TST - INFORMATIVOS 2017 2017 160 - 30 de maio a 12 de junho

Data da publicação:

Seção Especializada em Dissídios Coletivos

Maria de Assis Calsing - TST



01 -Ação anulatória. Gestante. Garantia de emprego. Ampliação do prazo. Cláusula restrita às empregadas contratadas por prazo indeterminado. Validade. Inexistência de afronta ao princípio da isonomia. É válida cláusula de acordo coletivo de trabalho que aumenta, de 180 para 210 dias, o prazo da estabilidade provisória das empregadas gestantes admitidas por prazo indeterminado.



Resumo do voto.

Ação anulatória. Gestante. Garantia de emprego. Ampliação do prazo. Cláusula restrita às empregadas contratadas por prazo indeterminado. Validade. Inexistência de afronta ao princípio da isonomia. É válida cláusula de acordo coletivo de trabalho que aumenta, de 180 para 210 dias, o prazo da estabilidade provisória das empregadas gestantes admitidas por prazo indeterminado. O tratamento diferenciado em relação às empregadas contratadas por prazo determinado não ofende o princípio da isonomia, pois a natureza do vínculo de trabalho, nas duas situações, é distinta. Ademais, a norma em questão é resultado da negociação entre os atores sociais e contou com a aprovação inequívoca da categoria profissional. Sob esses fundamentos, a SDC, por maioria, deu provimento ao recurso ordinário para julgar improcedente o pedido de nulidade da Cláusula Vigésima Sexta – Garantia de Emprego ou Indenização Gestantes, constante do acordo coletivo de trabalho firmado entre a Souza Cruz S.A. e o Sindicato dos Empregados Vendedores e Viajantes do Comércio no Estado do Pará. Vencido o Ministro Mauricio Godinho Delgado. 

A C Ó R D Ã O

RECURSO ORDINÁRIO. PRELIMINAR DE NULIDADE POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. Presentes os fundamentos que deram suporte à decisão recorrida, não há argumento razoável à pretensão de nulidade do acórdão, escopo, inclusive, de difícil obtenção quando em perspectiva o alcance do efeito devolutivo. Recurso Ordinário não provido. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. AÇÃO ANULATÓRIA. É inequívoca a legitimidade do Ministério Público do Trabalho para propor ação anulatória que vise extirpar do mundo jurídico cláusula convencional que eventualmente esteja em dissonância com princípios e leis que tutelam o trabalhador, notadamente quando o cerne da demanda envolve o princípio da isonomia, além do direito do nascituro e da proteção à maternidade, valores invocados na petição inicial. Recurso Ordinário não provido. GARANTIA DE EMPREGO. GESTANTE. AMPLIAÇÃO DO PRAZO CONSTITUCIONAL. CLÁUSULA BENÉFICA RESTRITA ÀS EMPREGADAS CONTRATADAS POR PRAZO INDETERMINADO. INEXISTÊNCIA DE AFRONTA AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA. Afigura-se legítima a prorrogação do prazo de estabilidade provisória prevista no art. 7.º, I, do ADCT,  mediante cláusula convencional que alcança somente a empregada gestante admitida por prazo indeterminado, já que a natureza do seu vínculo laboral é distinta da situação daquela contratada por prazo determinado, exatamente naquilo que, por esse viés, importa à caracterização do contrato, vale dizer, seu tempo de vigência. Não se pode cogitar, pois, de ofensa ao princípio da isonomia quando em análise situações jurídicas diversas, ligadas apenas a um fato comum, que diz respeito à gestação no curso do contrato de trabalho. Recurso Ordinário provido(TST-RO-422-69.2016.5.08.0000, SDC, rel. Min. Maria de Assis Calsing, 13.06.2017).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Ordinário n.º TST-RO-422-69.2016.5.08.0000, em que é Recorrente SOUZA CRUZ S.A. e são Recorridos MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO DA 8.ª REGIÃO e SINDICATO DOS EMPREGADOS VENDEDORES E VIAJANTES DO COMÉRCIO NO ESTADO DO PARÁ.

