TST - INFORMATIVOS 2016 2016 145 - 20 a 26 de setembro

Data da publicação:

Tribunal Pleno

Augusto Cesar Leite de Carvalho - TST



Matéria afetada ao Tribunal Pleno. Horas in itinere. Norma coletiva. Natureza indenizatória. Exclusão do cômputo da jornada e do cálculo das horas extras. Invalidade. A autonomia privada não é absoluta, de modo que as normas coletivas devem se amoldar ao princípio da dignidade da pessoa humana, não se admitindo a prevalência de cláusulas indiferentes ao bem-estar do trabalhador, à sua saúde e ao pleno desenvolvimento de sua personalidade a pretexto de viabilizar ou favorecer a atividade econômica. De outra sorte, os precedentes do STF, em especial o RE 895759/PE e o RE 590415/SC, não comportam leitura e classificação puramente esquemáticas, sem a minuciosa análise dos fragmentos da realidade factual ou jurídica, razão pela qual há sempre a possibilidade de se suscitar elemento de distinção (distinguishing). Com essas razões de decidir, o Tribunal Pleno, por maioria, conheceu do recurso de embargos, por divergência jurisprudencial e, no mérito, negou-lhe provimento, mantendo, portanto, a decisão turmária que, não vislumbrando violação do art. 7º, VI, XIII e XXVI, da CF, não conheceu do recurso de revista. No caso, o acórdão do Regional condenou a reclamada a integrar as horas in itinere ao conjunto remuneratório do empregado, em razão da ineficácia de cláusula de norma coletiva que estabeleceu a natureza indenizatória das horas de percurso e excluiu seu cômputo da jornada de trabalho e do cálculo das horas extras, além de impedir a repercussão nas demais verbas. Ao afastar a incidência dos precedentes do STF à hipótese, ressaltou o Ministro relator que a Corte Suprema, ao decidir que a quitação de verbas trabalhistas, com eficácia liberatória geral, é possível desde que autorizada por acordo coletivo de trabalho (RE 590415/SC), não tratou sobre a validade de cláusulas normativas que desvirtuam direitos fundamentais, nem se debruçou sobre questões relativas à estrutura sindical. De igual modo, ao dar provimento ao RE 895759/PE para validar cláusula de acordo coletivo que suprimiu as horas in itinere e, em contrapartida, concedeu outras vantagens aos empregados, o Ministro Teori Zavascki destacou a simetria de poder presentes nas relações coletivas de trabalho, situação que não se repete no caso em análise, conforme consignado pelo TRT. Vencidos os Ministros Ives Gandra da Silva Martins Filho, Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, Antonio José de Barros Levenhagen e Dora Maria da Costa. (TST-E-RR-205900-57.2007.5.09.0325, Tribunal Pleno, rel. Min. Augusto César Leite de Carvalho, 03.02.2017).



Resumo do voto.

Matéria afetada ao Tribunal Pleno. Horas in itinere. Norma coletiva. Natureza indenizatória. Exclusão do cômputo da jornada e do cálculo das horas extras. Invalidade. A autonomia privada não é absoluta, de modo que as normas coletivas devem se amoldar ao princípio da dignidade da pessoa humana, não se admitindo a prevalência de cláusulas indiferentes ao bem-estar do trabalhador, à sua saúde e ao pleno desenvolvimento de sua personalidade a pretexto de viabilizar ou favorecer a atividade econômica. De outra sorte, os precedentes do STF, em especial o RE 895759/PE e o RE 590415/SC, não comportam leitura e classificação puramente esquemáticas, sem a minuciosa análise dos fragmentos da realidade factual ou jurídica, razão pela qual há sempre a possibilidade de se suscitar elemento de distinção (distinguishing). Com essas razões de decidir, o Tribunal Pleno, por maioria, conheceu do recurso de embargos, por divergência jurisprudencial e, no mérito, negou-lhe provimento, mantendo, portanto, a decisão turmária que, não vislumbrando violação do art. 7º, VI, XIII e XXVI, da CF, não conheceu do recurso de revista. No caso, o acórdão do Regional condenou a reclamada a integrar as horas in itinere ao conjunto remuneratório do empregado, em razão da ineficácia de cláusula de norma coletiva que estabeleceu a natureza indenizatória das horas de percurso e excluiu seu cômputo da jornada de trabalho e do cálculo das horas extras, além de impedir a repercussão nas demais verbas. Ao afastar a incidência dos precedentes do STF à hipótese, ressaltou o Ministro relator que a Corte Suprema, ao decidir que a quitação de verbas trabalhistas, com eficácia liberatória geral, é possível desde que autorizada por acordo coletivo de trabalho (RE 590415/SC), não tratou sobre a validade de cláusulas normativas que desvirtuam direitos fundamentais, nem se debruçou sobre questões relativas à estrutura sindical. De igual modo, ao dar provimento ao RE 895759/PE para validar cláusula de acordo coletivo que suprimiu as horas in itinere e, em contrapartida, concedeu outras vantagens aos empregados, o Ministro Teori Zavascki destacou a simetria de poder presentes nas relações coletivas de trabalho, situação que não se repete no caso em análise, conforme consignado pelo TRT. Vencidos os Ministros Ives Gandra da Silva Martins Filho, Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, Antonio José de Barros Levenhagen e Dora Maria da Costa. 

A C Ó R D Ã O

RECURSO DE EMBARGOS REGIDO PELA LEI 11.496/2007. HORAS IN ITINERE. ACORDO COLETIVO. EXCLUSÃO DA JORNADA DE TRABALHO E DO CÁLCULO DAS HORAS EXTRAS. O debate se trava acerca da validade de cláusula de norma coletiva que atribuiu à remuneração do tempo in itinere a característica de ser parcela indenizatória, devida sem o adicional de horas extras e sem reflexo no cálculo de outras verbas. Em rigor, discute-se sobre tal cláusula revestir-se de eficácia que derivaria da autonomia privada coletiva ou, por outra, se teria tal preceito excedido o limite de disponibilidade reservado à autodeterminação dos atores sociais. Ao considerar, tendo em perspectiva o caso dos autos, que a remuneração do tempo de trabalho ou do tempo à disposição do empregador, nos limites da lei, não poderia ter sofrido redução ou desvirtuamento, o Tribunal Superior do Trabalho remete às seguintes razões de decidir: 1. Em sistemas jurídicos fundados em valores morais ou éticos, a autonomia privada não é absoluta; 2. Os precedentes do STF, como os precedentes em geral, não comportam leitura e classificação puramente esquemáticas, como se em seus escaninhos se acomodassem, vistos ou não, todos os fragmentos da realidade factual ou jurídica. Para além das razões de decidir, acima enumeradas, cabe registrar que os precedentes do STF (RE 590.415/SC e RE 895759/PE) que enlevam a autodeterminação coletiva cuidam de situações concretas nas quais a Excelsa Corte enfatizou a paridade de forças que resultaria da participação de sindicato da categoria profissional, não se correlacionando com caso, como o dos autos, em que o Tribunal Regional do Trabalho constata não ter havido qualquer contrapartida, sob as vestes da negociação coletiva, para compensar a renúncia de direito pelos trabalhadores. Embargos conhecidos e não providos. (TST-E-RR-205900-57.2007.5.09.0325, Tribunal Pleno, rel. Min. Augusto César Leite de Carvalho, 03.02.2017).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Embargos em Recurso de Revista n° TST-E-RR-205900-57.2007.5.09.0325, em que é Embargante USINA DE AÇÚCAR SANTA TEREZINHA LTDA. e Embargado(a) SIDNEY SABINO DE GODOI.

Irresignada com a decisão proferida pela Segunda Turma (fls. 319/334-v), a reclamada interpõe Recurso de Embargos (fls. 336/346), com o objetivo de reformar a decisão recorrida no que tange ao tema "Horas In Itinere. Acordo Coletivo. Exclusão do Adicional. Validade". Transcreve arestos para confronto de teses.

O recurso foi admitido mediante o despacho de fls. 353/355.

Não foi oferecida impugnação (fls. 357).

O recurso não foi submetido a parecer do Ministério Público do Trabalho.

É o relatório.

V O T O

1. ADMISSIBILIDADE

A egrégia Segunda Turma não conheceu do recurso de revista interposto pela reclamada, no tocante à validade de cláusula de acordo coletivo que prevê a paga de horas in itinere sob a acepção de parcela não salarial, sem incidência de adicional e sem reflexos, adotando, em síntese, os fundamentos consignados na ementa seguinte:

"HORAS IN ITINERE. ACORDO COLETIVO QUE ESTABELECE QUE AS REFERIDAS HORAS NÃO INTEGRARIAM A REMUNERAÇÃO DO EMPREGADO PARA NENHUM EFEITO CONTRATUAL E LEGAL E NÃO SERIAM CONSIDERADAS HORAS EXTRAS.  O Acordo Coletivo fixou o tempo de percurso no trajeto residência-trabalho em uma hora diária, -a ser pago sobre o piso da categoria, não integrando os salários para nenhum efeito contratual e legal, nem será considerado como jornada extraordinária-. A reclamada foi condenada a integrar a hora in itinere ao conjunto remuneratório obreiro, com reflexos em descansos semanais remunerados, férias acrescidas de 1/3, 13ºs salários, FGTS (8%). Ao contrário da tese sustentada pela reclamada, a negociação coletiva, não pode estabelecer a natureza indenizatória das horas in itinere e impedir o seu cômputo na jornada de trabalho e o seu pagamento como horas extras com o respectivo adicional e a sua repercussão nas demais verbas, pois, se as horas in itinere ultrapassam o tempo normal, são horas extras e devem ser pagas acrescidas do respectivo adicional. As normas coletivas de trabalho não têm o poder de afastar direitos fundamentais assegurados constitucionalmente aos trabalhadores, ainda mais se tratando de tempo extraordinário, que tem repercussões até mesmo na saúde e na segurança do trabalhador. Se as horas in itinere prestadas pelo reclamante, neste caso, ultrapassavam sua jornada de trabalho, como se extrai claramente do quadro fático delineado no acórdão regional, sua natureza de horas extras é inegável, consoante o teor do item V da Súmula nº 90 desta Corte, que assegura devam essas ser remuneradas com o adicional de serviço extraordinário de no mínimo 50% que o inciso XVI do artigo 7º da Constituição garante a todos os trabalhadores urbanos e rurais de nosso país. Norma coletiva de trabalho, portanto, que expressamente estipula a natureza indenizatória das horas in itinere e impede o seu cômputo na jornada de trabalho e o seu pagamento como labor extraordinário com o respectivo adicional e a sua repercussão nas demais verbas viola frontalmente, data maxima venia, não só o preceito da Constituição Federal por último citado como também a referida Súmula nº 90, item V, deste Tribunal Superior. Não há, pois, ofensa ao artigo 7º, inciso XXVI, da Constituição Federal. Recurso de revista não conhecido." (RR - 205900-57.2007.5.09.0325 , Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 18/09/2013, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 27/09/2013)

Conforme havia sinalizado o voto do eminente Ministro João Batista Brito Pereira, ao tempo em que se manifestou no âmbito da SBDI 1 e antes de o Pleno absorver a competência funcional para o presente julgamento, os arestos transcritos às fls. 344-346 divergem da decisão embargada ao registrarem que, em face do disposto no art. 7º, XXVI, da Constituição, deve ser respeitada a norma coletiva na qual se estipula que as horas in itinere não integrarão o salário nem serão consideradas como jornada extraordinária.

2. MÉRITO

O debate se trava acerca da validade de cláusula de norma coletiva que atribui à remuneração do tempo in itinere a característica de ser parcela indenizatória, devida sem o adicional de horas extras e sem reflexo no cálculo de outras verbas. Em rigor, discute-se sobre tal cláusula revestir-se de eficácia que derivaria da autonomia privada coletiva ou, por outra, se teria tal preceito excedido o limite de disponibilidade reservado à autodeterminação dos atores sociais.

O art. 7º, XXVI da Constituição contempla, entre os direitos fundamentais dos trabalhadores urbanos ou rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social, o "reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho". De logo se percebem duas características relevantes no conteúdo desse direito, com ênfase, aprioristicamente, para o aspecto de ele não veicular uma regra de conduta, mas sim a garantia de autoridade do instrumento normativo com aptidão para prescrever a conduta dos sujeitos da relação laboral. Houvesse Hart de defini-lo e decerto afirmaria não ser o citado dispositivo constitucional uma regra primária, porquanto o fosse uma regra (secundária) de reconhecimento.

