Data da publicação:
Subseção I Especializada em Dissídios Individuais
Renato de Lacerda Paiva - TST
Adicional de insalubridade e de periculosidade. Fatos geradores distintos. Cumulação. Impossibilidade. O art. 193, § 2º, da CLT veda a cumulação dos adicionais de periculosidade e insalubridade, podendo, no entanto, o empregado fazer a opção pelo que lhe for mais benéfico. Sob esses fundamentos, a SBDI-I decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso de embargos, por divergência jurisprudencial e, no mérito, por maioria, dar-lhe provimento para excluir da condenação a possibilidade de acúmulo dos dois adicionais. Vencidos os Ministros Augusto César Leite de Carvalho, João Oreste Dalazen, José Roberto Freire Pimenta, Hugo Carlos Scheuermann, Alexandre de Souza Agra Belmonte e Cláudio Mascarenhas Brandão, que negavam provimento aos embargos para manter o pagamento cumulado dos adicionais de insalubridade e de periculosidade, sob o fundamento de que a exposição do individuo a um determinado tipo de risco não exclui a sua eventual exposição a outro risco diferente, ante a existência de fatos geradores e causa de pedir distintas. (TST-E-RR-1072-72.2011.5.02.0384, SBDI-I, rel. Min. Renato de Lacerda Paiva, 08.09.2017). (*Ver Informativo TST nº 134)
Resumo do voto.
Adicional de insalubridade e de periculosidade. Fatos geradores distintos. Cumulação. Impossibilidade. O art. 193, § 2º, da CLT veda a cumulação dos adicionais de periculosidade e insalubridade, podendo, no entanto, o empregado fazer a opção pelo que lhe for mais benéfico. Sob esses fundamentos, a SBDI-I decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso de embargos, por divergência jurisprudencial e, no mérito, por maioria, dar-lhe provimento para excluir da condenação a possibilidade de acúmulo dos dois adicionais. Vencidos os Ministros Augusto César Leite de Carvalho, João Oreste Dalazen, José Roberto Freire Pimenta, Hugo Carlos Scheuermann, Alexandre de Souza Agra Belmonte e Cláudio Mascarenhas Brandão, que negavam provimento aos embargos para manter o pagamento cumulado dos adicionais de insalubridade e de periculosidade, sob o fundamento de que a exposição do individuo a um determinado tipo de risco não exclui a sua eventual exposição a outro risco diferente, ante a existência de fatos geradores e causa de pedir distintas.
A C Ó R D Ã O
RECURSO DE EMBARGOS REGIDO PELA LEI Nº 13.015/2014. CUMULAÇÃO DOS ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE - IMPOSSIBILIDADE. Incontroverso nos autos que a reclamada foi condenada ao pagamento do adicional de insalubridade em grau médio no percentual de 20% e do adicional de periculosidade equivalente a 30% do salário base do reclamante. O ordenamento jurídico brasileiro prevê a percepção do adicional de periculosidade, de que trata o artigo 193 da CLT, ao trabalhador exposto à situação de risco, conferindo-lhe, ainda, o direito de optar pelo adicional de insalubridade previsto no artigo 192 do mesmo diploma legal, quando este também lhe for devido. É o que dispõe o artigo 193, §2º, da Consolidação das Leis do Trabalho: "§ 2º O empregado poderá optar pelo adicional de insalubridade que porventura lhe seja devido." Desse modo, o referido dispositivo legal veda a cumulação dos adicionais de periculosidade e insalubridade, podendo, no entanto, o empregado fazer a opção pelo que lhe for mais benéfico. Precedentes da SBDI-1 do TST. Recurso de embargos conhecido e provido. (TST-E-RR-1072-72.2011.5.02.0384, SBDI-I, rel. Min. Renato de Lacerda Paiva, 08.09.2017).
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Embargos em Recurso de Revista n° TST-E-RR-1072-72.2011.5.02.0384, em que é Embargante AMSTED-MAXION FUNDIÇÃO E EQUIPAMENTOS FERROVIÁRIOS S.A. e Embargado IVANILDO BANDEIRA.
A Sétima Turma deste Tribunal, por meio do acórdão de seq. 4 págs. 3/24, conheceu do recurso de revista da reclamada no que tange ao tema "cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade", por divergência jurisprudencial e, no mérito, negou-lhe provimento.
A reclamada, então, interpõe recurso de embargos à SBDI-1, em seq. 7, pugnando pela reforma da decisão da Turma no tocante ao tema acima referido, apontando violação aos artigos 7º, inciso XXIII, da Constituição Federal e 193 da CLT e divergência de teses.
O Ministro Presidente da 7ª Turma, por meio do Despacho de seq. 20, admitiu os embargos, por entender configurada divergência jurisprudencial válida e específica.
Impugnação não foi apresentada.
Sem remessa dos autos à Procuradoria-Geral do Trabalho, nos termos do artigo 83, § 2º, inciso II, do Regimento Interno do TST.
É o relatório.
Recurso tempestivo (acórdão embargado publicado em 03/10/2014, em seq. 6, e recurso de embargos protocolizado em 10/10/2014, em seq. 13), subscrito por procurador habilitado (seq. 1, págs. 82 e 84), preparo regular (seq. 1, págs. 262, 263 e 315), cabível e adequado, o que autoriza a apreciação dos pressupostos específicos de admissibilidade.
CUMULAÇÃO DOS ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE
CONHECIMENTO
Sustenta a reclamada, em suas razões de recurso, que não são cumuláveis os adicionais de insalubridade e periculosidade, aduzindo que "o próprio inciso XXIII do artigo 7º da Constituição Federal assegura o adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas na forma da lei". Alega, ainda, que "o conteúdo da Convenções nº 148 e 155 da OIT, por si só, não justificam o deferimento cumulativo dos adicionais de insalubridade e periculosidade". Aponta violação aos artigos 7º, inciso XXIII, da Constituição Federal e 193 da CLT e divergência de teses.
O acórdão embargado está assim fundamentado, in verbis:
"ADICIONAL DE PERICULOSIDADE – CUMULAÇÃO COM O ADICIONAL DE INSALUBRIDADE – POSSIBILIDADE
CONHECIMENTO
A reclamada sustenta que é incabível cumular os adicionais de insalubridade e periculosidade. Aponta violação do artigo 193, § 2°, da CLT. Transcreve arestos para o confronto de teses.