R E L A T Ó R I O

O Ministério Público do Trabalho da 8.ª Região propôs Ação Anulatória, com pedido de tutela de urgência, em desfavor do Sindicato dos Empregados Vendedores Viajantes do Comércio do Estado do Pará – SINDEVEV e a Souza Cruz S.A. com vistas à anulação da Cláusula Vigésima Sexta – Garantia de Emprego ou Indenização Gestantes, constante do acordo coletivo de trabalho firmado entre os Réus, para viger nos período de 1.º de março de 2016 a 28 de fevereiro de 2018 (instrumento coletivo a fls. 11/65), na parte que restringe a estabilidade da gestante, prevista no art. 10, II, b, do ADCT, às empregadas contratadas mediante contrato por prazo determinado.

Mediante a decisão a fls. 66/69, foi deferida a liminar de suspensão da Cláusula Vigésima Sexta – Garantia de Emprego ou Indenização Gestantes do ACT 2016/2018, na parte que restringe o benefício às empregadas contratadas mediante contrato por prazo indeterminado, sob pena de multa por trabalhadora.

O Sindicato dos Empregados Vendedores e Viajantes do Comércio do Estado do Pará – SINDEVEV e a empresa Souza Cruz S.A. apresentam contestação a fls. 76/80 e 126/148, respectivamente.

Razões finais apresentadas pelo Autor (a fls. 151/154) e pela Souza Cruz S.A. (a fls. 157/162).

O Tribunal Regional do Trabalho da 8.ª Região, mediante acórdãos a fls. 178/185 e 211/214, rejeitou a preliminar de ilegitimidade ativa do Ministério Público do Trabalho e do protesto contra o encerramento da instrução processual, ambos suscitados pela Souza Cruz S.A. e, no mérito, julgou procedente o pedido de anulação da Cláusula Vigésima Sexta do acordo coletivo de trabalho 2016/2018, firmado entre os Réus, na parte que restringe o benefício às empregadas contratadas mediante contrato por prazo indeterminado. Fixou, ainda, multa por descumprimento dessa decisão e pela obrigação das Partes de afixar o acórdão, de forma visível, nos respectivos estabelecimentos.

A Souza Cruz S.A. apresenta Recurso Ordinário a fls. 225/246, o qual foi recebido a fls. 278.

O Ministério Público do Trabalho apresenta contrarrazões, a fls. 285/293.

Os autos não foram encaminhados ao Ministério Público do Trabalho, que figura nos autos como Autor-recorrido.

É o relatório.

V O T O

CONHECIMENTO DO RECURSO ORDINÁRIO

O Recurso Ordinário é tempestivo (acórdão publicado em 23/9/2016, conforme certidão lavrada a fls. 202, e Apelo interposto em 3/10/2016), regular a representação (a fls. 175/176 e 172/174). Custas recolhidas a fls. 273.

Conheço do Apelo.

MÉRITO DO RECURSO ORDINÁRIO

PRELIMINAR DE NULIDADE POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL

Sustenta a Souza Cruz S.A. que, a despeito de interpostos Embargos de Declaração, a Corte de origem não se pronunciou sobre o art. 7.º, XXVI, da Constituição Federal. Afirma que "o acordo coletivo de trabalho não afronta as normas de saúde, porquanto não violou direitos, muito menos ato discriminatório pactuado entre as partes, mas porque foram estipuladas em razão de concessões recíprocas, ajustadas e discutidas num contexto amplo e geral para toda a categoria, de acordo com a teoria do conglobamento (CLT, artigos 611 e seguintes), além do que a norma foi pactuada por partes legítimas e devidamente homologada pelo MTE, donde se concluiu que o sistema de negociação coletiva restabelece o equilíbrio econômico entre as partes". Afirma ser este o ponto nodal da controvérsia, não enfrentado, segundo alega, na instância percorrida.

Não procede a preliminar.

É explícita a análise da matéria pela Corte de origem.

