geram exposição desnecessária e certamente não dizem respeito ao exercício da atividade laborativa, acarretando inevitável constrangimento, desconforto e abalo psíquico e moral. No caso, questiona-se se, em razão do nível de exposição a que está submetido o empregado, ao ter que responder perguntas relacionadas ao uso de bebidas alcóolicas, narcóticos, se tem antecedentes de desonestidade, se já se envolveu em atividade criminosa ou foi preso, por exemplo, além de outras de foro ainda mais particular ou até vexatórias, o polígrafo seria mesmo o meio que lhe causaria menor prejuízo, especialmente quando se considera sua esfera moral e o respeito aos direitos da personalidade ligados à intimidade e à vida privada. O tema, aliás, não passou ao largo da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Ao contrário, firmou a tese no tocante ao respeito às liberdades fundamentais, mesmo nas relações privadas, como se vê no RE n. 201.819, Redator para o acórdão o Min. Gilmar Mendes, publicado em 27-10-2006. Acrescente-se a previsão contida no artigo 5º, LXIII, da Constituição da República, segundo o qual é assegurado aos acusados o direito ao silêncio, e normas internacionais de direitos humanos que aderem ao cenário constitucional pátrio – porque nele integradas -, consagradoras do princípio fundamental no sentido de que "ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo", como o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1966, ratificado pelo Brasil em 06.07.1992, artigo 14, 3, g; e à Convenção Americana de Direitos Humanos, ratificada pelo Brasil em 06.11.1992, artigo 8º, 2, g. Diante de tudo do que foi exposto neste acórdão, conclui-se que a utilização do polígrafo nas relações laborais configura ato ilícito, que atinge a dignidade humana e os direitos da personalidade do empregado, notadamente a honra, a vida privada e a intimidade, o que dá ensejo ao pagamento de indenização por danos morais. Recursos de embargos de que se conhece e a que se nega provimento. (TST-E-ED-RR–28140-17.2004.5.03.0092, SBDI-I, rel. Min. Cláudio Mascarenhas Brandão, 15.12.2017).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Embargos em Embargos de Declaração em Recurso de Revista n° TST-E-ED-RR-28140-17.2004.5.03.0092, em que é Embargante PRUDENCIAL SERVIÇOS AUXILIARES DE TRANSPORTE AÉREO LTDA. e AMERICAN AIRLINES, INC. e Embargados OS MESMOS e DANIELA COSTA DE FARIA.

A Egrégia 6ª Turma deste Tribunal deu provimento ao agravo de instrumento interposto pela autora para determinar o processamento do seu recurso de revista, por concluir que ficou demonstrada a alegada violação do artigo 5º, X, da Constituição da República. Também deu provimento ao recurso de revista quanto aos temas: "Dano Moral Decorrente de Submissão de Empregada a Testes de Polígrafo (Detector de Mentiras)" e "Adicional de Periculosidade" (fls. 772/804).

Aos embargos de declaração opostos pela primeira ré negou-se provimento por meio do acórdão às fls. 900/904. 

Ambas as rés interpõem embargos a esta Subseção.

A primeira insurge-se contra o conhecimento do agravo de instrumento e o provimento do recurso de revista da autora quanto aos temas relativos à indenização por danos morais e ao adicional de periculosidade, com base em violação de dispositivo de lei federal e em divergência jurisprudencial (fls. 908/936).

A segunda ré – American Airlines - também pugna pela exclusão da condenação ao pagamento da indenização por danos morais, com fundamento em dissenso pretoriano (fls. 992/1.024).

Não houve o exame de admissibilidade dos embargos pelo presidente da Turma, uma vez que os recursos foram interpostos em maio de 2010, antes, portanto, do advento do Ato Regimental nº 4, de 14/9/2012, que incluiu o item IX ao artigo 81 do Regimento Interno do Tribunal Superior do Trabalho.

Impugnação ausente, conforme certidão à fl. 1.118.

Dispensada a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, nos termos do artigo 83, § 2º, II, do Regimento Interno do Tribunal Superior do Trabalho.

É o relatório.

V O T O

I - EMBARGOS INTERPOSTOS PELA RÉ PRUDENCIAL SERVIÇOS AUXILIARES DE TRANSPORTE AÉREO LTDA.

Presentes os pressupostos extrínsecos de admissibilidade, passo à análise dos pressupostos intrínsecos do recurso de embargos, que se rege pela Lei nº 11.496/2007.   

CONHECIMENTO DO AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA AUTORA

CONHECIMENTO

A Egrégia 6ª Turma, ao examinar o tema referente à indenização por danos morais, pelo uso do sistema de polígrafo pela empresa ré, deu provimento ao agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista da autora, por concluir que ficou demonstrada a alegada violação do artigo 5º, X, da Constituição da República.

Por ocasião do julgamento dos embargos de declaração opostos pela ré, a egrégia Turma assim se manifestou:

"A Embargante postula o pronunciamento desta Corte acerca de possível omissão no julgado, sob a alegação de que o agravo de instrumento interposto pelo Reclamante não estava validamente formado, faltando-lhe o traslado de peças essenciais, dentre elas as contestações apresentadas pelas Rés nos autos, motivo pelo qual não poderia ter sido conhecido. Requer, portanto, esclarecimentos quanto ao conhecimento do agravo de instrumento.

Sem razão a Embargante.

Apesar de o art. 897, §5º, I, da CLT, versar sobre as peças essenciais à formação do agravo, a Instrução Normativa nº 16, III, desta Corte Superior, prevê que o agravo de instrumento só não será conhecido quando não houver o traslado das peças essenciais ao deslinde da controvérsia, não dispondo, entretanto, sobre quais seriam essas peças essenciais.

A jurisprudência dominante desta Corte Superior tem adotado a teoria da flexibilização para caracterizar ou não a deficiência do traslado, muitas vezes, verificando, caso a caso, quais as peças são realmente essenciais para o julgamento da matéria. Assim, firmou-se o entendimento desta Corte na Orientação Jurisprudencial Transitória 09 da SBDI-I, in verbis:

‘OJ TRANSITÓRIA - 19/SBDI-I/TST. AGRAVO DE INSTRUMENTO. INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 9.756/98. PEÇAS DISPENSÁVEIS À COMPREENSÃO DA CONTROVÉRSIA. DESNECESSÁRIA A JUNTADA (inserida em 13.02.2001). Mesmo na vigência da Lei nº 9.756/98, a ausência de peças desnecessárias à compreensão da controvérsia, ainda que relacionadas no inciso I do § 5º do art. 897 da CLT, não implica o não-conhecimento do agravo.’

Verifica-se que a contestação não é peça essencial para a formação do agravo de instrumento, a não ser que a discussão do recurso de revista esteja voltada para os limites objetivos da lide ou outra questão que imponha a necessidade da leitura da contestação. Nesse sentido, destacam-se os seguintes precedentes:

‘RECURSO DE EMBARGOS INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI N.º 11.496/2007. AGRAVO DE INSTRUMENTO. IRREGULARIDADE DE FORMAÇÃO. TRASLADO INCOMPLETO DA CONTESTAÇÃO. PEÇA DISPENSÁVEL. ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL TRANSITÓRIA N.º 19 DA SBDI-1. CONTRARIEDADE. 1. Consoante o entendimento consubstanciado na Orientação Jurisprudencial Transitória n.º 19 desta Seção Especializada, sendo algumas peças, que se encontram elencadas no inciso I do § 5.º do art. 897 da CLT, desnecessárias ao deslinde da controvérsia, a ausência de traslado dessas mesmas peças não obsta o conhecimento do Agravo de Instrumento. 2. In casu, verifica-se que a contestação não constitui peça essencial para a compreensão da controvérsia. Os temas veiculados no Recurso de Revista, que se busca destrancar, referem-se à -Testemunha - Contradita-, -Vínculo Empregatício. Responsabilidade Solidária- e -Horas Extras-. Não há matéria que envolva os limites objetivos da lide ou controvérsia congênere, para a qual se torna indispensável o exame da contestação, neste estágio processual.’ Recurso de Embargos conhecido e provido. (E-A-AIRR - 70641-71.2005.5.04.0011; Data de Julgamento: 01/10/2009, Relatora Ministra: Maria de Assis Calsing; Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, DEJT 09/10/2009).

‘EMBARGOS. AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRASLADO DEFICIENTE. CONTESTAÇÃO. PRESCINDIBILIDADE. ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL TRANSITÓRIA N.º 19 DA SBDI-I. Consoante jurisprudência atual desta col. SBDI-I, a ausência do traslado da contestação para a formação do instrumento de agravo não implica o não conhecimento do recurso, quando se tratar de peça desnecessária à compreensão da controvérsia. Incidência do entendimento cristalizado na Orientação Jurisprudencial Transitória n.º 19 da SBDI-I do TST. Ressalva do entendimento pessoal do relator. Recurso de embargos conhecido e provido.’ (TST-E-A-AIRR-1362/2002-020-01-40.1; Rel. Min. Lelio Bentes Corrêa, SBDI-1, DJ 10/10/2008.)

‘RECURSO DE EMBARGOS EM AGRAVO DE INSTRUMENTO NÃO CONHECIDO. AUSÊNCIA DA CÓPIA DA CONTESTAÇÃO. Esta Corte Superior entende desnecessário o traslado de peça dispensável ao exame da controvérsia, ainda que arrolada no artigo 897 da CLT, conforme se depreende dos termos da Orientação Jurisprudencial Transitória 19 da SBDI-1. No caso dos autos, a ausência da cópia da contestação não é peça essencial ao julgamento do Recurso de Revista, caso provido o agravo de instrumento. Isso porque, desnecessário tal peça para o exame dos pressupostos extrínsecos de admissibilidade do Recurso de Revista interposto ou mesmo do agravo de instrumento. Recurso de embargos conhecido e provido.’ (TST-E-ED-AIRR-12874/2003-002-09-40.9; Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, SBDI-1, DJ 13/4/2007)

‘AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. NÃO CONHECIMENTO. DEFICIÊNCIA DE INSTRUMENTAÇÃO. PEÇA DISPENSÁVEL. CONTESTAÇÃO. 1. Vulnera o direito de defesa da parte acórdão de Turma do TST proferido em processo submetido ao rito sumaríssimo que reputa imprescindível à correta formação do instrumento do agravo a juntada de cópia da contestação. 2. Ainda que tal peça figure em lei dentre as de traslado obrigatório, a jurisprudência predominante do TST reputa prescindível a sua juntada se em nada influi no julgamento das matérias veiculadas no Recurso de Revista denegado. 3. Tese que se robustece pela dicção da Orientação Jurisprudencial transitória n.º 19 da SBDI1 do TST. 4. Embargos conhecidos, por violação do artigo 5.º, inciso LV, da Constituição Federal, e providos para determinar o retorno dos autos à Turma de origem, a fim de que, afastada a deficiência de traslado, prossiga no julgamento do agravo de instrumento, como entender de direito.’ (TST-E-ED-AIRR-640/2003-012-10-40.0; Rel. Min. João Oreste Dalazen, SBDI-1, DJ 2/2/2007)

‘EMBARGOS - FORMAÇÃO DO INSTRUMENTO - TRASLADO DE PEÇA OBRIGATÓRIA - CONTESTAÇÃO - DESNECESSIDADE QUANDO IRRELEVANTE PARA O DESLINDE DA CONTROVÉRSIA. A Lei n.º 9.756/98, no intuito de prestigiar os princípios da economia e da celeridade processual, arrolou determinadas peças de juntada obrigatória, a fim de possibilitar, com o provimento do Agravo de Instrumento, o imediato julgamento do Recurso de Revista. O dispositivo, contudo, não deve ser interpretado de forma literal. Embora conste do rol legal, a peça indicada somente é necessária quando imprescindível à apreciação das questões do recurso principal. O tema de fundo do Recurso de Revista é a prescrição da pretensão ao pagamento das diferenças dos expurgos inflacionários sobre a multa do FGTS. Embargos conhecidos e providos para determinar o retorno dos autos à Turma de origem, a fim de que, afastada a deficiência de traslado, prossiga no julgamento do Agravo de Instrumento, como entender de direito.’(TST-E-AIRR-3/2004-048-03-40.3; Rel. Min. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, SBDI-1, DJ 24/11/2006.)

In casu¸ constata-se ser prescindível o traslado da contestação, uma vez que a matéria debatida nos autos ‘dano moral pela submissão da Reclamante ao teste do polígrafo’ pode ser inteiramente conhecida por meio dos fundamentos consignados pelo Tribunal Regional em seu Acórdão.

A Embargante, na realidade, não aponta qualquer vício no acórdão, sanável pelos embargos de declaração, demonstrando apenas o inconformismo com a decisão que lhe é desfavorável. Contudo esta via processual não é adequada para a revisão de decisões judiciais.

Saliente-se que a omissão, contradição ou obscuridade a justificarem a interposição de embargos de declaração apenas se configuram quando o julgador deixa de se manifestar acerca das argüições contidas no recurso interposto, utiliza fundamentos colidentes entre si, ou ainda quando a decisão não é clara. Se a argumentação dos embargos não se insere em quaisquer desses vícios, nos termos dos arts. 897-A da CLT e 535 do CPC, deve ser desprovido o recurso.

Pelo exposto, NEGA-SE PROVIMENTO aos embargos de declaração." (fls. 901/904).

A ré insurge-se contra o conhecimento do agravo de instrumento interposto pela autora, sob o argumento de que o recurso estava incompleto, pois não fora juntada a cópia da contestação da ré. Aponta violação do artigo 897, § 5º, inciso I, da CLT. Transcreve arestos para o confronto de teses.

Ressalte-se, inicialmente, que, em decorrência da redação do artigo 894, II, da CLT conferida pela Lei nº 11.496/2007 ou 13.015/2014, a alegação de ofensa a dispositivos de lei federal não mais se insere como fundamentação própria para o cabimento do recurso de embargos.

Resulta imprópria, por conseguinte a indicação de afronta ao artigo 897, § 5º, inciso I, da CLT.