Os fundamentos da decisão recorrida estão sintetizados na ementa, a seguir transcrita:
"Adicionais de periculosidade e insalubridade. Opção desnecessária. Cumulação possível. O parágrafo 2° do artigo 193 da CLT, determina que o empregado PODERÁ optar pelo adicional de periculosidade, que a ele seja mais favorável, não que estará obrigado a fazê-lo. A construção jurisprudencial que se fez a respeito foi, preponderantemente, no sentido de que a cumulação dos adicionais (insalubridade e periculosidade) não era possível. Essa leitura, porém, hoje não tem mais sentido. A evolução tecnológica permite concluir que os limites previstos pelas NRs estão ultrapassados e, da mesma forma, que nem toda a população tem a mesma resposta às exposições aos agentes agressivos. Temos, portanto, índices irreais e generalizações que não trazem segurança ao trabalhador que, por isso mesmo, perde a cada dia um pouco da saúde, sem remédio que não a troca desse bem por uma percentagem do pequeno salário mínimo (no caso da insalubridade), o qual, embora menos aviltante atualmente, ainda não é motivo de orgulho para os brasileiros. Nesse contexto, a percepção de que o trabalhador pode estar, como in casu, sujeito a dois diferentes males, simultaneamente, não pode receber da legislação – ou dos intérpretes desta - uma resposta alternativa. Concluir que a exposição a um risco inclui o outro, tendo em conta a distinção dos problemas que envolvem a periculosidade (onde o infortúnio pode redundar na morte imediata e cada minuto de exposição pode equivaler ao último da própria vida) e a insalubridade (onde o trabalhador troca a saúde por dinheiro, vivendo menos, mas com menos necessidades), não pode ser considerada uma resposta logicamente - não é preciso nem se chegar ao universo legal, portanto - adequada. Nos dias que correm, é insuperável a conclusão de que a ciência pode permitir a detecção de agentes insalubres anteriormente impensáveis e que estes podem conviver com situações de extrema periculosidade, não havendo nenhuma razão sincera e verdadeira para dizer-se que o trabalhador merece receber o salário condição – por qualquer dos argumentos que se entenda devida essa retribuição – quando exposto à insalubridade ou à periculosidade, mas o excluir de um dos benefícios quando exposto a ambos. Aliás, não é apenas ilógico, mas extremamente injusto, posto que aquele que está exposto a uma condição menos grave (exposto a um mal apenas) recebe o mesmo que aquele, que está exposto às duas tormentas. Obviamente, não ignoro que se trata de mero paliativo, posto que a monetarização dessas ameaças à saúde, higiene e segurança dos obreiros é coisa que não resolve o problema. Todavia, se a exposição é inevitável, ou já ocorreu por negligência de quem possuía os meios para evitá-la, menos mal remunerar os riscos - todos eles - da forma e através dos remédios que a lei nos oferece, ainda que esta deixa a desejar, do que não os remunerar completamente." (fl. 286)
O Tribunal Regional concluiu, como visto, pela possibilidade de cumulação. O aresto transcrito à fl. 313, oriundo do Tribunal Regional da 12ª Região e publicado no DOE de 26/08/2009, consagra tese diametralmente oposta e enseja o conhecimento do recurso de revista, nos moldes do artigo 896, "a", da CLT.
MÉRITO
O exame da controvérsia exige, antes, a análise da estrutura do ordenamento jurídico pátrio que, como de todos sabido, é regido pela Constituição Federal, que servirá de norte para as demais normas buscarem o seu fundamento de validade. Com isso, as disposições infraconstitucionais devem observar os princípios e regras contidos na Lei Maior, sob pena de padecerem do vício da inconstitucionalidade.
Em se tratando de direito ordinário pré-constitucional, com conteúdo contrário às normas advindas de uma nova Constituição, a consequência será distinta: ocorrerá a não-recepção de tal regramento, hipótese que prescindirá da manifestação plenária (cláusula "reserva de plenário" – artigo 97 da Lex Fundamentalis), ou seja, as normas anteriormente editadas perdem condição de sustentabilidade em função do novo regramento introduzido e, com isso, deixam de ter o que se pode denominar de "aderência constitucional", condição imprescindível para que possam continuar a produzir seus efeitos.
Sobre o fenômeno da não recepção de normas do ordenamento anterior à nova Carta Constitucional, já se manifestou o STF:
(...).
Significa, nessa linha, afirmar da desnecessidade de pronunciamento do plenário desta Corte sobre o tema ora enfrentado, em face do regramento constitucional, cuja principal indagação consiste em saber da possibilidade de percepção cumulativa dos adicionais de periculosidade e insalubridade, cujo direito encontra-se previsto, respectivamente, nos artigos 192 e 193, § 1º, da CLT, e também é garantido no artigo 7º, XXIII, da Constituição Federal, norma última cujo inteiro teor transcreve-se:
"Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(...)
XXIII - adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei." (destaquei).
Da interpretação do preceito constitucional referido, extrai-se a conclusão no sentido de que o legislador constituinte assegurou de forma plena o direito ao recebimento dos adicionais de penosidade, insalubridade e periculosidade, sem qualquer ressalva no que tange à cumulação, ainda que tenha remetido sua regulação à lei ordinária, o que ocorre por intermédio de dispositivos da CLT e de Normas Regulamentadoras.
Ao caso, interessa o disposto no artigo 193, § 2º, da CLT, incluído pela Lei nº 6.514, de 22/12/1977, ainda em vigor, e o item 16.2.1 da NR-16 da Portaria nº 3.214/78 do Ministério do Trabalho e Emprego, que preveem a possibilidade de opção, em caso de cumulação. Dispõem as citadas normas:
"§ 2º O empregado poderá optar pelo adicional de insalubridade que porventura lhe seja devido."
"16.2.1. O empregado poderá optar pelo adicional de insalubridade que porventura lhe seja devido."
A análise conjunta desses dispositivos poderia conduzir à ilação de que a regência por lei ordinária mencionada no dispositivo constitucional autorizaria o acolhimento da restrição nelas imposta, no sentido da impossibilidade de percepção conjunta de ambos os acréscimos.
Contudo, a meu sentir, outra é a interpretação, a partir da afirmação de que não há como se sustentar a recepção das normas acima citadas pela Constituição Federal de 1988.
A possibilidade da cumulação dos adicionais se justifica em virtude da origem dos direitos serem diversos. Não se há de falar em bis in idem. No caso da insalubridade, o bem tutelado é a saúde do obreiro, haja vista as condições nocivas presentes no meio ambiente de trabalho; já a periculosidade, traduz situação de perigo iminente que, uma vez ocorrida, pode ceifar a vida do trabalhador, sendo este o bem a que se visa proteger.
São bens jurídicos diversos e com tratamento normativo distinto, seja quanto às hipóteses de cabimento, seja quanto aos percentuais, seja quanto à base de cálculo.
Não é outro o pensamento do professor José Augusto Rodrigues Pinto:
"Com efeito, a insalubridade é insidiosa e lenta nos seus resultados. O risco provocado pela periculosidade é de impacto e instantâneo, quando se consuma. Daí um deles dirigir-se à saúde, o outro, à integridade física ou à própria vida da vítima de sua ação.
[...]
Os adicionais legais são cumuláveis, sob a única condição de que o trabalho seja prestado de acordo com os pressupostos de cada um deles.
O direito à cumulação é de uma lógica irrespondível: se a situação de desconforto pessoal tem correspondência numa indenização, o valor desta deve abranger tantos percentuais quantas sejam as circunstâncias causadoras do desconforto, que traz um dano efetivo ao trabalhador, ou do risco a que ele é exposto.
Por isso mesmo, causa profunda espécie que o artigo 193, §2º, da CLT, herdando restrição levantada desde a Lei nº. 2.573/55, que instituiu o adicional de periculosidade, tenha aberto ao empregado submetido às duas condições mais severas de serviço, simultaneamente, o dilema de ‘optar (?) pelo adicional de insalubridade que porventura lhe seja devido’ quando comprovado pericialmente que também trabalhou em condição perigosa. Não encontramos explicação jurídica para isso, daí entendemos ter havido uma recaída do legislador em favor do poder econômico. E recaída amargamente irônica, além de tudo, ao deixar ao empregado escolher a melhor entre duas desgraças: ficar doente ou morrer, simplesmente". (Tratado de direito material do trabalho. São Paulo: LTr, 2007. p. 425-427).