O tema foi examinado sob o aspecto axiológico, tendo a Corte de origem conferido maior valor ao princípio da isonomia em detrimento do que dispõe o art. 7.º, XXVI, da Constituição Federal. É o que se depreende da leitura do primeiro acórdão e enfatizado pela decisão proferida nos Embargos de Declaração, in verbis:

"Não há falar em omissão. No v. Acórdão ficou expresso que a autonomia privada coletiva não pode dispor de direitos constitucionalmente garantidos, tal como a isonomia. Deste modo, está cristalino que a previsão do art. 7.º, XXVI, da CF deve ser interpretado conforme o texto e espírito da Constituição Federal."

Não há argumento razoável, portanto, à pretensão de nulidade do acórdão, escopo, inclusive, de difícil obtenção quando em perspectiva o alcance do efeito devolutivo.

Pelo exposto, rejeito a preliminar.

ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO

A propósito da preliminar, decidiu a Corte de origem:

"Em contestação, a empresa SOUZA CRUZ afirma que o Ministério Público do Trabalho não tem legitimidade para figurar no polo ativo da presente demanda. Que não há situação com previsão constitucional ou infraconstitucional que possa impedir a livre negociação coletiva entre as partes. Que não se vislumbra fraude, colusão, vício de manifestação ou ilegalidade sob o ponto de vista de direitos individuais indisponíveis.

Analiso.

Sem razão. O que estamos discutindo nos presentes autos é o desrespeito ou não ao princípio da isonomia, com ampla previsão constitucional. Deste modo, cabe sim ao Ministério Público, como fiscal da ordem jurídica, arguir a nulidade de cláusula de instrumento normativo firmado pelas partes quando entender que esta norma está desrespeitando princípio constitucional.

Rejeito."

Segundo a Recorrente, a insistência no pedido de reforma da decisão baseia-se em dois motivos: "1.º) porque o Ministério Público do Trabalho não tem legitimidade para promover nulidade de cláusula de acordo coletivo quando não se vislumbra fraude, colusão, vício de manifestação ou ilegalidade sob o ponto de vista de direitos individuais indisponíveis, como sói no caso em exame; 2.º) porque a pretensão formulada na exordial relativa a estabilidade provisória funda-se em interpretações jurisprudenciais consubstanciadas nos entendimentos da Súmula 244 do TST e da OJ 30-SDC/TST, bem como por alegação genérica de inobservância da disciplina do artigo 10, II, "b", do ADCT, sendo que neste caso, olvidou o regional em observar que a parte somente possui legitimidade para interposição de ação anulatória, caso houvesse efetivo desrespeito às liberdades individuais/coletivas ou direitos individuais indisponíveis dos Trabalhadores, face a explicita previsão na LC n 75/93, artigo 83, IV, o que também não restou demonstrado".

À análise.

É inequívoca a legitimidade do Ministério Público do Trabalho para propor ação anulatória que vise extirpar do mundo jurídico cláusula convencional que eventualmente esteja em dissonância com princípios e leis que tutelam o trabalhador, notadamente quando o cerne da demanda envolve o princípio da isonomia, além do direito do nascituro e da proteção à maternidade, valores invocados na petição inicial.

A legitimidade do Ministério Público do Trabalho tem, na espécie, apoio no art. 127 da Constituição Federal e, particularmente, no art. 83, IV, da Lei Complementar n.º 75, de 20/5/1993.

Pelo exposto, rejeito a preliminar.

DA NULIDADE DA CLÁUSULA XXVI - PRINCÍPIO DA ISONOMIA - LICENÇA MATERNIDADE DE 210 DIAS EXTENSIVA SOMENTE ÀS EMPREGADAS COM VÍNCULO DE EMPREGO POR PRAZO INDETERMINADO

O Tribunal Regional do Trabalho da 8.ª Região julgou procedente o pedido de anulação da Cláusula Vigésima Sexta do acordo coletivo de trabalho 2016/2018, firmado entre os Réus, na parte que restringe o benefício às empregadas contratadas mediante contrato por prazo indeterminado. Valeu-se, para tanto, dos seguintes fundamentos:

"DA NULIDADE DA CLÁUSULA XXVI - PRINCÍPIO DA ISONOMIA - LICENÇA MATERNIDADE DE 210 DIAS EXTENSIVA SOMENTE ÀS EMPREGADAS COM VÍNCULO DE EMPREGO POR PRAZO INDETERMINADO.