Um segundo aspecto interessante do direito de reconhecimento das normas coletivas de trabalho é ainda mais intrigante: malgrado seja esse um direito fundamental e, portanto, titularizado apenas pela parte contratualmente débil (di-lo Luigi Ferrajoli[1]), é ele usualmente invocado por empregadores que pretendem, por seu intermédio, desafiar regras primárias de outros direitos fundamentais. É como se nele se contivesse, por descuido do poder constituinte, um direito fundamental de patrões, talvez acumpliciados com sindicatos obreiros coonestados na tarefa de reduzir direitos que seriam irredutíveis por sua natureza e definição.

Mas é fato que, em recente julgamento (RE 590415/SC), e após ser provocado sobre a validade de quitação de parcelas trabalhistas em decorrência de adesão a plano de dispensa incentivada, quando tal quitação está prevista em acordo coletivo, o colendo Supremo Tribunal Federal estabeleceu a tese seguinte:

"A transação extrajudicial que importa rescisão do contrato de trabalho, em razão da adesão voluntária do empregado a plano de dispensa incentivada, enseja quitação ampla e irrestrita de todas as parcelas, objeto do contrato de emprego, caso essa condição tenha constado expressamente do acordo coletivo que aprovou o plano, bem como dos demais instrumentos celebrados com o empregado".

Como ratio decidendi dessa proposição jurídica, a Corte enunciou:

 "[...]

3. No âmbito do direito coletivo do trabalho não se verifica a mesma situação de assimetria de poder presente nas relações individuais de trabalho. Como consequência, a autonomia coletiva da vontade não se encontra sujeita aos mesmos limites que a autonomia individual.

4. A Constituição de 1988, em seu artigo 7º, XXVI, prestigiou a autonomia coletiva da vontade e a autocomposição dos conflitos trabalhistas, acompanhando a tendência mundial ao crescente reconhecimento dos mecanismos de negociação coletiva, retratada na Convenção n. 98/1949 e na Convenção n. 154/1981 da Organização Internacional do Trabalho. O reconhecimento dos acordos e convenções coletivas permite que os trabalhadores contribuam para a formulação das normas que regerão a sua própria vida.

5. Os planos de dispensa incentivada permitem reduzir as repercussões sociais das dispensas, assegurando àqueles que optam por seu desligamento da empresa condições econômicas mais vantajosas do que aquelas que decorreriam do mero desligamento por decisão do empregador. É importante, por isso, assegurar a credibilidade de tais planos, a fim de preservar a sua função protetiva e de não desestimular o seu uso.

Desse modo, compete ao Tribunal Superior do Trabalho ter em elevada consideração o precedente que está a colher da corte maior, à qual fora confiada a guarda e a interpretação dos preceitos constitucionais.

E cabe igualmente ao TST, com as vistas voltadas aos argumentos que compõem a controvérsia, definir tese fundamentada acerca da matéria submetida a seu crivo: a validade de cláusula de acordo coletivo que afasta o caráter remuneratório da paga de horas in itinere, retirando-lhe o adicional e os reflexos em outras parcelas.

Inclinado a preservar a tese que corresponderá à manutenção do acórdão embargado, preconizo, para minuciar na sequência, as razões de decidir que seguem:

1. LIMITES OBJETIVOS DA AUTONOMIA PRIVADA COLETIVA E O CONTROLE JUDICIAL[2]

A defesa de uma negociação coletiva sem qualquer limite ou controle esbarra em premissa antitética vigorosa: não há, abaixo do plano constitucional e nas democracias de nosso tempo, centros de positivação jurídica inteiramente imunes ao controle, por órgão externo[3], de sua atuação normativa. Mesmo o poder constituinte somente estaria investido de soberania em seu estado inicial ou primário, como bem assinala Carlos Ayres Britto:

Quando pronunciamos a locução "poder constituinte", sem dúvida que estamos a falar de um poder "genuinamente político". Mais até, estamos a falar de um poder "exclusivamente político", porque originariamente imbricado em toda a polis, naqueles raros instantes em que a polis se sobrepõe ao Estado para dizer, por ela mesma, sob que tipo de Direito-Constituição quer viver[4].

E ainda assim o poder constituinte se ressente, na atualidade, do grau absoluto de autoridade que o teria caracterizado em tempos outros, quando a transversalidade do princípio da dignidade da pessoa humana e a universalidade dos direitos fundamentais não se impunham, como se impõem hoje mais enfaticamente, por meio de tratados internacionais de direitos humanos. Cogitando um constitucionalismo global, anota Canotilho:

Qualquer que seja a incerteza perante a ideia de um standard mínimo humanitário e quaisquer que sejam as dificuldades em torno de um sistema jurídico internacional de defesa de direitos humanos, sempre se terá de admitir a bondade destes postulados e reconhecer que o poder constituinte soberano criador das constituições está hoje longe de ser um sistema autônomo que gravita em torno da soberania do Estado. A amizade e abertura ao direito internacional exigem a observância de princípios materiais de política e direito internacional tendencialmente informadores do direito constitucional interno.[5]

Na experiência brasileira, o controle, pelo Poder Judiciário, da constitucionalidade das leis se inspirou inicialmente no modelo estadunidense que corresponde ao controle difuso, inaugurado com o caso Marbury vs Madison em 1803, e se expandiu com a adoção, a partir da Emenda Constitucional n. 16, de 1965, do modelo europeu de controle concentrado. Temos, portanto, um sistema misto que impede a proliferação de unidades normativas cujo conteúdo destoe dos princípios e valores consagrados no conjunto de normas constitucional[6].

A necessidade de controle judicial se associa, naturalmente, ao garantismo das constituições ocidentais contemporâneas. O garantismo que parece ser, como pareceu a Ferrajoli, "a outra face do constitucionalismo". Luis Prieto Sanchís explica essa definição de Ferrajoli:

[...] o Estado constitucional de direito expressa a fórmula política do garanstimo, o único marco institucional no qual pode prosperar o ambicioso programa garantista. Um programa cujo elemento medular consiste em uma concepção instrumental das instituições a serviço dos direitos que só se pode alcançar desde o Estado constitucional; somente esse modelo político incorpora um rigoroso "princípio de estrita legalidade", que supõe a submissão do poder não unicamente a limites formais, senão também aos limites substanciais impostos pelos princípios e direitos fundamentais.[7]

Não estaria a negociação coletiva infensa, portanto, a essa contingência de se ajustar aos princípios e direitos fundamentais, com normatividade assegurada na carta constitucional. As convenções e acordos coletivos de trabalho, como qualquer outra fonte de direito, devem, assim e sobremodo, amoldar-se aos lindes jurídicos do princípio da dignidade da pessoa humana, que impedem, segundo a celebrada compreensão kantiana, a prevalência de cláusulas indiferentes ao bem-estar do homem-trabalhador, à sua saúde e ao pleno desenvolvimento de sua personalidade, a pretexto de viabilizar ou favorecer a atividade econômica. Nem mesmo a manifestação do próprio titular do direito fundamental, tolerando o seu holocausto ou o sacrifício de sua dignidade, geram qualquer autorização ou esfera de imunidade para o ofensor. 

A afinidade com os tratados internacionais de direitos humanos também não pode ser esquecida, dando ensejo ao que se tem denominado "controle de convencionalidade". Sobressaem as oito Convenções Fundamentais da OIT, que tratam da liberdade de associação e negociação coletiva (Convenções 87 e 98), da eliminação do trabalho forçado (Convenções 29 e 105), da eliminação do trabalho infantil (Convenções 138 e 182) e da eliminação de condutas discriminatórias no ambiente de trabalho (Convenções 100 e 111).

A limitação do conteúdo da norma coletiva de trabalho, mediante controle judicial, não afeta a força ou relevância do princípio da autodeterminação coletiva, antes o fazendo consentâneo com uma característica comum a todas as normas jurídicas, qual seja, a de compatibilizarem-se com o programa normativo e superior de matriz constitucional e com as normas internacionais cogentes.

É o que se nota, a propósito, no direito comparado. Não obstante os sistemas jurídicos estejam compreensivelmente inclinados a prestigiar a autonomia da vontade coletiva, é falso dizer que todos a autarquizem como se a vontade dos atores sociais estivesse incólume a qualquer controle de conteúdo. Em escrito recente (2004), Engels e Salas observam que na Bélgica, por exemplo, o art. 51 da Lei de 5 de dezembro de 1968 estabelece uma hierarquia das fontes jurídicas, atribuindo o grau mais destacado às "disposições obrigatórias da lei" para em seguida graduar, em linha descendente, as convenções firmadas junto a órgãos oficiais, as convenções coletivas, os contratos individuais escritos, as convenções coletivas que se declaram sem força vinculante, os regulamentos de empresa, as disposições complementares de lei, os contratos individuais verbais e, no último grau hierárquico, o costume[8].

Na França, segundo Jacques Rojot, professor da Universidade de Paris II, "a relação da convenção coletiva com a lei pode resumir-se em duas proposições que estabelecem o regime básico e assim se matizam: em princípio, uma convenção coletiva não pode ir de encontro à política e à ordem públicas e pode dar aos trabalhadores vantagens mais favoráveis que aquelas estabelecidas em lei". O autor esclarece que, para os tribunais franceses, os textos legais imunizados seriam aqueles que, pelos seus termos, teriam caráter imperativo[9].

 O respeito às normas imperativas pelas convenções coletivas prevalece igualmente na Itália, como se extrai do texto de Bruno Veneziani:

[...] os legisladores consideram que uma convenção coletiva é um instrumento mais adequado e flexível, aberto a soluções inovadoras mais próximas às situações e aos problemas específicos. Alguns exemplos da "integração funcional" entre a legislação e a autonomia coletiva são visíveis: 1) no caso das funções derrogatórias, é dizer, quando a lei autoriza às partes coletivas derrogar normas legais quase obrigatórias; 2) no caso da função integradora, quando a lei permite que o acordo integre a norma legal; 3) no caso das cláusulas legais complementares que somente se aplicam à falta das que fixam as convenções coletivas; 4) no caso de um paralelismo das instituições que atuam sobre um mesmo tema, como no caso em que a lei autoriza que a convenção coletiva regule um tema. Mas, ao mesmo tempo, a lei cria um órgão público administrativo a) para controlar o respeito às normas imperativas e b) para substituir as partes privadas quando fracassa um acordo.[10]

Também Asscher-Vonk, a propósito da oponibilidade da norma imperativa nos Países Baixos, assinala que ali "as convenções coletivas têm que cumprir os requisitos gerais dos acordos. Especialmente importante é que não podem ser contrários às disposições obrigatórias da legislação nacional ou europeia (igualdade salarial). Se as cláusulas de uma convenção coletiva são contrárias às disposições obrigatórias, são nulas de pleno direito"[11].

Em suma, são muitos os ordenamentos que afirmam a inaptidão das normas coletivas para vulnerar direitos mínimos que, assegurados em lei ou em tratados internacionais, emprestam identidade e conteúdo jurídico ao princípio da dignidade da pessoa humana.

1.1 A INDIFERENÇA DOS SISTEMAS JURÍDICOS FUNDADOS APENAS NA LIBERDADE

E por que a alusão aos sistemas jurídicos fundados em valores morais? Haveria sociedades contemporâneas, marcadamente as ocidentais, indiferentes aos direitos naturais ou humanos? Ou a outros valores transcendentes, de matriz teológica ou racional, que emprestem fundamento à ordem legal?

Sim. E a ressalva se faz necessária para que assim se filtre a influência do direito comparado. É que há povos em meio aos quais prevalece o princípio utilitarista, o que em aligeirada digressão filosófica empreendida por Sandel[12] significa, sob a ótica de Jeremy Bentham, maximizar a felicidade, assegurando a hegemonia do prazer sobre a dor; ou, sob o escólio de Stuart Mill, maximizar o prazer da maioria das pessoas como o mais elevado, definindo-se o sentido de "utilidade" a longo prazo (não caso a caso), de modo a assimilar o homem como um ser em evolução.

Acerca do utilitarismo, sustenta com propriedade o Min. Ives Gandra da Silva Martins Filho que a ética utilitarista "quase não poderia ser chamada de ética, por sua visão pragmática em que os fins pessoais justificam os meios, tendo como fator de ponderação a renúncia a prazeres inferiores e imediatos em vista de prazeres futuros e superiores (Epicuro e Bentham)". Arremata Ives Gandra:

"A ética utilitarista ou ética do prazer seria a ética dos animais, que não se pautam pela razão, mas exclusivamente pelos instintos, buscando satisfazê-los. É a ética das crianças, conforme repetidas vezes se expressa Aristóteles, ao comparar a criança ao animal, por se pautar apenas pelo gosto e atração instintiva de momento. O homem maduro não se concentra com um nível tão baixo. Aspira a mais"[13].

