TST - INFORMATIVOS 2017 2017 162 - 01 a 21 de agosto

Data da publicação:

Subseção II Especializada em Dissídios Individuais

Delaíde Miranda Arantes - TST



08 -Habeas corpus. Cabimento. Jogador de futebol. Livre exercício da profissão. A SBDI-II, por maioria, conheceu de agravo regimental e, no mérito, negou-lhe provimento, mantendo, portanto, decisão monocrática que, em sede de habeas corpus, concedeu pedido liminar para autorizar jogador de futebol a exercer livremente sua profissão, participando de jogos e treinamentos em qualquer localidade e para qualquer empregador, conforme sua livre escolha. Na espécie, ressaltou-se que não há falar em não cabimento do habeas corpus, pois, na Justiça do Trabalho, a referida ação constitucional não se restringe à proteção do direito à locomoção, mas abrange a defesa da autonomia da vontade contra ilegalidade ou abuso de poder perpetrado tanto pela autoridade judiciária quanto pelas partes da relação de trabalho. Ademais, no caso em tela restou demonstrada a presença da fumaça do bom direito e do perigo da demora, pois o paciente encontra-se impedido de exercer a função de jogador de futebol no clube que lhe interessa, e a manutenção do vínculo com o empregador atual, por tempo indeterminado, ofende o direito de livre exercício da profissão. De outra sorte, o debate travado nos autos reclama medida urgente, pois envolve atleta que, em razão da idade, encontra-se em fim de carreira. Vencidos os Ministros Douglas Alencar Rodrigues e Renato de Lacerda Paiva.



Resumo do voto.

Habeas corpus. Cabimento. Jogador de futebol. Livre exercício da profissão. A SBDI-II, por maioria, conheceu de agravo regimental e, no mérito, negou-lhe provimento, mantendo, portanto, decisão monocrática que, em sede de habeas corpus, concedeu pedido liminar para autorizar jogador de futebol a exercer livremente sua profissão, participando de jogos e treinamentos em qualquer localidade e para qualquer empregador, conforme sua livre escolha. Na espécie, ressaltou-se que não há falar em não cabimento do habeas corpus, pois, na Justiça do Trabalho, a referida ação constitucional não se restringe à proteção do direito à locomoção, mas abrange a defesa da autonomia da vontade contra ilegalidade ou abuso de poder perpetrado tanto pela autoridade judiciária quanto pelas partes da relação de trabalho. Ademais, no caso em tela restou demonstrada a presença da fumaça do bom direito e do perigo da demora, pois o paciente encontra-se impedido de exercer a função de jogador de futebol no clube que lhe interessa, e a manutenção do vínculo com o empregador atual, por tempo indeterminado, ofende o direito de livre exercício da profissão. De outra sorte, o debate travado nos autos reclama medida urgente, pois envolve atleta que, em razão da idade, encontra-se em fim de carreira. Vencidos os Ministros Douglas Alencar Rodrigues e Renato de Lacerda Paiva. 

A C Ó R D Ã O

AGRAVO REGIMENTAL INTERPOSTO CONTRA DECISÃO DA RELATORA QUE DEFERIU O PEDIDO LIMINAR EM SEDE DE HABEAS CORPUS. JOGADOR DE FUTEBOL. DIREITO À LIBERDADE DO TRABALHO. RESCISÃO INDIRETA.  VERIFICAÇÃO DA OCORRÊNCIA, EM JUÍZO PERFUNCTÓRIO, DA FUMAÇA DO BOM DIREITO E DO PERIGO DA DEMORA.

1 – Agravo regimental interposto pelo Esporte Clube Internacional de Lajes - SC contra a decisão monocrática desta relatora que deferiu o pedido liminar em habeas corpus para autorizar o paciente, Marcelo dos Santos, a exercer livremente a profissão de atleta de futebol, participando de jogos e treinamentos em qualquer localidade e para qualquer empregador, conforme sua livre escolha.

2 – Constatação do cabimento de habeas corpus na Justiça do Trabalho, ainda que não atrelado às hipóteses de prisão civil e depositário infiel, para abranger não apenas a tutela da liberdade de locomoção, mas também toda e qualquer matéria afeta à atividade jurisdicional trabalhista.