Em sua peça de ingresso, o Ministério Público do Trabalho alegou o seguinte: As partes ajustaram que a gestante contratada por prazo indeterminado teria direito à estabilidade provisória de 210 dias. Que o benefício deixou de fora as empregadas contratadas por prazo determinado, que se encontrarem em idêntica situação. Que tal disposição fere o disposto no art. 10, II, b do ADCT e na Súmula n.º 244 do C. TST. Que o Supremo Tribunal Federal deixou assentado que as normas de convenção ou acordo coletivo de trabalho não podem restringir direitos fundamentais dos trabalhadores.

Em sede de contestação, a empresa ré aduziu: que a CF/88 prestigiou a autonomia coletiva da vontade e a autocomposição dos conflitos trabalhistas; que o direito coletivo do trabalho, em virtude de suas particularidades, é regido por princípios próprios, dentre os quais se destaca o princípio da equivalência dos contratantes coletivos; que deve ser levado em consideração o princípio da lealdade na negociação coletiva, pois não é possível invocar o princípio tutelar para negar validade a certo dispositivo ou diploma objeto de negociação coletiva; que quando os acordos resultantes de negociações coletivas são descumpridos ou anulados, as relações por eles reguladas são desestabilizadas e a confiança no mecanismo da negociação coletiva é sacrificada; que pelo princípio da adequação setorial negociada, as regras autônomas juscoletivas podem prevalecer sobre o padrão geral heterônomo, mesmo que sejam restritivas dos direitos dos trabalhadores; que a cláusula impugnada não pode ser interpretada isoladamente, com base na teoria do conglobamento; que não existe mulher contratada por prazo determinado dentre os assistidos pelo sindicato; que a ré é aderente ao programa Licença-Cidadã; que não há previsão legal quanto à imediata aplicação do item III da Súmula n.º 244 do C. TST; que não há norma legal que ampare as referidas construções jurisprudenciais apontadas; que, independentemente do prazo determinado ou indeterminado do contrato, a empresa procede regularmente à reintegração da emprega assim que toma ciência regularmente da gravidez.

Passo à análise.

Primeiramente, transcrevo os argumentos insertos na decisão id. 42Fec0a:

‘A estabilidade da empregada gestante tem previsão constitucional no art. 10, II, b do ADCT: ‘II - fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa: b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto’. Quando o texto constitucional estabeleceu o direito à estabilidade da empregada gestante, em nenhum momento estabeleceu diferenças entre aquela que possui vínculo de emprego por prazo determinado e aquela que possui vínculo por prazo indeterminado.

O texto constitucional assim estabeleceu pois não estamos lidando com  direito da mulher a ter mantido o seu vínculo empregatício, mas sim com o direito da criança, a seu sustento, a sua dignidade, que, nos termos do art. 227 da CF, tem absoluta prioridade.

Tal entendimento culminou, inclusive, com uma drástica modificação no entendimento do col. TST, que editou a Súmula n.º 244: ‘GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA  (redação do item III alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012) - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012 I - O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade (art. 10, II, ‘b’ do ADCT). II – A garantia de emprego à gestante só autoriza a reintegração se esta se der durante o período de estabilidade. Do contrário, a garantia restringe-se aos salários e demais direitos correspondentes ao período de estabilidade. III - A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, inciso II, alínea ‘b’, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado.’ (marquei)

Dessarte, se o texto constitucional criou um direito para as empregadas em geral, não pode a norma coletiva elastecer tal direito para um grupo, e mantê-lo estático para outro, sob pena de estarmos diante de claro tratamento discriminatório, o que fere o princípio da isonomia. Neste ponto, devemos entender a isonomia no sentido de tratar situações iguais de maneira igual. Novamente levantamos aqui a ideia de que o direito que se busca resguardar pela estabilidade da empregada gestante é o da criança. Não há diferença entre a criança filha de uma empregada com vínculo sem determinação de prazo e aquela filha de outra empregada com vínculo com prazo determinado.