Consoante se verifica da transcrição acima, a egrégia Turma considerou ser prescindível o traslado da contestação, uma vez que a matéria debatida nos autos ‘dano moral pela submissão da Reclamante ao teste do polígrafo’ pode ser inteiramente conhecida por meio dos fundamentos consignados pelo Tribunal Regional em seu acórdão. Além disso, alicerçou a sua decisão na jurisprudência desta Corte, que não considera a contestação como peça indispensável à formação do instrumento de agravo em sede de recurso de revista.

Os arestos colacionados, a seu turno, revelam-se inespecíficos, porquanto o primeiro, à fl. 916, oriundo da egrégia 2ª Turma refere-se à falta de "peças necessárias", sem informar quais seriam. Já o segundo, originário da egrégia 3ª Turma, indica como peça faltante a procuração das agravadas, o que não é o caso destes autos.

Incide, portanto, na espécie o óbice contido na Súmula nº 296, I, desta Corte.

Diante do exposto, não conheço dos embargos.        

ADICIONAL DE PERICULOSIDADE

CONHECIMENTO

A Egrégia 6ª Turma conheceu do recurso de revista da autora quanto ao presente tema, por violação do artigo 193 da CLT, e no mérito deu-lhe provimento para condenar a ré ao pagamento do adicional de periculosidade equivalente a 30% do salário-base, com os reflexos devidos. Consignou, para tanto, os seguintes fundamentos:

"O Tribunal Regional manteve o julgado de primeira instância, sob a fundamentação de que a Reclamante não se enquadrava nas exigências contidas na OJ 280/SBDI-I/TST (atual Súmula 364, I, do TST). Essa decisão recebeu a seguinte fundamentação:

ADICIONAL DE PERICULOSIDADE

Concluiu o perito que na situação evidenciada no laudo a reclamante desenvolvia atividade que implicava na caracterização da periculosidade nos molde do Anexo 2, NR-16, entendendo a decisão hostilizada que o contato da reclamante com o agente perigoso era breve, ocorrendo em diminuta fração da jornada cumprida pela autora, dirimindo a questão à luz da Orientação Jurisprudencial n.º 280 da SDI-1 do TST.

A recorrente sustenta que é equivocada a interpretação dada pelo juiz a quo aos termos contato eventual, considerado fortuito e extremamente reduzido, contidos na Orientação Jurisprudencial n.º 280 da SDI-1 do TST.

Razão lhe assiste. Este relator já teve oportunidade de se manifestar sobre a questão em outras oportunidades, sendo meu entendimento que o ingresso na área de risco, ainda que em tempo reduzido, durante a jornada de trabalho, enseja o pagamento do adicional de periculosidade, não fazendo a lei qualquer restrição ao tempo de exposição ao risco, tampouco a sua percepção está condicionada à permanência na área de risco durante a jornada diária de trabalho.

In casu, a recorrente ‘permanecia nas proximidades da aeronave, no momento do abastecimento, o que ocorria cerca de duas a três vezes por semana, sendo certo que cada operação de abastecimento demandava cerca de 15 minutos no máximo’ (depoimento da primeira testemunha da reclamante, f. 783, Afrânio Simões Júnior).

Esta mesma testemunha esclareceu que a reclamante também substituía os guardas das aeronaves, o que ocorria de 08 a 10 vezes por mês, laborando 15 minutos, em média, em cada substituição. A segunda testemunha da reclamante, Maria de Fátima de Souza (f. 785), declarou que as funções da reclamante consistiam em acompanhamento de bagagem até a aeronave, executadas de acordo com a escala e coincidia com o abastecimento quando ela operava com o raio X, acompanhamento de bebidas na aeronave; que a reclamante, eventualmente, substituiu os guardas de aeronaves, o que ocorria cerca de 20 a 30 minutos, duas vezes por semana, e nestas substituições coincidia com o abastecimento da aeronave.

A primeira testemunha da primeira reclamada, Doralice Farah Perri (f. 786), em depoimento diametralmente oposto ao das testemunhas da autora, nega que a reclamante permanecesse nas proximidades da aeronave no momento do abastecimento.

A segunda testemunha da reclamada disse que a reclamante permanecia, no mínimo 7 a 8 metros, até mais, distante do carro de abastecimento, o que ocorria no máximo 2 vezes por semana, e que cada abastecimento demanda cerca de 20 minutos (Wellington Evangelista de Oliveira, f. 787).

Com efeito, o confronto do depoimento das duas testemunhas das reclamadas são contraditórios, no que tange à questão da distância que ficava a recorrente quando operava próximo às aeronaves, devendo prevalecer as conclusões do perito, de que o contato da reclamante com o agente perigoso era breve, ocorrendo em diminuta fração da jornada cumprida pela autor.

Diante do conjunto probatório, chega-se à conclusão de que, pelos depoimentos das testemunhas, a recorrente permanecia, em média, 1he20min por semana em contato com o agente perigoso.

Por outro lado, não se tem como justo a efetivação de remuneração, pela totalidade, do empregado que esteve exposto à atividade periculosa apenas em parte de sua jornada de trabalho, como aconteceu aqui.

É que aquele que presta seu serviço, por todo o tempo, submetido ao risco iminente de um sinistro na pode ser equiparado - para fins de percepção da contraprestação salarial, por meio do pagamento do adicional correspondente - àquele que não se sujeitou a condições idênticas.

Isto, então, implica que se seja feita uma proporcionalidade - uma regra de três - para se fixar o valor do adicional de periculosidade a ser pago à obreira.

Assim sendo, defiro o pedido de pagamento do adicional de periculosidade, proporcionalmente ao tempo de exposição mencionado acima, no percentual de 30%, incidente sobre o salário básico da autora, com os reflexos postulados (item 7.3, f. 09), por restar incontroverso que o contato com o agente perigoso não era fortuito, ou por tempo extremamente reduzido, não se aplicando à espécie a Orientação Jurisprudencial n.º 280 da SDI-1 do TST.

Dou provimento.

A egrégia Turma, entretanto, por maioria, entendeu que a r. sentença deveria ser mantida, pois o perito concluiu que a presença da recorrente em área de risco se dava ‘uma ou duas vezes por semana’, situação que não gera o direito ao adicional, conforme a interpretação da OJ n.° 280 da SDI-1 do c. TST.

Negou-se provimento.

No recurso de revista, a Reclamante sustenta que fazia jus ao adicional de periculosidade por trabalhar em áreas em contato constante com produtos inflamáveis e materiais explosivos em condições de risco elevado. Assim, lastreia seu apelo na violação do art. 193 da CLT.

Com razão a Recorrente.

A Reclamante permanecia em contato com o agente de risco em diversos dias da jornada de trabalho. Ao contrário do alegado pela Reclamada, não se trata de contato meramente eventual, ou esporádico com as condições de risco, que afaste o direito dos empregados ao adicional de periculosidade. O contato diário, mesmo que por cinco minutos, traduz-se como contato intermitente (Súmula 364, I, do TST), com potencial risco de dano efetivo ao trabalhador.

A SBDI-1 do TST, inclusive, tem-se posicionado nesse sentido, considerando que em casos de exposição do empregado ao agente de risco por cinco minutos, uma ou duas vezes por dia, é devido o adicional de periculosidade, conforme se verifica dos seguintes precedentes: TST-E-ED-RR-742.364/2001.0, Rel. Min. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, DJ de 17/02/06; TST-E-RR-785.089/2001.0, Rel. Min. João Oreste Dalazen, DJ de 17/09/04; TST-E-RR-778.015/2001.5, Rel. Min. Lelio Bentes Corrêa, DJ de 03/06/05. Assim, evidente a violação do art. 193 da CLT.

Assim, diante da demonstrada violação do art. 193 da CLT, CONHEÇO do recurso de revista." (fls. 788/792)

A ré sustenta que o contato com o agente perigoso por tempo extremamente reduzido não gera direito ao adicional de periculosidade.  Indica contrariedade à Súmula nº 364 do TST. Transcreve aresto para o confronto de teses.

Como se verifica da transcrição no acórdão embargado, o contato não era fortuito, ou por tempo extremamente reduzido, e ocorria em diversos dias da jornada de trabalho.

Assim, diante dos pressupostos fáticos informados, tem-se que a decisão embargada, ao contrário do que entende a embargante, está em conformidade com a Súmula nº 364 do TST.

O aresto transcrito à fl. 930, oriundo da egrégia 3ª Turma, aplicou a Súmula nº 126 do TST, sob o fundamento de que o Tribunal Regional considerou a exposição apenas eventual. Assim, não emitiu tese jurídica a respeito da matéria. Incide, pois, na espécie o óbice da Súmula nº 296, I, desta Corte.

Diante do exposto, não conheço dos embargos.

CONTRATAÇÃO POR EMPRESA INTERPOSTA

CONHECIMENTO

A Egrégia 6ª Turma conheceu do recurso de revista da autora quanto ao presente tema, por contrariedade à Súmula nº 331, I, do TST, e no mérito deu-lhe provimento para reconhecer o vínculo de emprego diretamente com a empresa American Airlines, deferindo-lhe todos os benefícios da categoria dos aeroviários, de acordo com as CCT´s colacionadas aos autos, com os reflexos devidos. Consignou, para tanto, os seguintes fundamentos:

"O Tribunal Regional manteve o julgado de primeira instância, sob a fundamentação de que a Reclamante foi contratada pela empresa PRUDENCIAL, que presta serviços auxiliares de transporte aéreo, e de que não ficou comprovada a nulidade da contratação por terceirização. Essa decisão recebeu a seguinte fundamentação:

DA NULIDADE DA CONTRATAÇÃO

Busca a recorrente a reforma do julgado que rejeitou a alegação de ilegalidade ou nulidade contratual com fundamento no depoimento prestado em outro processo (prova emprestada admitida pelas partes, f. 786/809) pelo preposto da segunda reclamada, e das testemunhas Audrey Gosling Luz, Doralice Farah Perri Schaper, Herlicchy Júnior Moreira, além do depoimento de Afrânio Simões Júnior, que foi colhido nestes autos.

Alega a autora que a terceirização de serviços somente pode ser considerada válida, se os serviços terceirizados estiverem inseridos em atividade-meio da tomadora e desde que não haja pessoalidade e subordinação na prestação laboral, hipóteses não configuradas nos autos.

Não procede, porém, a alegação da recorrente, demonstrando o Contrato de Trabalho (f. 216/219) que a reclamante foi contratada pela primeira reclamada, Prudencial, que é uma empresa que presta serviços auxiliares de transporte aéreo.

Com efeito, o contrato de prestação de serviços (f. 216/218) firmado entre a Americam Airlines Inc e a contratada, Prudencial, teve como objeto a prestação de serviços auxiliares de transporte aéreo, compreendendo o atendimento de aeronaves, movimentação de carga, despacho operacional de vôo, reboque de aeronaves, check-in de passageiros, chek-out de passageiros, entrevista de passageiros, varredura de aeronaves, supervisão, controle e proteção da carga, englobando atividades relacionadas a esses serviços, conforme especificação detalhada no parágrafo único da cláusula primeira (f. 216/217).

Ora, a primeira reclamada presta serviços compreendidos na atividade-meio da segunda, orientando tripulantes e passageiros na recepção (embarque e desembarque), pesagem, transporte colocação e amarração de carga em aeronaves ou sua retira, deslocamento de aeronaves entre pontos da área operacional mediante a utilização de veículos rebocadores, bem como a inspeção para busca e detecção de explosivos ou quaisquer outros dispositivos de terrorismos, ou anormalidades que possam trazer risco à operação da aeronave, ou seja, são serviços realizados em terra.

Com efeito, a atividade-fim da segunda reclamada é a realização de transporte aéreo de passageiros e de carga, não se confundindo com os serviços de apoio prestados pela primeira reclamada, sendo natural que a reclamante tivesse contato com os empregados da segunda reclamada, o que não configura terceirização ilícita, levando à conclusão de que não houve fraude ou nulidade na contratação.

Assim sendo, é imprescindível que haja interação entre os empregados das reclamadas, inclusive, os empregados da primeira reclamada recebendo orientações e ordens emanadas dos empregados da segunda.

Não há que se falar em terceirização quando a empresa prestadora de serviços, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige seus empregados, mantendo com eles a relação empregatícia, comprovado nos autos que a atividade obreira esta ligada a atividade-meio da tomadora de serviços, até porque não há proibição de firmar-se contrato de natureza civil para a prestação de serviços nas condições reveladas nestes autos.

Nego provimento. (fls. 232-244).

No recurso de revista, a Reclamante sustenta que houve fraude na contratação terceirizada, contrariando o disposto na Súmula 331, III, do TST. Assim, lastreia seu apelo em contrariedade à Súmula 331, III, do TST.

Com razão a Recorrente.

Segundo a Súmula 331, I/TST a contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo com o tomador dos serviços, salvo nos casos elencados nos incisos I (trabalho temporário) e III (conservação e limpeza, vigilância, atividades-meio do tomador) da referida Súmula (desde que não havendo pessoalidade e subordinação direta nos casos do inciso III, acrescente-se). Nesse quadro, a terceirização de atividade-fim – exceto quanto ao trabalho temporário – é vedada pela ordem jurídica, conforme interpretação assentada pela jurisprudência (Súmula 331, III), independentemente do segmento econômico empresarial e da área de especialidade profissional do obreiro. Locação de mão-de-obra em atividade-fim é medida excepcional e transitória, somente possível nos restritos casos de trabalho temporário, sob pena de leitura interpretativa em desconformidade com preceitos e regras constitucionais decisivas, como a dignidade da pessoa humana, da valorização do trabalho e do emprego, além da subordinação da propriedade à sua função socioambiental. Configurada a irregularidade do contrato de fornecimento de mão-de-obra, determina a ordem jurídica que se considere desfeito o vínculo laboral com o empregador aparente (entidade terceirizante), formando-se o vínculo justrabalhista do obreiro diretamente com o tomador de serviços (empregador oculto ou dissimulado).

Ante o exposto, CONHEÇO do recurso de revista, quanto ao tema específico, ante a afronta à Súmula 331, I, do TST.

(...)