Desse modo, apesar da necessidade de regulamentação da norma constitucional, não poderia a legislação infraconstitucional ultrapassar o limite por ela imposto e instituir norma menos benéfica ao trabalhador em detrimento da garantia insculpida no artigo 7º, caput, da Constituição Federal, de estipulação de outros direitos que visem à melhoria de sua condição social e, especialmente, em desrespeito ao princípio de proteção da dignidade da pessoa humana do obreiro.
Na hipótese, o legislador infraconstitucional estaria apto a tratar de detalhes necessários à efetivação do direito aos adicionais, como, por exemplo, regular as situações que caracterizam a insalubridade ou periculosidade no meio ambiente de trabalho, contudo, sem a permissão de alterar o núcleo essencial da aludida regra. A regulamentação complementar prevista no artigo 7º, XXIII, deve-se pautar pelos princípios e valores insculpidos no texto constitucional, como forma de alcançar, efetivamente, a finalidade da norma.
O eminente Ministro desta Corte, Augusto César Leite de Carvalho, em sua obra "Direito do Trabalho: Curso e Discurso" (Aracaju: Evocati, 2011, pp. 200-201), com precisão cirúrgica, enfatiza:
"A Consolidação das Leis do Trabalho, em seu artigo 193, §2º, prevê que ‘o empregado poderá optar pelo adicional de insalubridade que porventura lhe seja devido’. À parte o desvio de ótica, pois não pode ser uma ventura laborar em condições insalubres, é certo que o citado dispositivo sempre foi interpretado como uma proibição a que o empregado pudesse exigir os dois adicionais, quando ambos os agentes, insalubre e perigoso, estiverem presentes.
Na esteira dessa compreensão, o item 15.3 da Norma Regulamentadora 15 do Ministério do Trabalho estabelece: ‘No caso de incidência de mais de um fator de insalubridade, será apenas considerado o de grau mais elevado, para efeito de acréscimo salarial, sendo vedada a percepção cumulativa’. Interpretando-se assim o art. 193, §2º da CLT, bem se vê que se cuida de regra injusta, pois permite que o empregado labore em situação de risco à sua integridade física sem que receba o adicional correspondente, pois estaria recebendo adicional relativo a agente nocivo à sua saúde, ou vice-versa.
Ao versar sobre essa impossibilidade legal de acumulação dos dois adicionais, Rodrigues Pinto lembra que tal norma proibitiva é um legado da Lei 2.573/55, que instituiu o adicional de periculosidade, mas é enfático: ‘Explicação jurídica não encontramos para isso, daí entendermos ter havido uma recaída do legislador em favor do poder econômico’. A orientação jurisprudencial que tem prevalecido é, entretanto, a de que os adicionais de insalubridade e de periculosidade são inacumuláveis.
Como quer que seja, é hora de se questionar a validade dessa norma frente ao que preceitua o artigo 7º, XXIII, da Constituição, que diz ser direito do trabalhador o ‘adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei’. Ante o postulado da norma mais favorável, consagrado no caput desse dispositivo constitucional, a norma legal está autorizada a regular os casos em que são devidos os adicionais de penosidade, insalubridade ou periculosidade e a fixar os respectivos percentuais. A conjunção ou estaria presente, no texto do inciso sob análise, pois o uso da conjunção aditiva (e) faria concluir que toda atividade penosa também seria insalubre e, por igual, necessariamente perigosa.
A nosso entendimento, não estaria o legislador infraconstitucional autorizado a suprimir o direito ao adicional de periculosidade, em hipótese que a lei enumera como de risco. E como o suprime sem qualquer justificativa, o artigo 193, §2º da CLT se apresenta, pura e simplesmente, como a negação de um direito fundado na Constituição.
Ademais, o art. 8, item 3, da Convenção 148 da OIT preconiza: ‘Os critérios e limites de exposição deverão ser fixados, completados e revisados a intervalos regulares, de conformidade com os novos conhecimentos e dados nacionais e internacionais, e tendo em conta, na medida do possível, qualquer aumento dos riscos profissionais resultante da exposição simultânea a vários fatores nocivos no local de trabalho’. O Estado brasileiro novamente se comprometeu, ao ratificar a Convenção 155 da OIT, a implementar o que recomenda o seu art. 11, b: ‘deverão ser levados em consideração os riscos para a saúde decorrentes da exposição simultânea a diversas substâncias ou agentes’.
Portanto, a orientação jurisprudencial que predomina, no sentido de que são inacumuláveis os adicionais de insalubridade e de periculosidade, frustra, a nosso ver, o desígnio constitucional e também o compromisso assumido pelo Brasil quando ratificou as convenções 148 e 155 da OIT; em rigor, essa orientação relativiza o direito fundamental à compensação monetária pela exposição a agentes nocivos à saúde ou à integridade física do trabalhador."
Diante dos argumentos expostos, percebe-se claramente que o artigo 193, § 2º, da CLT e o item 16.2.1 da NR-16 da Portaria nº 3.214/78 do Ministério do Trabalho e Emprego não foram recebidos pela atual Constituição, uma vez que os seus conteúdos não se coadunam com os princípios e regras trazidos no texto constitucional. Trata-se da chamada incompatibilidade material.
O papel do intérprete é atribuir à interpretação constitucional a máxima efetividade, a fim de que possa, de imediato, produzir as consequências desejadas pelo constituinte e, assim, conformar o comportamento social ao quanto por ela desejado. Nas palavras do Ministro Luís Roberto Barroso,
Efetividade significa a realização do Direito, a atuação prática da norma, fazendo prevalecer no mundo dos fatos os valores e interesses por ela tutelados. Simboliza, portanto, a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realização social. O intérprete constitucional deve ter compromisso com a efetividade da Constituição: entre interpretações alternativas e plausíveis, deverá prestigiar aquela que permita atuação da vontade constitucional, evitando, no limite do possível, soluções que se refugiem no argumento da não autoaplicabilidade da norma ou na ocorrência de omissões do legislador (grifos postos). (CANOTILHO, J. J. Gomes; et all. Comentários à constituição do brasil. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 94.
E outra não me parece haver sido a "vontade constitucional", no que toca à hipótese de percepção simultânea e cumulativa, em sendo diversos, agentes agressivos à saúde (insalubridade) e risco de vida, em face do contato com substância inflamáveis ou explosivas em condições de risco acentuado (periculosidade).
Se tais argumentos não fossem suficientes, outro fator que sustenta a inaplicabilidade dos preceitos analisados é a introdução no sistema jurídico interno das Convenções Internacionais nos 148, promulgada pelo Decreto nº 93.413 de 15/10/86, com vigência nacional a partir de 14 de janeiro de 1983, e 155, promulgada pelo Decreto nº 1.254 de 29/09/94, com vigência nacional a partir de 18 de maio de 1993.
As normas internacionais incorporadas passaram a admitir a hipótese de cumulação dos adicionais e estabelecem critérios e limites dos riscos profissionais em face da exposição simultânea a vários fatores nocivos. É o que se extrai dos trechos abaixo citados:
"Artigo 8.3. Os critérios e limites de exposição deverão ser fixados, completados e revisados a intervalos regulares, de conformidade com os novos conhecimentos e dados nacionais e internacionais, e tendo em conta, na medida do possível, qualquer aumento dos riscos profissionais resultante da exposição simultânea a vários fatores nocivos no local de trabalho." (Convenção nº 148 da OIT - destaquei);
"Artigo 11. Com a finalidade de tornar efetiva a política referida no artigo 4 da presente Convenção, a autoridade ou as autoridades competentes deverão garantir a realização progressiva das seguintes tarefas:
(...)
b) a determinação das operações e processos que serão proibidos, limitados ou sujeitos à autorização ou ao controle da autoridade ou autoridades competentes, assim como a determinação das substâncias e agentes aos quais estará proibida a exposição no trabalho, ou bem limitada ou sujeita à autorização ou ao controle da autoridade ou autoridades competentes; deverão ser levados em consideração os riscos para a saúde decorrentes da exposição simultâneas a diversas substâncias ou agentes." (Convenção nº 155 da OIT - destaquei).