3 - Exame do caso concreto se deu em sede de liminar, cujo juízo próprio é perfunctório e exige apenas o concurso de dos requisitos da aparência do bom direito e do perigo da demora. Não se procede à análise percuciente acerca da rescisão indireta, a qual deve ser objeto na seara própria em sede da reclamação trabalhista.

4 - Relativamente ao fumus boni iuris, permanece plausível o fato de o paciente encontrar-se impedido de exercer a função de jogador de futebol no clube que lhe interessa, em suposta inobservância aos arts. 1º, II e IV, 5º, XIII, 6º e 7º da Constituição Federal.

5 – No tocante ao periculum in mora, tem-se que manter por tempo indeterminado o paciente vinculado ao empregador sob o qual impôs a pecha de mau cumpridor das obrigações trabalhistas, até porque a própria reclamação trabalhista deve durar longos anos, ofende o direito de liberdade de locomoção, consubstanciado no livre exercício da profissão em qualquer localidade e para qualquer clube de futebol que acaso tenha interesse na sua contratação.

6 - Não fosse só isso, a hipótese reclamava medida urgente, pois está em debate questão que envolve o exercício de profissão de curta duração - jogador de futebol - e cujo atleta já tem 41 anos de idade, não sendo crível entender que estaria no auge, mas sim que se encontra em fim de carreira.

7 - Precedentes. Agravo regimental conhecido e não provido. (TST-AgR-HC-5451-88.2017.5.00.0000, SBDI-II, rel. Min. Delaíde Miranda Arantes, 10.8.2017).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo Regimental em Habeas Corpus n° TST-AgR-HC-5451-88.2017.5.00.0000, em que é Agravante ESPORTE CLUBE INTERNACIONAL DE LAGES - SC e Agravado LUÍS ARTUR SABINO DE OLIVEIRA, RODOLFO GAUDENCIO BEZERRA e MARCELO DOS SANTOS e Autoridade Coatora WOLNEY DE MACEDO CORDEIRO - DESEMBARGADOR DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 13ª REGIÃO.

Trata-se de agravo regimental interposto pelo Esporte Clube Internacional de Lajes - SC contra a decisão monocrática desta relatora que deferiu o pedido liminar em habeas corpus para autorizar o paciente, Marcelo dos Santos, a exercer livremente a sua profissão de atleta de futebol, participando de jogos e treinamentos em qualquer localidade e para qualquer empregador, conforme sua livre escolha.

Aduz o agravante o não cabimento de habeas-corpus, na forma do art. 195 do RITST, porque a solução demanda dilação probatória. Diz serem irreversíveis as consequências do deferimento do pedido liminar, até porque pode tornar inócua qualquer decisão que vier a ser proferida na reclamação trabalhista. Menciona que o paciente abusa do direito de recorrer. Alega que a reclamação trabalhista e o habeas-corpus foram ofertados apenas com o intuito de não se proceder ao pagamento da multa prevista em cláusula indenizatória constante no contrato de trabalho e no art. 28 da Lei 9.615/98. Sustenta que todo o embasamento da reclamação trabalhista acerca do pedido de rescisão indireta não encontra amparo na realidade dos fatos, pois não são verdadeiras as afirmações alusivas à ocorrência de atraso no pagamento dos salários dos meses de setembro, outubro e novembro de 2016 e de ausência de depósitos no FGTS. Assevera que não foi provado haver perigo de dano iminente à liberdade profissional do atleta. Ressalta que o paciente, apesar de ter 41 anos, encontra-se no auge da carreira.

Contrarrazões apresentadas, nas quais se pretende à aplicação das penalidades advindas da litigância de má-fé.

É o relatório.

V O T O

1 – CONHECIMENTO

Satisfeitos os pressupostos de admissibilidade, CONHEÇO do agravo regimental.

2 - MÉRITO

Foi deferido o pedido liminar para autorizar o paciente, Marcelo dos Santos, a exercer livremente a profissão de atleta de futebol, participando de jogos e treinamentos em qualquer localidade e para qualquer empregador, conforme sua livre escolha, mediante os seguintes fundamentos:

Luis Artur Sabino de Oliveira e Rodolfo Gaudêncio Bezerra impetram habeas corpus, com pedido liminar, em favor de Marcelo dos Santos e em face da decisão proferida pelo Desembargador Wolney de Macedo Cordeiro do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região, nos autos do MS-56-55.2017.5.13.0000, que concedeu parcialmente o pedido liminar formulado pelo Esporte Clube Internacional de Lages-SC para declarar que a revogação da concessão da tutela de urgência levada a efeito na RTOrd-16292-21.2016.5.13.0023 surte efeitos imediatos.