Feitas estas considerações, vejamos como foi redigida a cláusula impugnada: Cláusula Vigésima Sexta- ‘Garantia de emprego ou indenização à empregada gestante, contratada por prazo indeterminado, de 210 (duzentos e dez) dias após o parto, excetuando-se as hipóteses de desligamento espontâneo, justa causa ou Acordo entre as partes. Ocorrendo demissão sem justa causa, e como condição para o acesso ao direito, caberá à empregada comunicar obrigatória e imediatamente à EMPRESA o seu estado gravídico mediante protocolo, de atestado médico oficial, a fim de que, a partir dessa data, possa ocorrer sua readmissão e o consequente restabelecimento do contrato do trabalho. A EMPRESA poderá solicitar exame laboratorial visando comprovar ou não o estado gravídico da empregada dispensada, assegurando a ela o direito de oposição aos exames’ (marquei).

Verificando a norma acima transcrita, fica evidente seu caráter discriminatório, em claro desrespeito ao princípio da isonomia, o que mostra que este trecho está permeado de nulidade.’

Passemos então à análise dos argumentos levantados pela ré. O prestígio dado pela nossa Magna Carta às negociações coletivas não pode ser utilizado como meio ao desrespeito a outros princípios constitucionais. Da leitura da norma coletiva, resta claro o desrespeito ao princípio da isonomia, pois não há motivo para haver discriminação para com as empregadas com vínculo por prazo determinado.

Não há falar ainda em mácula aos princípios da equivalência dos contratantes coletivos ou da lealdade na negociação coletiva. Em verdade, tais princípios não têm qualquer aplicação no caso concreto. O erro não foi cometido somente pela empresa, mas sim por ambos os entes celebrantes da norma coletiva ao desrespeitarem princípio constitucional.

Não prospera o argumento de que a anulação das normas coletivas promove a desestabilização das relações reguladas. Em verdade, em sua argumentação, a própria empresa revela que tal decisão não irá atingi-la de imediato, pois não tem em seus quadros empregados contratadas por prazo determinado.

Quanto ao princípio da adequação setorial negociada, entendo que o caso dos autos não possibilita sua aplicação. Como bem explicado na peça de defesa, tal princípio possibilita a negociação das condições de trabalho, mesmo que restritivas de direitos - neste caso haverá a discussão quanto a se tratarem de normas de indisponibilidade absoluta ou relativa - a depender do modo de desenvolvimento dos serviços por uma categoria, negociação esta a ser realizada pelos meios previstos em nosso ordenamento jurídico. Porém, no caso concreto, foi criado um novo direito às trabalhadoras, porém extensível somente às empregadas com vínculo de emprego por prazo indeterminado. Deste modo, cabe ao Poder Judiciário reconhecer a nulidade parcial para que passe a englobar as empregadas contratadas por prazo determinado.

No que tange à aderência ao programa Licença-Cidadã, tal argumento não é suficiente para excluir o fato de que as empregadas contratadas por prazo determinado e por prazo indeterminado estão sendo tratadas de forma diferente, em situação que não justifica tal diferenciação, o que macula o princípio constitucional da isonomia.

E no concernente à previsão legal para aplicação do teor da Súmula n.º 244 do C. TST, alerto a contestante que, em nosso ordenamento jurídico, os princípios possuem ampla força normativa, sendo imperativo o respeito ao princípio da isonomia.

Por tudo aqui exposto, a presente Ação Anulatória deve ser julgada totalmente procedente, com a consequente anulação da parte impugnada da cláusula analisada."

Sustenta a Recorrente que o caso concreto não contempla a hipótese de lesão ao trabalhador, fraude, colusão, vício de manifestação ou ilegalidade sob o ponto de vista dos direitos individuais indisponíveis. Afastada qualquer hipótese de restrição de direitos, busca demonstrar que foi violado o art. 7.º, XXVI, da Constituição Federal. Tece, nessa perspectiva, diversos argumentos tendentes a demonstrar que não foi respeitada a autonomia coletiva da vontade, manifestada pelos atores sociais, ora Réus, quando da celebração do acordo coletivo de trabalho. Parte da distinção entre direito individual e o direito coletivo de trabalho, para, com base nos princípios da equivalência dos contratantes coletivos e da lealdade na negociação coletiva, ínsitos ao segundo, afirmar a necessidade de reforma da decisão, notadamente por não versar a matéria sobre parcela justrabalhista de indisponibilidade absoluta, fazendo menção aqui, também, ao princípio da adequação setorial negociada.