Sendo diferentes os fatores de risco à saúde, cada um dos adicionais de periculosidade e insalubridade busca compensar o trabalhador pela exposição particularizada a cada um deles e, caso ocorra simultaneamente, a regra internacional autoriza sejam considerados, de igual modo, também de modo cumulativo, como assinalado nas conclusões lançadas acima.
Poder-se-ía argumentar pela prevalência do direito interno invocado e, no particular, Flávia Piovesan, in Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional (10 ed., São Paulo: Saraiva, 2009, pp. 68-72), ensina:
"Em suma, a hierarquia constitucional dos tratados de proteção dos direitos humanos decorre da previsão constitucional do art. 5º,§ 2º, à luz de uma interpretação sistemática e teleológica da Carta, particularmente da prioridade que atribui aos direitos fundamentais e ao princípio da dignidade da pessoa humana. Essa opção do constituinte de 1988 se justifica em face do caráter especial dos tratados de direitos humanos e, no entender de parte da doutrina, da superioridade desses tratados no plano internacional.
Acrescente-se que, além da concepção que confere aos tratados de direitos humanos natureza constitucional (concepção defendida por este trabalho) e da concepção, que, ao revés, confere aos tratados status paritário ao da lei federal (posição majoritária do STF), destacam-se outras duas correntes doutrinárias. Uma delas sustenta que os tratados de direitos humanos têm hierarquia supraconstitucional, enquanto a outra corrente defende a hierarquia infraconstitucional, mas supralegal, dos tratados de direitos humanos.
(...)
Ao realçar a supremacia do Direito Internacional em relação ao ordenamento jurídico nacional, argumenta ainda Hildebrando Accioly: ‘É lícito sustentar-se, de acordo, aliás, com a opinião da maioria dos internacionalistas contemporâneos, que o Direito Internacional é superior ao Estado, tem supremacia sobre o direito interno, por isto que deriva de um princípio superior à vontade dos Estados. Não se dirá que o poder do Estado seja uma delegação do direito internacional; mas parece incontestável que este constitui um limite jurídico ao dito poder. (...) Realmente, se é verdade que uma lei interna revoga outra ou outras anteriores, contrárias à primeira, o mesmo não se poderá dizer quando a lei anterior representa direito convencional transformado em direito interno, porque o Estado tem o dever de respeitar suas obrigações contratuais e não as pode revogar unilateralmente. Daí poder dizer-se que, na legislação interna, os tratados ou convenções a ela incorporados forma um direito especial que a lei interna, comum, não pode revogar. Daí também a razão por que a Corte permanente de Justiça Internacional, em parecer consultivo proferido a 31 de julho de 1930, declarou: ‘É princípio geralmente reconhecido, do Direito Internacional, que, nas relações entre potências contratantes de um tratado, as disposições de uma lei interna não podem prevalecer sobre as do tratado’.’
No mesmo sentido, leciona Marotta Rangel: ‘A superioridade do tratado em relação às normas do Direito Interno é consagrada pela jurisprudência internacional e tem por fundamento a noção de unidade e solidariedade do gênero humano e deflui normalmente de princípios jurídicos fundamentais, tal como o pacta sunt servanda e o voluntas civitatis maximae est servanda’.
Destaca-se, ainda, a corrente doutrinária que defende a hierarquia infraconstitucional, mas supralegal, dos tratados de direitos humanos. A respeito, merece menção o entendimento do Ministro Sepúlveda Pertence por ocasião do julgamento do RHC n. 79.785-RJ, no Supremo Tribunal Federal, em maio de 2000, que envolvia o alcance interpretativo do princípio do duplo grau de jurisdição, previsto pela Convenção Americana de Direitos Humanos. Ressaltou, em seu voto, o referido Ministro: ‘Desde logo, participo do entendimento unânime do Tribunal que recusa a prevalência sobre a Constituição de qualquer convenção internacional (cf. decisão preliminar sobre o cabimento da ADIn 1.480, cit., Inf. STF 48)’. E prossegui: ‘Na ordem interna, direitos e garantias fundamentais o são, com grande freqüência, precisamente porque – alçados ao texto constitucional – se erigem em limitações positivas ou negativas ao conteúdo das leis futuras, assim como à recepção das anteriores à Constituição (Hans Kelsen, Teoria Geral do Direito e do Estado, trad. M. Fontes, UnB, 1990, p. 255). Se assim é, à primeira vista, parificar às leis ordinárias os tratados a que alude o art. 5º § 2º, da Constituição, seria esvaziar de muito do seu sentido útil a inovação, que, malgrado os termos equívocos do seu enunciado, traduziu uma abertura significativa ao movimento de internacionalização de direitos humanos. Ainda sem certezas suficientemente amadurecidas, tendo assim – aproximando-me, creio, da linha desenvolvida no Brasil por Cançado Trindade (Memorial em prol de uma nova mentalidade quanto à proteção de direitos humanos nos planos internacional e nacional em Arquivos de Direitos Humanos, 2000, 1/3, 43) e pela ilustrada Flávia Piovesan (A Constituição Brasileira de 1988 e os Tratados Internacionais de Proteção dos Direitos Humanos, em E. Boucault e N. Araújo (org.), Os Direitos Humanos e o Direito Interno) – a aceitar a outorga de força supralegal às convenções de direitos humanos, de modo a dar aplicação direta às suas normas – até, se necessário, contra a lei ordinária – sempre que, sem ferir a Constituição, a complementem, especificando ou ampliando os direitos e garantias dela constantes’.
Esse entendimento consagra a hierarquia infraconstitucional, mas supralegal, dos tratados internacionais de direitos humanos, distinguindo-os dos tratados tradicionais. Divorcia-se, dessa forma, da tese majoritária do STF a respeito da paridade entre tratados internacionais e leis federais.
Em síntese, há quatro correntes acerca da hierarquia dos tratados de proteção dos direitos humanos, que sustentam: a) a hierarquia supraconstitucional de tais tratados; b) a hierarquia constitucional; c) a hierarquia infraconstitucional, mas supralegal e d) a paridade hierárquica entre tratado e lei federal.
No sentido de responder à polêmica doutrinária e jurisprudencial concernente à hierarquia dos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos, a Emenda Constitucional n. 45, de 8 dezembro de 2004, introduziu um § 3º no art. 5º, dispondo: ‘Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas à Constituição’.
Em face de todos argumentos já expostos, sustenta-se que hierarquia constitucional já se extrai de interpretação conferida ao próprio art. 5º, § 2º, da Constituição de 1988. Vale dizer, seria mais adequado que a redação do aludido § 3º do art. 5º endossasse a hierarquia formalmente constitucional de todos os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos ratificados, afirmando – tal como o fez o texto argentino – que os tratados internacionais de proteção de direitos humanos ratificados pelo Estado brasileiro têm hierarquia constitucional.