3) VÍNCULO DE EMPREGO

Como conseqüência do conhecimento do apelo da Súmula 331, I, do TST, DOU PROVIMENTO ao recurso de revista, neste tema específico, para reconhecer o vínculo de emprego diretamente com a empresa American Airlines, deferindo à Reclamante todos os benefícios da categoria dos aeroviários, de acordo com as CCT´s colacionadas aos autos, com os reflexos devidos." (fls. 788/792)

A primeira ré sustenta que a função de agente de segurança de aeronave não é atividade-fim da American Airlines e, por isso, a terceirização é possível, nos termos da Súmula nº 331 desta Corte, que a permite em casos de vigilância e em atividade-meio da empresa. Requer o provimento do seu recurso para excluir da condenação a formação de vínculo de emprego com a segunda ré. Aponta contrariedade à mencionada Súmula.

Como se observa do acórdão embargado, acima transcrito, a egrégia Turma concluiu que houve irregularidade no contrato de fornecimento de mão de obra e asseverou ser ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta. Assim, declarou o vínculo de emprego com a tomadora dos serviços.

A ora embargante – empresa prestadora de serviços - foi condenada apenas subsidiariamente. O vínculo de emprego foi reconhecido com a segunda ré, que, inclusive, também interpôs embargos a esta Subseção, os quais versam apenas sobre a indenização por danos morais.

Logo, não tem interesse em recorrer, pois não foi sucumbente no particular. Ao contrário, a sua condenação foi apenas subsidiária e da qual não recorre.

Ante o exposto, não conheço dos embargos, por falta de interesse recursal da ora embargante.

II - EMBARGOS INTERPOSTOS PELA RÉ AMERICAN AIRLINES, INC.

Presentes os pressupostos extrínsecos de admissibilidade, passo à análise dos pressupostos intrínsecos do recurso de embargos, que se rege pela Lei nº 11.496/2007.   

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - UTILIZAÇÃO DO POLÍGRAFO – ANÁLISE CONJUNTA COM O RECURSO DE EMBARGOS INTERPOSTO PELA RÉ PRUDENCIAL SERVIÇOS AUXILIARES DE TRANSPORTE AÉREO LTDA.

CONHECIMENTO

A Egrégia 6ª Turma conheceu do recurso de revista da autora, por violação do artigo 5º, X, da Constituição Federal, e no mérito deu-lhe provimento para restabelecer a sentença quanto ao pagamento de indenização por danos morais e para reconhecer a responsabilidade subsidiária da empresa Prudencial, conforme o entendimento da Súmula nº 331, IV, deste Tribunal. Consignou, para tanto, os seguintes fundamentos:

"O Tribunal Regional, ao exame da matéria suscitada, modificou o julgado de primeira instância, ante a seguinte fundamentação, in verbis:

‘RECURSO ORDINÁRIO DA 1ª RECLAMADA

(...)

DA UTILIZAÇÃO DO POLÍGRAFO INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS

Sustenta a recorrente que a utilização de exames com o polígrafo, aparelho utilizado para traçar o perfil psico-social do entrevistado, em nada difere do exame admissional adotado por outras empresas.

O d. juízo sentenciante entendeu que ‘a natureza das atividades empreendidas pela segunda reclamada - vôo e transporte de passageiros e cargas - necessita de total segurança, garantia e estabilidade, notadamente por que transportava seres humanos diuturnamente e a vida e a segurança são bens impalpáveis, que exigem a competente tutela. Mas mesmo assim, com toda a segurança, prudência e cautela que justificasse a instalação do multicitado sistema polígrafo, não se pode olvidar que ele invadia, de certa forma, a privacidade e intimidade daquele que lhe foi submetido, vez que a natureza das indagações é extremamente e ilimitada, contrariando a disposição do art. 5.º, X, da Lex Legum, segundo o qual ‘são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação’. (f. 338, terceiro parágrafo).

Embasando a tese esposada, cita jurisprudência a respeito da matéria, e condena as reclamada, de forma solidária, ao pagamento da indenização por danos morais.

Data maxima venia, divirjo do entendimento esposado.

A mesma questão já foi objeto de minucioso exame por parte desta egrégia Turma, inclusive, havendo transcrição nos autos do acórdão TRT/RO/00318-2003-092-03-00-3 (f. 674/689), tendo como Relator o MM.º Juiz Dr. Fernando Antônio de Menezes Lopes, cujo entendimento adoto, por seus fundamentos, aqui transcritos, pois dizem respeito aos mesmos aspectos abordados no presente processo, e dizem respeito às mesmas partes integrantes do pólo passivo da demanda.

‘Ocorre que a Americam Airlines, assim como as demais empresas de transporte aéreo nacional e/ou internacional, está sujeita ao cumprimento de rigorosas normas de segurança de vôo para que as operações em terra e no ar transcorram com normalidade e não exponham a sociedade, de modo geral, a situações de risco.

Ademais, ao celebrarem o contrato de transporte de pessoas e coisas, as companhias aéreas assumem a obrigação legal e convencional de transportar os passageiros e carga de um lugar a outro, conforme horários e itinerários previstos, com segurança.

Nos termos do Código Civil, a responsabilidade contratual do transportador não será elidida quando um acidente vitimar o passageiro, mesmo que o ato decorra de culpa de terceiro. Ao transportador cabe ajuizar ação regressiva contra o agente do dano (art. 735).

Essa circunstância, somada à constatação de que as aeronaves são constantemente utilizadas para a consecução de fins ilícitos, torna ainda mais necessária a adoção de medidas preventivas de segurança.

Dentre elas, compreende-se a maior diligência do empregador na hora de contratar empregado exercente de atividade-fim ou atividade-meio do segmento, bem como a realização de inspeções e fiscalizações rotineiras.

Na espécie, a primeira reclamada exerceu regularmente o direito oriundo da relação havida com o reclamante, que, na qualidade de agente de segurança, fazia a varredura de aeronaves, entrevistava os passageiros, fechava o vôo, operava o aparelho de raio X para vistoria das bagagens, inspecionava a segurança no finger e verificava cargas no Terminal de Cargas.

Não agiu com excessivo punível, pois o reclamante desempenhava função de grande relevância, e um pequeno descuido poderia colocar em risco a segurança do vôo e de profissionais e transeuntes dos aeroportos.

O polígrafo, aparelho vulgarmente conhecido como ‘detector de mentiras’, dispõe de programa de computador para medir as ondas sonoras emitidas pelo entrevistado e compara-las a níveis de normalidade para averiguação do seu estado psíquico. No caso vertente, os testes de polígrafo consubstanciam procedimento lícito, razoável e não lesivo aos direitos da personalidade do reclamante.

As testemunhas inquiridas na audiência realizada nos autos do processo n.º 00271/03, cuja ata foi anexada a estes autos como prova emprestada (f. 763) noticiaram, em coro, que se submeteram aos aludidos testes durante a vigência do contrato de trabalho, donde se deflui a generalidade da medida. Atestaram que o resultado não era divulgado e que, na sala de entrevista permaneciam apenas entrevistado e entrevistador. Essas situações evidenciam o cuidado das reclamadas com a individualidade e privacidade do trabalhador (f. 769/781).

Depreende-se da prova oral que os testes não eram utilizados com intuito persecutório e/ou discriminatório. Eram impessoais, realizados em intervalos relativamente regulares, de 01 em 01 ano, de 02 em 02 anos, às vezes, em período inferior a 01 ano (testemunha Audrey Gosling Luz, f. 770.

Ao entrevistado era paresentado (sic) documento, no qual aporia o ‘de acordo’ à realização do teste. Dele constava cláusula que previa a possibilidade de o entrevistado se negar a realiza-lo ou encerra-lo prematuramente (testemunha Clessius Marcus dos Santos, f. 776).

Registre-se, por importante, que todas as testemunhas desconhecem o fato de algum empregado ter sido dispensado por se recuar a realizar o teste. Por isso, entendimento em sentido contrário adviria de mera especulação.

As perguntas dirigidas ao empregado não tiveram o condão de ofender a sua honra e intimidade. Esses valores permaneceram incólumes, seja pela causa de justificação da conduta do empregador, seja pelo sigilo da entrevista.

As indagações eram: você reside em casa própria?; esteve hospitalizado nos últimos 10 anos?; usa bebidas alcoólicas?; usa narcóticos?; cometeu crime ou já foi preso?; tem antecedentes de desonestidade?; roubou qualquer propriedade do local onde trabalha?; desde seu último teste, usou qualquer droga ilegal?; com seu conhecimento permitiu contrabando em aeronaves?; permitiu que alguém violasse os procedimentos de segurança?; transportou qualquer droga ilegal em avião?; intencionalmente, permitiu que alguém viajasse com documentos falsos?.

Destinavam-se, portanto, a esclarecer fatos que, em função da valoração social, receberam cunhagem jurídica. Muitos tipificam ilícitos penais.

Não há mal em o empregador fazer as perguntas, principalmente porque as condutas descritas são elencadas pela legislação trabalhista como falta grave passível de ensejar a resolução contratual por inadimplemento do empregado (art. 482, da CLT).

Outrossim, noticiado pela primeira testemunha operária que tem conhecimento de que empregados da Americam Airlines, no exterior, facilitaram a prática de contrabando e do narcotráfico, imprescindível que a empresa se cerque de cuidados.

Também é compreensível que o empregado seja questionado sobre seu patrimônio. O ordinário é que haja compatibilidade entre seus bens e o salário percebido na qualidade de agente de segurança.

Frente às peculiaridades e ao risco no exercício da atividade, o cargo há de ser ocupado por profissional saudável, sem vícios de bebidas, drogas ou congêneres, e que exerça o ofício com discernimento e responsabilidade.

A privacidade e os valores morais do empregado não foram violados, à medida que a segunda testemunha operária noticiou que ‘não havia pergunta de natureza sexual na entrevista com o polígrafo’ (f. 775), e a terceira testemunha empresária a endossou, dizendo que ‘não havia perguntas de ordem pessoa e íntimas, notadamente sexual’ (f. 780).

Ante o exposto, a Americam Airlines agiu dentro da legalidade. Além de observar as normas de segurança expedidas pela agência reguladora da aviação norte- americana (FAA), que após o atentado de 11 de setembro de 2001 ao World Trade Center, tornaram-se ainda mais severas, cumpriu ordens de segurança emanadas do Departamento de Aviação Civil Brasileiro (DAC) e da INFRAERO, quando seus aviões se encontravam em território brasileiro (entendam-se espaços aéreo, marítimo e terrestre).

A primeira reclamada, empresa nacional prestadora de serviços auxiliares de transporte aéreo, obedeceu às normas administrativas em vigor que proibia o polígrafo.

Provimento que se dá, para excluir da condenação a indenização por danos morais’.

Acresça-se aos fundamentos da mencionada decisão que o procedimento adotado pelas reclamadas volta-se para um interesse maior que é comum a toda uma coletividade, à segurança no transporte aéreo, inclusive quanto aos próprios funcionários, agentes de segurança, de quem se espera estar devidamente preparado para conviver com situações estressantes.

Assim sendo, dou provimento ao recurso da primeira reclamada para absolver as reclamadas da condenação que lhes foi imposta, referente ao pagamento de indenização por danos morais.

RECURSO ORDINÁRIO DA 2.ª RECLAMADA

Diante do resultado da demanda, fica prejudicado o recurso ordinário interposto pela segunda reclamada, quanto à condenação, de forma solidária, ao pagamento da indenização por dano moral, do qual as reclamadas foram absolvidas.’ (fls. 232-244).

No recurso de revista, a Reclamante sustenta que: houve gravo dano à sua intimidade e honra subjetiva, ao ser submetida ao teste de polígrafo. Assim, lastreia seu apelo na violação do art. 5º, X, da CF.

Com parcial a Recorrente.

A submissão de empregados a testes de polígrafo viola sua intimidade e vida privada, causando danos à sua honra e à imagem, uma vez que a utilização do polígrafo (detector de mentiras) extrapola o exercício do poder diretivo do empregador, por não ser reconhecido pelo ordenamento jurídico brasileiro o mencionado sistema.

Assim, in casu, compreende-se que o uso do polígrafo não é indispensável à segurança da atividade aeroportuária, haja vista existirem outros meios, inclusive mais eficazes, de combate ao contrabando, o terrorismo e à corrupção, não podendo o teste de polígrafo ser usado camufladamente sob o pretexto de realização de ‘teste admissional’ rotineiro e adequado.

Além disso, o uso do sistema de polígrafo assemelha-se aos métodos de investigação de crimes, que só poderiam ser usados pela polícia competente, uma vez que, no Brasil, o legítimo detentor do Poder de Polícia é unicamente o Estado.

Assim, diante da demonstrada violação do art. 5º, X, da CF,  CONHEÇO do recurso de revista.

[...]

II) MÉRITO

1) DANO MORAL DECORRENTE DE SUBMISSÃO A TESTES DE POLÍGRAFO (DETECTOR DE MENTIRAS)

O teste de polígrafo, utilizado pela American Airlines, empresa americana, não pode ser adotado em relação aos empregados brasileiros aqui admitidos, pois estes têm como fonte de proteção as normas trabalhistas brasileiras, devendo ser, portanto, respeitados os princípios basilares traçados pela Constituição Federal, quais sejam o da dignidade da pessoa humana e da inviolabilidade da intimidade e da honra subjetiva.

Não sendo um mecanismo legalmente previsto no ordenamento jurídico brasileiro, o teste de polígrafo invade a intimidade dos submetidos em vão, uma vez que sequer é eficaz como meio de prova contra os empregados.

Ressalte-se ainda que o ‘detector de mentiras’ é utilizado comumente por empresas norte-americanas de aviação e que, se a medida fosse realmente indispensável, já teria sido adotada pelas companhias de aviação de outras nacionalidades. Assim, in casu, compreende-se que o uso do polígrafo não é indispensável à segurança da atividade aeroportuária, haja vista existirem outros meios, inclusive mais eficazes, de combate ao contrabando, o terrorismo e à corrupção, não podendo o teste de polígrafo ser usado camufladamente sob o pretexto de realização de ‘teste admissional’ rotineiro e adequado.