Afirma que "não deve ser vista com bons olhos a sistemática invalidação dos acordos coletivos de trabalho com base em uma lógica de limitação da autonomia da vontade exclusivamente aplicável às relações individuais de trabalho". E prossegue afirmando: "Tal ingerência viola os diversos dispositivos constitucionais que prestigiam as negociações coletivas como instrumento de solução de conflitos coletivos, além de recusar aos empregados a possibilidade de participarem da formulação de normas que regulam as suas próprias vidas. Trata-se de postura que, de certa forma, compromete o direito de serem tratados como cidadãos livres e iguais".

Alega que não foi observada a jurisprudência desta Corte Superior, consubstanciada nos arestos ali transcritos e que enaltecem a negociação coletiva como pacificação dos conflitos. Além do art. 7.º, XXVI, da Constituição Federal, aponta violados os arts. 422 do Código Civil e 9.º da CLT. Em outro título epigrafado nas razões do Apelo, afirma que não houve violação do art. 10, II, b, do ADCT nem contrariedade à Súmula n.º 244 deste Tribunal Superior. Aduz que, ao revés, a cláusula fixou uma benesse, já que ampliou o prazo de garantida de emprego previsto no referido dispositivo constitucional às trabalhadoras de 180 para 210 dias.

Invoca o princípio do conglobamento e a interpretação restritiva, nos termos do art. 114 do CCB e da Súmula n.º 97 deste Tribunal Superior. Registra que, em destaque ora procedido: "No caso das empregadas contratadas por prazo determinado, a empresa garante 180 dias de estabilidade, que são os 120 dias da licença maternidade (INSS) mais 60 dias referentes à extensão da licença, pois nossa empresa é aderente ao Programa Licença Cidadã. Assim, estas empregadas contratadas por prazo determinado somente são desligadas após 180 dias do parto. Já com relação às empregadas contratadas por prazo indeterminado, elas têm 120 dias de licença maternidade (INSS), mais 60 dias da licença cidadã e quando retornam ao trabalho, ainda possuem uma garantia adicional de mais 30 dias, somando-se 210 dias, que é a estabilidade garantida que lhes é garantida nesta cláusula".

Cita decisões do Supremo Tribunal Federal e reafirma que a prova carreada aos autos demonstra que as empregadas contratadas gozam da garantia do emprego no prazo de 180 dias, tanto no contrato por prazo determinado quanto no ajuste por prazo indeterminado, o que implica dizer, segundo ali registrado, "que a pretensão do ‘Parquet’ não tem cabimento porque a empresa já observou a interpretação jurisprudencial para os casos de empregadas demitidas sob a modalidade contratual por prazo determinado", aspecto não enfrentado no acórdão recorrido e que impõe a reforma do julgado.

À análise.

A controvérsia tem como objeto a Cláusula Vigésima Sexta – Garantia de Emprego ou Indenização Gestantes, constante do acordo coletivo de trabalho firmado entre os Réus, para viger no período de 1.º de março de 2016 a 28 de fevereiro de 2018. Dispõe a norma, ora reproduzida na parte que aqui interessa:

"CLÁUSULA VIGÉSIMA SEXTA - GARANTIA DE EMPREGO OU INDENIZAÇÃO GESTANTES

Garantia de emprego ou indenização à empregada gestante, contratada por prazo indeterminado, de 210 (duzentos e dez) dias após o parto, excetuando-se as hipóteses de desligamento espontâneo, justa causa ou Acordo entre as partes."

É possível extrair do pedido deduzido na petição inicial que o Ministério Público do Trabalho partiu da compreensão de que a cláusula, conquanto contemplasse prazo maior de estabilidade à empregada gestante, vedou esse direito, tal como previsto no art. 10, II, "b", do ADCT, à empregada admitida mediante contrato por prazo determinado. A ilação é a de que a estabilidade provisória prevista na Constituição Federal estaria garantida, portanto, apenas às empregadas gestantes contratadas por prazo indeterminado, daí por que a violação de tal dispositivo constitucional.  