Nas sociedades que preferem a utilidade à dignidade como valor supremo da ordem jurídica, ou naquelas em que se sublima a razão discursiva sem conteúdo ético preconcebido[14], a pretexto de ser possível alcançar um alto grau de racionalidade em situações comunicativas idealmente paritárias, os estudos de semiologia jurídica conspiram em favor de uma ideologia libertária que, no extremo, respalda a liberdade de negociação coletiva sem peias ou balizas humanitárias.

A ordem jurídica brasileira é, porém, de viés assumidamente garantista e limita a atuação normativa, restringindo a criatividade dos centros de positivação jurídica para preservar sempre o mínimo existencial, vale dizer, o conteúdo imperativo mínimo das relações jurídicas assimétricas, entre elas a de emprego.

Ratio decidendi: em sistemas jurídicos fundados em valores morais ou éticos, a autonomia privada não é absoluta.

No julgamento ocorrido no dia 26/set/2016, presentes os vinte e seis ministros, votaram ratificando a presente ratio decidendi  e acompanhando o Relator os Ministros: João Oreste Dalazen, José Roberto Freire Pimenta, Delaíde Miranda Arantes, Hugo Carlos Scheuermann, Alexandre Agra Belmonte, Cláudio Mascarenhas Brandão, Douglas Alencar Rodrigues, Maria Helena Mallmann, Renato Lacerda Paiva, Emannoel Pereira, Lélio Bentes Corrêa, Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, Maria de Assis Calsing, Guilherme Augusto Caputo Bastos, Walmir Oliveira da Costa, Maurício Godinho Delgado e Kátia Magalhães Arruda.

2. OS PRECEDENTES NÃO COMPORTAM EXEGESE OU CLASSIFICAÇÃO ESQUEMÁTICA

A teoria dos precedentes induz a objetivação e o caráter prescritivo da decisão judicial, nos limites da tese e da ratio decidendi nela contida. Cuida-se de aproximação do sistema common law para apropriar-se de um traço que lhe era antes exclusivo, o stare decisis. Mantém-se, quanto ao mais, a força prescribente das espécies normativas que compõem o civil law, apenas se agregando o caráter vinculante dos precedentes judiciais.

É fato que à novidade de a legislação processual civil emprestar força normativa aos precedentes que emanarão dos tribunais regionais e superiores antecipou-se o catálogo de dispositivos constitucionais e legais regentes da atuação do STF para, há algum tempo e progressivamente, fazer transcendentes, no plano subjetivo, as teses consagradas pela excelsa Corte em conjunto com os fundamentos de fato e de direito que a elas emprestam a devida racionalidade.

Em consonância, porém, com a teoria dos precedentes e toda a técnica de objetivação das decisões judiciais, há sempre a possibilidade de a parte processual suscitar elemento de distinção (distinguishing) que escape aos lindes factuais e sobretudo jurídicos da controvérsia analisada pelo Supremo Tribunal Federal.

Ilustrativamente, o STF, ao declarar a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo seria conduta tipificada no Código Penal não imunizou todas as formas de interrupção da gravidez, senão aquela que sacrificasse o feto com anencefalia e sem prejuízo de examinar, em tempo futuro, se o mesmo silogismo jurídico valerá para outras situações atípicas (ADPF 54/DF). Noutra ocasião, quando excluiu qualquer significado do art. 1723 do Código Civil que impedisse o reconhecimento da união homoafetiva como entidade familiar (ADI 4277 e ADPF 132), não deu respaldo jurídico ao casamento incestuoso entre pessoas do mesmo sexo, pois não precisava fazê-lo para definir o alcance de sua decisão e a tanto não fora provocado.

Não somente as questões relacionadas à família, ou à vida em família, merecem julgamento que as destrince em toda sua transversalidade. O tempo do trabalhador dedicado ao trabalho, pelas razões que serão abordadas nos itens seguintes desta fundamentação, também deve ser objeto de tutela jurisdicional que o dimensione por inteiro, com todas as suas nuances e singularidades, sem apego a modelos hermenêuticos que os considere em latitude menor.

Ao decidir que a quitação de ativos trabalhistas, com eficácia liberatória geral, é válida se autorizada por acordo coletivo de trabalho, a Corte Suprema não decidiu sobre a validade de cláusulas normativas que promovam o desvirtuamento de direitos fundamentais, também não se debruçando sobre questões muito sensíveis da estrutura sindical que talvez fossem irrelevantes para aquele caso sob seu exame e, ao revés, dariam enorme complexidade ao julgamento em que se pretendesse atribuir, por inusitado, força normativa incontrastável às convenções e acordos coletivos de trabalho.

Não foi dado ao Supremo Tribunal Federal enfrentar, por exemplo, os déficits de representatividade que são consequentes da organização sindical vigente no Brasil, fundada em resquícios de modelo corporativista e piramidal, sabidamente alimentados pelas regras da anterioridade e da unicidade da representação por categoria e base territorial. Dados estatísticos apresentados pelo IBGE, no final de 2002, já informavam que apenas metade dos sindicatos realizava negociações coletivas, não sendo ainda mais inexpressivo esse número em razão de 62% e 63% dos sindicatos atuantes nas regiões Sul e Sudeste, respectivamente, cumprirem a sua missão supostamente congênita, a de negociar para obter mais justas condições de trabalho.

Seria a esses sindicatos invisíveis, constituídos sem o propósito de representar trabalhadores e não raro sedentos de seu bocado na contribuição sindical obrigatória, sindicatos brotados na economia urbana periférica ou espalhados por grotões amazônicos, nordestinos e pantaneiros onde ainda impera, quase absoluto, o poder econômico, seria a tais sindicatos confiada a tarefa de relativizar ou esvaziar o conteúdo das normas de direito do trabalho incluídas, pelo Estado brasileiro, entre aquelas que veiculam direitos absolutamente indisponíveis?

Quando deu provimento ao Recurso Extraordinário 895.759/PE, o eminente relator, Ministro Teori Zavascki, transcreveu, do voto-líder no RE 590.415/SC, o fragmento em que o Supremo Tribunal Federal enalteceu a simetria de poder presente nas relações coletivas de trabalho e assentou o Ministro Zavascki, como fundamento relevante, o aspecto de no caso sob seu exame ter-se firmado acordo coletivo com o objetivo de suprimir-se o pagamento de horas in itinere mediante contrapartidas que pareceram, ao coletivo de trabalhadores, compensar a subtração de direito. Consignou S. Exa.:

"No presente caso, a recorrente firmou acordo coletivo de trabalho com o sindicato da categoria à qual pertence a parte recorrida para que fosse suprimido o pagamento das horas in itinere e, em contrapartida, fossem concedidas outras vantagens aos empregados, "tais como ‘fornecimento de cesta básica durante a entressafra; seguro de vida e acidentes além do obrigatório e sem custo para o empregado; pagamento do abono anual aos trabalhadores com ganho mensal superior a dois salários-mínimos; pagamento do salário-família além do limite legal; fornecimento de repositor energético; adoção de tabela progressiva de produção além da prevista na Convenção Coletiva" (fl. 7, doc. 29)."

 No processo que é agora analisado pelo Pleno do Tribunal Superior do Trabalho, percebe-se que a instância da prova afirmou, sem rodeios, a relação assimétrica que se estabeleceu na negociação coletiva que conduziu à metamórfica conversão da remuneração do tempo à disposição do empregador (horas de itinerário que a cláusula do ACT, reproduzido no acórdão regional, diz corresponder ao tempo de transporte cedido pelo empregador como "condição para a realização dos serviços") em parcela indenizatória, sem reflexo em tantas outras que têm o salário como base de cálculo. Registrou o Tribunal Regional do Trabalho:

"[...] conforme entendimento majoritário desta Egrégia Turma, somente seria possível a supressão de horas in itinere ou de direito a elas inerentes, na hipótese em que uma vantagem correspondente é concedida, o que não ocorreu na espécie vertente.

Observe-se que em se tratando a negociação coletiva de meio através do qual as partes convenentes estabelecem concessões recíprocas, não seria razoável admitir mera renúncia por parte da classe trabalhadora a direitos mínimos que lhes são assegurados por dispositivo de lei" (p. 20 do acórdão regional).

A cláusula normativa a que se referiu o e. Regional – única cláusula do ACT sob análise – contém o teor seguinte:

CLÁUSULA 35 - TRANSPORTE (HORAS ‘IN ITINERE’)

"O empregador cederá transporte, próprio ou por terceiros, aos trabalhadores braçais do plantio, do corte e da capina de cana-de-açúcar, para o local de trabalho e, na volta até o local de costume, porque o mesmo é condição para a realização dos serviços, ficando estipulado que:

35.1 - Aos trabalhadores braçais do plantio, do corte e da capina de cana de açúcar, que anotam na lavoura o início e término da jornada de trabalho em cartões-ponto ou coletores, independentemente de haver transporte público ou ser o local de fácil acesso o local de trabalho, as partes suscitantes fixam o tempo despendido no· transporte em uma hora diária, que deverá ser pago sobre o piso da categoria, não integrando os salários para nenhum efeito contratual e legal, nem será considerado como jornada extraordinária"

Ainda que não se tenha, nesta instância extraordinária, a mesma possibilidade de imersão em fatos e provas que é franqueada ao Regional, nota-se que a cláusula normativa é suficiente para a verificação de que não houve realmente contrapartida para a renúncia ao direito.

A cabeça da cláusula nº35 enfatiza que o transporte fornecido pela empresa era "condição para a realização dos serviços".

Ao fixar em uma hora diária o tempo "in itinere", o subitem 35.1 esclarece que esse tempo médio era fixado "independentemente de haver transporte público ou ser o local de fácil acesso o local de trabalho". É certo que a cláusula não se revela incoerente (ao enunciar que o transporte pelo empregador era necessário e em seguida prever que o tempo de trajeto era remunerado independentemente da existência de transporte público), pois o que independia do transporte público era a fixação do tempo médio de uma hora, fosse qual fosse o local de início ou fim do trajeto de cada empregado.

A estimativa, por norma coletiva de trabalho, do tempo médio de deslocamento, nos limites da razoabilidade, tem o consentimento de copiosa jurisprudência do TST(E-RR-1725-90.2011.5.15.0100, Relator Ministro: Alexandre de Souza Agra Belmonte, Data de Julgamento: 26/03/2015, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 10/04/2015; E-RR-164-60.2010.5.09.0091, Relator Ministro: Hugo Carlos Scheuermann, Data de Julgamento: 30/04/2015, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 08/05/2015; Ag-E-RR -136-90.2011.5.09.0242 , Relator Ministro: Augusto César Leite de Carvalho, Data de Julgamento: 12/03/2015, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 20/03/2015; E-ED-RR-46800-48.2007.5.04.0861, Relator Ministro: João Batista Brito Pereira, Data de Julgamento: 08/08/2013, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 06/09/2013).

O controle judicial só intervém quando se reduz a remuneração do tempo dedicado ao trabalho (inclusive das horas in itinere), sobretudo quando é patente a ausência das cláusulas compensatórias que justificariam, fosse essa a hipótese, a incidência dos incisos VI, XIII e XIV do art. 7º da Constituição, na parte em que, oferecendo-se a interpretação sistemática, autorizam a contingencial redução de parcelas salariais.

Portanto, não cabe ao Tribunal Superior do Trabalho decidir, no caso sob exame, e em posição de (inadmissível) confronto com a orientação que emana do Supremo Tribunal Federal, se as cláusulas concessivas de vantagens patronais, quando insertas em normas coletivas de trabalho, podem importar a supressão de direitos trabalhistas supostamente indisponíveis em razão da simetria de poder que seria inerente à autodeterminação coletiva e implicaria, presumivelmente, a inserção de outras tantas cláusulas compensatórias favoráveis aos trabalhadores.

Cuida-se, diferentemente, de prover jurisdição em caso no qual se constata a renúncia a direito trabalhista indisponível sem qualquer contrapartida. Esse elemento de distinção (distinguishing) exige jurisdição, sem a cômoda subsunção em um padrão normativo que, respeitável embora, remete a situação de fato e de direito dessemelhante.