Afirmam os impetrantes que o paciente, atleta profissional de futebol, ajuizou reclamação trabalhista, no foro da localidade de sua atual residência, a saber, Campina Grande - PB, contra Esporte Clube Internacional de Lages-SC, com pedido de tutela de urgência, na qual pretendeu o reconhecimento de rescisão indireta do contrato de trabalho, com fulcro no art. 28, § 5º, IV, da Lei 9.615/98 (Lei Pelé). Mencionam que a tutela de urgência foi concedida a fim de liberar o reclamante para assinar novo contrato desportivo com o Treze Futebol Clube, possibilitando o início imediato dos treinamentos. Aduzem que o reclamado apresentou exceção de incompetência territorial, que foi julgada procedente para declarar a incompetência da 4ª Vara do Trabalho de Campina Grande-PB e a competência de uma das Varas do Trabalho de Lages-SC, determinando a remessa dos autos. Contra essa decisão, aludem que foi interposto recurso ordinário, que está pendente de julgamento, e ajuizada ação cautelar, com vista à atribuição de efeito suspensivo ao recurso ordinário, que não foi procedente.

Asseveram os impetrantes que o Esporte Clube Internacional de Lages-SC não poderia ter impetrado mandado de segurança e, muito menos, ter logrado êxito na pretensão liminar, porque o ordenamento jurídico admite a interposição de recurso imediato contra a decisão que acolhe a exceção de incompetência. Argumentam que foi interposto agravo regimental, ainda não analisado.

Dizem que o paciente, que já possui 41 anos, encontra-se privado do livre exercício de profissional. Alertam para o fato de que o julgamento do recurso ordinário não tem data para ocorrer e que o paciente "encontra-se com registro perante o BID da CBF involuntário com o Esporte Clube Internacional de Lages-SC, e, acaso não esteja inscrito no BID como atleta do Treze Futebol Clube (...), não poderá participar da segunda fase do Campeonato Paraibano de Futebol".

Sustentam os impetrantes a presença dos requisitos do fumus boni iuris, pela violação dos arts. 1º, II e IV, 5º, XIII, 6º e 7º da Constituição Federal e plausibilidade da rescisão indireta, e do periculum in mora, decorrente de fundado receio de retorno a clube esportivo que deixa de cumprir as obrigações trabalhistas, lesionando o paciente de forma patrimonial e profissional de difícil reparação. Pugnam pela concessão do pedido liminar para autorizar o paciente a exercer livremente a profissão, participando de jogos e treinamentos em qualquer localidade e para qualquer empregador, conforme sua livre escolha.

À análise.

Embora inicialmente o cabimento de habeas corpus na Justiça do Trabalho estivesse atrelado às hipóteses de prisão civil e depositário infiel, a jurisprudência, tanto do TST quanto do STF, evoluiu para abranger não apenas a tutela da liberdade de locomoção, mas também toda e qualquer matéria afeta à atividade jurisdicional trabalhista.

Verifica-se que a hipótese reclama medida urgente, pois está em debate questão que envolve o exercício de profissão de curta duração - jogador de futebol - e cujo atleta já tem 41 anos de idade.

No tocante ao fumus boni iuris, parece plausível o fato de o paciente encontrar-se impedido de exercer a função de jogador de futebol no clube que lhe interessa, em suposta inobservância aos arts. 1º, II e IV, 5º, XIII, 6º e 7º da Constituição Federal, uma vez que a decisão proferida pela autoridade coatora determinou que permanecesse ligado ao Esporte Clube Internacional de Lages-SC, não obstante tivesse ajuizado reclamação trabalhista com pedido de reconhecimento de rescisão indireta.

Em exame perfunctório, sobreleva reconhecer que permanecer trabalhando para um empregador sob o qual impõe a pecha de mau cumpridor das obrigações trabalhistas é circunstância de grande angústia para o paciente, mas que pode ao fim e ao cabo da reclamação ser contemplada com a modalidade de rescisão prevista no art. 28, § 5º, IV, da Lei 9.615/98.

Sobressai, portanto, a presença da aparência do bom direito.