Decorre da leitura dos autos (fl. 238) que entre as perguntas feitas utilizando-se o polígrafo estavam algumas de natureza intimidativa, como ‘você já cometeu crimes ou já foi presa?’, ‘vende ou já vendeu narcóticos?’, ‘tem antecedentes de desonestidade?’, ‘cometeu violações de trânsito?’, ‘deve dinheiro para alguém? Quem? Quanto?’, ‘já roubou qualquer propriedade do local onde trabalha?’, ‘desde seu último teste, já usou drogas ilegais?’, ‘intencionalmente já permitiu que alguém viajasse com documentos falsos?’, ‘permitiu que alguém violasse os procedimentos de segurança?’, ‘já permitiu contrabando em alguma aeronave?’, que, sendo este o objetivo ou não, acabavam por expor a vida pessoal do empregado submetido ao exame, gerando inclusive uma não-contratação de caráter discriminatório.

Constata-se, portanto, que o uso do polígrafo não só viola a intimidade e a vida privada dos submetidos ao teste como também destina-se, direta ou indiretamente, a um fim discriminatório, o que vai de encontro com os objetivos da República Federativa do Brasil insculpidos no inciso IV do art. 3º da CF, cujo fundamento principal é o respeito à dignidade da pessoa humana prevista no inciso III do art. 1º do mesmo diploma legal. Dessa maneira, in casu, comprovado que o uso do ‘detector de mentiras’ resulta em decisões de caráter discriminatório, vai contra não só ao inciso X do art. 5º, como também ao próprio caput do referido artigo, que estabelece o princípio da igualdade e veda as distinções legais de qualquer natureza.

Ademais, o uso do sistema de polígrafo assemelha-se aos métodos de investigação de crimes, que só poderiam ser usados pela polícia competente, uma vez que, no Brasil, o legítimo detentor do Poder de Polícia é unicamente o Estado, não podendo, em hipótese alguma, ser usado arbitrariamente por empresas privadas. 

Assim, o uso do teste de polígrafo, como pretensa medida de segurança, viola a intimidade da pessoa humana e enseja a pretensão a prováveis danos materiais e morais, conforme a previsão disposta no art. 5º, X, de nossa Carta Magna, que assim dispõe, in verbis:

‘Art. 5º (...)

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação’.

Como conseqüência do conhecimento do recurso por violação do art. 5º, X, da CF, DOU PROVIMENTO ao recurso de revista, neste tema específico, para restabelecer a sentença quanto ao pagamento de danos morais, fixados em R$9.262,00 (nove mil duzentos e sessenta e dois reais), devidamente corrigidos, declarando, ainda, a responsabilidade subsidiária da empresa Prudencial, conforme o entendimento da Súmula 331, IV, deste TST." (fls. 778/786 e 797/800).

A ré - Prudencial Serviços Auxiliares De Transporte Aéreo Ltda. - sustenta que o polígrafo era necessário no caso em exame, que a empresa de aviação em questão foi alvo de atentados terroristas de 2001 e não há que se falar em exclusividade do poder de polícia. Transcreve arestos para o confronto de teses.

A segunda ré afirma que outras Turmas desta Corte consideram que a utilização do polígrafo pela empresa não configura ofensa ao artigo 5º, X, da Constituição Federal. Sustenta que o exame com o citado equipamento, ao contrário do consignado no acórdão embargado, caracteriza procedimento lícito, constitui instrumento justificável, conveniente e se insere no âmbito do poder diretivo do empregador, tendo em vista a responsabilidade da atividade dos agentes de segurança de aeroporto. Ressaltou que, principalmente das companhias aéreas que decolam em direção aos EUA, se exige rigorosa fiscalização de passageiros e tripulantes, por serem o principal alvo de terrorismo, contrabando e imigração ilegal em todo o mundo. Requer seja afastada a condenação ao pagamento de indenização por danos morais. Transcreve arestos para o confronto de teses.

Na Sessão de  4/5/2017, o eminente Ministro João Oreste Dalazen divergiu quanto ao conhecimento deste recurso, no qual foi acompanhado pela maioria dos integrantes desta Subseção, ocasião em que se reconheceu a existência de divergência jurisprudencial específica nos seguintes termos:

"Examino inicialmente os embargos da reclamada Prudencial Serviços Auxiliares de Transporte Aéreo Ltda. A reclamada indica um único aresto paradigma emanado da egrégia 3.ª Turma. A ementa do aresto paradigma tem o seguinte teor: ‘DANO MORAL. A decisão, no tópico, desconsiderou a existência de dano moral, porquanto a demandante, desde 1999, em face da natureza da empresa e a necessidade de redobrar a segurança dos passageiros, estava sujeita aos testes com polígrafo, não se configurando qualquer atitude violenta por parte da demandada, que viesse justificar o deferimento do pedido. Ausência de violação do art. 5.º, X, da Constituição. Agravo conhecido, mas não provido’. No caso retratado no aresto paradigma, figuram como reclamadas as mesmas empresas ora embargantes. No referido julgado, como se percebe, a 3.ª Turma não divisou afronta ao art. 5.º, X, da Constituição Federal. Concluiu que não há dano moral em decorrência da conduta da empresa consistente em submeter seus empregados ao teste de polígrafo. No caso dos autos, decidiu-se ao contrário. Vê-se, portanto, que o aresto paradigma e o acórdão embargado examinam a mesma questão jurídica e chegam a conclusões diversas, interpretando a mesma norma constitucional, daí por que, em semelhantes circunstâncias, data venia, não compartilho do fundamento esposado no douto voto condutor, segundo o qual o acórdão embargado "resolveu a questão com base em diversos fundamentos e o aresto transcrito não abrangeu todos". De sorte que, a meu sentir, não incide, na espécie, a diretriz da Súmula n.º 23 do TST como óbice ao conhecimento dos embargos da reclamada Prudencial. Data venia do douto voto do Relator, divirjo para conhecer dos embargos por divergência. Quanto aos embargos da reclamada American Airlines, o aresto paradigma, colacionado na íntegra, proveniente da 8.ª Turma, também examina idêntica controvérsia em relação às mesmas reclamadas. Conquanto sucinto, o referido aresto paradigma aborda o ponto central da lide ao consignar: "(...) esta Corte, examinando a matéria em epígrafe, vem se pronunciando no sentido de que a adoção pela empresa de teste de polígrafo não configura ofensa ao art. 5º,  X, da Constituição Federal". Também aqui, data venia do douto voto do Ex.mo Sr. Ministro Relator, não me parece pertinente a invocação da Súmula nº 23 do TST."

Recurso de embargos conhecido, por divergência jurisprudencial, nos termos do voto divergente.

MÉRITO

Trata a hipótese dos autos de condenação da ré American Airlines, e de forma subsidiária a ré Prudencial Serviços Auxiliares de Transporte Aéreo Ltda. ao pagamento de indenização por danos morais, fixados em R$ 9.262,00 (nove mil duzentos e sessenta e dois reais), devidamente corrigidos.

De início, para o exame da controvérsia, convém destacar que a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro dispõe, em seu artigo 9º, que, para qualificar e reger as obrigações, será aplicada a lei do país em que se constituírem.

Nesse mesmo sentido, a aplicação das normas trabalhistas no espaço obedece aos Princípios da Territorialidade e da Soberania Nacional, uma vez que o contrato de trabalho celebrado e executado no Brasil deve ser integralmente regido pelas normas e princípios do sistema pátrio, independentemente da nacionalidade da empregadora.

É o que se observa das lições de Maurício Godinho Delgado:

"O Direito do Trabalho brasileiro aplica-se às relações empregatícias e conexas, além de outras relações de trabalho legalmente especificadas, que ocorram dentro do espaço interno do território do Brasil. Realizando-se o contrato de trabalho dentro das fronteiras brasileiras, não há dúvida de que se submete, plenamente, de maneira geral, à ordem jurídica trabalhista pátria. Trata-se da incidência do princípio da soberania, aliado critério da territorialidade, de modo a assegurar o império da legislação nacional em cada Estado independente."[1]

Conclui-se, destarte, que pouco importa se a empresa contratante possui nacionalidade estrangeira ou se, entre as atividades desempenhadas por seus empregados, estão incluídos o transporte aéreo e/ou a realização de viagens para outros países: ainda assim, o contrato mantido entre as partes submete-se ao ordenamento jurídico brasileiro.

Fixadas essas premissas, tem-se, entre os fundamentos da República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho (artigo 1º, III e IV, da Constituição Federal), verdadeiros vetores que devem orientar quaisquer relações, públicas ou privadas, firmadas ou desenvolvidas no País.

A par dessas garantias, convivem, no mesmo sistema, a livre iniciativa e o direito constitucional à propriedade privada (artigo 1º, IV, da Constituição Federal), embora esta última com função social.

De acordo com Luciano Martinez, o poder fiscalizatório "permite ao empregador, dentro dos limites da lei, por atuação pessoal, de prepostos ou de aparatos mecânicos/eletrônicos, controlar a execução dos serviços de seus empregados, bem como a maneira como estes foram prestados"[2]. São exemplos de medidas lícitas que concretizam a faculdade fiscalizatória: anotação da frequência em controles de ponto, prestação de contas para fins de pagamento de diárias, monitoramento por circuito interno de televisão das áreas comuns, entre outros.

Como proteção necessária à condição de hipossuficiência em que se encontra o empregado, o ordenamento jurídico impõe alguns limites intransponíveis ao poder fiscalizatório da empresa.

Na Constituição Federal, por exemplo, encontra-se a já citada dignidade humana (art. 1º, III); a regra geral de que ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante (art. 5º, III); a inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas (art. 5º, X); entre outras regras e princípios que constituem barreiras ao exercício da aludida faculdade.

Na legislação ordinária disciplinadora da relação de emprego, não há regra específica de proteção à intimidade. Da Consolidação das Leis do Trabalho, pode-se mencionar, de forma analógica, o artigo 373-A, inciso VI, inserido pela Lei nº 9.799/1999, que vedou a revista íntima nas empregadas, como óbice positivado à arbitrariedade no exercício de poder de fiscalização, o qual pode servir de parâmetro para limitações objetivas ao exercício do poder diretivo do empregador.

Também no Código Civil (artigo 21) assegura-se a inviolabilidade da vida privada da pessoa natural.

Não há dúvidas que o poder diretivo é indispensável para o bom desenvolvimento da atividade empresarial, haja vista que, sem ele, os demais poderes do empregador (notadamente o hierárquico e regulamentar) perderiam sua eficácia.

São essas prerrogativas que permitem a mensuração do escorreito cumprimento das atividades demandadas e, consequentemente, viabilizam a efetiva direção da prestação laboral.

Tal situação, no entanto, é limitada pela necessidade de respeito aos direitos fundamentais dos empregados, na medida em que estes devem ser assegurados em qualquer ambiente e em todas as situações, em razão de sua eficácia horizontal. Assim, nas palavras de José Afonso da Silva:

"Direitos fundamentais do homem constitui a expressão mais adequada a este estudo, porque, além de referir-se a princípios que resumem a concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico, é reservada para designar, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas. No qualificativo fundamentais acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não se convive e, às vezes, nem mesmo sobrevive; fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados."[3]

Nesse sentido, imperioso compreender que os direitos fundamentais, por serem indissociáveis da pessoa do empregado, não podem ser desconsiderados a partir do instante em que ingressa no estabelecimento como se, nesse momento, todos os seus atributos pessoais se encontrassem ao alvedrio do empregador, independentemente de a empresa lidar com questões delicadas de segurança, como as concernentes ao transporte aéreo de passageiros.

Ao contrário, como o ambiente de trabalho é o local em que os empregados acabam por permanecer na maior parte dos seus dias, se seus direitos fundamentais não estiverem resguardados, estarão severamente comprometidos na maior parte da sua vida social.

Nesse passo, os direitos da personalidade, referentes à integridade física, psíquica e moral do sujeito, devem estar tutelados também na relação de emprego.

Se o poder do empregador deve dirigir-se exclusivamente à direção da prestação dos serviços, logicamente que ele não está autorizado a realizar qualquer tipo de ingerência sobre aspecto que transborde esse campo, notadamente no que diz respeito a fatores pessoais da vida dos empregados.

Preleciona Alice Monteiro de Barros que as crenças religiosas, convicções políticas, liberdade sindical, intimidade, vida privada e liberdade de pensamento não estão submetidas à disposição do empregador, razão pela qual qualquer ordem por ele emitida em relação a um desses aspectos estará passível da chamada desobediência extralaboral.[4]

Seja porque é um dos fundamentos positivados do Estado, seja em virtude dos avanços sociológicos conquistados na modernidade, é inquestionável a proibição de quaisquer investidas em aspectos referentes aos direitos fundamentais dos empregados ao mero argumento de que se está em lícito exercício do poder diretivo do empregador.

Como não se cogita a hipótese de tratar-se de direito absoluto, deve obediência ao limite mínimo ao qual todas as demais faculdades subjetivas devem estar submetidas, qual seja: o respeito a dignidade humana.

Diante desse contexto é que deve ser analisado o caso discutido nos autos.

O polígrafo, comumente conhecido como "detector de mentiras", consiste em um instrumento criado a partir de estudos baseados nas alterações orgânicas e fisiológicas que supostamente ocorrem corpo humano quando se conta uma mentira. Nas palavras de Alice Monteiro de Barros (2009, p. 586 apud ALVARENGA, 2011, p. 57):

"O polígrafo, também conhecido como detector de mentiras, é uma invenção do século XX e consiste em um aparelho que mede e registra as atividades neurovegetativas, reproduzindo-as sob a forma gráfica, com o objetivo de aferir a veracidade das informações da pessoa que se submete ao teste por esse meio. O aparelho registra variações da pressão arterial, da respiração, das contrações musculares, dos movimentos oculares. Esse teste funda-se no princípio segundo o qual o fato de mentir acarreta alteração psicológica, gerada pelo temor."[5]

Mais precisamente:

"[...] é um aparelho desenvolvido no início do século passado, que detecta, por intermédio de dispositivos conectados ao corpo, variações ou reações emocionais espontâneas do sistema nervoso ante um questionário que se formula a essa pessoa pelo técnico e dentro do qual se incluem perguntas diretamente relacionadas com o que se tenta descobrir e outras totalmente estranhas ao objeto da investigação para efetuar comparações das reações do sujeito às perguntas efetuadas. [...] pode entender-se como um instrumento utilizado para verificar a veracidade do examinado por meio das mudanças registradas psicofisiologicamente em seu corpo depois de ser submetido ao interrogatório do perito".[6]

É, pois, um instrumento que "faz o registro simultâneo de alterações sofridas pelo organismo humano em todo o mecanismo fisiológico, tais como batimentos cardíacos, respiração, pressão arterial, sudorese e até mesmo a voz".[7]

Sustenta-se sempre haver associação entre a mentira e o medo, que provoca, em consequência, alterações fisiológicas identificadas pelo equipamento, fundamento esse adotado desde os povos primitivos.