Não parece haver, a meu sentir, uma nova onda hermenêutica que conduza à mitigação dos direitos fundamentais, uma onda que avançaria a pretexto de assim se dar eficácia a um direito igualmente fundamental de os empregadores obterem o incondicional reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho. Seria o primado do meio sobre o fim, fazendo do Direito uma aventura puramente lúdica - malgrado até as crianças, quando saltam do alto da escada, contem antes os degraus.

Como ratio decidendi: os precedentes do STF, como os precedentes em geral, não comportam leitura e classificação puramente esquemáticas, como se em seus escaninhos se acomodassem, vistos ou não, todos os fragmentos da realidade factual ou jurídica.

No julgamento ocorrido no dia 26/set/2016, presentes os vinte e seis ministros, votaram ratificando a presente ratio decidendi e  acompanhando o Relator, os Ministros: João Oreste Dalazen, José Roberto Freire Pimenta, Delaíde Miranda Arantes, Hugo Carlos Scheuermann, Alexandre Agra Belmonte, Cláudio Mascarenhas Brandão, Douglas Alencar Rodrigues, Maria Helena Mallmann, Renato Lacerda Paiva, Emanuel Pereira, Lélio Bentes Corrêa, Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, Maria de Assis Calsing, Guilherme Augusto Caputo Bastos, Walmir Oliveira da Costa, Maurício Godinho Delgado e Kátia Magalhães Arruda.

3. RESSALVAS DE FUNDAMENTAÇÃO (não endossadas pela maioria)

Quatro outras razões de decidir não foram acolhidas pela maioria dos Ministros que integram o Pleno e, por isso, são enunciadas em seguida como ressalvas de fundamentação dos Ministros que as endossaram.

3.1. a autonomia coletiva regula mas não altera a realidade (Relator mais 11 ministros)

Com venia pelo truísmo, a remuneração do tempo in itinere tem como única e necessária causa a existência de um tempo de deslocamento a ser remunerado. Atribuir à remuneração pelas horas in itinere a natureza de parcela indenizatória remete a uma inevitável pergunta: o que se indeniza? Ou melhor: qual a despesa que se pretende ressarcir? qual o dano que se estaria a reparar?

A disponibilização da força de trabalho, medida pelo tempo em que se a despende ou se a põe à disposição, no estabelecimento empresarial ou fora dele, exige contrapartida salarial, pois a ordem jurídica não compreende o trabalho e seus desdobramentos como um dano, mas antes como um valor social (art. 1º, IV, da Constituição).

Por ser norma jurídica, a norma coletiva de trabalho ambienta-se no universo das ciências sociais às quais compete estatuir, por meio de operadores deônticos (permitido, proibido, prescrito), o "dever-ser" (sollen), ou seja, cabe-lhe a prescrição de consequências jurídicas para as condutas que compõem os fatos da realidade. Não lhe cabe sequer, como caberia às ciências naturais, imputar efeitos às causas[15], mormente se o faz para negar ao dado fenomênico uma característica indisfarçável: trata-se de tempo in itinere a ser remunerado; não se trata de dano cometido contra o empregado, ou de despesa que justifique ressarcimento.

Para além da dissimulada tentativa de desvirtuar e fraudar a tutela laboral mediante a evasão de encargos tributários e trabalhistas, a atribuição ao fato gerador do direito de uma característica que lhe é estranha no mundo fenomênico está a exigir esforço exegético que supere a anomalia e restaure a coerência semântica da norma, para que se lhe dê sentido condizente com os desígnios de uma norma jurídica.

A retração econômica e a complexidade que dela resulta não autorizam a negação artificiosa da realidade, mormente se tal implica o retrocesso de direitos sociais. Em passagem lapidar de sua obra "Direitos e Garantias", Ferrajoli adverte sobre o risco de as crises atuais – que são as crises de legalidade, do Estado Social e do Estado nacional – conduzirem à debilitação da função normativa do direito e, em particular, a ruptura das suas funções de limite e vínculo para a política e para o mercado; ou seja, à debilitação da função de garantia dos direitos fundamentais, tanto dos direitos de liberdade quanto dos sociais. Remata o constitucionalista italiano:

"Parece-me que esse diagnóstico poderia responder a uma espécie de falácia naturalista, ou melhor, quem sabe, determinista: nossos sistemas jurídicos são como são porque não poderiam ser de outro modo. O passo irrefletido do ser ao dever ser [...] é o perigo que me parece estar presente em muitas atuais teorizações de descodificação, de deslegalização ou de desregulamentação. Não há dúvida de que uma aproximação realista do direito e do concreto funcionamento das instituições jurídicas é absolutamente indispensável se não se quer cair na oposta e não menos difusa falácia, idealista e normativista, de quem confunde o direito com a realidade, as normas com os fatos, os manuais de direito com a descrição do efetivo funcionamento do próprio direito"[16].

E ao resgatar-se, assim, a verdadeira conduta que se está sancionando – qual seja, a exigência de tempo em deslocamento em condições que fazem esse tempo integrar-se à jornada de trabalho – esvazia-se a tese defensiva, apoiada em norma coletiva que acintosamente consagra o caráter indenizatório da remuneração do tempo in itinere. Como ratio decidendi: a autonomia coletiva regula a realidade, mas não tem aptidão para alterar a ordem dos fatos (ou o mundo do ser).

No julgamento ocorrido no dia 26/set/2016, presentes os vinte e seis ministros, votaram ratificando a presente ratio decidendi, sendo o Relator acompanhado por onze Ministros: José Roberto Freire Pimenta, Delaíde Miranda Arantes, Hugo Carlos Scheuermann, Maria Helena Mallmann, Renato de Lacerda Paiva, Lélio Bentes Corrêa, Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, Márcio Eurico Vitral Amaro, Maurício Godinho Delgado e Kátia Magalhães Arruda.

3.2. a delimitação do tempo de trabalho e de descanso atende à dimensão existencial do direito laboral, malgrado sua expressão econômica, relacionando-se intrinsecamente com o princípio da dignidade humana e com a efetividade de outros direitos sociais revestidos de fundamentalidade. (Relator mais 11 ministros)

Há uma correlação inexorável entre tempo de trabalho e tempo de descanso, qual categorias opostas que sempre se completam, como percebeu o Papa Leão XIII em trecho emblemático e atemporal da Encíclica Rerum Novarum:

"Não é justo nem humano que se exija do homem tanto trabalho a ponto de fazê-lo, por excesso de fadiga, embrutecer o espírito e enfraquecer o corpo. A atividade do homem, limitada como a sua natureza, tem limites que não se podem superar. O exercício e o uso a aperfeiçoam, mas é preciso, de vez em quando, que se a suspenda para dar lugar ao repouso".

A sociedade e suas leis evoluíram para expectar, como o faz o art. 4º da CLT, que a jornada tem, em princípio, a dimensão contraposta à dimensão do tempo dedicado à liberdade. A propósito da extensão da jornada de trabalho, a Consolidação das Leis do Trabalho estabelece em seu art. 58, §2º:

O tempo despendido pelo empregado até o local de trabalho e para o seu retorno, por qualquer meio de transporte, não será computado na jornada de trabalho, salvo quando, tratando-se de local de difícil acesso ou não servido por transporte público, o empregador fornecer a condução.

Logo, e a contrario sensu, mede-se a jornada pelo tempo de trabalho efetivo ou à disposição, no estabelecimento empresarial ou em deslocamento, integrando-se o tempo de trajeto sempre que o local de trabalho é de difícil acesso ou não servido por transporte regular público e é o empregado transportado por condução fornecida pelo empregador.

Tal dispositivo se inspira na Súmula 90 do TST, que o precedeu e tem fundamento de equidade que pode ser extraído, exempli gratia, do seu precedente RR 4378/77, o qual corresponde a acórdão da Terceira Turma lavrado pelo Ministro Coqueijo Costa em 28/fev/1978, no qual pondera S. Exa.:

"Tempo em que o empregado está à disposição do empregador é de serviço, para todos os efeitos legais (CLT, art. 4). É dessa natureza aquele gasto no transporte fornecido pela empresa, para o local de trabalho, no interesse mais dela do que dos trabalhadores. Se o servidor (rectius: serviço) é prestado longe do centro urbano, em local não servido por linhas regulares de transporte, empenha-se a empresa em arrebanhar o seu pessoal até o lugar da prestação, onde se efetua o corte de mato e o plantio e que, por isso mesmo, varia sempre como horas extraordinárias, as do tempo despendido na condução dos reclamantes, conforme se apurar em execução".

Os fundamentos da Súmula 90 do TST, precursora e fonte de inspiração do citado art. 58, §2º, da CLT, também podem ser perscrutados no precedente RR 1492/76, consistente em acórdão da 2ª Turma lavrado pelo Ministro Renato Machado em 30/set/1976:

"A jornada começa e termina na sede da empresa. Isto, a rigor. No caso, os Reclamantes apanham a condução da empresa em local determinado, porque o de trabalho só é acessível pelo transporte fornecido, pela empresa. Essa situação decorre da atividade da empresa. É inerente às suas operações, e os seus empregados estão à disposição da Reclamada, a partir do momento em que tomam o veículo, que os conduz, na ida e na volta".

É fato que o deslocamento casa-trabalho, neste país de dimensões continentais, revela-se problemático mesmo em centros urbanos servidos por transporte público, como se pode perceber, ilustrativamente, à leitura dos jornais e em notícias televisivas[17]. Ainda assim, a jurisprudência sempre se pautou pela parcimônia de não considerar o tempo de deslocamento entre a residência e o local de trabalho como parte da jornada de trabalho, salvo quando esse traslado é fornecido pelo empregador como um modo de tornar possível a prestação laboral.

Vale dizer, o tempo in itinere só compõe a jornada quando atende à necessidade da empresa, sendo, nas palavras do Ministro Renato Machado, "inerente às suas operações". A cláusula normativa que ora se examina apresenta-se, ela própria, elucidativa de como a hora in itinere, quando remunerada, o é em razão de referir-se a transporte que precisa ser fornecido pelo empregador sob pena de o trabalho tornar-se inviável. Diz a cláusula (transcrita no acórdão regional):

"35 – TRANSPORTE (HORAS ‘IN ITINERE’)

O empregador cederá transporte, próprio ou de terceiros, aos trabalhadores braçais do plantio, do corte e da capina de cana-de-açúcar, para o local de trabalho e, na volta até o local de costume, porque o mesmo é condição para a realização dos serviços [...]"

E o tempo dedicado ao trabalho, nessa dimensão da necessidade, é o tempo que se subtrai do descanso, do lazer, do convívio familiar e social, da atividade acadêmica, religiosa ou esportiva, da existência voltada à liberdade de expressão e à expressão da liberdade. Como ensinou Arnaldo Süssekind[18]:

"A limitação do tempo de trabalho possui, portanto, fundamentos:

de natureza biológica, uma vez que visa a combater os problemas psicofisiológicos oriundos da fadiga e da excessiva racionalização do serviço;

de caráter social, por isto que possibilita ao trabalhador viver, como ser humano, na coletividade a que pertence, gozando os prazeres materiais de espirituais criados pela civilização, entregando-se à prática de atividades recreativas, culturais  ou físicas, aprimorando seus conhecimentos e convivendo, enfim, com sua família;

de índole econômica, porquanto restringe o desemprego e acarreta, pelo combate à fadiga, um rendimento superior na execução do trabalho".

O tempo dedicado ao trabalho é, regra geral, aquele que se furta ao ócio, aqui não entendido como tempo livre, mas com a acepção humanista de Luigi Bagolini[19] que apreende o otium "como um deixar que a consciência se expanda através de certos comportamentos artísticos, filosóficos, religiosos, desinteressadamente culturais, simpático no convívio com os outros etc., de per si não exclusivamente redutíveis a termos de trabalho e em relação aos quais o trabalho poderá ser apenas um meio". Não por acaso o art. 43.3 da Constituição Espanhola, ao tempo em que consagrou o direito fundamental à proteção da saúde, impôs aos poderes públicos facilitar a adequada utilização do ócio.

A justificativa para as horas excedentes da jornada legal – devotadas que sejam à realização ou à viabilização do trabalho – fazerem-se devidas com adicional de no mínimo 50% não se esgota, portanto, na louvável tentativa de evitar a fadiga do empregado, mas se impõe sobremodo como projeto de reinserção social do trabalhador, apto a distinguir-lhe com a existência digna prometida pelo art. 170 da Constituição, cujo verbo é eloquente:

"A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social"

Explica-se, também assim, a absoluta indisponibilidade do direito à remuneração, com o adicional mínimo de 50% e integração ao salário, das horas subtraídas, pelo trabalho, à vida relacional, gregária ou co-existencial garantida pelo ordenamento jurídico.