No entanto, estabelece o § 3º do art. 5º que os tratados internacionais de direitos humanos aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas à Constituição.
(...)
Reitere-se que, por força do art. 5º, § 2º, todos os tratados de direitos humanos, independentemente do quórum de sua aprovação, são materialmente constitucionais, compondo o bloco de constitucionalidade. O quórum qualificado está tão-somente a reforçar tal natureza, ao adicionar um lastro formalmente constitucional aos tratados ratificados, propiciando a ‘constitucionalização formal’ dos tratados de direitos humanos no âmbito jurídico interno. Como já defendido por este trabalho, na hermenêutica emancipatória dos direitos há que imperar uma lógica material e não formal, orientada por valores, a celebrar o valor fundante da prevalência da dignidade humana. À hierarquia de valores deve corresponder uma hierarquia de normas, e não o oposto. Vale dizer, a preponderância material de um bem jurídico, como é o caso de um direito fundamental, deve condicionar a forma no plano jurídico-normativo, e não ser condicionado por ela."
Ainda que, a meu sentir, procedam de modo integral os argumentos sustentados pela doutrinadora, no que é seguida por outros autores como Cançado Trindade e Valério Mazzuoli, o posicionamento adotado no STF é no sentido de que os tratados e convenções internacionais que versem sobre direitos humanos e que tenham ingressado no ordenamento jurídico antes da Emenda Constitucional nº 45/2004 e, por essa razão, sem o quórum qualificado exigido (art. 5º, § 3º), possuem status de norma supralegal, como reconhecido no voto prevalecente do Ministro Gilmar Mendes no Recurso Extraordinário nº 466.343-1-SP (destaques postos), ao afirmar o anacronismo da tese da legalidade ordinária dos tratados de direitos humanos frente ao texto constitucional, mesmo antes da reforma produzida pela EC-45/04, com apoio na doutrina de Cançado Trindade, dentre outros:
"Em termos práticos, trata-se de uma declaração eloquente de que os tratados já ratificados pelo Brasil, anteriormente à mudança constitucional, e não submetidos ao processo legislativo especial de aprovação no Congresso Nacional, não podem ser comparados às normas constitucionais.
Não se pode negar, por outro lado, que a reforma também acabou por ressaltar o caráter especial dos tratados de direitos humanos em relação aos demais tratados de reciprocidade entre os Estados pactuantes, conferindo-lhes lugar privilegiado no ordenamento jurídico.
[...]
Importante deixar claro, também, que a tese da legalidade ordinária, na medida em que permite ao Estado brasileiro, ao fim e ao cabo, o descumprimento unilateral de um acordo internacional, vai de encontro aos princípios internacionais fixados pela Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969, a qual, em seu art. 27, determina que nenhum Estado pactuante ‘pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado’.
Por conseguinte, parece mais consistente a interpretação que atribui a característica de supralegalidade aos tratados e convenções de direitos humanos. Essa tese pugna pelo argumento de que os tratados sobre direitos humanos seriam infraconstitucionais, porém, diante de seu caráter especial em relação aos demais atos normativos internacionais, também seriam dotados de um atributo de supralegalidade.
Em outros termos, os tratados sobre direitos humanos não poderiam afrontar a supremacia da Constituição, mas teriam lugar especial reservado no ordenamento jurídico. Equipará-los à legislação ordinária seria subestimar o seu valor especial no contexto do sistema de proteção dos direitos da pessoa humana.
[...]
Portanto, diante do inequívoco caráter especial dos tratados internacionais que cuidam da proteção dos direitos humanos, não é difícil entender que a sua internalização no ordenamento jurídico, por meio do procedimento de ratificação previsto na Constituição, tem o condão de paralisar a eficácia jurídica de toda e qualquer disciplina normativa infraconstitucional com ela conflitante." (RE n.º 466.343-1/SP. Relator: Ministro César Peluso).
Destaque-se, em virtude de sua importância, ainda nas palavras do Ministro Gilmar Mendes, "o efeito paralisante de toda e qualquer disciplina normativa infraconstitucional" conflitante com os tratados internacionais ratificados pelo Brasil, em face do procedimento de ratificação previsto na Carta Magna.
Paralisar, portanto, é deixar de produzir efeitos, perder "sustentação constitucional", não mais encontrar "aconchego no colo da Constituição".
Uma conclusão emerge de maneira inquestionável na jurisprudência do STF: o reconhecimento de que os tratados de direitos humanos não possuem eficácia normativa apenas equivalente à lei ordinária e há de produzir efeito no direito interno.
Merece assinalar que, embora tenha sedimentado tal posicionamento em 03/12/2008 (data da conclusão do julgamento do precedente mencionado), a jurisprudência do STF vinha se manifestando sobre o tema desde 2000, inicialmente por meio do RHC nº 79.785/RJ, da relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence, no qual reconheceu a tese da supralegalidade dos tratados de direitos humanos (julgamento em 29/03/2000), e, mais tarde, em afirmação ainda mais abrangente, quando proclamou a índole e nível constitucional dessas normas, desta feita em julgado da lavra do Ministro Celso de Mello (HC 87.585/TO).
Observe-se, então, que desde o ano de 2000 a discussão no Supremo residia em saber se estavam apenas acima da lei ordinária ou se estavam no mesmo plano constitucional; não mais se discutia, pelo menos a partir de então, se equivaliam à lei ordinária.
Em face da decisão do STF, o sistema jurídico inaugurou nova forma de verificação da compatibilidade das normas dele integrantes, pois, além de vigentes e eficazes, devem estar em conformidade com os tratados ratificados pelo Brasil, cabendo ao Judiciário, quando provocado, promover o denominado "controle de convencionalidade" que nada mais é do que "o processo de compatibilidade vertical (sobretudo material) das normas de Direito interno com os comandos encontrados nas convenções internacionais de direitos humanos" (MAZZUOLI, Valério. Curso de direito internacional público. 4a ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p.346).
O mesmo autor, em outra passagem de trabalho a respeito, enfatiza não apenas a necessidade de que seja efetuado tal controle, como também destaca a autorização conferida aos tribunais para o exercício do controle difuso de adequação das normas internas aos tratados internacionais:
Tal controle passa, doravante, a ter também caráter difuso, a exemplo do controle difuso de constitucionalidade, pelo qual qualquer juiz ou tribunal pode-se manifestar a respeito. À medida que os tratados forem sendo incorporados ao direito pátrio, os tribunais locais – estando tais tratados em vigor no plano internacional – podem, desde já e independentemente de qualquer condição ulterior, compatibilizar as leis domésticas com o conteúdo dos tratados (de direitos humanos ou comuns) vigentes no país.
Em outras palavras, os tratados internacionais incorporados ao direito brasileiro passam a ter eficácia paralisante (para além de derrogatória) das demais espécies normativas domésticas, cabendo ao juiz coordenar essas fontes (internacionais e internas) e escutar o que elas dizem. (Teoria geral do controle de convencionalidade no direito brasileiro. Disponível em:
Arrematou (obra mencionada, p. 128):
Do exposto, vê-se que a produção normativa doméstica depende, para sua validade e consequente eficácia, de estar de acordo tanto com a Constituição como com os tratados internacionais (de direitos humanos ou não) ratificados pelo governo.
[...]