No tocante ao periculum in mora, tem-se que a decisão proferida pela autoridade coatora mantém por tempo indeterminado, até porque a própria reclamação trabalhista deve durar longos anos, condição que ofende o direito de liberdade de locomoção, consubstanciado no livre exercício da profissão em qualquer localidade e para qualquer clube de futebol que acaso tenha interesse na sua contratação.

É possível, assim, constatar o fundado receio de dano de difícil reparação e consumação de lesões patrimoniais e profissionais, caso permaneça a impossibilidade de ingresso do paciente em outro clube esportivo.

Diante do exposto, DEFIRO o pedido liminar para autorizar o paciente, Marcelo dos Santos, a exercer livremente a sua profissão, participando de jogos e treinamentos em qualquer localidade e para qualquer empregador, conforme sua livre escolha.

Extraia-se cópia ao paciente desta decisão.

À Secretaria para que retifique a autuação a fim de que dela passe a constar como terceiro interessado o Esporte Clube Internacional de Lages-SC, encaminhando-lhe, igualmente, por ofício e com urgência, cópia desta decisão.

Comunique-se, com urgência, ao Juízo da 4ª Vara do Trabalho de Campina Grande-PB e ao Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região o inteiro teor dessa decisão.
Comunique-se ao Desembargador Wolney de Macedo Cordeiro do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região para que preste informações.

Expeça-se, de imediato, ofício à Confederação Brasileira de Futebol e às Federações estaduais de futebol para ciência do teor da decisão, nos endereços indicados no seq. 1, p. 85.

Intimem-se os impetrantes.

Publique-se.

Aduz o agravante, Esporte Clube Internacional de Lages-SC, o não cabimento de habeas-corpus, na forma do art. 195 do RITST, porque a solução demanda dilação probatória. Diz serem irreversíveis as consequências do deferimento do pedido liminar, até porque pode tornar inócua qualquer decisão que vier a ser proferida na reclamação trabalhista. Alega que a reclamação trabalhista e o habeas-corpus foram ofertados apenas com o intuito de não se proceder ao pagamento da multa prevista em cláusula indenizatória constante no contrato de trabalho e no art. 28 da Lei 9.615/98. Sustenta que todo o embasamento da reclamação trabalhista acerca do pedido de rescisão indireta não encontra amparo na realidade dos fatos, pois não são verdadeiras as afirmações alusivas à ocorrência de atraso no pagamento dos salários dos meses de setembro, outubro e novembro de 2016 e de ausência de depósitos no FGTS. Assevera que não foi provado haver perigo de dano iminente à liberdade profissional do atleta. Ressalta que o paciente, apesar de ter 41 anos, encontra-se no auge da carreira.

Inicialmente, revela-se importante tecer breve resumo acerca dos processos que mais interessam para o presente feito, quais sejam, RTOrd-1692-21.2016.6.13.0023 e MS-56-55.2017.5.13.0000.

A reclamação trabalhista com pedido de rescisão indireta foi ajuizada por Marcelo dos Santos em face do Esporte Clube Internacional de Lages-SC em 25/11/2016. Em 28/11/2016, foi concedida a tutela antecipada a fim de liberar o reclamante a assinar novo contrato de trabalho desportivo com o Treze Futebol Clube, possibilitando o início imediato dos treinamentos. Após, o reclamado ofereceu exceção de incompetência territorial. Em 21/3/2017, foi julgada procedente a exceção, com a revogação da tutela deferida anteriormente. Em 27/3/2017, o reclamante interpôs recurso ordinário, cujo julgamento foi adiado na Sessão de 13/6/2017.

Já o mandado de segurança foi impetrado em 22/3/2017 pelo Esporte Clube Internacional de Lages-SC contra o ato do Juiz do Trabalho da 4ª Vara de Trabalho de Campina Grande que, apesar de ter julgado procedente a exceção de incompetência de foro e revogado a tutela de urgência, não determinou a expedição de ofícios à Confederação Brasileira de Futebol – CBF e às Federações Paraibana e Catarinense de Futebol, nem foi declarado que a revogação da tutela surtiria efeito imediato. Em 28/3/2017, foi deferido parcialmente o pedido liminar para declarar que a revogação da decisão concessiva da tutela de urgência na reclamação trabalhista surte efeitos imediatos. Em 3/7/2017, foi extinto o mandado de segurança, sem resolução do mérito, nos termos dos arts. 6º, § 5º, da Lei 12.016/2009 e 485, VI, do CPC de 2016, ficando prejudicado o exame do agravo regimental. A publicação do acórdão se deu em 4/7/2017.