Diante da dialética formada nos autos, não parece ser esta a interpretação dada pelas Partes à cláusula, motivo dos destaques procedidos nas razões recursais. Tanto o Sindicato obreiro quanto a Empresa revelam tratar-se de um direito novo, que vai além daquele previsto na Constituição Federal (10, II, "b", do ADCT), cuja validade e aplicação são observadas.

A prevalecer essa linha de entendimento, o processo deveria ser extinto, sem resolução de mérito, uma vez que, esclarecida a correta exegese da cláusula, dada pelas próprias Partes, não subsistiria o interesse jurídico do Autor de agir, consubstanciado na preservação do direito previsto no art. 10, II, "b", do ADCT a todas as empregadas gestantes, independentemente da espécie do vínculo contratual formado com a empresa.

De todo modo, não foi essa a linha adotada pelo Tribunal Regional do Trabalho, que partiu da premissa de que "foi criado um novo direito às trabalhadoras, porém extensível somente às empregadas com vínculo de emprego por prazo indeterminado".

E sob esse viés, também não prospera a demanda.

Seguindo a narrativa das Partes, a cláusula é benéfica por contemplar a ampliação do prazo da garantia de emprego às gestantes, prevista no art. 10, II, "b", do ADCT, in verbis:

"Art. 10. Até que seja promulgada a lei complementar a que se refere o art. 7.º, I, da Constituição:

................................................................................................................

II - fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa:

b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto."

Conquanto a cláusula verse sobre estabilidade provisória, é fato que o prazo de 210 dias contemplados na norma excede, ainda, o prazo de licença maternidade já prorrogado para 180 dias, pelo fato de a Empresa Ré ter aderido ao Programa de Empresa Cidadã.

A questão controversa, situada na possibilidade de concessão da estabilidade provisória apenas às empregadas admitidas por contrato por prazo indeterminado é antiga e ainda não se encontra de todo superada.

Com efeito, esta Corte fixou, inicialmente, o entendimento de que a empregada gestante, admitida mediante contrato de experiência, não fazia jus à estabilidade de que trata o referido dispositivo constitucional, uma que vez a extinção da relação de emprego, em face do término do prazo, não constitui dispensa arbitrária ou sem justa causa. Nesse sentido era o item III da Súmula n.º 244 deste Tribunal Superior.

Em virtude de decisões contrárias emanadas do Supremo Tribunal Federal, podendo citar as proferidas nos Processos AI 804574 AgR/DF - DISTRITO FEDERAL - AG.REG. NO AGRAVO DE INSTRUMENTO - Relator: Min. LUIZ FUX - Primeira Turma - Publicação DJe-15/09/2011; RE 600057 AgR/SC - SANTA CATARINA - AG.REG.NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO - Relator: Min. EROS GRAU - Segunda Turma - Publicação DJe-23-10-2009 e RE-287905/SC - SANTA CATARINA - RECURSO EXTRAORDINÁRIO - Relatora: Min. ELLEN GRACIE - Relator p/ Acórdão: Min. JOAQUIM BARBOSA - Segunda Turma - Publicação DJ 30-06-2006, esta Corte Superior modificou o referido verbete, que passou a ter a seguinte redação:

"III - A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, inciso II, alínea ‘b’, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado."

Atualmente, a despeito das referidas decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, que deram ensejo à alteração da Súmula n.º 244 deste Tribunal Superior, a matéria tem repercussão geral (RE842844, Relator Ministro Luiz Fux).

Independentemente da posição definitiva a ser adotada pela Suprema Corte, o fato é que a abordagem da matéria à luz da legislação constitucional é diversa da que deve ser procedida em relação ao benefício derivado de negociação coletiva.

E o primeiro aspecto que dá suporte a essa narrativa é o fato de que a norma em exame é benéfica, conforme foi demonstrado, por constituir um patamar superior ao previsto na norma heterônoma, ainda que direcionada para um universo menor de destinatários.