A contrario sensu, não basta a norma infraconstitucional ser compatível com a Constituição e incompatível com um tratado ratificado pelo Brasil (seja de direitos humanos, que tem a mesma hierarquia do texto constitucional, seja um tratado comum, cujo status é de norma supralegal), pois, nesse caso, operar-se-á de imediato a terminação da validade da norma (que, no entanto, continuará vigente, por não ter sido expressamente revogada por outro diploma congênere de direito interno).
A compatibilidade do direito doméstico com os tratados internacionais de direitos humanos em vigor no país faz-se por meio do controle de convencionalidade, que é complementar e coadjuvante do conhecido controle de constitucionalidade.
Embora afirme ser, tal modalidade, nova no Brasil, aponta haver sido inaugurada no Continente Americano em 2006 em julgamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos do qual extraio expressiva transcrição que, embora se refira à Convenção Americana, se aplica a todo e qualquer tratado de direitos humanos, também como afirmado pelo citado autor:
Quando um Estado ratifica um tratado internacional como a Convenção Americana, seus juízes também estão submetidos a ela, o que os obriga a velar para que o efeito útil da Convenção não se veja diminuído ou anulado pela aplicação de leis contrárias às suas disposições, objeto e fim. Em outras palavras, os órgãos do Poder Judiciário devem exercer não somente um controle de constitucionalidade, senão também ‘de convencionalidade’ ex officio entre as normas internas e a Convenção Americana, evidentemente no âmbito de suas respectivas competências e dos regulamentos processuais correspondentes. Esta função não se deve limitar exclusivamente às manifestações ou atos dos postulantes em cada caso concreto ..." MAZZUOLI, Valério. Curso de direito internacional público. 4a ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p.393)
Por sua vez, em virtude desse conteúdo e não terem ingressado no ordenamento pelo quórum qualificado, as convenções mencionadas possuem status supralegal – portanto acima da lei interna e abaixo da Constituição – e torna inaplicável a legislação infraconstitucional com elas conflitante, pois, nas palavras de Flávia Piovesan, ao serem ratificados,
"[...] inovam significativamente o universo dos direitos nacionalmente consagrados – ora reforçando sua imperatividade jurídica, ora adicionando novos direitos, ora suspendendo preceitos que sejam menos favoráveis à proteção dos direitos humanos. Em todas estas três hipóteses, os direitos internacionais constantes dos tratados de direitos humanos apenas vêm aprimorar e fortalecer, nunca a restringir ou debilitar, o grau de proteção dos direitos consagrados no plano normativo interno". (GOMES, Luiz Flávio; PIOVESAN, Flávia (coord.). O sistema interamericano de proteção dos direitos humanos e o direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 179).
É certo que, mesmo que se considerassem de idêntica hierarquia - as normas oriundas das convenções mencionadas e da CLT -, essa conclusão entraria em rota de colisão com o quanto anteriormente decidido pelo STF em casos nos quais reconhecia a paridade normativa entre tratados internacionais e leis internas e o critério cronológico como determinante para a vigência e eficácia e, com isso, admitir a possibilidade de a norma posterior revogar a anterior ou se for específica, como exemplifica o precedente que transcrevo, com destaques postos, embora afirme haver sido superado tal posicionamento jurisprudencial posteriormente:
(...).
Sendo, portanto, normas de hierarquia idêntica – se assim fosse possível se concluir, repito -, o advento das convenções firmadas pelo Brasil, incorporadas ao direito interno, provocaria a derrogação daquelas que se, com elas, se mostrassem incompatíveis, a exemplo do art. 193, § 2o, da CLT, já referido.
Poderia ainda remanescer uma última controvérsia em torno da equivalência das convenções oriundas da OIT, se teriam equivalência aos tratados internacionais de direitos humanos e, nesse aspecto, inequívoca é a resposta diante do conteúdo de direitos sociais que ostentam, reconhecidos, há muito, como direitos fundamentais de segunda geração, desde a clássica lição de Norberto Bobbio (A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992), até a expressa referência no art. 6º, caput, da Constituição, no que se refere ao trabalho. Ressalta, mais uma vez, Valério Mazzuoli, ainda que as eleve ao patamar de conteúdo constitucional:
Não se pode esquecer que, sendo as convenções internacionais do trabalho tratados internacionais que versam sobre direitos humanos (notadamente direitos sociais), sua integração ao direito brasileiro dá-se com o status de norma materialmente constitucional ... (Obra citada, p. 923).
Dúvidas não subsistem quanto ao fato de as aludidas Convenções nºs 148 e 155 serem normas de direitos humanos, considerando a peculiar circunstância de versarem, a primeira, sobre Meio Ambiente do Trabalho (Ruído e Vibrações) e Segurança e Saúde dos Trabalhadores, a segunda.
Significa afirmar que, antes da manifestação da Excelsa Corte, poderia até ser sustentada a tese de ocorrência de conflitos de norma de hierarquia equivalente e, por isso mesmo, a prevalência do argumento da incompatibilidade entre ambas. Contudo, a partir de então, se as Convenções mencionadas situam-se acima da legislação consolidada, as suas disposições hão de prevalecer, tal como ocorreu com a autorização da prisão civil decorrente da condição de depositário infiel, afastada do ordenamento jurídico pátrio por decisão do STF.
Ademais, por se tratarem de normas posteriores, especiais e, ainda, mais benéficas ao trabalhador, devem prevalecer sobre as disposições contidas no artigo 193, § 2º, da CLT e no item 16.2.1 da NR-16 da Portaria nº 3.214 do Ministério do Trabalho e Emprego.
É como pensa Gabriela Neves Delgado, ao se referir ao julgamento em foco, em trabalho publicado na revista desta Casa:
Como os diversos jurídicos de proteção devem interagir em benefício dos indivíduos protegidos, e o que importa é o grau de eficácia dessa proteção, deve-se aplicar, em cada caso concreto, "a norma que ofereça melhor proteção à vítima", adotando-se o valor humano, orientado pelo postulado da dignidade da pessoa humana, como referência maior para o cotejo da norma. (Direitos humanos dos trabalhadores: perspectiva de análise a partir dos princípios internacionais do direito do trabalho e do direito previdenciário. Revista do TST. Vol. 77, n. 3, jul/set-2011, p. 65).
Exceção haveria se as convenções mencionadas consagrassem normas menos favoráveis ao trabalhador, o que autorizaria o seu afastamento, diante da regra contida no § 8o do art. 19 da Constituição da OIT:
8. Em caso algum, a adoção, pela Conferência, de uma convenção ou recomendação, ou a ratificação, por um Estado-Membro, de uma convenção, deverão ser consideradas como afetando qualquer lei, sentença, costumes ou acordos que assegurem aos trabalhadores interessados condições mais favoráveis que as previstas pela convenção ou recomendação.
Finalmente, embora despiciendo, incumbe salientar a imposição ao Judiciário para, em sua atuação, tornar efetivas as aludidas normas, mais do que apenas reconhecer a sua existência e efetividade, diante da obrigatoriedade também a ele imposta, em face da vinculação de todo Estado brasileiro, e não apenas do Poder Executivo que a subscreveu.
Precisas são, nesse aspecto, as palavras de Mirtô Fraga, com destaques da transcrição:
O tratado, regularmente concluído – inclusive com aprovação do Congresso – não obriga, apenas, o Executivo; vincula todo o Estado, todos os Poderes, devendo cada um cumprir sua parte: o Legislativo, aprovando as leis necessárias e abstendo-se de votar as que lhe sejam contrárias; o Executivo, regulamentando-as e tudo fazendo para sua fiel execução; o Judiciário, aplicando o tratado e as normas que o regulamentam, dando a um e outras eficácia, inclusive contra regra interna que lhes seja contrária. (FRAGA, Mirtô. O conflito entre tratado internacional e norma de direito interno. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 84).