Não obstante o habeas corpus tenha sido impetrado em face da decisão proferida pelo Desembargador Wolney de Macedo Cordeiro do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região, nos autos do MS-56-55.2017.5.13.0000, que concedeu parcialmente o pedido liminar formulado, e esta, como visto, tenha sido substituída pelo acórdão que julgou extinto o feito, sem resolução do mérito, tem-se que a referida decisão monocrática guarda estreita ligação com a decisão proferida na reclamação trabalhista. Por esse motivo, permanece o interesse processual na análise do agravo regimental em habeas corpus.

Não há falar-se no não cabimento de habeas corpus na hipótese. A questão já está há muito consolidada nesta Corte. Pede-se vênia para utilizar os fundamentos adotados pelo Ministro Guilherme Caputo Bastos, em situação análoga, ou seja, envolvendo habeas corpus, atleta profissional de futebol e pedido de rescisão indireta do contrato de trabalho, na decisão proferida no HC-3981-95.2012.5.00.0000, DEJT 27/4/2012:

  Historicamente, pode-se afirmar que a garantia do habeas corpus ingressou no ordenamento brasileiro em 1824, quando a então Constituição, denominada Imperial, passou a contemplar o direito subjetivo à liberdade.

A partir de então, tal garantia passou a constar de todas as Constituições do Brasil, sendo que, na vigente, encontra-se prevista no artigo 5°, LXVIII, que assegura a concessão de "habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder".

Cumpre registrar que, no âmbito trabalhista, o estudo do cabimento do habeas corpus na Justiça do Trabalho encontra- se inevitavelmente atrelado à alteração da competência material implementada no artigo 114 da Constituição Federal, que foi ampliada com a promulgação da Emenda Constitucional n° 45/2004.

Até a edição da referida emenda constitucional, é certo que existia, no âmbito jurisprudencial, forte divergência acerca da competência, ou não, da Justiça do Trabalho para processar e julgar habeas corpus, ainda que a autoridade coatora fosse um juiz ou um Tribunal do Trabalho. À época, o debate girava em torno do cabimento do habeas corpus para as hipóteses de depositário infiel, já que era pacífica a incompetência do ramo trabalhista para a análise de questões criminais. Registre-se que o STF e o STJ eram uníssonos pelo reconhecimento dessa incompetência. Essa controvérsia, todavia, restou superada pela referida ampliação que atribuiu a esta Justiça Especializada expressa competência para a apreciação de habeas corpus em matéria trabalhista. Assim, após a modificação implementada na atual Constituição Federal, verifico na jurisprudência desta Colenda Corte que essa espécie de ação constitucional tem sido predominantemente utilizada para impugnar decisão que determina a prisão civil de depositário infiel.

Entendo, contudo, que o cabimento de habeas corpus na Justiça do Trabalho não pode estar restrito às hipóteses em que haja cerceio da liberdade de locomoção do depositário infiel, pois, deste modo, estar-se-ia promovendo o esvaziamento da norma constitucional, face ao reconhecimento da inconstitucionalidade em relação a essa modalidade de prisão civil.

Dessarte, implica reconhecer que o alcance atual do habeas corpus há de ser estendido para abarcar a ilegalidade ou abuso de poder praticado em face de uma relação de trabalho. Vale dizer : pode ser impetrado contra atos e decisões de juízes, atos de empregadores, de auditores fiscais do trabalho, ou mesmo de terceiros.

Assim, a interpretação a ser conferida à Constituição Federal não pode ser literal ou gramatical, no sentido de se entender cabível o habeas corpus apenas quando violado o direito à locomoção em seu sentido físico de ir, vir ou ficar. Ao contrário, deve-se ampliar tal entendimento para assegurar a utilização de tal ação constitucional com vistas à proteção da autonomia da vontade contra ilegalidade ou abuso de poder perpetrado, seja pela autoridade judiciária, seja pelas partes da relação de trabalho. Há que se assegurar o livre exercício do trabalho, direito fundamental resguardado pelos artigos 1°, IV, 5°, XIII, 6° e 7° da Constituição Federal, bem como a dignidade da pessoa humana. Nessa linha, destaco o entendimento do Exmo. Ministro César Peluso , no julgamento da ADI n° 3.684/DF, que, ao discorrer sobre o cabimento de habeas corpus, destacou que "esse remédio constitucional pode, como sabe toda a gente, voltar-se contra atos e omissões praticados no curso de processos e até procedimentos de qualquer natureza, e não apenas no bojo de investigações, inquéritos e ações penais".