Como ratio decidendi: a delimitação do tempo de trabalho e de descanso atende à dimensão existencial do direito laboral, malgrado sua expressão econômica, relacionando-se intrinsecamente com o princípio da dignidade humana e com a efetividade de outros direitos sociais revestidos de fundamentalidade.

No julgamento ocorrido no dia 26/set/2016, presentes os vinte e seis ministros, votaram ratificando a presente ratio decidendi e acompanhando o Relator onze Ministros: José Roberto Freire Pimenta, Delaíde Miranda Arantes, Hugo Carlos Scheuermann, Cláudio Mascarenhas Brandão, Maria Helena Mallmann, Renato de Lacerda Paiva, Lélio Bentes Corrêa, Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, Maurício Godinho Delgado e Kátia Magalhães Arruda.

3.3. DIREITOS RELACIONADOS À DURAÇÃO DO TRABALHO AFETAM O DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE (Relator mais dez ministros)

Em estudo publicado na coletânea "Patologia do Trabalho", sob a coordenação de René Mendes, os médicos Andréa Maria Silveira e Sérgio Roberto de Lucca elucidam como se deve desenvolver o processo investigativo que haverá sempre de considerar os riscos ergonômicos e psicossociais para a anamnese ocupacional, riscos que são versados como elementos que compõem a organização do trabalho e assim são descritos:

"[...] Imprescindíveis a esta investigação, (os citados riscos) aludem a questões referentes à duração da jornada, à realização de horas extras, à duração de pausas, a folgas, ao gozo regular de férias etc. A duração do trabalho constitui um poderoso indicador, não apenas do tempo de exposição aos demais riscos presentes no ambiente de trabalho e da possibilidade de fadiga, mas, também, do impacto que o trabalho exerce sob(re) as demais dimensões da vida, como participação em atividades familiares e comunitárias, possibilidade de atividades de lazer, realização de atividade física regular, estudo etc. [...] Cabe-nos aqui lembrar que as epidemias ‘modernas’ de doenças relacionadas ao trabalho, como transtornos mentais e distúrbios osteomusculares, parecem relacionar-se, fortemente, às formas contemporâneas de organizar o trabalho [...]"[20]

Por seu turno, Montoya Melgar e Pizá Granados, em livro que presentearam ao Ministro Mozart Victor Russomano no Natal do ano 2000, observam que "a instituição jurídica da limitação do tempo de trabalho tem um induvidoso componente de proteção à saúde do trabalhador (como se encarregam de racionalizar, desde suas origens, as leis laborais sobre jornada máxima e sobre descansos diários, semanais e anual)".

Os autores advertem, em seguida, que "essa forte impregnação tuitiva das normas sobre tempo de trabalho não tem impedido que, tradicionalmente, não se as venham considerando como específicas de segurança e saúde no trabalho, senão como disposições genéricas de Direito do Trabalho"[21].

Os autores observam, em seguida, que o tempo de trabalho, na Comunidade Europeia, é tratado como tema intrínseco à segurança e saúde do trabalhador, citando a Directiva 93/104/CEE como a norma que teria levado a efeito, radicalmente, essa operação integradora. No Brasil, não custa recordar que o art. 200, VIII da Constituição igualmente prevê que o direito fundamental à saúde, e sua realização pelo sistema único de saúde, remetem à proteção do meio ambiente de trabalho, assim concebido o habitat onde o trabalhador se põe à disposição da atividade empresarial, seja ao abrigo do sol no interior da unidade produtiva, seja ao relento ou à chuva nas ruas em que presta serviço ou é conduzido pelo empregador porque de outro modo não o poderá prestar.

O tempo in itinere é invariavelmente um tempo subtraído pela atividade econômica, que aproveita ao empregador, do descanso e do possível otium do trabalhador, como se lhe tirasse um naco de dignidade – da dignidade que é sua, é de toda pessoa humana, e impede, com o apanágio de ser fundamento da República (art. 1º, IV, da Constituição), a instrumentalização do homem em proveito do lucro. Daí o adicional de no mínimo 50% que emerge como a reparação possível para compensar o pedaço profanado de dignidade, como nota, a seu jeito, o magistrado José Antônio Oliveira da Silva:

"[...] a saúde do trabalhador é um direito humano fundamental de natureza negativa e positiva, exigindo tanto do empregado como do Estado não somente a abstenção de práticas que ocasionem a enfermidade física ou mental do trabalhador, como também uma positividade, ou seja, a adoção de medidas preventivas de doenças. Aí estão os aspectos essenciais de referido direito: a) o direito à abstenção; e b) o direito à prestação, que, por sua vez, é subdividido em direito à prevenção e direito à reparação"[22].

A cláusula normativa que suprime o direito à remuneração do tempo in itinere ou lhe conspurca a natureza essencialmente remuneratória, e seus naturais desdobramentos, afronta o direito fundamental à saúde do trabalhador. Em suma, e como ratio decidendi, é dizer: os temas relacionados à duração do trabalho e à sua completa remuneração estão afetos ao direito fundamental à saúde no ambiente de trabalho e, portanto, não comportam derrogação por ato dispositivo ou negocial.

No julgamento ocorrido no dia 26/set/2016, presentes os vinte e seis ministros, votaram ratificando a presente ratio decidendi, sendo o Relator acompanhado por dez Ministros: José Roberto Freire Pimenta, Delaíde Miranda Arantes, Hugo Carlos Scheuermann, Cláudio Mascarenhas Brandão, Maria Helena Mallmann, Renato de Lacerda Paiva, Lélio Bentes Corrêa, Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Maurício Godinho Delgado e Kátia Magalhães Arruda.

3.4. INDISPONIBILIDADE ABSOLUTA DOS DIREITOS RELACIONADOS À JORNADA E AO REPOUSO OU OTIUM – DIREITO INDISPONÍVEL IMUNE À AUTODETERMINAÇÃO COLETIVA (Relator mais treze ministros)

Impressiona a tentativa de desnaturar o caráter remuneratório da quantia que se paga pelas horas in itinere, a pretexto de essa abstração da realidade estar consentida por norma coletiva e, por conseguinte, pelo direito fundamental avessamente titularizado pelo empregador.

Ademais, o direito fundamental à contraprestação salarial correspondente ao tempo in itinere, inclusive e se for o caso como horas extraordinárias, reveste-se de indisponibilidade absoluta porque atende à expectativa de sancionar a apropriação da vida relacional e da saúde do trabalhador.

Assim se manifesta a jurisprudência que emana de todas as Turmas do Tribunal Superior do Trabalho:

HORAS DE PERCURSO. SUPRESSÃO. NORMA COLETIVA. ARTIGO 58, § 2º, DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO. 1. Inadmissível transação de direito previsto em norma de caráter cogente, máxime com prejuízo para o empregado. 2. O pagamento de horas de percurso está assegurado pelo artigo 58, § 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho, que constitui norma de ordem pública. Sua supressão mediante norma coletiva, no período posterior ao advento da Lei n.º 10.243/2001, afronta diretamente o referido dispositivo e, portanto, sua validade não tem suporte no artigo 7º, XXVI, da Constituição da República. 3. Precedentes da Corte. 4. Recurso de revista de que não se conhece. HORAS IN ITINERE. NORMA COLETIVA. ATRIBUIÇÃO DE NATUREZA INDENIZATÓRIA. INVALIDADE. A jurisprudência deste Tribunal Superior tem-se firmado no sentido de que resulta inválida a cláusula constante de norma coletiva mediante a qual se estabelece natureza indenizatória às horas de percurso. Com efeito, tal parcela tem nítida natureza salarial, porquanto, nos termos da Súmula n.º 90 desta Corte superior, é computável na jornada de trabalho e, havendo extrapolação da jornada pactuada, é considerada como horas extras, sendo devido o pagamento do respectivo adicional. Recurso de revista não conhecido. (RR - 1860-34.2011.5.18.0128, Relator Ministro: Lelio Bentes Corrêa, Data de Julgamento: 14/05/2013, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 17/05/2013)

HORAS IN ITINERE. PAGAMENTO DE FORMA SIMPLES E SEM REFLEXOS. ACORDO COLETIVO. INVALIDADE. No caso destes autos, conforme transcrito no acórdão regional, a norma do acordo coletivo em questão estabeleceu o pagamento apenas de uma hora diária referente ao tempo gasto no transporte, independentemente do percurso. E, segundo o Regional, a referida norma coletiva nada dispôs a respeito da natureza da remuneração dessa hora. De qualquer maneira, ainda que o acordo coletivo estabelecesse que as horas in itinere dessa categoria não seriam remuneradas com o adicional de horas extras e que também não produziriam reflexos, essa disposição seria inválida, pois as normas coletivas de trabalho não têm o poder de afastar direitos fundamentais assegurados constitucionalmente aos trabalhadores, ainda mais se tratando de tempo extraordinário, que tem repercussões na saúde e na segurança do trabalhador. É claro que a negociação coletiva e o exercício da autonomia privada coletiva devem ser valorizados, nos termos do inciso XXVI do artigo 7º da Constituição. No entanto, este preceito constitucional deve ser interpretado e aplicado de forma conjunta e sistemática aos outros dispositivos de igual estatura constitucional, que, no mesmo artigo 7º da Norma Fundamental de 1988, estabelecem direitos fundamentais trabalhistas mínimos dos empregados brasileiros que não podem, pura e simplesmente, serem afastados pela autonomia privada, ainda que coletiva. Se as horas in itinere, antes fruto de uma interpretação extensiva do artigo 4º da Consolidação das Leis do Trabalho, consagrada na Súmula nº 90 do TST, passaram, a partir da promulgação da Lei nº 10.243, de 19/6/2001, a ser direito trabalhista assegurado por lei (artigo 58, § 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho), integram, também, o patrimônio mínimo indisponível que o ordenamento jurídico trabalhista, em seu conjunto, não admite seja objeto de renúncia ou de transação, seja pelo próprio trabalhador, individualmente considerado, seja pela entidade sindical representativa da categoria profissional correspondente. Assim, se esse tempo despendido pelo empregado até o local de trabalho e para o seu retorno, por qualquer meio de transporte, é computado na jornada de trabalho, quando o local é de difícil acesso ou não servido por transporte público, ele é, para todos os efeitos legais, tempo trabalhado. E, se assim é, essas horas trabalhadas que ultrapassam o limite semanal e diário da jornada normal são labor extraordinário, nos termos da Súmula 90, item V, desta Corte, in verbis: -HORAS "IN ITINERE". TEMPO DE SERVIÇO. V - Considerando que as horas "in itinere" são computáveis na jornada de trabalho, o tempo que extrapola a jornada legal é considerado como extraordinário e sobre ele deve incidir o adicional respectivo. (ex-OJ nº 236 da SBDI-1 - inserida em 20.06.2001)-. Dessarte, se as horas in itinere prestadas pelo reclamante, neste caso, ultrapassavam sua jornada de trabalho, como expressamente registrado pelo Regional, sua natureza de horas extras é inegável, a teor do item V da Súmula nº 90 desta Corte, devendo essas ser remuneradas com o adicional de serviço extraordinário de, no mínimo, 50% assegurado pelo inciso XVI do artigo 7º da Constituição a todos os trabalhadores urbanos e rurais de nosso país. Além disso, eventual norma coletiva estabelecendo o não pagamento do adicional de horas extras e reflexos afrontaria, também, o patamar mínimo constitucional e legalmente assegurado a todos os trabalhadores brasileiros, ao desconsiderar a flagrante e induvidosa natureza salarial do pagamento correspondente às horas in itinere, que são, obrigatoriamente, tempo à disposição do empregador e de efetivo serviço, a teor dos artigos 4º e 58, § 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho e do próprio item V da Súmula nº 90 desta Corte. Recurso de revista não conhecido. (RR - 55300-74.2007.5.09.0567, Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 25/04/2012, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 18/05/2012)

[...] HORAS IN ITINERE. ALTERAÇÃO DA BASE DE CÁLCULO POR ACORDO COLETIVO. IMPOSSIBILIDADE. Os acordos e convenções coletivas podem dispor sobre redução de determinado direito, em razão da concessão de outras vantagens similares, de modo que ao final se mostre razoável a negociação alcançada. Não é tolerável, todavia, a supressão ou renúncia de direitos. A decisão recorrida está em consonância com o entendimento desta Corte, pois, apesar de os instrumentos coletivos poderem limitar as horas in itinere, independentemente do percurso feito pelos empregados da empresa para chegarem à frente de trabalho, ante o que dispõe o art. 7º, XXVI, da Constituição Federal, não podem, todavia, alterar a natureza jurídica da parcela, de forma que é inválida a norma que determina o seu pagamento de forma simples, sem reflexos. Precedentes. Não desconstituídos os fundamentos do despacho denegatório, não prospera o agravo de instrumento destinado a viabilizar o trânsito do recurso de revista. Agravo de instrumento conhecido e desprovido. (AIRR - 1815-67.2013.5.09.0562, Relator Ministro: Alexandre de Souza Agra Belmonte, Data de Julgamento: 26/08/2015, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 28/08/2015)