Em idêntico sentido, Antônio Augusto Cançado Trindade, que destaca objetivos, alcance e destinatários dessa obrigação:
No presente contexto de proteção, já não mais se justifica que o direito internacional e o direito interno continuem sendo abordados de forma estanque ou compartimentalizada, como o foram no passado. Ao criarem obrigações para os Estados vis-à-vis os seres humanos sob sua jurisdição, as normas dos tratados de direitos humanos aplicam-se não só na ação conjunta (exercício da garantia coletiva) dos Estados Partes na realização do propósito comum de proteção, mas também e sobretudo no âmbito do ordenamento jurídico interno de cada um deles. O cumprimento das obrigações internacionais de proteção requer o concurso dos órgãos internos dos Estados, e estes são chamados a aplicar as normas internacionais. É este o traço distintivo e um dos mais marcantes dos tratados de direitos humanos, dotados de especificidade própria. Com a interação entre o direito internacional e o direito interno no presente contexto, os grandes beneficiários são as pessoas protegidas. (TRINDADE, Antônio Augusto Cançado. Tratado de direito internacional dos direitos humanos. v. I. 2ª ed. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2003. p. 547-548).
Cabe, portanto, a este Tribunal proclamar a superação da norma interna em face de outra, de origem internacional, mais benéfica, papel, aliás, próprio do Judiciário, como Alessandro Santos de Miranda:
Concluindo afirmativamente o debate sobre a possibilidade de se requerer judicialmente a satisfação dos direitos sociais fundamentais, cabe ressaltar que não existe direito social fundamental que não apresente ao menos uma alguma característica ou faceta que permita sua judicialidade no caso de violação. (MIRANDA, Alessandro Santos de. Ativismo judicial na promoção dos direitos sociais. São Paulo: LTr, 2013. p. 98).
Em síntese conclusiva, afirmo:
a) o direito aos adicionais de insalubridade e periculosidade é assegurado no artigo 7º, XXIII, da Constituição Federal, de forma plena, sem qualquer ressalva no que tange à cumulação;
b) a possibilidade de regulação por lei ordinária, mencionada no citado dispositivo, não autoriza a redução do alcance do preceito constitucional, em interpretação restritiva, sob pena de atingir, frontalmente, o princípio da máxima efetividade da Constituição;
c) mesmo que não se reconheça a natureza de normas materialmente constitucionais dos tratados internacionais sobre direitos humanos, a jurisprudência consolidada do STF lhes reconhece status de supralegalidade, o que significa afirmar estarem em patamar de hierarquia superior à CLT;
d) em virtude de constituírem instrumentos consagradores de direitos sociais, as convenções da OIT correspondem a tratados de direitos humanos e, por conseguinte, possuem tal hierarquia normativa, além de conteúdo mais favorável;
e) as Convenções nº 148 e 155 determinam sejam levados em consideração os riscos para a saúde, decorrentes da exposição simultânea a diversas substâncias ou agentes, o que é representado, no Brasil, no caso em tela, pela compensação propiciada pela percepção dos adicionais de insalubridade e periculosidade;
f) tais convenções derrogaram a regra prevista no art. 193, § 2o, da CLT e o item 16.2.1 da NR-16 da Portaria nº 3.214/78 do Ministério do Trabalho e Emprego, no que se refere à percepção de apenas um adicional, em caso de estar o empregado sujeito a condições insalubres e perigosas no trabalho executado.
Outra não é a conclusão de Carolina Plácido Corrêa Bastos em trabalho monográfico, no qual promove aprofundado estudo sobre o tema e conclui:
"Contudo, embora não haja um entendimento unívoco acerca da matéria, o STF já fixou entendimento de que, diferentemente dos tratados comuns, essas normas detêm um caráter especial de proteção ao ser humano.
Estão inseridas nesse contexto as Convenções Internacionais do Trabalho nº 148 e nº 155, as quais, apesar de inseridas nesta celeuma, foram incorporadas ao direito nacional, cumprindo todas as formalidades exigíveis, quais sejam: ratificação, decreto legislativo e decreto presidencial.
Outrossim, por se tratarem de tratados internacionais de direitos humanos, notadamente direitos socais, não há dúvidas de que possuem status especial frente as demais normas ordinárias, como a Consolidação das Leis do Trabalho, mesmo que seu iter procedimental tenha ocorrido antes da Emenda Constitucional nº 45.
Portanto, é de concluir que as Convenções Internacionais do Trabalho nº 148 e nº 155 são tratados internacionais de direitos humanos que vieram ampliar o espectro de proteção ao trabalhador no ordenamento jurídico interno, conferindo-lhe a possibilidade de cumular os adicionais de risco, tantos quantos forem os agentes nocivos presentes no ambiente de trabalho.
Outra não deve ser a conclusão senão a de que a recepção dessas normas internacionais paralisou os efeitos das normas de direito interno em situação de incompatibilidade com o direito internacional, notadamente aquela insculpida no art. 193, §2º da CLT, que veda a percepção cumulativa dos adicionais de risco.
É de ressaltar ainda que, à luz do princípio da prevalência da norma mais favorável, as Convenções nº 148 e nº 155 da OIT, por melhor protegerem os direitos da pessoa humana, permitindo a percepção cumulativa dos adicionais, devem prevalecer sobre o preceito legal interno que expressamente veda esta cumulação.
Acrescente-se que o artigo celetista, ao vedar a cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade, por suprimir direito assegurado a todo trabalhador no artigo 7º, inciso XXIII, da Constituição Federal, revela sua incompatibilidade com os princípios constitucionais de proteção à vida, à saúde e segurança do trabalhador e, sobretudo, com o princípio da dignidade da pessoa humana.
O entendimento pela aplicação das disposições contidas nas Convenções Internacionais do Trabalho nº 148 e nº 155, portanto, celebra também a aplicação da norma mais favorável ao trabalhador e a afirmação da dignidade da pessoa humana." (BASTOS, Carolina Plácido Corrêa. Da cumulação de adicionais de risco à saúde ocupacional: uma análise feita à luz da Constituição Federal de 1988 e das normas internacionais. Monografia (Pós-graduação), Fundação Faculdade de Direito da Bahia, 2013. p. 1090).
Registre-se, finalmente, que não se está desconhecendo a jurisprudência desta Casa em sentido diverso do que se sustenta na presente decisão, na medida em que não há precedentes na SDI que analisaram o tema a partir da natureza atribuída às convenções internacionais da OIT, em função do quanto decidido pelo STF.
Parte-se do pressuposto da presença do elemento de distinção que faz afastar a força dos precedentes anteriores e serve como mola propulsora da possibilidade de revisão da jurisprudência da Casa, mesmo porque com ela não conflita; ao contrário, apenas são luzes distintas que apontam na em outra direção, em decorrência de alteração promovida nas normas jurídicas que embasam a postulação a indicar a existência de elementos de distinção capazes de afastar a incidência do precedente, denominados pela doutrina como distinguishing, em virtude de não haver coincidência entre os elementos fáticos principais discutidos e aqueles que serviram de base à ratio decidendi (tese jurídica) constante do precedente – o que não corresponde ao caso presente - ou, a despeito de existir uma aproximação entre eles, alguma peculiaridade no caso em julgamento afasta a aplicação do precedente, como assinala Fredie Didier Jr. (DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. V. II. 6ª ed. Salvador: JusPodium, 2011. p. 386).