Colho do Supremo Tribunal Federal o seguinte precedente que, nos idos de 1968, já admitia o cabimento de habeas corpus para abarcar outras hipóteses que não apenas o direito de locomoção do paciente: "INCONSTITCIONALIDADE DO ART. 48, DO DL 314, DE 1967 (LEI DE SEGURANÇA). O HABEAS CORPUS É MEIO IDÔNEO PARA ANULAR DESPACHO DO JUIZ QUE APLICA NO CURSO DO PROCESSO, MEDIDA ADMINISTRATIVA QUE CORRESPONDE A SUSPENSÃO DO EXERCÍCIO DE DIREITOS DA PROFISSÃO E DO EMPREGO EM EMPRESA PRIVADA. A MEDIDA PREVENTIVA CORRESPONDE A UMA PENA ACESSÓRIA. A SUA APLICAÇÃO DEPENDE DE CONDENAÇÃO EM PRECEITO QUE INCLUA TAMBÉM A APLICAÇÃO DE PENA ACESSÓRIA. A INCONSTITUCIONALIDADE É DECRETADA POR FERIR OS ARTS. 150, CAPUT, E 150, PAR. 35, DA CONSTITUIÇÃO, PORQUE AS MEDIDAS PREVENTIVAS QUE IMPORTAM NA SUSPENSÃO DE DIREITOS, AO EXERCICIOS DAS PROFISSÕES E O EMPREGO EM EMPRESAS PRIVADAS, TIRA AO INDIVÍDUO AS CONDIÇÕES PARA PROVER A VIDA E SUBSISTÊNCIA. O PAR. 35 DO ART. 150 DA CONSTITUIÇÃO DE 1967 COMPREENDE TODOS OS DIREITOS NÃO ENUMERADOS, MAS QUE ESTÃO VINCULADOS ÀS LIBERDADES, AO REGIME DE DIREITO E ÀS INSTITUIÇÕES POLITICAS CRIADAS PELA CONSTITUIÇÃO. A INCONSTITUCIONALIDADE NÃO ATINGE AS RESTRIÇÕES AO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO PÚBLICA PORQUE A LEGISLAÇÃO VIGENTE SOBRE FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS, APLICÁVEL A ESPÉCIE, ASSEGURA UMA PARTE DOS VENCIMENTOS DOS FUNCIONÁRIOS ATINGIDOS PELO ART. 48, DO REFERIDO DECRETO LEI. A INCONSTITUCIONALIDADE SE ESTENDE AOS PARÁGRAFOS DO ART. 48, PORQUE ESTES SE REFEREM À EXECUÇÃO DAS NORMAS PREVISTAS NO ARTIGO E CONSIDERADAS INCONSTITUCIONAIS" (HC 45232, Relator: Min. THEMÍSTOCLES CAVALCANTI, TRIBUNAL PLENO, julgado em 21/02/1968, DJ 17-06-1968 PP-02228 EMENT VOL-00721-02 PP-00792 RTJ VOL-00044-03 PP-00322).

Por sua vez, Rui Barbosa já defendia a extensão do cabimento do presente writ em hipóteses que envolvessem a restrição de direitos fundamentais. Confira-se o seguinte trecho extraído da obra Ações Constitucionais, Fredie Didier Jr., 5ª Ed., Salvador: Juspodium, 2011: "A amplitude do dispositivo deu azo à construção de doutrina, da qual Rui Barbosa foi o principal expoente, que conferia ao writ um espectro de abrangência que ultrapassava a tutela da liberdade de locomoção. Conquanto não se desconhecesse que o uso do habeas corpus, historicamente, sempre se destinara á salvaguarda da liberdade de ir, ficar e vir, a inexistência de remédio célere e eficiente apto a precatar outros direitos (como os políticos, de expressão, de reunião, já consagrados constitucionalmente) impulsionou o manejo do habeas corpus em defesa destes. Para Rui Barbosa, ao texto constitucional abrangia as eventualidades de constrangimento arbitrário aos direitos individuais."