O equipamento baseia-se no funcionamento dos Sistemas Simpático e Parassimpático de que todo ser humano é portador, responsáveis por conduzir as reações a diversos estímulos, diante de situações estressantes. Registra o trabalho do chamado Sistema Involuntário ou Autônomo, componente do Sistema Nervoso Central. [8]

Parte-se do pressuposto de que, diante de situações emocionais intensas, a pressão arterial se eleva e aumenta o fluxo sanguíneo para os diversos órgãos; ocorre o aumento da frequência cardíaca e do ritmo da respiração; a composição dos elementos do sangue é modificada, aumentando substancialmente a glicose; a mobilidade do aparelho digestivo diminui; as pupilas se dilatam e ocorre a redução da saliva; altera-se a resistência elétrica cutânea, fundamentalmente devido ao suor; os músculos põem-se em tensão. Tudo isso como a preparar o corpo para reagir diante da sensação de iminente perigo, a fim de garantir a sobrevivência do ser humano.

Como se percebe, o citado equipamento não é capaz de identificar se o entrevistado falou a verdade ou efetivamente mentiu; apenas detecta suas reações orgânicas, as quais produzem dados que são classificados e avaliados por um terceiro, em cuja tarefa se identifica certo – se não elevado – grau de subjetividade, especialmente ao atribuir a pontuação para cada resposta, ou ao associá-la a determinados fatos. Por isso mesmo, sequer pode ser denominado corretamente de "detector de mentiras".

Nem se pode reconhecer, com segurança, o seu grau de fiabilidade, pois avaliar a fiabilidade probatória do polígrafo impõe, antes de mais nada, compreender e separar, epistemologicamente, a sua utilização enquanto equipamento que simplesmente afere as reações fisiológicas específicas para as quais foi concebido, portanto, uma espécie de "medidor de sinais psicofisiológicos" emitidos por uma pessoa, e diferenciá-la da capacidade de identificar se essa pessoa está mentindo, baseada na interpretação feita por alguém – o poligrafista –, desses mesmos sinais. Significa, por conseguinte, separar a confiabilidade da função meramente "mecânica", da atividade intelectiva e interpretativa de análise dos dados obtidos.

Apenas indica múltiplas reações do organismo humano frente a uma situação específica a que se encontra submetido o entrevistado, as quais, posteriormente, são avaliadas por uma pessoa – o técnico ou perito –, que conclui pela detecção – positiva ou negativa – da suposta mentira, repita-se.

Essas reações dependem de variados fatores, muitos deles inerentes à própria pessoa entrevistada, que podem desencadeá-las, independentemente de estar ou não mentindo. Nesse sentido, o juiz Augusto Morales, da Audiência Nacional da Espanha, esclarece que o sistema judicial espanhol não reconhece o seu uso porque os legisladores não lhe atribuem fiabilidade técnica. Ela – a fiabilidade – é comprometida pelo nervosismo do indivíduo diante do juiz, o qual também é captado pelo aparelho; o fato de estar nervoso não significa que está mentindo, enfatiza.[9]

Na mesma linha, Jordi Nieva Fenoll[10] critica o uso do equipamento e assinala que a maioria das mentiras ditas pelos seres humanos é inconsciente e, por isso mesmo, não gera qualquer reação física. A memória humana trabalha com falsas lembranças e sensações de saber, capazes de impedir a recordação de fatos verdadeiros ou de afirmar a lembrança perfeita de acontecimentos, que, na realidade, não ocorreram; são capazes de possibilitar que o declarante minta, sem ter consciência disso. Diante da ausência de evidências científicas que possam respaldar os resultados obtidos, o uso desse equipamento é rechaçado pela comunidade científica.

Destaca o fato de ser praticamente impossível elaborar um catálogo completo e indiscutível de sinais externos identificadores da mentira, porque, ainda que coincidentes, podem ser devidos a outras circunstâncias emocionais ou físicas, ou ainda induzidos por substâncias que o sujeito observado haja ingerido, mas que não se relacionam com a mentira propriamente dita.

Também podem ocorrer diversas sensações psicofisiológicas no esforço cognitivo que o declarante faça na tentativa de recordar-se de acontecimentos, as quais podem ser equivocadamente interpretadas como representativas de mentira. Portanto, nem sempre a mentira gera maior esforço cognitivo do que a verdade.

De igual modo, Cristian Contreras Rojas[11] reconhece que relatos incorretos não são, necessariamente, expressão de mentira, diante da falsa convicção criada de modo alternativo pela memória, capaz de fazer com que a pessoa tenha a clara convicção de que os fatos se verificaram da forma como narrado.

Traz a lume interessante argumentação sobre o ato de mentir, ao afirmar que toda mentira implica a intenção consciente e deliberada de uma pessoa para enganar a outra, isto é, para relatar fatos de forma distinta daquela que preserva em sua memória, com a finalidade de manter o outro sujeito na crença equivocada acerca dos acontecimentos. Não é, por conseguinte, resultante simplesmente de movimentos intencionais do corpo ou de reações psicofisiológicas. Não mente quem ajusta a sua narrativa à sua recordação incorreta do fato, quando, no foro íntimo, está convencido que os eventos ocorreram da maneira como relata.[12]

Certamente levando em consideração tais elementos, no ano de 2002, tramitou no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 7.253/2002, arquivado em razão do encerramento da legislatura, de autoria do Senador Paulo Paim, que proibia expressamente o uso de polígrafo nas relações de trabalho. Em sua justificação, o Relator do Projeto sustentou:

"A prática de testes através do polígrafo nas relações de trabalho - obviamente inadmissível em nosso ordenamento jurídico, eis que atentatória à dignidade da pessoa humana - assemelha-se aos métodos medievais de controle descritos por Michel Foucault na obra Vigiar e Punir.

Cabe ao legislador reprimir o uso da ciência sem o adequado substrato ético. É lamentável que o avanço científico traga em seu bojo o retrocesso no campo da ética e da fraternidade nas relações entre os homens.

Diversos dispositivos constitucionais contidos no art. 5º apresentam-se como fundamento para considerar-se atentatório à Carta Magna o uso do polígrafo: incs. I e VIII - discriminação; inc. II - obreiro obrigado a fazer ou não fazer algo previsto legalmente; inc. IV - liberdade de expressão; inc. III - proibição de tratamento desumano ou degradante; inc. V - dano material, moral ou à imagem do obreiro; inc. VI - liberdade de consciência ou de crença; inc. X - tutela da intimidade e da vida privada)."

É certo que as empresas que atuam no ramo da aviação, notadamente quando lidam com o transporte aéreo de passageiros, possuem uma carga imensurável de responsabilidade sobre a vida de seus clientes e empregados e, em razão disso, precisam dos mais rigorosos e sofisticados sistemas de segurança.

A questão que se põe diz respeito à real necessidade de utilização de detector de mentiras em seus próprios empregados como medida indispensável à garantia da segurança e ao combate ao terrorismo.

No Brasil, o uso do polígrafo não vem sendo admitido nem mesmo na área penal, principalmente em razão da sua ausência de confiabilidade científica, ou, mais precisamente de fiabilidade probatória. Nesse sentido, Sérgio Ricardo de Souza, processualista penal:

"Trata-se de meio de prova atípico no ordenamento jurídico brasileiro, não estando inserido dentro dos meios típicos previstos no CPP ou em outra norma processual vigente. É certo que o sistema da livre convicção por todos os meios lícitos de prova, entretanto, cremos que o polígrafo não pode ser admitido como meio de alcançar provas e submetê-las à apreciação do magistrado, pois há um grave problema em relação aos aparelhos de polígrafo, qual seja: a falta de confiabilidade científica do método utilizado para captar se o depoimento é falso ou verdadeiro, o que evidencia serem os resultados obtidos inconfiáveis e inaceitáveis enquanto prova válida para fundamentar uma sentença. Respeitadas as opiniões em contrário, temos que, mesmo na hipótese de aceitação da prova como lícita, seja em favor da acusação, seja da defesa, a sua valoração necessariamente deve ser feita à luz do conjunto probatório, somente se acolhendo as suas conclusões como forma de reforço dos argumentos deduzidos de outras modalidades probatórias, não servindo isoladamente para fundamentar decisão pró ou contra o réu."[13]

Essa é a linha que sobressai da jurisprudência, somada ao Princípio da Não Auto-Incriminação, como se observa do seguinte trecho de decisão monocrática proferida pelo Ministro Gilmar Mendes, nos autos do Agravo de Instrumento nº 804908/SC:

"2. Foi indeferido o uso de polígrafo e hipnose no plenário, pois o magistrado do júri considerou a inadequação do manejo de tais recursos por ferir o direito a não auto-incriminação (caso dos corréus)." (AI 804908, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, julgado em 28/10/2010, publicado em DJe-213 DIVULG 05/11/2010 PUBLIC 08/11/2010);

O Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, já se manifestou no sentido da não admissão do uso do polígrafo em processo penal:

"PROCESSUAL  PENAL. HABEAS  CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. CONDENAÇÃO. ALEGAÇÃO DE CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. PROVA PERICIAL. INDEFERIMENTO MOTIVADO. INVERSÃO DA ORDEM DE INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA. NULIDADE RELATIVA.  PAS  DE  NULLITÉ  SANS  GRIEF. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.

1. Esta Corte e o Supremo Tribunal Federal pacificaram orientação no sentido  de  que  não  cabe  habeas  corpus  substitutivo do recurso legalmente  previsto  para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da  impetração,  salvo  quando  constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado.

2.  O reconhecimento de nulidades no curso do processo penal reclama uma efetiva demonstração do prejuízo à parte, sem a qual prevalecerá o princípio da instrumentalidade das formas positivado pelo art. 563 do CPP (pas de nullité sans grief). Precedentes.

3. Vige na lei processual brasileira o princípio da livre apreciação da  prova,  o  qual  faculta ao magistrado o indeferimento, de forma fundamentada,    das    providências   que   julgar   protelatórias, irrelevantes  ou  impertinentes, conforme verifica a sua necessidade ou  não  para a elucidação dos fatos, sem que isso cause cerceamento de defesa.

4.  In  casu, as instâncias ordinárias, motivadamente, indeferiram o requerimento  da prova pericial (exame de polígrafo), principalmente por  não  haver  previsão legal de utilização do referido exame, bem como diante da ausência de comprovação de sua eficácia.

5.  Embora o acusado no processo penal tenha o direito à produção da prova  necessária  a  dar  embasamento  à  tese  defensiva, deve ser justificada  pela  parte  a  sua  imprescindibilidade,  o que não se verifica ter ocorrido na hipótese.

6.  A  jurisprudência  do  Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido  de  que  a  inversão na ordem prevista no art. 212 do CPP é passível  de  nulidade relativa, devendo ficar demonstrada a efetiva comprovação do prejuízo, o que não ocorreu no caso.

7.   O   entendimento   do  Tribunal  a  quo  encontra-se  em  total convergência  com a jurisprudência consolidada desta Corte Superior, afastando qualquer alegação de nulidade frente a não demonstração de prejuízo.

8. Habeas corpus não conhecido." (HC 340.948/BA, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 04/10/2016, DJe 19/10/2016).

No julgamento do supracitado habeas corpus no Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, a Desembargadora Relatora, Inez Maria Brito Santos Miranda, em seu voto, ressaltou:

"a) Quanto ao indeferimento da ‘submissão da vítima e do recorrente ao exame de polígrafo’, conforme fundamentado pelo Magistrado a quo às fls. 51/52 e reiterado no decisio combatido à fl. 189, sabe-se que o exame de veracidade ou o uso de detector de mentiras não é previsto em Lei, sendo, inclusive, a sua validade amplamente discutível, ante a ausência de eficácia comprovada desta ferramenta. Precedentes da jurisprudência pátria: TJ/SP, APL n.º 0026470-64.2013.8.26.0050, Quarta Câmara Criminal, Publicação: 13/03/2015 e TJ/RS, APL n.º 0058257- 91.2012.8.21.7000, Segunda Câmara Criminal, Publicação: 25/02/2014. Nestes termos, bem como em face da utilização pelo Sentenciante dos meios de prova legalmente previstos à luz dos princípios do contraditório e ampla defesa, patente a ausência de prejuízo aferível no caso concreto e, consequentemente, nulidade a ser declarada. Rejeito o pedido." (Apelação, Número do Processo: 0302632-74.2014.8.05.0274, Relator(a): Inez Maria Brito Santos Miranda, Segunda Câmara Criminal - Segunda Turma, Publicado em: 08/05/2015.)

Colaciono, por oportuno, outro julgado proferido no âmbito criminal, em que se rechaçou o uso do detector de mentiras como meio de prova:

"APELAÇÃO. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. AMEAÇA. Conversão do julgamento em diligência  Desnecessidade  Atos que não se afiguram prescindíveis para o deslinde do feito  Uso do polígrafo que não encontra guarida no ordenamento jurídico pátrio, além de ser matéria preclusa  Mérito  Pleito de absolvição  Impossibilidade  Materialidade e autoria suficientemente demonstradas  Palavra da vítima confirmada por testemunha da acusação  Especial relevo que se empresta ao relato da ofendida nos crimes de tal jaez  Alegada inconstitucionalidade da Lei n.º 11.343/06  Matéria sobre a qual já se posicionou o STF, decidindo pela constitucionalidade da indigitada Lei  Pena bem dosada e regime mais brando fixado  Decisão mantida. Recurso desprovido.  (TJ-SP - APL: 00264706420138260050 SP 0026470-64.2013.8.26.0050, Relator: Camilo Léllis, Data de Julgamento: 10/03/2015, 4ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 13/03/2015).

Na fundamentação do referido acórdão, consignou-se:

"Inicialmente, convém afasta o pedido de conversão do julgamento em diligência.