A peculiaridade reside exatamente na decisão do STF que elevou ao patamar de supralegalidade as convenções da OIT e o tea, sob essa ótica, não haver sido examinada, como assinalado.
Destarte, irretocável a decisão regional que reconheceu a possibilidade de cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade." (seq. 4, págs. 3/24 ).
Ao que se verifica, o acórdão embargado reconheceu a possibilidade de cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade, sob a alegação de que a previsão contida no artigo 193, § 2º, da CLT não foi recepcionada pela Constituição Federal que, em seu artigo 7º, inciso XXIII, garantiu de forma plena o direito ao recebimento dos adicionais referidos.
Por outro lado, a conclusão perfilhada pela decisão proferida pela 7ª Turma discrepa do teor do aresto paradigma de seq. 7, pág. 8, oriundo da 8ª Turma, publicado no DJ de 03/10/2014, a saber:
"II - RECURSO DE REVISTA ADESIVO DA RECLAMANTE - CUMULAÇÃO DOS ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE
Nos termos da jurisprudência pacífica do Eg. TST, não há falar em pagamento cumulativo dos adicionais de insalubridade e periculosidade. O artigo 193, § 2º, da CLT deixa claro que o empregado pode optar pelo adicional que porventura lhe seja devido. Precedentes.
Recurso de Revista não conhecido." (g.n.).
Conheço, assim, dos embargos, por divergência jurisprudencial.
2 - MÉRITO
Cinge-se a controvérsia quanto à possibilidade de recebimento cumulado dos adicionais de periculosidade e insalubridade.
Incontroverso nos autos que a reclamada foi condenada ao pagamento do adicional de insalubridade em grau médio no percentual de 20% e do adicional de periculosidade equivalente a 30% do salário base do reclamante – seq. 01, pág. 231.
O ordenamento jurídico brasileiro prevê a percepção do adicional de periculosidade, de que trata o artigo 193 da CLT, ao trabalhador exposto à situação de risco, conferindo-lhe, ainda, o direito de optar pelo adicional de insalubridade previsto no artigo 192 do mesmo diploma legal, quando este também lhe for devido.
É o que dispõe o artigo 193, §2º, da Consolidação das Leis do Trabalho:
"§ 2º O empregado poderá optar pelo adicional de insalubridade que porventura lhe seja devido."
Desse modo, o referido dispositivo legal veda a cumulação dos adicionais de periculosidade e insalubridade, podendo, no entanto, o empregado fazer a opção pelo que lhe for mais benéfico.
Valentin Carrion, in Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, 33ª edição, ed. Saraiva, 2008, pg. 189, ao tratar do tema em epígrafe, dispôs, in verbis:
"A lei impede a acumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade; a escolha de um dos dois pertence ao empregado, art. 193, §2º), após o trânsito em julgado da sentença, no processo de conhecimento. Tal opção, pela sistemática processual e economia de provas, deverá ser feita na petição inicial ou, se o juiz sanear o processo, no início."
Portanto, não sendo possível a cumulação dos adicionais de periculosidade e insalubridade, em razão da vedação legal, devem ser deduzidos os valores pagos pela reclamada ao reclamante a título de adicional de insalubridade.
De minha lavra, é o seguinte precedente RR-655-70.2013.5.12.0029, oriundo da 2ª Turma, Data de Julgamento: 15/04/2015, DEJT 24/04/2015.
Neste mesmo sentido, cito os seguintes precedentes desta SBDI-1, vejamos:
"RECURSO DE EMBARGOS INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.015/2014. CUMULATIVIDADE DOS ADICIONAIS DE PERICULOSIDADE E DE INSALUBRIDADE. INVIABILIDADE. Na dicção do § 2º do art. 193 da CLT, é vedada a percepção cumulativa de adicionais de periculosidade e insalubridade, visto que o caput e o § 1º desse dispositivo tratam das atividades perigosas e do direito do empregado ao adicional respectivo, enquanto aquele (§ 2º) estabelece que o empregado poderá optar pelo adicional de insalubridade que porventura lhe seja devido. Dessa forma, resta claro que o preceito disciplina a forma de pagamento do trabalho realizado em condições de risco, facultando ao empregado, no caso de exposição a agentes insalubre e periculoso, optar pelo adicional mais vantajoso. Assim se dá, porque é a norma do art. 7º, inc. XXIII, da Constituição da República que atribui à lei ordinária a competência para definir a forma de pagamento dos adicionais de periculosidade e de insalubridade. Esse é o entendimento atual e iterativo desta Corte. Precedentes. Recurso de Embargos de que se conhece e a que se nega provimento." (E-ED-RR - 1362-54.2012.5.04.0010 , Relator Ministro: João Batista Brito Pereira, Data de Julgamento: 18/08/2016, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 26/08/2016)
"RECURSO DE EMBARGOS. CUMULAÇÃO DOS ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE. IMPOSSIBILIDADE. O art. 193, §2º, da CLT, ao conceder ao empregado a prerrogativa de optar pelo adicional que lhe for mais favorável, afastou a possibilidade de cumulação. Cabe ressaltar que muito antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, a qual incluiu os direitos sociais do trabalhador de redução dos riscos inerentes ao trabalho, a CLT já tinha a previsão de pagamento dos adicionais em questão. Não há como se concluir que haja na atual Carta Constitucional qualquer disposição expressa ou tácita acerca da não recepção do art. 193, §2º, da CLT, seja porque ao prever o pagamento dos adicionais, usou a expressão, na forma da lei, sendo, portanto, norma constitucional de eficácia contida, regulamentada, portanto, pela CLT; seja porque utilizou do conectivo ou e não e, donde se depreende que foi utilizada uma conjunção exclusiva e não inclusiva. Registre-se que não se ignora que as Convenções Internacionais sobre direitos humanos tem status de norma supralegal, conforme entendimento do STF. No entanto, da leitura dos arts. 8º, III, da Convenção nº 145 e 11, b, da Convenção nº 155, ambas da OIT, não há como se chegar à conclusão de que há a determinação, previsão ou recomendação de pagamento cumulado dos adicionais em questão. As referidas normas tão-somente preveem que sejam considerados os riscos para a saúde do empregado decorrentes de exposição simultânea a diversas substâncias e agentes. Tratam, pois, da individualização dos riscos e não de cumulação de adicionais. Neste contexto, tendo em vista o expressamente disposto em lei, não há que se falar em cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade. Recurso de embargos conhecido e não provido." (E-RR-443-80.2013.5.04.0026 , Relator Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga, Data de Julgamento: 28/04/2016, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 10/06/2016)
Ante o exposto, dou provimento ao recurso de embargos para excluir da condenação a possibilidade de acúmulo dos adicionais de insalubridade e periculosidade.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de embargos, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, por maioria, dar-lhe provimento para excluir da condenação a possibilidade de acúmulo dos dois adicionais, vencidos os Exmos. Ministros Augusto César Leite de Carvalho, João Oreste Dalazen, José Roberto Freire Pimenta, Hugo Carlos Scheuermann, Alexandre de Souza Agra Belmonte e Cláudio Mascarenhas Brandão.
Brasília, 13 de outubro de 2016.
Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)
Renato de Lacerda Paiva
Ministro Relator
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