A questão que se coloca é se essa restrição, consubstanciada na concessão do benefício a apenas as empregadas gestantes admitidas mediante contrato de trabalho por prazo indeterminado, afronta o princípio da isonomia.

A resposta é negativa.

Conquanto não se tenha dúvida de que as normas de proteção à maternidade visam tutelar o nascituro - o que iguala o interesse de todas as empregadas gestantes -, a espécie de vínculo laboral com o empregador torna distinta a situação jurídica entre elas.

Assim, se é perfeitamente compreensível afastar qualquer interpretação que leve à distinção que a Lei maior não faz - fundamento que dá suporte à nova redação do item III da Súmula n.º 244 do Tribunal Superior do Trabalho -, não repugna tal diferença quando efetivamente estabelecida em norma convencional benéfica.

Não há como ignorar o argumento de que a concessão de estabilidade provisória às empregadas gestantes admitidas por contrato por prazo determinado desnatura a ideia de vigência limitada, ínsita a esses ajustes.

Outro bem maior, é verdade, pode ser eleito para prevalecer diante dessa lógica, como o benefício ao nascituro, mas isso não traz a compreensão de que a situação jurídica da empregada contratada por prazo determinado é a mesma daquela admitida mediante prazo indeterminado.

E é nessa medida, pois, que se afigura legítima a concessão de benefício mediante cláusula convencional que alcança somente a empregada gestante admitida por prazo indeterminado, já que, reitere-se, a natureza do seu vínculo laboral é distinta da situação daquela contratada por prazo determinado, exatamente naquilo que, por esse viés, importa à caracterização do contrato, vale dizer, seu tempo de vigência.

Não se pode cogitar, pois, de ofensa ao princípio da isonomia quando em análise situações jurídicas diversas, ligadas apenas a um fato comum, que diz respeito à gestação no curso do contrato de trabalho.

Some-se, por relevante, que a norma vertente reflete a autonomia privada dos Réus. A cláusula resulta de negociação entre os atores sociais, com aprovação inequívoca da categoria profissional. O que postula o Sindicato obreiro, nesta demanda, é a improcedência do pedido de nulidade da cláusula, sob o argumento de que houve equívoco na leitura da norma que, por seu turno, "vem acrescentar mais direitos aos trabalhadores além daqueles já consagrados pela Constituição Federal" (grifo ora realizado).

Aspecto igualmente importante diz respeito ao alcance do provimento a ser dado a ações da espécie.

No caso concreto, o Tribunal Regional do Trabalho da 8.ª Região julgou procedente o pedido para anular a cláusula na parte que restringe o benefício às empregadas contratadas mediante contrato por prazo indeterminado. Significa dizer que a Corte de origem, ao extirpar suposto vício, ao invés de anular a norma, criou uma terceira, alheia à vontade dos atores sociais, sobretudo à empresa, e em desequilíbrio com a composição alcançada, por ocasião da celebração do acordo coletivo de trabalho. Tal solução, com as devidas vênias, não é própria à ação anulatória de cláusula convencional.

Ante tais fundamentos, dou provimento ao Recurso Ordinário para julgar improcedente o pedido de nulidade da Cláusula Vigésima Sexta – Garantia de Emprego ou Indenização Gestantes, constante do acordo coletivo de trabalho firmado entre os Réus, para viger nos período de 1.º de março de 2016 a 28 de fevereiro de 2018.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Seção Especializada em Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho: I - por unanimidade, rejeitar as preliminares de nulidade por negativa de prestação jurisdicional e ilegitimidade ativa ad causam do Ministério Público do Trabalho; II – por maioria, dar provimento ao Recurso Ordinário para julgar improcedente o pedido de nulidade da Cláusula Vigésima Sexta – Garantia de Emprego ou Indenização Gestantes, constante do acordo coletivo de trabalho firmado entre os Réus, para viger no período de 1.º de março de 2016 a 28 de fevereiro de 2018, vencido o Exmo. Ministro Mauricio Godinho Delgado, que juntará justificativa de voto vencido.

Brasília, 5 de junho de 2017.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

Maria de Assis Calsing

Ministra Relatora

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