Absolutamente desnecessária a oitiva do aludido policial, uma vez que os elementos probatórios coligidos nos autos eram, à época da sentença, e assim persistem, suficientes para a formação de serena convicção, de maneira que, a esta altura, a pretendida diligência se afigura, mais do que desnecessária, absolutamente protelatória.

No mais, o pedido de submissão do réu e vítima ao detector de mentiras, o famigerado ‘polígrafo’, é totalmente impertinente.

Primeiro, porque tal meio de prova não encontra respaldo no ordenamento jurídico pátrio, bem assim por se tratar de meio cuja ineficácia é, no mínimo, discutível, como bem vem decidindo esta Corte de Justiça Bandeirante:

‘No tocante à submissão da vítima ao ‘detector de mentiras’, a pretensão é de todo inviável, pois inexistente em nosso sistema processual, como bem argumentou o douto Procurador de Justiça oficiante.’ (Ap. 993.05.065771-0, Rel. Salles Abreu, 4.ª Câm. Crim., j. em 09.09.2008, v.u.).

‘E se assim não fosse, o polígrafo não é meio legalmente previsto nem eficaz de funcionamento, não havendo falar-se em prejuízo.’ (Ap. n.º 0088059-67.2007.8.26.0050, Rel. Souza Nucci, 16.ª Câm; Crim., j em 25.10.2011, v.u).

Ademais, ainda que se admitisse tal meio de prova, operada está a preclusão, pois somente requerida a medida (despida de fundamentação em fato novo) somente agora, em segundo grau; nada mencionou a defesa a respeito quando da resposta à acusação (fls. 101/120), quando encerrada a instrução fase do art. 402, do Código de Processo Penal (fls. 224), ou em sede de memoriais (fls. 262/274).

Enfim, desnecessárias as medidas requeridas pela defesa."

Precedentes outros, no mesmo sentido:

"JÚRI. HOMICÍDIO TRIPLAMENTE QUALIFICADO E FRAUDE PROCESSUAL (CP, ART. 121, § 2º, INCS. II, III E IV E ART. 347, § ÚNICO). PRELIMINARES. NULIDADES APÓS A PRONÚNCIA. ALEGADO CERCEAMENTO DE DEFESA, PELA NEGATIVA DO USO DE PROVAS OBTIDAS ILICITAMENTE E A REFERÊNCIA A ELAS, EM PLENÁRIO, NÃO OBSERVÂNCIA DO DISPOSTO NA NOVA REDAÇÃO DO ART. 475 DO CPP, INDEFERIMENTO DA UTILIZAÇÃO DE POLÍGRAFO E HIPNOSE NA SESSÃO DO JÚRI, E DE CARGA DOS AUTOS NA VÉSPERA DO JULGAMENTO. DESPACHO CONTRÁRIO QUE SUSTENTOU, DENTRO DA LEGALIDADE, TODOS OS PLEITOS. AUSÊNCIA DE EIVAS. NULIDADES REJEITADAS.    DOSIMETRIA. REDUÇÃO DA PENA-BASE EM FACE DA ANÁLISE DAS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. CRITÉRIOS DO JUIZ "AD QUO" QUE SE AFEIÇOAM AOS PARÂMETROS UTILIZADOS POR ESTA CORTE. "QUANTUM" QUE SE MOSTRA ADEQUADO, EM TODAS AS ETAPAS DOSIMÉTRICAS. SENTENÇA MANTIDA "IN TOTUM".     RECURSO NÃO PROVIDO.

[...]

Em seguida, insurge-se o recorrente quanto ao ‘indeferimento do uso de polígrafo e da hipnose, vez que tais recursos possibilitariam maior exatidão na descoberta da verdade’.

Ocorre, entretanto, que, muito embora o manejo de tais recursos na prática forense não sejam proibidos, verdade é que seu cientificismo remanesce incomprovado, não fosse o fato de que a submissão do co-réu, como pretendia a defesa, a ditos procedimentos, ensejaria em realização de eventual prova contra si próprio, o que, como se sabe, fere o princípio da liberdade do indivíduo e de seu direito constitucional a não auto-incriminação.

O tema, aliás, já foi objeto de debates, inclusive, em países onde a tecnologia é bastante mais difundida, e onde predomina o descrédito à sua utilização:

‘Sacramento Bee’. 31 de março de 1998. O Supremo Tribunal dos Estados Unidos manteve a proibição do uso de resultados do polígrafo em tribunais militares. Justice Thomas, falando pelo tribunal, afirmou: ‘Não há consenso que as provas do polígrafo sejam de confiança. (...) A comunidade científica mantém-se extremamente polarizada sobre a exatidão das técnicas do polígrafo... Pura e simplesmente, não há maneira de saber num caso particular se a conclusão da leitura do polígrafo está correta ou não’. O caso envolvia um piloto que queria apresentar em sua defesa os resultados dos testes do chamado ‘detector de mentiras’. Era acusado de usar drogas e passar cheques sem cobertura. De acordo com o seu advogado, a Força Aérea fez cerca de 35.000 testes com o polígrafo em cerca de um ano. E perguntava, ‘bem, se os testes não eram fiáveis, porque os faziam’? Boa pergunta, mas que devia ser colocada à Força Aérea e não ao Supremo Tribunal (http://www.skepdic.com/brazil/poligrafo.Html, consulta em 22.7.2009)." (TJSC, Apelação Criminal (Réu Preso) n. 2008.079059-8, de Blumenau, rel. Des. Irineu João da Silva, j. 11-08-2009);

"HABEAS CORPUS - DECISÃO ILEGAL - UTILIZAÇÃO DE DETECTOR DE MENTIRAS - INDEFERIMENTO - FALTA DE AMPARO LEGAL - AUSÊNCIA DE CERTEZA NAS CONCLUSÕES - DECISÃO CONFIRMADA - ORDEM DENEGADA. 1 - A utilização do polígrafo (detector de mentiras) como meio de prova é questionável, pois além de não se obter certeza em suas conclusões, não há amparo legal para a sua utilização em nosso ordenamento processual penal. 2- Deve ser mantida a decisão do juízo das execuções penais que indeferiu o pedido de utilização do polígrafo como meio de prova a ser utilizado em uma eventual revisão criminal, já que o instrumento é imprestável para tanto. 3- Ordem denegada." (TJ-ES - HC: 00009160220048080000, Relator: MANOEL ALVES RABELO, Data de Julgamento: 29/09/2004, SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 29/11/2004);

"Habeas Corpus. Tráfico de drogas. Sentença condenatória, Dito infringido princípio constitucional do juiz natural. Inocorrência do afirmado. Cerceamento de defesa alegado por não submissão de testemunha a polígrafo. Arrazoado inócuo e descabido. Redução de pena do § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/06. Réu reincidente e com várias internações. Decisão correta. Sentença recorrível. Princípio da não-culpabilidade, para apelar solto, dito ferido. Tutela cautelar penal. Negativa sentencial acertada. Precedentes do STF. Ordem denegada.

[...]

Por segundo, porque o dito cerceamento de defesa face indeferimento do pedido de ver uma testemunha, Tadeu, submeter-se ao detector de mentiras é despropositada e inócua. Como deixou bem claro o Dr. Procurador de Justiça em seu parecer,

‘O alegado cerceamento de defesa em face do não atendimento de diligência no sentido da submissão da testemunha convocada pelo juízo ao aparelho conhecido como polígrafo, concessa magna venia, soa como demasia, para se afirmar o menos.

É que além de duvidosa a cientificidade da tecnologia pretendida em aplicação, ao sistema processual vigente, se não chega a repelir, tem-se como inócuo. Mera leitura das disposições constantes do Capítulo VI, do Título VII do Livro I, do Código de Processo Penal, em tal consubstanciam. Ademais, sobreleva o fato de que na livre convicção do julgador não cabe lugar à prova arbitrária.’

No livro ‘O Grande Inimigo’, de Milt Beardin, ex-chefe da CIA no Leste Europeu, escrito em parceria com o jornalista do New York Times James Risen, lê-se trecho em que vem à baila as falhas do polígrafo, que nunca detectou que Aldrich Ames, alto funcionário da CIA atuando dentro da própria agência, durante a Guerra Fria, espionava para a KGB. A própria cúpula da CIA autoperguntou-se: ‘Se Ames conseguira vencer a máquina, quantos outros poderiam ter feito o mesmo em anos passados?’ E o próprio autor responde: ‘Como Ames havia tido êxito com tanta facilidade em seu último teste no polígrafo, a seção de segurança da CIA passou a recear conferir sua marca de aprovação a qualquer desses exames. Os funcionários da segurança chegaram a reabrir dezenas de antigas investigações após reverem testes anteriores." (obras e autores citados, Objetiva, 2005, págs. 531/532). (TJSC, Habeas Corpus n. 2007.056521-5, de Itajaí, rel. Des. Souza Varella, j. 19-12-2007).

Acrescente-se a previsão contida no artigo 5º, LXIII, da Constituição da República, segundo o qual é assegurado aos acusados o direito ao silêncio. Embora precipuamente voltado ao campo penal, a meu sentir, encontra campo fértil de aplicação ao caso em tela, que pode, a partir desse comportamento, presumir a culpabilidade do entrevistado.

Podem, também, ser mencionadas normas internacionais de direitos humanos que aderem ao cenário constitucional pátrio – porque nele integradas -, consagradoras do princípio fundamental no sentido de que "ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo". Refiro-me ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1966, ratificado pelo Brasil em 06.07.1992, artigo 14, 3, g; e à Convenção Americana de Direitos Humanos, ratificada pelo Brasil em 06.11.1992, artigo 8º, 2, g.

Mesmo nos países que o admitem, na área penal, a doutrina[14] arrola alguns requisitos necessários à sua utilização, os quais poderiam ser classificados como elementos de controle epistêmico, uma vez que funcionam como espécies de garantias quanto à consistência e validade do exame, inclusive em relação aos resultados gerados.

São eles: a)  não pode ser utilizado compulsoriamente; b) a negativa do consentimento para o uso não pode ser suprida pela autoridade judicial; c) a prova poligráfica é assinada pelo entrevistado e pelo examinador; d) é realizado na presença do advogado defensor do examinado, e até do julgador, se necessário; e) pode ser suspenso a qualquer momento, a pedido do examinado; f) pode ser repetido por outro perito, a pedido do juiz; g) por se tratar de prova pericial, o juiz lhe atribuirá a valoração própria desse meio de prova; h) pode ser filmado ou registrado de outra forma considerada pertinente, para a hipótese de ser reproduzido, caso se deseje comprovar como foi realizado; i) pode ser utilizado, a partir do princípio da liberdade probatória, quando as partes manifestam o seu consentimento.

Invoca-se, então, o Princípio da Proporcionalidade como forma de responder à indagação posta em exame, por meio da análise de seus três subprincípios, aplicáveis cumulativamente, quais sejam: o Princípio da Conformidade ou Adequação; o Princípio Exigibilidade ou Necessidade; e o Princípio da Proporcionalidade em Sentido Estrito.

A adequação diz respeito à necessidade de se manter relação de conformação finalística entre a conduta adotada e o objetivo que se quer atingir. Nessa seara, questiona-se: o uso do polígrafo é, por si só, capaz de atestar com total nível de segurança se uma pessoa está falando a verdade? Em outras palavras: qual o valor científico comprovado de um detector de mentiras que, certamente, expõe de maneira abissal a intimidade humana?

Como já dito, a conclusão do exame é atingida por meio de análises psicofisológicas do indivíduo, envolvendo medição de pulso e pressão arterial; ritmo respiratório; variações elétricas; aspectos dermatológicos, como sudorese; sensor de movimentos nas pernas para analisar eventual contração involuntária de músculos; entre outros aspectos.

Ocorre, como visto, que existem diversas formas de falsear esses resultados, entre as quais se inclui o uso de calmantes e drogas ou mesmo alguns casos de doença de pele, que mascaram a conclusão obtida.

Ademais, não se mostra epistemologicamente sustentável a afirmação de que a mentira sempre gera reações físicas ou, mais simploriamente, que comumente deixa rastros na pessoa. Essa intuição, por mais esforços que tenham sido feitos nas últimas décadas, não foi cientificamente demonstrada, muito embora tais métodos confiram falsa sensação de confiança na crença popular, a qual transborda para o comportamento dos juízes e se torna capaz de influenciá-los no desempenho de sua indelegável atividade de interpretação das provas.

Em função disso, um dos principais agentes apontados como criador do polígrafo, o psicólogo americano John Larson, não concordou com seu uso em processos criminais, em razão da falta de confiabilidade científica do método:

"A frieza e a impassividade de certos tipos de criminosos, principalmente os que praticam crimes contra o patrimônio, podem conferir resultados diversos do verdadeiro. O próprio Larson, criador do aparelho, se opôs ao seu emprego na investigação criminal, receando que a emotividade dos pacientes falseasse o resultado, ensejando decisões injustas." (destaquei)[15]

Diante dessas variáveis, o National Research Council (Conselho Nacional de Pesquisa dos Estados Unidos), no ano de 2003, emitiu um relatório criticando a técnica utilizada no teste do polígrafo, por considerar que os estudos científicos que validavam seus resultados não podiam ser considerados verdadeiros estudos de campo, na medida em que se limitava a um número relativamente pequeno de estudantes universitários que simulavam a prática de crimes que nem sequer haviam ocorrido.

Essa foi a conclusão do painel de especialistas do National Research Council dos EUA, que revisou 57 estudos sobre a validade do polígrafo:

"CONCLUSÃO: Apesar das limitações da qualidade da pesquisa empírica e da habilidade limitada para generalizar para as condições do mundo real, concluímos que nas populações dos examinados como as representadas na literatura de pesquisa sobre polígrafos, sem treinamento em contramedidas, testes de polígrafo específicos para o caso pode discriminar as falas mentirosas das verdadeiras a uma taxa bem acima do acaso, embora bem abaixo da perfeição. Como todos os estudos de qualidade aceitável focam-se em casos específicos, generalizar a partir disso para o uso em varredura/filtragem não é justificável. Como as aplicações reais de varredura/filtragem envolvem consideravelmente mais ambiguidade para os examinados e na determinação da verdade do que surge em estudos de casos específicos, a precisão do polígrafo para fins de  varredura/filtragem quase certamente é mais baixa do que pode ser atingida em testes de campo de polígrafo em casos específicos."