RECURSO DE REVISTA - HORAS IN ITINERE - NEGOCIAÇÃO COLETIVA - PAGAMENTO DE FORMA SIMPLES - RENÚNCIA A PARTE DA REMUNERAÇÃO - IMPOSSIBILIDADE. Ressalvando meu entendimento pessoal, tenho me curvado à posição majoritária desta Corte, que se orienta no sentido de reconhecer validade à norma coletiva que limita o pagamento das horas relativas ao período gasto em percurso de ida e volta ao trabalho, mesmo após a vigência da Lei nº 10.423/2001, e não somente com relação às microempresas e empresas de pequeno porte. No caso, entretanto, verifica-se nova investida de flexibilização contra o pagamento da parcela, mediante determinação da remuneração das horas de trajeto de forma simples e sem reflexos, em flagrante exorbitância dos limites da negociação coletiva. Trata-se de cláusula normativa que impõe à parcela significativa redução, a ponto de confundir-se com a renúncia ao seu percebimento de parte substancial da remuneração correspondente. As horas in itinere, por consistirem em tempo à disposição do empregador, nos termos do art. 4º da CLT, integram-se à jornada de trabalho, produzindo, por consequência, horas extraordinárias, cujo pagamento encontra disciplina constitucional: de acordo com o art. 7º, XVI, da Constituição Federal, é direito dos trabalhadores a -remuneração do serviço extraordinário, superior, no mínimo, em cinquenta por cento à do normal-. Portanto, ao admitir que o pagamento das horas de percurso seja realizado de forma simples, não se cogita de limitação razoável do instituto, mas de mera renúncia de parte - significativa, saliente-se - do seu pagamento. O reconhecimento constitucional à negociação coletiva se faz sob o prisma da valorização social do trabalho, orientando-se, pois, numa perspectiva prospectiva, que não tolera involuções com relação ao patamar já assegurado legalmente. Precedentes. Recurso de revista não conhecido. (RR - 219-19.2011.5.09.0562, Relator Ministro: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Data de Julgamento: 03/04/2013, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 03/05/2013)

[...] HORAS IN ITINERE. NEGOCIAÇÃO COLETIVA. LIMITAÇÃO AO PAGAMENTO DO TEMPO DE DESLOCAMENTO DE FORMA SIMPLES, SEM ADICIONAL E SEM REFLEXOS EM OUTRAS PARCELAS. Caracterizada a hora in itinere, nos termos do art. 58, § 2.º, da CLT, o tempo despendido pelo empregado até o local de trabalho é computado em sua jornada. E, extrapolada a jornada normal de trabalho, é devido o adicional de horas extras, de que trata o art. 7.º, XVI, da Constituição Federal, norma cogente que não pode ser suprimida pela vontade das partes. Por outro lado, igualmente incabível a alteração da natureza jurídica salarial do valor pago pelo empregador, como contraprestação pelo tempo em que o empregado está a sua disposição, ao teor do art. 4.ºda CLT. Nesses termos, inválida a cláusula de norma coletiva que, tratando de horas in itinere, exclui o direito de que as horas à disposição do empregador que extrapolem a jornada normal de trabalho sejam pagas com o adicional de horas extras, bem como de que sejam consideradas salário. Recurso de revista de que se conhece e a que se nega provimento. CESTA BÁSICA. A alegação de que a empresa fornecia cestas básicas por mera liberalidade nos remete a novo exame das provas dos autos, já que o TRT afirma que havia norma coletiva prevendo o benefício. Incidente, nesse aspecto, a Súmula n.º 126 do TST, o que impede a análise da alegada violação da lei, bem como do paradigma cotejado. Recurso de revista de que não se conhece. (RR - 14000-69.2006.5.09.0567, Relatora Ministra: Kátia Magalhães Arruda, Data de Julgamento: 04/05/2011, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 13/05/2011)

[...]HORAS IN ITINERE. LIMITAÇÃO DO TEMPO POR NORMA COLETIVA. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. PAGAMENTO DE FORMA SIMPLES, SEM ADICIONAL E SEM REFLEXOS EM OUTRAS PARCELAS. A CF, em seu art. 7º, XXVI, prestigia e valoriza a negociação coletiva. Com efeito, a jurisprudência desta Corte vem entendendo válida, a princípio, a cláusula normativa que limita o pagamento da hora in itinere ao período de tempo prefixado na norma coletiva, em observância ao art. 7º, XXVI, da CF. No entanto, conforme recente entendimento da SBDI-1 do TST, seguido por esta Turma, em atendimento ao princípio da razoabilidade, a limitação do direito ao pagamento da hora in itinere ao período fixado na norma coletiva deve ser condizente com a realidade, não sendo razoável a fixação de tempo excessivamente reduzido em relação ao efetivamente gasto no deslocamento do empregado. No caso, o reclamante gastava 3 horas diárias no deslocamento casa/trabalho/casa, e a norma coletiva limitou o pagamento das horas in itinere de 30 minutos a uma hora. Nesse contexto, inválida a referida norma, pois constatado o desequilíbrio entre o pactuado e a realidade dos fatos, que beneficiam somente o empregador, o que se traduz em verdadeira renúncia do reclamante ao direito de recebimento das horas in itinere. Quanto à alegação de que as horas in itinere devem ser pagas de forma simples e sem reflexos nas demais parcelas, incide o óbice da Súmula n.º 126 do TST, pois o TRT, ao contrário do que sustenta a recorrente, afirmou que a norma coletiva não excluiu o adicional e reflexos. Recurso de revista de que não se conhece. (RR - 1759-91.2010.5.09.0092, Relatora Ministra: Kátia Magalhães Arruda, Data de Julgamento: 29/08/2012, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 31/08/2012)

RECURSO DE REVISTA DA SEGUNDA RECLAMADA (USINA ALTO ALEGRE) - HORAS IN ITINERE - NEGOCIAÇÃO COLETIVA - PAGAMENTO DE FORMA SIMPLES E SEM REFLEXOS - RENÚNCIA A PARTE DA REMUNERAÇÃO - IMPOSSIBILIDADE. Ressalvando meu entendimento pessoal, tenho me curvado à posição majoritária desta Corte, que se orienta no sentido de reconhecer validade à norma coletiva que limita o pagamento das horas relativas ao período gasto em percurso de ida e volta ao trabalho, mesmo após a vigência da Lei nº 10.423/2001, e não somente com relação às microempresas e empresas de pequeno porte. No caso vertente, entretanto, verifica-se nova investida de flexibilização contra o pagamento da parcela, mediante determinação de remuneração das horas de trajeto de forma simples e sem reflexos, em flagrante exorbitância dos limites da negociação coletiva. Trata-se de cláusula normativa que impõe à parcela significativa redução, a ponto de confundir-se com a renúncia ao seu percebimento. As horas in itinere, por consistirem tempo à disposição do empregador, nos termos do art. 4º da CLT, integram-se à jornada de trabalho, produzindo, por consequência, horas extraordinárias, cujo pagamento encontra assento constitucional no art. 7º, XVI, da Lei Maior, que assegura expressamente aos trabalhadores o direito à "remuneração do serviço extraordinário, superior, no mínimo, em cinquenta por cento à do normal". O reconhecimento constitucional à negociação coletiva se faz sob o prisma da valorização social do trabalho, orientando-se, pois, numa perspectiva prospectiva, que não tolera involuções com relação ao patamar já assegurado legalmente. Precedentes. Recurso de revista não conhecido. (RR - 845-67.2013.5.09.0562, Relator Ministro: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Data de Julgamento: 19/08/2015, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 21/08/2015)

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. 1. HORAS IN ITINERE. BASE DE CÁLCULO. IMPOSSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO POR NORMA COLETIVA. PRECEDENTES. APLICAÇÃO DA SÚMULA 90, ITEM V, DO C.TST. VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 7º, XIII, XIV E XXVI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO DEMONSTRADA. ÓBICE DO ARTIGO 896, §7º, DA CLT E DA SÚMULA 333, DO C.TST. A modificação da base de cálculo das horas in itinere não se situa no âmbito de aceitável flexibilização de direito assegurado por lei, pela via da negociação coletiva. Precedentes desta C. Corte. Assim, por correlação às horas extras (Súmula 90, item V, do C.TST), há que se observar, no cômputo das horas in itinere, a efetiva remuneração do empregado, sob pena de caracterização de pura e simples renúncia a parcela expressiva do salário, não se habilitando o processamento do recurso de revista interposto, nos termos do artigo 896, § 7º, da Consolidação das Leis do Trabalho e da Súmula 333, do C. TST. [...] (AIRR - 185-89.2014.5.18.0141, Relatora Desembargadora Convocada: Jane Granzoto Torres da Silva, Data de Julgamento: 04/03/2015, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 06/03/2015)

E também assim já se posicionou a Subseção I de Dissídios Individuais:

EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA - HORAS IN ITINERE - ALTERAÇÃO DA BASE DE CÁLCULO POR ACORDO COLETIVO - RENÚNCIA A PARTE DA REMUNERAÇÃO - IMPOSSIBILIDADE. As horas in itinere, por consistirem em tempo à disposição do empregador, nos termos do art. 4º da CLT, integram-se à jornada de trabalho, produzindo, por consequência, horas extraordinárias, cujo pagamento encontra disciplina constitucional: de acordo com o art. 7º, XVI, da Constituição Federal, é direito dos trabalhadores a -remuneração do serviço extraordinário, superior, no mínimo, em cinquenta por cento à do normal-. Portanto, admitir que o pagamento das horas de percurso tenha em conta justamente a parcela menos substanciosa da remuneração do obreiro - o piso normativo da categoria -, não se cogita de limitação razoável do instituto, mas de mera renúncia de parte - significativa, saliente-se - do seu pagamento. O reconhecimento constitucional à negociação coletiva se faz sob o prisma da valorização social do trabalho, orientando-se, pois, numa perspectiva prospectiva, que não tolera involuções com relação ao patamar já assegurado legalmente. Inválida, pois, a norma coletiva que, em prejuízo ao trabalhador, altera a base de cálculo das horas in itinere, legalmente estabelecida, para mitigar a importância econômica do instituto. Embargos parcialmente conhecidos e desprovidos. (E-ED-RR - 135000-41.2008.5.15.0036, Redator Ministro: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Data de Julgamento: 18/10/2012, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 22/02/2013)