Pode-se ainda citar os seguintes precedentes: HC-17552-94.2016.5.00.0000, Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 25/8/2016; e HC-26452-66.2016.5.00.0000, Relator Ministro Antonio José de Barros Levenhagen, DEJT 9/12/2016.

De outro lado, tem-se que o exame do caso concreto se deu em sede de liminar, cujo juízo próprio é perfunctório e exige apenas o concurso de dois requisitos a aparência do bom direito e o perigo da demora. Não se procede à análise percuciente acerca da rescisão indireta, a qual deve ser objeto na seara própria em sede da reclamação trabalhista.

Relativamente ao fumus boni iuris, permanece plausível o fato de o paciente encontrar-se impedido de exercer a função de jogador de futebol no clube que lhe interessa, em suposta inobservância aos arts. 1º, II e IV, 5º, XIII, 6º e 7º da Constituição Federal, uma vez que continua a existir o ato que revogou a tutela de urgência, em decorrência do acolhimento da exceção de incompetência territorial, de forma que o atleta ainda se encontra ligado ao Esporte Clube Internacional de Lages-SC, sem perspectiva de análise do pedido de reconhecimento de rescisão indireta veiculado na reclamação trabalhista.

Em análise superficial, identificou-se e mantém-se essa admissão que trabalhar para um empregador sob o qual impôs a pecha de mau cumpridor das obrigações trabalhistas é circunstância de grande angústia, mas que pode, ao fim e ao cabo, ser contemplada com a modalidade de rescisão prevista no art. 28, § 5º, IV, da Lei 9.615/98.

No tocante ao periculum in mora, tem-se que manter por tempo indeterminado o paciente vinculado a tal empregador, até porque a própria reclamação trabalhista deve durar longos anos, ofende o direito de liberdade de locomoção, consubstanciado no livre exercício da profissão em qualquer localidade e para qualquer clube de futebol que acaso tenha interesse na sua contratação.

É possível, assim, constatar o fundado receio de dano de difícil reparação e consumação de lesões patrimoniais e profissionais, caso permaneça a impossibilidade de ingresso do paciente em outro clube esportivo.

Não fosse só isso, a hipótese reclamava medida urgente, pois está em debate questão que envolve o exercício de profissão de curta duração - jogador de futebol - e cujo atleta já tem 41 anos de idade, não sendo crível entender que estaria no auge, mas sim que se encontra em fim de carreira.

Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO ao agravo regimental.

3 – LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ

Tanto o agravante Esporte Clube Internacional de Lages-SC, nas razões de agravo regimental, quanto o paciente Marcelo dos Santos, em contrarrazões, pleiteiam a condenação da parte contrária nas penalidades advindas da litigância de má-fé. O agravante afirma que o paciente abusa do direito de recorrer. Já o paciente sustenta que o agravante apresentou argumentos em seu recurso que ofendem o princípio da boa-fé processual inscrito no art. 5º do CPC de 2015.

Observa-se que a pecha de litigante de má-fé não pode ser imputada nem ao paciente Marcelo dos Santos, nem ao agravante Esporte Clube Internacional de Lages-SC.

Ressalte-se que, devido à gravidade da medida, a condenação por litigância de má-fé não pode ocorrer por meros indícios ou quando a parte não logra êxito nos pleitos que submete ao Poder Judiciário. Necessário que não haja a menor dúvida de que o agente pretendeu utilizar-se do processo para atingir objetivo a que não faz jus, burlando o regramento aplicável e causando prejuízo à contraparte.

Na demanda em curso, não se evidencia abuso no direito de recorrer, tampouco deslealdade processual, elementos sem os quais se torna inviável a condenação nas penalidades do art. 81 do CPC de 2015.

As partes se limitaram a exercer o direito de ajuizar ação ou de ampla defesa, constitucionalmente garantido.

REJEITO, portanto, os pedidos de inclusão do agravante Esporte Clube Internacional de Lages-SC e do agravado Marcelo dos Santos como litigantes de má-fé.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Subseção II Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, por maioria, conhecer do agravo regimental e, no mérito, negar-lhe provimento, e, ainda, rejeitar os pedidos de inclusão do agravante Esporte Clube Internacional de Lages-SC e do agravado Marcelo dos Santos como litigantes de má-fé. Ficaram vencidos os Exmos. Ministros Renato de Lacerda Paiva e Douglas Alencar Rodrigues.

Brasília, 8 de agosto de 2017.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

DELAÍDE MIRANDA ARANTES

Ministra Relatora

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