"CONCLUSÃO: A ciência básica e a pesquisa de polígrafo dão razão para a preocupação de que a precisão do teste de polígrafo pode ser reduzida por contramedidas, particularmente quando usado pelas principais ameaças à segurança, que têm um forte incentivo e recursos suficientes para usá-las de modo efetivo. Se essas medidas são efetivas, elas podem minar seriamente qualquer valor do polígrafo em varredura/filtragem de segurança."[16]

Ora, se nem mesmo os estudiosos do país apontado como inventor e maior utilizador do detector de mentiras atestam, com propriedade, o valor científico de suas conclusões, ou mesmo garantem a segurança do sistema, apontando diversas falhas e formas de burlá-lo, é imperiosa a conclusão de que, afastada sua eficácia como meio de prova da verdade, não há falar em "relação de conformação finalística entre a conduta adotada e o objetivo que se quer atingir" e, por conseguinte, em adequação do método para o fim colimado.

Em 1988, foi proibida a sua utilização no setor privado.[17]

Retomando a análise dos subprincípios da Proporcionalidade, tem-se que a necessidade, por sua vez, diz respeito à exigência de que sempre se opte pelo meio menos gravoso para o titular do direito preterido.

Antes do início do teste propriamente dito, é necessária a fase de calibragem do aparelho, onde são feitas diversas perguntas ao examinando, entre as quais podem ser indevidamente incluídas perguntas de ordem pessoal ou mesmo vexatórias, que geram uma exposição desnecessária do empregado e certamente não dizem respeito ao exercício da atividade laborativa, acarretando inevitável constrangimento, desconforto e abalo psíquico e moral.

No caso, questiona-se se, em razão do nível de exposição a que está submetido o empregado, ao ter que responder perguntas relacionadas ao uso de bebidas alcóolicas, narcóticos, se tem antecedentes de desonestidade, se já se envolveu em atividade criminosa ou foi preso, por exemplo, além de outras de foro ainda mais particular ou até vexatórias, o polígrafo seria mesmo o meio que lhe causaria menor prejuízo, especialmente quando se considera sua esfera moral e o respeito aos direitos da personalidade ligados à intimidade e à vida privada.

Como já ressaltado, é cediço que empresas de transporte aéreo de passageiros lidam com questões muito delicadas de segurança. Para isso, contudo, existem diversas medidas eficazes de combate às atividades ilícitas a bordo, tais como detectores de metais, inspeção de raios X, vistoria de bagagens e malas de mão, revistas aleatórias em aeroportos, questionários, entrevistas, etc.

Considerando todas essas práticas que se encontram a serviço das companhias aéreas e dos próprios passageiros e tripulantes, certamente mais apropriados ao fim intentado e menos invasivos a quem lhes são submetidas, bem como o verdadeiro ataque aos direitos da personalidade que o uso do polígrafo proporciona, não resta dúvidas de que o uso deste instrumento não configura o meio menos gravoso a ser adotado.

Finalmente, a proporcionalidade em sentido estrito determina que os meios utilizados devem ser, de fato, proporcionais ao caso concreto. Ou seja, exigir-se-á raciocínio de ponderação entre a intensidade do atentado dirigido a um dos direitos e a importância valorativa que o outro irá, de fato, assumir.

Não se pretende questionar a relevância e o caráter indispensável que as normas de segurança do transporte aéreo possuem, ou mesmo minimizar o valor das vidas transportadas, nem se pretende questionar o exercício do poder diretivo do empregador, em especial o controle das atividades desempenhadas pelo empregado no curso do contrato ou, antes, a seleção daquele que irá ocupar o posto de trabalho. O que se discute – e se contesta – é o uso do polígrafo, pois, como assinalado, no caso brasileiro, nem mesmo no âmbito do Direito Penal, que objetiva a tutela dos mais relevantes bens jurídicos da sociedade, tais como a vida, a liberdade e a integridade física, se admite.

Existe ao menos um caso registrado em que se combateu o terrorismo e evitou-se um possível ataque em decorrência de informação obtida mediante o uso do detector de mentiras? Há justificativas reais e empíricas para a manutenção desse teste no cotidiano laboral dessas pessoas?

Sendo, contudo, negativas as respostas, o uso do referido teste se mostra, sob todos os aspectos, desproporcional, inadequado, desnecessário e violador da dignidade humana, que nada mais é do que a razão de ser do próprio direito: tutelar o homem como bem maior em todas as suas dimensões, inclusive sociotrabalhistas.

Trata-se, assim, da necessidade de observar a eficácia horizontal dos direitos fundamentais entre particulares, diretriz fixada pelo constituinte e a ser perseguida pelos poderes constituídos, inclusive pelo Poder Judiciário, e, de igual modo, aplicável nas relações privadas: tornar esses princípios efetivos, concretos, realizados, implementados, elevados que foram à condição de direitos fundamentais, na clássica linha evolutiva traçada por Norberto Bobbio.

Afirma-se, por conseguinte, a necessidade de atrelamento, mesmo nas relações privadas, dos direitos maiores assegurados pela Constituição à pessoa, como tive oportunidade de ressaltar em trabalho publicado sobre o tema, inserido em obra coordenada pelo Professor Gustavo Tepedino, Professoras Ana Frazão e Gabriela Neves Delgado e pelo Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho (TEPEDINO Gustavo, et all (org). Diálogos entre o direito do trabalho e o direito civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 39-40):

"A Carta de 1988 apontou um novo rumo ao encimar os princípios fundamentais no portal de suas disposições, seguindo a trilha deixada pelas constituições de países como a Itália, que reconhece o trabalho como um dos seus fundamentos, assegura o dever de torná-lo efetivo e proclama a sua função social (artigos 1º e 4º), como salientado.

Não se tratou de mera alteração de natureza topológica. Ao contrário, a mudança na disposição introdutória do texto constitucional fincou de modo definitivo a opção política em estabelecer tratamento privilegiado ao trabalho como elemento integrante do próprio conceito de dignidade humana e fundamentador do desenvolvimento da atividade econômica, o que representou um compromisso inafastável com a valorização do ser humano e a legitimação do Estado Democrático de Direito, no qual se inserem, como destacado, o trabalho enquanto valor social, a busca pela justiça social, a existência digna, a função social da propriedade e a redução das desigualdades sociais, entre outros princípios (art. 170).1

Estabeleceu, por conseguinte, diretriz a ser perseguida pelos poderes constituídos, inclusive pelo Poder Judiciário, e, de igual modo, aplicável nas relações privadas: tornar esses princípios efetivos, concretos, realizados, implementados, elevados que foram à condição de direitos fundamentais, na clássica linha evolutiva traçada por Bobbio.2

Em outras palavras, corresponde a um compromisso de atuação, um dever mesmo, de todos os Poderes da República e dos sujeitos titulares de relações privadas fazer com que rompam a linha meramente teórica e se projetem na vida".

O tema, aliás, não passou ao largo da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Ao contrário, firmou a tese no tocante ao respeito às liberdades fundamentais, mesmo nas relações privadas, como se vê no RE n. 201.819, Redator para o acórdão o Min. Gilmar Mendes, assim ementado:

"EMENTA: SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. RECURSO DESPROVIDO. I. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. As violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentaisassegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados. II. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO LIMITES À AUTONOMIA PRIVADA DAS ASSOCIAÇÕES. A ordem jurídico-constitucional brasileira não conferiu a qualquer associação civil a possibilidade de agir à revelia dos princípios inscritos nas leis e, em especial, dos postulados que têm por fundamento direto o próprio texto da Constituição da República, notadamente em tema de proteção às liberdades e garantias fundamentais. O espaço de autonomia privada garantido pela Constituição às associações não está imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos fundamentais de seus associados. A autonomia privada, que encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles positivados em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidas pela própria Constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema de liberdades fundamentais. III. SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. ENTIDADE QUE INTEGRA ESPAÇO PÚBLICO, AINDA QUE NÃO-ESTATAL. ATIVIDADE DE CARÁTER PÚBLICO. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL.APLICAÇÃO DIRETA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO. As associações privadas que exercem função predominante em determinado âmbito econômico e/ou social, mantendo seus associados em relações de dependência econômica e/ou social, integram o que se pode denominar de espaço público, ainda que não-estatal. A União Brasileira de Compositores - UBC, sociedade civil sem fins lucrativos, integra a estrutura do ECAD e, portanto, assume posição privilegiada para determinar a extensão do gozo e fruição dos direitos autorais de seus associados. A exclusão de sócio do quadro social da UBC, sem qualquer garantia de ampla defesa, do contraditório, ou do devido processo constitucional, onera consideravelmente o recorrido, o qual fica impossibilitado de perceber os direitos autorais relativos à execução de suas obras. A vedação das garantias constitucionais do devido processo legal acaba por restringir a própria liberdade de exercício profissional do sócio. O caráter público da atividade exercida pela sociedade e a dependência do vínculo associativo para o exercício profissional de seus sócios legitimam, no caso concreto, a aplicação direta dos direitos fundamentais concernentes ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa (art. 5º, LIV e LV, CF/88). IV. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO. (RE 201819, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, Relator(a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 11/10/2005, DJ 27-10-2006 PP-00064 EMENT VOL-02253-04 PP-00577 RTJ VOL-00209-02 PP-00821)".

A eficácia horizontal seria uma espécie de desdobramento e/ou alargamento dos direitos fundamentais, por servirem, estes, não apenas como instrumento de proteção do indivíduo frente ao Estado, mas também com um sistema de valores, pois utilizado como referência em todas as relações jurídicas e pessoais e, por isso, influencia todos os âmbitos do ordenamento jurídico.[18]

O contrato de trabalho se insere nesse contexto. Como afirmado por José João Abrantes, o seu caráter privado não lhe retira a sujeição à ordem constitucional e os direitos fundamentais e a dignidade humana constituem barreiras inultrapassáveis ao poder de direção do empregador e à correlativa subordinação jurídica do trabalhador, incluindo-se o direito à intimidade, ainda que no contrato hajam sido estabelecidas cláusulas contrárias ao exercício desses direitos, pelo menos no que afetar o seu conteúdo essencial.[19]

É certo que não constitui direito absoluto, como sói acontecer com os direitos fundamentais. O afastamento do sistema de contenção, contudo, somente pode ter lugar quando a justificativa legal ou argumentativa seja muito mais forte a ponto de permitir a violação.

Tiago da Silva Fonseca cita, como exemplo, a ressalva contida na Convenção Europeia de Direitos Humanos que, no artigo 8.º, inclui as "ingerências de autoridades públicas previstas em lei, necessárias para a segurança nacional, para a segurança pública, para o bem estar econômico do país, para a defesa da ordem e prevenção de infrações penais, para a proteção a saúde ou da moral e para a proteção dos direitos e das liberdades de terceiros".[20]

No plano interno, indica, desta feita na Constituição (artigo 5.º, XI), a autorização para que se penetre na casa do indivíduo em caso de flagrante delito ou desastre, para prestar socorro ou, durante o dia, por determinação judicial, e a interceptação de correspondências, de comunicações telegráficas ou telefônicas, mediante autorização judicial, em investigação criminal ou instrução processual penal (artigo 5.º, XII).[21]

Percebe-se, com clareza, os graus relevância e de exigência para que seja permitida a violação do núcleo essencial do direito à intimidade, o qual está acima e condiciona qualquer juízo de ponderação, em caso de violação, somente autorizada na tentativa de se resguardar direito circunstancialmente mais importante e, ainda assim, exigindo-se restrições "razoáveis, previstas em lei, que enumere expressamente as exceções e cuja interpretação se dê de modo restritivo",[22] de que é exemplo da inspeção pessoal e/ou por meio de aparelhos de raios X em aeroportos. Claramente, neste exemplo, há limites à intimidade, mas autorizados em nome do bem maior de toda coletividade, por meio da segurança pública.

Nada disso se assemelha à utilização pelo empregador. Muito pelo contrário, longe está de equiparar-se às situações em que o legislador ordinário pode autorizar a adoção de medidas ou práticas restritivas de direitos fundamentais.

Há, todavia, situações de relativização comumente admitidas pelas jurisprudência e doutrina, como o monitoramento por câmeras nos locais da produção, desde que mediante ciência prévia; revistas em pertences do empregado, excetuado o contato corporal; monitoramento de e-mails corporativos; verificação de computadores da empresa; monitoramento de conversas telefônicas de empregados em call centers, entre outras.

Assim, se a utilização do polígrafo não é admitida nem mesmo no processo penal, conduzido pelo Estado e com participação do Ministério Público, fiscal da ordem jurídica por excelência, não há por que tolerar a sua aplicação pelo empregador, no âmbito de uma relação particular e privada, sem que haja garantia de resguardo a um suposto "devido processo legal" ou a quaisquer outros direitos fundamentais do indivíduo.

Nesse contexto, seria possível afirmar que o empregador, ao fazer uso da aludida técnica de aferição da verdade, estaria investindo-se do exclusivo e indelegável Poder de Polícia, promovendo verdadeira persecução criminal que só pode ser levada a cabo pelo Estado. Inclusive, no já citado Projeto de Lei nº 7.253/2002, o Senador Paulo Paim reforça em sua justificação que "Seu uso configura grosseira violação à liberdade, à dignidade e à privacidade do homem. Mesmo em caso de existência de suspeitas veementes de crime praticado pelo empregado (p. ex., furto, ou apropriação indébita), sua utilização consiste em prática reprovável (além de bizarra), eis que o empregador não pode instituir por sua própria conta, um ‘processo penal’ travestido, pois cabe ao Estado a persecução penal".

Contudo, como se observa das decisões supratranscritas, nem mesmo o Estado, no papel de persecutor criminal, admite entre os seus poderes a submissão de réu, investigado pelo cometimento de ilícito penal, ao teste do polígrafo, de modo que se revela completamente desarrazoado permitir o uso de tal instrumento por uma entidade privada, no âmbito de uma relação de natureza civil, intrinsecamente marcada pela fidúcia, em face da parte notoriamente hipossuficiente do vínculo.