EMBARGOS REGIDOS PELA LEI Nº 11.496/2007. HORAS IN ITINERE. ACORDO COLETIVO. PAGAMENTO DE FORMA SIMPLES E SEM REFLEXOS. INVALIDADE. NEGOCIAÇÃO EQUIVALENTE À RENÚNCIA DE DIREITO FUNDAMENTAL INDISPONÍVEL. As normas coletivas de trabalho não têm o poder de afastar direitos fundamentais assegurados constitucionalmente aos trabalhadores, ainda mais se tratando de tempo extraordinário, que tem repercussões na saúde e na segurança do trabalhador. É claro que a negociação coletiva e o exercício da autonomia privada coletiva devem ser valorizados, nos termos do inciso XXVI do artigo 7º da Constituição Federal. No entanto, esse preceito constitucional deve ser interpretado e aplicado de forma conjunta e sistemática com os outros dispositivos de igual estatura constitucional que, no mesmo artigo 7º da Norma Fundamental de 1988, estabelecem direitos fundamentais trabalhistas mínimos dos empregados brasileiros que não podem pura e simplesmente ser afastados pela autonomia privada, ainda que coletiva. Nesse sentido, o que este Tribunal Superior e sua SBDI-1 admitem é tão somente a prefixação, em norma coletiva, do número de horas in itinere a serem pagas pelo empregador a cada empregado na situação prevista no artigo 58, § 2º, da CLT, de forma a evitar que, em cada caso individual concreto, seja necessário ao julgador instruir e fixar, em sua sentença, o número médio de horas de percurso em situações muito variadas no tempo, prevenindo, pela via da negociação coletiva, a multiplicação de litígios. Isso não significa, todavia, que a norma coletiva de trabalho possa permitir o pagamento dessa verba de natureza salarial (artigos 4º e 58, § 2º, da CLT) sobre base de cálculo diversa do valor real da remuneração do trabalhador (como, por exemplo, o seu salário básico), atribuir a este natureza indenizatória, com isso vedando os reflexos de seu valor sobre os demais direitos trabalhistas, ou, se o tempo in itinere extrapolar a jornada legal, possibilitar seu pagamento sem o respectivo adicional de horas extras (constitucional ou normativo). Tais cláusulas, mesmo que ajustadas em negociação coletiva, equivalem a pura e simples renúncia a direitos fundamentais indisponíveis, assegurados pela Constituição Federal e pacificamente reconhecidos pela jurisprudência deste Tribunal Superior (Súmulas nºs 45, 90, I e V, 115, 172, 264 e 347 e OJ nº 47 da SBDI-1). Se as horas in itinere, antes fruto de uma interpretação extensiva do artigo 4º da Consolidação das Leis do Trabalho, consagrada na Súmula nº 90 do TST, passaram, a partir da promulgação da Lei nº 10.243, de 19/6/2001, a ser direito trabalhista assegurado por lei (artigo 58, § 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho), integram também o patrimônio mínimo indisponível que o ordenamento jurídico trabalhista, em seu conjunto, não admite seja objeto de renúncia ou de transação, seja pelo próprio trabalhador, individualmente considerado, seja pela entidade sindical representativa da categoria profissional correspondente. Assim, sendo esse tempo despendido pelo empregado até o local de trabalho e para o seu retorno por qualquer meio de transporte computado na jornada de trabalho, quando o local é de difícil acesso ou não servido por transporte público, ele deve ser considerado, para todos os efeitos legais, tempo trabalhado. E, se assim é, essas horas trabalhadas que ultrapassam o limite semanal e diário da jornada normal são labor extraordinário, nos termos da Súmula 90, item V, desta Corte, in verbis: -HORAS "IN ITINERE". TEMPO DE SERVIÇO. V - Considerando que as horas "in itinere" são computáveis na jornada de trabalho, o tempo que extrapola a jornada legal é considerado como extraordinário e sobre ele deve incidir o adicional respectivo. (ex-OJ nº 236 da SBDI-1 - inserida em 20.06.2001)-. Dessarte, se as horas in itinere prestadas pela reclamante ultrapassavam sua jornada de trabalho, sua natureza de horas extras é inegável, consoante o teor do item V da Súmula nº 90 desta Corte, devendo essas ser remuneradas com o adicional de serviço extraordinário de no mínimo 50% que o inciso XVI do artigo 7º da Constituição assegura a todos os trabalhadores urbanos e rurais de nosso país. Além disso, o disposto no acordo coletivo ora em análise afronta também o patamar mínimo constitucional e legalmente assegurado a todos os trabalhadores brasileiros, ao desconsiderar a flagrante e induvidosa natureza salarial do pagamento correspondente às horas in itinere, que são, obrigatoriamente, tempo à disposição do empregador e de efetivo serviço, conforme os termos dos artigos 4º e 58, § 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho e do próprio item V da Súmula nº 90 desta Corte. Precedentes desta Subseção. Embargos conhecidos e desprovidos. (E-RR-1020-84.2011.5.09.0092, Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 15/05/2014, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 29/08/2014)

Mesmo em relação a microempresas e empresas de pequeno porte, o Ministro Maurício Godinho Delgado pontua, interpretando com o seu usual magistério o art. 58, §3º, da CLT. Verbis:

"Note-se que a lei não concedeu à negociação coletiva o poder de suprimir as horas itinerantes e nem lhes eliminar a natureza salarial. Apenas lhe permitiu fixar o montante médio estimado de horas in itinere, afastando a dúvida temporal que comumente ocorre em situações fáticas"[23].

Poder-se-ia argumentar que os incisos VI, XIII e XIV do art. 7º da Constituição autorizam a redução, por norma coletiva, de direitos relacionados à jornada e ao salário de empregados. Em rigor, a leitura isolada dos citados incisos poderia conduzir à premissa, evidentemente sofística, de que os sindicatos estariam vocacionados a atuar, em situação de absoluta normalidade, de modo a legitimar a subtração de direitos trabalhistas.

Há muito se enfatiza que o inciso XIII (é direito do trabalhador urbano ou rural: "duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho") não estaria a exigir que a redução de jornada, sem prejuízo de salário, pressupusesse uma negociação coletiva. Não seria sensato que tamanha benesse tivesse que passar pelo crivo da vontade coletiva. Em verdade, a alusão à redução de jornada mediante negociação coletiva se associa à permissão de que o salário seja reduzido por esse mesmo meio, porque é assim que sucede em crises econômicas e de empregabilidade. Há precedentes da Seção de Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho que retratam esse dado empírico:

[...] RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO PELO RÉU SINDESP/PA. CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO. PAGAMENTO SALARIAL EM ATRASO. NEGOCIAÇÃO COLETIVA. INSTITUIÇÃO DE PRAZO E FORMA DE PAGAMENTO. VALIDADE DA CLÁUSULA CONVENCIONAL. 1. O art. 7º, VI e XIII, da Constituição da República autoriza a redução do salário e da jornada mediante negociação coletiva. 2. Reveste-se de validade cláusula coletiva que, visando à manutenção do emprego, estimula o empregador em dificuldades econômicas a buscar a negociação coletiva, a fim de se estabelecerem prazo e formas de pagamento dos salários dos empregados.  Recurso ordinário conhecido e provido, no particular. (RO - 385-81.2012.5.08.0000, Relator Ministro: Walmir Oliveira da Costa, Data de Julgamento: 08/04/2014, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DEJT 02/05/2014)

[...]CLÁUSULA 1ª. REDUÇÃO SALARIAL COM REDUÇÃO PROPORCIONAL DA CARGA MENSAL DE TRABALHO. GARANTIA DE SALÁRIOS. HOMOLOGAÇÃO. 1. O art. 7º, VI e XIII, da Constituição da República autoriza a redução do salário e da jornada mediante negociação coletiva. 2. Reveste-se de validade cláusula coletiva que, visando à manutenção do emprego e em observância à capacidade econômica das empregadoras, prevê, por determinado tempo, redução salarial de 17% (dezessete por cento), com redução proporcional da carga mensal de trabalho, porquanto, além de atentar para o limite imposto no art. 503 da CLT, concede, em compensação, garantia de salários por até seis meses após o período da redução salarial.[...] (RO- 2002600-66.2009.5.02.0000 , Relator Ministro: Walmir Oliveira da Costa, Data de Julgamento: 14/11/2011, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DEJT 16/12/2011)

FLEXIBILIZAÇÃO DA LEGISLAÇÃO TRABALHISTA - LIMITES DA AUTONOMIA NEGOCIAL - NÃO-SUPRESSÃO DE DIREITOS OU FLEXIBILIZAÇÃO DE NORMAS DE CARÁTER PREVIDENCIÁRIO, FISCAL, PROCESSUAL OU DE MEDICINA E SEGURANÇA DO TRABALHO - REDUÇÃO SALARIAL E DILATAÇÃO DE JORNADA - CF, ART. 7º, VI, XIII, XIV E XXVI. 1. Quanto aos limites da autonomia negocial das partes em matéria de conflitos coletivos do trabalho, o TST tem fixado parâmetros, de modo a evitar que a flexibilização dos direitos trabalhistas se transmude em precarização das relações de trabalho. Assim, nesse campo, os limites seriam: a) não se admite supressão integral de direito legalmente reconhecido (v.g., horas "in itinere", permitindo-se sua limitação, mas não sua supressão, conforme precedentes da SDC, Turmas e SBDI-1); b) não se admite flexibilização de normas previdenciárias, fiscais, processuais, de segurança e medicina do trabalho (v.g., Orientação Jurisprudencial 342 da SBDI-1, sobre intervalo intrajornada); c) admite-se flexibilização de direitos ligados a salário e jornada de trabalho, mas apenas para redução, em face das vantagens compensatórias, ainda que implícitas, obtidas com a norma coletiva (v.g., Súmula 364 do TST, sobre pagamento proporcional do adicional de periculosidade; Súmula 423 do TST, sobre ampliação da jornada em turnos ininterruptos de revezamento). 2. Nessa esteira, a ampliação do prazo para pagamento dos salários (do 5º para o 10º dia do mês subseqüente ao trabalhado), por não versar norma de medicina e segurança do trabalho, nem preceitos de caráter previdenciário, tributário ou processual, é passível de livre estabelecimento pelas partes, dentro do limite do razoável. 3. Do mesmo modo, quanto às cláusulas econômicas, a sua fixação deve atender às possibilidades financeiras do setor e das empresas. Se o sindicato profissional anuiu à retirada do caráter salarial das gratificações instituídas e do vale-refeição, foi justamente para que as vantagens fossem pagas, pois do contrário, tendo repercussão em outras parcelas, o sindicato patronal não teria concordado com a sua instituição ou com seu valor mais elevado. Não se pode, nesse caso, suprimir apenas o caráter indenizatório da vantagem, mantendo seu valor. Com efeito, pela teoria do conglobamento, as vantagens ou ônus de cada instrumento normativo não podem ser apreciadas isoladamente, pois são fruto de uma composição global do conflito coletivo, para o qual a concessão de uma determinada vantagem decorreu de o setor profissional ter aberto mão de outra vantagem. 4. Merecem, no entanto, ser declaradas nulas as cláusulas que reduzem o intervalo intrajornada, instituem prazo decadencial de 90 dias para reclamar o vale-refeição não entregue, e que desnaturam o regime de 12x36 horas, admitindo intervalo de apenas 12 horas entre duas jornadas de 12 horas, em finais de semana, uma vez que dispõem sobre questões processuais ou de medicina e segurança do trabalho, infensas à negociação coletiva.  Recurso ordinário parcialmente provido.  (ROAD - 25300-97.2005.5.24.0000, Relator Ministro: Ives Gandra Martins Filho, Data de Julgamento: 13/09/2007, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DJ 30/11/2007)

Noutros precedentes da SDC do TST, nota-se a preocupação de não permitir que sindicatos encontradiços em um Brasil arcaico[24], no qual inexiste a simetria de poder presumível em relações que envolvem entes sindicais, legitimem, sem qualquer contrapartida, a precarização de direitos trabalhistas. A citar:

[...]RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO. PREVISÃO GENÉRICA DE NÃO PAGAMENTO. SALÁRIO -IN NATURA-, HORAS -IN ITINERE- E HORAS PARADAS. SUPRESSÃO. A cláusula coletiva prevendo que -Não será devido ao trabalhador portuário avulso, em hipótese alguma, salário 'in natura' ou horas 'in itinere', bem como horas paradas de qualquer natureza-, pactuada em termos genéricos e sem a instituição de contrapartida em benefício dos trabalhadores portuários avulsos, equivale à supressão total de direitos trabalhistas assegurados por lei. A cláusula, portanto, não encontra amparo no art. 7º, XXVI, da Constituição Federal, e deve ser declarada nula. Recurso ordinário conhecido e provido, no particular.[...](AIRO-RO- 1100-40.2013.5.17.0000 , Relator Ministro: Walmir Oliveira da Costa, Data de Julgamento: 08/09/2014, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DEJT 12/09/2014)

[...]2) REMUNERAÇÃO DE FÉRIAS E GRATIFICAÇÃO NATALINA. COMISSIONISTAS. A Federação recorrente alega que o ajuste - que estabeleceu que as férias, o 13º salário e os direitos rescisórios dos comissionistas devem ser calculados com base na média dos últimos quatro meses - foi produto de uma negociação que implicou renúncias e ganhos para ambas as partes. Conquanto sustente a aplicabilidade da teoria do conglobamento, a Federação recorrente não aponta quais os benefícios que teriam sido oferecidos aos comissionistas, em contrapartida à redução do prazo de doze meses, legalmente previsto, não havendo como se comprovar que a norma pactuada se mostre mais benéfica ao trabalhador. Mantém-se a decisão regional, que declarou nulo o § 1º da cláusula 8ª, e nega-se provimento ao recurso, no particular.[...] (RO - 816000-47.2008.5.07.0000 , Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, Data de Julgamento: 11/04/2011, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DEJT 29/04/2011)

RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO ANULATÓRIA - INTERVALO INTRAJORNADA. FLEXIBILIZAÇÃO - O acordo coletivo de trabalho e a convenção coletiva de trabalho igualmente garantidos pela Constituição Federal como fontes formais do Direito do Trabalho não se prestam a validar, a pretexto de flexibilização, a supressão ou a diminuição de direitos trabalhistas indisponíveis. A flexibilização das condições de trabalho apenas pode ter lugar em matéria de salário e de jornada de labor, ainda assim desde que isso importe uma contrapartida em favor da categoria profissional. Recurso Ordinário conhecido e provido. (ROAA - 4100-79.2001.5.13.0000, Relator Ministro: José Luciano de Castilho Pereira, Data de Julgamento: 10/08/2006, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DJ 20/10/2006)

AÇÃO ANULATÓRIA. INTERVALO INTRAJORNADA. REDUÇÃO. FLEXIBILIZAÇÃO. CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO. 1. Ação Anulatória ajuizada pelo Ministério Público impugnando cláusula de convenção coletiva de trabalho. 2. O intervalo mínimo intrajornada constitui medida de higiene, saúde e segurança do empregado, não apenas garantida por norma legal imperativa (CLT, art. 71), como também tutelada constitucionalmente (art. 7º, inc. XXII da CF/88). Comando de ordem pública, é inderrogável pelas partes e infenso mesmo à negociação coletiva: o limite mínimo de uma hora para repouso e/ou refeição somente pode ser reduzido por ato do Ministro do Trabalho (CLT, art. 71, § 3º). 3. O acordo coletivo de trabalho e a convenção coletiva de trabalho, igualmente garantidos pela Constituição Federal como fontes formais do Direito do Trabalho, não se prestam a validar, a pretexto de flexibilização, a supressão ou a diminuição de direitos trabalhistas indisponíveis. A flexibilização das condições de trabalho apenas pode ter lugar em matéria de salário e de jornada de labor, ainda assim desde que isso importe em contrapartida em favor da categoria profissional. 4. Inválida a cláusula de convenção coletiva de trabalho que autoriza a redução para l5 minutos do intervalo mínimo intrajornada para empregados motoristas submetidos a trabalho contínuo superior a seis horas. 5. Recurso Ordinário interposto pelo Sindicato patronal a que se nega provimento. (ROAA - 8198400-15.2003.5.07.0900, Relator Ministro: João Oreste Dalazen, Data de Julgamento: 11/09/2003, Seção Especializada em Dissídios Coletivos, Data de Publicação: DJ 10/10/2003)

O art. 7º da Constituição, ao consentir a adaptação de normas prescritivas de direito do trabalho a conjunturas econômicas adversas, mediante negociação coletiva, reclama exegese condizente com a função historicamente destinada aos sindicatos e afinada com o objetivo de pacificação social. Ao Poder Judiciário se comete o controle de validade e eficácia das normas coletivas apenas para glosar as cláusulas normativas que revelem desapreço ao patamar mínimo de direitos assegurado em fonte jurídica de produção estatal ou que resultem de embates comprovadamente assimétricos.

No julgamento ocorrido no dia 26/set/2016, presentes os vinte e seis ministros, votaram ratificando a presente ratio decidendi, sendo acompanhado o Relator por treze Ministros: José Roberto Freire Pimenta, Delaíde Miranda Arantes, Hugo Carlos Scheuermann, Cláudio Mascarenhas Brandão, Maria Helena Mallmann, Renato de Lacerda Paiva, João Batista Brito Pereira, Lélio Bentes Corrêa, Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, Walmir Oliveira da Costa Maurício Godinho Delgado e Kátia Magalhães Arruda.

Os Ministros Aloysio Corrêa da Veiga e Alexandre Agra Belmonte negam provimento aos embargos por fundamentos próprios. O Ministro Aloysio Corrêa da Veiga os desprovê por entender que a decisão que invalidou a cláusula não violou o art. 7º, XXVI, da Constituição e o Ministro Alexandre Agra Belmonte, pelas razões que exorta em seu voto convergente.

Posto isso, conheço dos embargos por divergência jurisprudencial e, no mérito, nego-lhes provimento com base nas seguintes razões de decidir: 1. Em sistemas jurídicos fundados em valores morais ou éticos, a autonomia privada não é absoluta. 2. Os precedentes do STF, como os precedentes em geral, não comportam leitura e classificação puramente esquemáticas, como se em seus escaninhos se acomodassem, vistos ou não, todos os fragmentos da realidade factual ou jurídica, razão pela qual se afirma, no caso sob exame, a ineficácia da cláusula que, sem qualquer contrapartida, atribuiu à remuneração do tempo in itinere a característica de ser parcela indenizatória, devida sem o adicional de horas extras e sem reflexo no cálculo de outras verbas.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de embargos, por divergência jurisprudencial e, no mérito, por maioria, negar-lhes provimento, adotando-se as razões de decidir: 1. Em sistemas jurídicos fundados em valores morais ou éticos, a autonomia privada não é absoluta; 2. Os precedentes do STF, como os precedentes em geral, não comportam leitura e classificação puramente esquemáticas, como se em seus escaninhos se acomodassem, vistos ou não, todos os fragmentos da realidade factual ou jurídica, razão pela qual se afirma, no caso sob exame, a ineficácia da cláusula que, sem qualquer contrapartida, atribuiu à remuneração do tempo in itinere a característica de ser parcela indenizatória, devida sem o adicional de horas extras e sem reflexo no cálculo de outras verbas. Vencidos os Excelentíssimos Ministros Ives Gandra Martins Filho, Antônio José de Barros Levenhagen, Maria Cristina Yrigoyen Peduzzi e Dora Maria da Costa, que davam provimento ao recurso de embargos para reconhecer a validade da cláusula de acordo coletivo alusiva às horas "in itinere". Ressalvaram razões de decidir, nos termos da fundamentação, os Ministros Relator, José Roberto Freire Pimenta, Delaíde Miranda Arantes, Hugo Carlos Scheuermann, Maria Helena Mallmann, Renato Lacerda Paiva, Lélio Bentes Corrêa, Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Maurício Godinho Delgado e Kátia Magalhães Arruda), João Batista Brito Pereira, Aloysio Corrêa da Veiga, Márcio Eurico Vitral Amaro, Alexandre Agra Belmonte e Cláudio Mascarenhas Brandão.

Brasília, 26 de Setembro de 2016.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

AUGUSTO CÉSAR LEITE DE CARVALHO

Ministro Relator

 


[1] FERRAJOLI, Luigi. Derechos y Garantías: la ley del más débil. Tradução para o espanhol de Perfecto Andrés Ibánez e Andrea Greppi. Madrid: Editorial Trotta, 2006, p. 54: "Los derechos fundamentales se afirman siempre como leyes del más débil em alternativa a la ley del más flerte que regía y regiría em sua ausencia".

[2] Neste tópico, peço venia para reproduzir fragmento de interesse que extraio de artigo que intitulei "A Autodeterminação Coletiva sob Controle do Poder Judiciário" e compôs, para meu regozijo, coletânea em justa homenagem ao Ministro Antônio José de Barros Levenhagen.

[3] O controle é normalmente judicial, mas há o modelo francês (que predominou na Europa até o período entreguerras), em que o controle de constitucionalidade é confiado ao Parlamento, como observa ASENSIO, R. Jiménez. El constitucionalismo: proceso de formación y fundamentos del derecho constitucional. Madrid: Marcial Pons, 2005, pp. 65-83.

[4] BRITTO, Carlos Ayres. Teoria da constituição. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 31.

[5] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. Coimbra: Livraria Almedina, 1998, p. 1220.

[6] Sobre o tema: CARVALHO, Augusto César Leite de. Garantia de indenidade no Brasil: o livre exercício do direito fundamental de ação sem o temor de represália patronal. São Paulo: LTr, 2013, p. 55.

[7] SANCHÍS, Luis Prieto. "Constitucionalismo y garantismo". In: Garantismo: estudios sobre el pensamiento jurídico de Luigi Ferrajoli. Coordenação de Miguel Carbonell e Pedro Salazar. Tradução livre. Madrid: Editorial Trotta, 2005, p. 41. O autor enfatiza: "[...] lo cierto es que el garantismo exige o reposa en una versión particularmente fuerte de constitucionalismo, que pudiéramos llamar constitucionalismo rematerializado o constitucionalismo basado en derechos" (op. cit., p. 43).

[8] ENGELS, Chris, SALAS, Lisa. "La negociación colectiva en Bélgica". In: La Negociación Colectiva en Europa. Coordenação de A. Ojeda Avilés. Tradução livre para o português. Madrid: Imprenta Fareso, 2004, p. 70.

[9] ROJOT, Jacques. "Los convenios colectivos em Francia". In: La Negociación Colectiva en Europa. Coordenação de A. Ojeda Avilés. Tradução livre para o português. Madrid: Imprenta Fareso, 2004, p. 97.

[10] VENEZIANI, Bruno. "La negociación colectiva en Italia". In: La Negociación Colectiva en Europa. Coordenação de A. Ojeda Avilés. Tradução livre para o português. Madrid: Imprenta Fareso, 2004, p. 171.

[11] ASSCHER-VONK. "Los convenios colectivos en los países bajos". In: La Negociación Colectiva en Europa. Coordenação de A. Ojeda Avilés. Tradução livre para o português. Madrid: Imprenta Fareso, 2004, p. 151.

[12] SANDEL, Michael J. Justiça – O Que é Fazer a Coisa Certa. Tradução de Heloisa Matias e Maria Alice Máximo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013, p. 45 ss.

[13] MARTINS FILHO, Ives Gandra. Ética e Ficção. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010, p. 5.

[14] HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Tradução de Flavio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997, p. 20 ss.

[15] Ilustrando o tema: KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 86.

[16] Op. cit.., p. 17. No original: "Me parece que este diagnóstico podría responder a uma suerte de falacia naturalista o, quizá mejor, determinista: nuestros sistemas jurídicos son como son porque no podrían ser de otro modo. El paso irreflexivo del ser al deber ser – importa poco si em clave determinista o apologética – es el peligro que me parece está presente en muchas actuales teorizaciones de la descodificación, la deslegislación o de desregulación. No cabe duda de que uma aproximación realista al derecho y al concreto funcionamento de las instituciones jurídicas es absolutamente indispensable y prévio si no se quiere caer en la opuesta y no menos difusa falacia, idealista y normativista, de quien confunde el derecho con la realidade, las normas con los hechos, los manuales de derecho com la descripción del efectivo funcionamento del derecho mismo".

[17] Ver, a propósito, odia.ig.com.br/noticia/riosemfronteiras - edição de 20/07/2014 e Jornal Nacional - g1.globo.com/jornalnacional/noticia - edição do dia 8/09/2015 e

[18] SÜSSEKIND, Arnaldo et alii. Instituições de Direito do Trabalho. Atualização de Arnaldo Süssekind e Lima Teixeira. Vol. 2. São Paulo: LTr, 2005, p. 803.

[19] BAGOLINI, Luigi. Filosofia do Trabalho. São Paulo: LTr, 1997, p. 55. Mais adiante (p. 59), Bagolini arremata: "Todos podem ter tempo livre, mas nem todos podem gozar do otium. Ao tempo livre corresponde uma ideia realizável de democracia. O otium não é sempre plenamente realizável e por isso é um ideal, não apenas uma ideia; é um ideal no qual se exprime aquilo que está mais profundamente e qualitativamente implícito na natureza e na condição humana, que, portanto, não pode ser exclusivamente reduzido a termos quantitativos, mensuráveis e calculáveis, de uma sucessão temporal de eventos concebida como objetivada no espaço ou em um pseudo-espaço".

[20] SILVEIRA, Andréa Maria. DE LUCCA, Sérgio Roberto. "Estabelecimento de Nexo Causal entre Adoecimento e Trabalho: a Perspectiva Clínica e Individual". In: Patologia do Trabalho. Coordenação de René Mendes. São Paulo: Editora Atheneu, 2013, p. 193.

[21] MONTOYA MELGAR, Alfredo. PIZÁ GRANADOS, Jaime. Curso de Seguridad y Salud en el Trabajo. Tradução livre para o português. Madrid: Ciencias Jurídicas, 2000, p. 111.

[22] SILVA, José Antônio Ribeiro Oliveira de. "Limitação do Tempo de Trabalho e Proteção à Saúde dos Trabalhadores – uma análise dos sistemas jurídicos brasileiro e espanhol". In: Revista LTr 76/10/1189, p. 1191.

[23] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2015, p. 937.

[24]  Brasil arcaico – expressão apropriadamente esgrimida da tribuna, na sustentação oral do douto advogado do autor, para referir-se à atuação do sindicato no caso sob análise .

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