Registre-se, por fim, que a boa-fé objetiva, tida como regra de conduta em qualquer relação jurídica contratual, sobreleva-se ainda mais na relação de emprego, considerando a confiança inerente e indispensável a esse negócio jurídico. Assim, ainda que se atribuísse valor científico às conclusões do polígrafo, o que é rejeitado pela comunidade científica especializada, sua utilização como forma de rotina, revela-se desmedida, uma vez que o preceito da boa-fé objetiva, por si só, já determina o modelo de comportamento a ser adotado pelas partes durante o curso do contrato.

Na jurisprudência desta Corte registram-se precedentes no mesmo sentido da tese ora encampada, ainda que com fundamentos parcialmente distintos, de que são exemplos:

"DANO MORAL CONFIGURADO. SUBMISSÃO A TESTE DO POLÍGRAFO (DETECTOR DE MENTIRAS). 1. O uso do polígrafo - o popular "detector de mentiras" - não encontra respaldo em nosso ordenamento jurídico, visto que, ademais de sua eficácia duvidosa, viola princípio fundamental consagrado em normas internacionais sobre direitos humanos, no sentido de que "ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo" (Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos de 1966, ratificado pelo Brasil em 06.07.1992, artigo 14, 3, g; e Convenção Americana de Direitos Humanos, ratificada pelo Brasil em 06.11.1992, artigo 8º, 2, g). No mesmo diapasão, o artigo 5º, LXIII, da Constituição da República assegura aos acusados o direito ao silêncio. 2. Ademais, quando submetido ao teste do polígrafo, o empregado tem aviltado seu direito à intimidade, na medida em que pode se ver constrangido a revelar aspectos da sua vida pessoal que não tinha a intenção de compartilhar. 3. Não prospera a alegação de que tal medida visa a "promover a segurança do aeroporto, tripulantes, passageiros e sociedade em geral", na medida em que o resultado obtido pelo polígrafo é meramente estimativo, sintomático, não permitindo diagnóstico seguro concernente à idoneidade moral da pessoa. Não é aceitável que se pretenda obter segurança a partir de medida edificada sobre o alicerce da dúvida, da incerteza e da violação de direitos. 4. O uso do polígrafo, além de se tratar de procedimento rechaçado em vários países, porque incompatível com os direitos da personalidade, viola, no Direito brasileiro, diversas garantias fundamentais inerentes à pessoa humana, configurando iniludível afronta aos direitos da personalidade do trabalhador. Recurso de Revista conhecido e provido. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. INDENIZAÇÃO. JUSTIÇA DO TRABALHO. LEI N.º 5.584/70. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA N.º 297, I, DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. A ausência de pronunciamento, por parte da Corte de origem, acerca de elemento essencial à tese veiculada no apelo, torna inviável o seu exame, à míngua do indispensável prequestionamento. Hipótese de incidência do entendimento cristalizado na Súmula n.º 297, I, desta Corte superior. Recurso de Revista de que não se conhece." (RR-1009-58.2010.5.05.0009, Relator Ministro: Lelio Bentes Corrêa, Data de Julgamento: 30/08/2017, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 01/09/2017);                                       

"RECURSO DE REVISTA. DANO MORAL DECORRENTE DE SUBMISSÃO DE EMPREGADO A TESTE DE POLÍGRAFO (DETECTOR DE MENTIRAS). Cinge-se a controvérsia a saber se a submissão do autor ao teste do polígrafo (detector de mentiras) caracteriza constrangimento a ensejar a reparação civil por danos morais. No caso concreto, restou incontroverso que o autor exercera o cargo de agente de segurança e que suas atribuições eram a de inspecionar cargas e bagagens, assim como compartimentos da aeronave com a finalidade de verificar a existência de drogas, explosivos ou qualquer outro artefato que pudesse colocar em risco o avião. Foi registrado, ainda, que "o teste foi empregado para fins de admissão do Reclamante, bem assim de todos os demais trabalhadores que se candidataram à vaga de agente de segurança". O polígrafo compreende um aparelho de registro de respostas, utilizado para comprovar a veracidade das informações colhidas de uma pessoa, visando medir e gravar registros de diversas variáveis fisiológicas enquanto essa pessoa é interrogada. A finalidade do equipamento é averiguar a possível ocorrência de mentiras da pessoa examinada em seu depoimento. Não há previsão no ordenamento jurídico brasileiro para o teste de polígrafo, pois invade a intimidade dos submetidos a ele, uma vez que sequer é eficaz como meio de prova contra os empregados, tampouco se tem notícias da sua utilização válida no processo penal o qual seria, caso comprovada eficácia, de suma importância. O resultado obtido pelo polígrafo é meramente estimativo, não permitindo um diagnóstico seguro concernente à idoneidade moral da pessoa a ser contratada. Assim, não havendo regulamentação e não comprovada sua eficácia, pode-se considerar que o uso desse aparelho pode ferir outros direitos fundamentais, dentre os quais podemos citar a preservação da intimidade e a dignidade do trabalhador. Precedentes desta Corte. Conclui-se, portanto, que o uso do polígrafo constitui procedimento que afronta direito fundamental previsto na Constituição Federal, sendo devido o pagamento de indenização por danos morais ao autor, a qual arbitra-se no valor de R$ 30.000,00 (trinta mil reais). Recurso de revista conhecido por divergência jurisprudencial e provido." (RR-1332-08.2011.5.05.0016, Relator Ministro: Alexandre de Souza Agra Belmonte, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 6/5/2016);

"[..]. DANO MORAL CONFIGURADO. TESTE DO POLÍGRAFO. EMPREGADO DO SETOR DE SEGURANÇA DA EMPRESA AMERICAN AIRLINES. O polígrafo, o popular detector de mentiras, não é adotado em nosso ordenamento jurídico, visto que, além da eficácia duvidosa, viola princípio fundamental assegurado na Constituição da República, no caso, o de "não produzir provas contra si". Além do mais, quando submetido ao polígrafo, suprime-se do empregado a identidade de trabalhador, uma vez que passa a ser objeto da atenção do empregador pela potencialidade que a empresa lhe atribui de servir como porta de entrada para algum fato criminoso, terrorista ou outro do gênero. Não bastasse, o acesso às informações íntimas contidas no fisiológico do trabalhador afronta o direito de preservação da intimidade. Em razão da hipossuficiência que é característica geral do empregado e da tensão social que sobre ele recai, decorrente do fantasma do desemprego e da alucinante concorrência que existe entre os que estão empregados e a massa de desempregados, falta ao trabalhador a liberdade de se autodeterminar e de se impor contra os atos atentatórios à sua pessoa promovidos pelo empregador, porquanto visa a proteger um bem maior, no caso, a própria sobrevivência e de sua família, e, portanto, sem alternativa, tem de sacrificar sua dignidade até onde suportar. Por esse motivo, afigura-se temerária qualquer conclusão no sentido de que o autor consentia espontaneamente em submeter-se ao detector de mentiras. O uso do polígrafo, assim, além de se tratar de equipamento em extinção em vários países, por ser incompatível com o direito das pessoas, viola, no Direito brasileiro, diversas garantias fundamentais inerentes à pessoa humana, configurando ineludível afronta à intimidade do trabalhador. Recurso de revista conhecido e provido." (RR-73500-44.2002.5.02.0036, Relator Ministro: Lelio Bentes Corrêa, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 4/2/2011);

"RECURSO DE REVISTA. DANO MORAL DECORRENTE DE SUBMISSÃO DE EMPREGADA A TESTES DE POLÍGRAFO (DETECTOR DE MENTIRAS). A submissão de empregados a testes de polígrafo viola sua intimidade e sua vida privada, causando danos à sua honra e à sua imagem, uma vez que a utilização do polígrafo (detector de mentiras) extrapola o exercício do poder diretivo do empregador, por não ser reconhecido pelo ordenamento jurídico brasileiro o mencionado sistema. Assim, in casu, compreende-se que o uso do polígrafo não é indispensável à segurança da atividade aeroportuária, haja vista existirem outros meios, inclusive mais eficazes, de combate ao contrabando, ao terrorismo e à corrupção, não podendo o teste de polígrafo ser usado camufladamente sob o pretexto de realização de teste admissional rotineiro e adequado. Além disso, o uso do sistema de polígrafo assemelha-se aos métodos de investigação de crimes, que só poderiam ser usados pela polícia competente, uma vez que, no Brasil, o legítimo detentor do Poder de Polícia é unicamente o Estado. Recurso de revista conhecido e parcialmente provido." (RR-28140-17.2004.5.03.0092, Relator Ministro Maurício Godinho Delgado, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 7/5/2010).

Por tudo quanto exposto, conclui-se que a utilização do polígrafo nas relações laborais configura ato ilícito, que atinge a dignidade humana e os direitos da personalidade do empregado, notadamente a honra, a vida privada e a intimidade, razão pela qual dá ensejo ao pagamento de indenização por danos morais.

Assim, nego provimento aos embargos.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, por maioria, vencidos os Exmos. Ministros Cláudio Mascarenhas Brandão, Relator, Emmanoel Pereira, Augusto César Leite de Carvalho e José Roberto Freire Pimenta, conhecer dos embargos de ambas as rés apenas quanto ao tema "Indenização por Danos Morais - Utilização do Polígrafo", por divergência jurisprudencial, e, no mérito, por unanimidade, negar-lhes provimento.

Brasília, 30 de novembro de 2017.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

CLÁUDIO BRANDÃO

Ministro Relator


[1] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 14. ed. São Paulo: LTr, 2015, p. 252.

[2] MARTINEZ, Luciano. Curso de Direito do Trabalho: relações individuais, sindicais e coletivas do trabalho. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 188-189.

[3] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 178.

[4] BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2011, p. 462.

[5] BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 2009. In: ALVARENGA, Rúbia Zanotelli. O Polígrafo e o Direito do Trabalho. Repertório de Jurisprudência IOB – 2ª Quinzena de Janeiro de 2011 – Nº 02/2011 – Volume II, p. 57.

[6] Tradução  nossa. Cfr. MAGRO SERVET, Vicente – Es admisible la utilización del polígrafo como prueba en el proceso penal? La ley penal: revista de derecho penal, procesal y penitenciario, Madrid, vol. 4, n. 37, abr. 2007, p. 27.

[7] HERBELLA, Fernanda – Uso do polígrafo na investigação policial e na iniciativa privada. Arquivos da Polícia Civil: Revista tecno-científica. São Paulo, n. 49, 2006, p. 27.

[8] Tradução nossa. Cfr. RUIZ GUARNEROS, Aura Itzel – El polígrafo: un instrumento científico? Iter Criminis: Revista de ciencias penales. México: 6.ª Época, n.º 12, fev./mar., 2016, p. 137-138.

[9] Tradução nossa. Cfr. SARTORIO, Guillem – El polémico uso del polígrafo en la selección de personal. BBC Mundo. [Em linha]. Madrid, 2017. [Consult. 06 Out. 2017]. Disponível em http://www.bbc.com/mundo/noticias/2011/04/110412_trabajos_sin_mentiras_poligrafo_2_pl.

[10] Tradução nossa. Cfr. NIEVA FENOLL, Jordi – La Duda en el Proceso Penal. Barcelona: Marcial Pons, 2013, p. 150-154.

[11] Tradução nossa. Cfr. CONTRERAS ROJAS, Cristian – La Valoración de la Prueba de Interrogatorio. Barcelona: Marcial Pons, 2015, p. 245-248.

[12] Tradução nossa. Idem, p. 244.

[13] SOUZA, Sérgio Ricardo de. Manual da prova penal constitucional: pós-reforma de 2008. Curitiba: Juruá, 2008, p. 272.

[14] Basicamente, foram adotados fundamentos expostos por: MAGRO SERVET, Vicente – Es admisible la utilización del polígrafo como prueba en el proceso penal? La ley penal: revista de derecho penal, procesal y penitenciário. Madrid, vol. 4, n.º 37, abr. 2007, p. 32-34 (tradução nossa).

[15] CHAIB, Euvaldo. Detector de Mentiras. Doutrinas Essenciais Processo Penal. Revista dos Tribunais – RT 317/677. vol. 3. p. 513. Jun-2012.

[16] Disponível em http://genereporter.blogspot.com.br/2012/05/como-e-que-e-aparelhos-de-teste-de-voz.html Texto original: "CONCLUSION: Notwithstanding the limitations of the quality of the empirical research and the limited ability to generalize to real world settings, we conclude that in populations of examinees such as those represented in the polygraph research literature, untrained in countermeasures, specific-incident polygraph tests can discriminate lying from truth telling at rates well above chance, though well below perfection. Because the studies of acceptable quality all focus on specific incidents, generalization from them to uses for screening is not justified. Because actual screening applications involve considerably more ambiguity for the examinee and in determining truth than arises in specific-incident studies, polygraph accuracy for screening purposes is almost certainly lower than what can be achieved by specific-incident polygraph tests in the field." "CONCLUSION: Basic science and polygraph research give reason for concern that polygraph test accuracy may be degraded by countermeasures, particularly when used by major security threats who have a strong incentive and sufficient resources to use them effectively. If these measures are effective, they could seriously undermine any value of polygraph security screening."

[17] QUEIRÓS, Cristina – O polígrafo e a detecção de mentiras, uma breve história. Sub Judice: Justiça e Sociedade. Coimbra, 22/23, jul./dez. 2001, p. 62.

[18] SOROMENHO-PIRES, Antônio Carlos de Sousa – Intimidade, personalidade e a eficácia vertical e horizontal dos direitos fundamentais. Revista de Direito Constitucional e Internacional. ISSN 1518-272X.Vol. 75, nº 19, abr.-jun./2011,  p. 178-179.

[19] ABRANTES, João José. Contrato de Trabalho e Direitos Fundamentais. Coimbra: Coimbra, 2005. ISBN 972-32-1330-3, p. 174-175.

[20] FONSECA, Tiago da Silva. A proteção do direito à vida privada e do direito à intimidade na ordem constitucional brasileira e na Convenção Europeia de Direitos Humanos. Publicações da Escola da AGU, v. 2, nº 39, out./dez. 2015, p. 263.

[21] Idem, ibidem.

[22] Idem, p. 264.

 

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