Data da publicação:
Tribunal Pleno
Cláudio Mascarenhas Brandão - TST
Matéria afetada ao Tribunal Pleno. Concessionária de serviço público. Terceirização ilícita. Dano moral coletivo. Configuração. A utilização de mão de obra terceirizada na atividade fim é conduta irregular que atinge os interesses difusos de toda a coletividade de trabalhadores, pois em desacordo com a legislação de proteção ao trabalhador, na medida em que gera perda econômica, exacerba os malefícios à saúde e causa instabilidade no emprego e desestímulo à produtividade. Tratando-se de concessionária de serviço público, os malefícios são ainda maiores, pois a terceirização da atividade fim de empresa estatal gera a substituição indevida de empregados públicos, em flagrante violação à regra do concurso público prevista no art. 37, II, da CF. Assim, no caso em que o TRT, nos autos de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho, reconheceu a terceirização ilícita na área fim da empresa estatal tomadora de serviços, mas indeferiu a pretensão de indenização por danos morais coletivos, deve prevalecer a decisão da turma do TST que condenou tomadora e prestadora de serviços ao pagamento de indenização por danos morais coletivos a ser revertida ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Sob esses fundamentos, o Tribunal Pleno, por unanimidade, conheceu de recurso de embargos, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, por maioria, negou-lhe provimento. Vencido o Ministro Ives Gandra Martins Filho. TST-E-ED-RR-117400-47.2005.5.14.0001, Tribunal Pleno, rel. Min. Cláudio Mascarenhas Brandão, 30.5.2016
Resumo do voto.
Matéria afetada ao Tribunal Pleno. Concessionária de serviço público. Terceirização ilícita. Dano moral coletivo. Configuração. A utilização de mão de obra terceirizada na atividade fim é conduta irregular que atinge os interesses difusos de toda a coletividade de trabalhadores, pois em desacordo com a legislação de proteção ao trabalhador, na medida em que gera perda econômica, exacerba os malefícios à saúde e causa instabilidade no emprego e desestímulo à produtividade. Tratando-se de concessionária de serviço público, os malefícios são ainda maiores, pois a terceirização da atividade fim de empresa estatal gera a substituição indevida de empregados públicos, em flagrante violação à regra do concurso público prevista no art. 37, II, da CF. Assim, no caso em que o TRT, nos autos de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho, reconheceu a terceirização ilícita na área fim da empresa estatal tomadora de serviços, mas indeferiu a pretensão de indenização por danos morais coletivos, deve prevalecer a decisão da turma do TST que condenou tomadora e prestadora de serviços ao pagamento de indenização por danos morais coletivos a ser revertida ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Sob esses fundamentos, o Tribunal Pleno, por unanimidade, conheceu de recurso de embargos, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, por maioria, negou-lhe provimento. Vencido o Ministro Ives Gandra Martins Filho.
A C Ó R D Ã O
RECURSO DE EMBARGOS EM EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO DE REVISTA REGIDO PELA LEI Nº 11.496/2007. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DECISÃO REGIONAL QUE RECONHECE A TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA NA ÁREA FINALÍSTICA DA EMPRESA ESTATAL TOMADORA DOS SERVIÇOS. RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS MORAIS COLETIVOS. CARACTERIZAÇÃO. A Corte de origem reconheceu a terceirização ilícita na área finalística da empresa estatal tomadora dos serviços, o que ora não se discute. Cinge-se a discussão estritamente à configuração da responsabilidade civil por danos morais coletivos. Nesse aspecto, ao contrário do que decidiu o Tribunal Regional e como já prelecionava, há muitos anos, o saudoso Professor Pinho Pedreira, se o indivíduo pode ser vítima de dano moral, não há porque não possa ser alvo a coletividade. Acrescenta, ainda, o autor que "a ação tendente à reparação do dano moral coletivo objetiva ao ressarcimento de um prejuízo abstrato infligido (em nosso caso) a trabalhadores não identificados a que não é devida a indenização, a qual há de ser recolhida a um fundo com destinação social." (PINHO PEDREIRA DA SILVA, Luiz de. O Dano moral nas relações de trabalho. Arquivos do Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino Júnior, vol. 29 – 2005, p. 129-153). Com efeito, desrespeitados valores de interesse de toda a coletividade, a responsabilidade civil perde a sua feição individualista e assume função social hábil a promover o controle ético das condutas praticadas. Ademais, conforme preceitua o artigo 3º da Lei nº 7.347/85, "a ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer." A conjunção "ou" – contida no referido dispositivo, tem, para o Superior Tribunal de Justiça, sentido de adição, ou seja, é possível a cumulação das condenações em obrigações de fazer ou não fazer e indenização pecuniária. No caso, a conduta socialmente reprovável das empresas, ao terceirizar mão de obra de forma indiscriminada na área finalística da CERON, configura ofensa a patrimônio jurídico da coletividade, na medida em que se coloca em rota de colisão com a legislação laboral de proteção ao trabalhador. Isso porque, em vista da observância da isonomia do regime trabalhista entre as empresas estatais e as privadas, prevista no artigo 173, § 1º, II, da Constituição Federal, a noção permissiva de terceirização restringe-se à consecução de atividade-meio. Veja-se que o Decreto-Lei nº 200/67 já previa em seu artigo 10, § 7º, que, "para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e controle e com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução." Contudo, referida autorização legal está adstrita aos serviços de menor complexidade e que não se dirigem diretamente ao público. Para tanto, o Decreto nº 2.271/97, que regulamenta o artigo do Decreto-Lei acima mencionado, dispõe que "no âmbito da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional poderão ser objeto de execução indireta as atividades materiais acessórias, instrumentais ou complementares aos assuntos que constituem área de competência legal do órgão ou entidade" (art. 1º - regra geral). "As atividades de conservação, limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática, copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações e manutenção de prédios, equipamentos e instalações serão, de preferência, objeto de execução indireta." (§ 1º - atividades preferenciais). Por fim, ressalta que "não poderão ser objeto de execução indireta as atividades inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou entidade, salvo expressa disposição legal em contrário ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral de pessoal." A propósito, esse é o entendimento chancelado pelo Tribunal de Contas da União no julgamento da representação formulada em face da Subsecretaria de Assuntos Administrativos do Ministério de Ciência e Tecnologia (Decisão 25/2000 – Plenário – Processo 928.360/1998-9 – DOU de 04/02/2000 – Relator Benjamin Zymler), ao determinar que "nas futuras contratações de firma especializada para prestar serviços que estejam sendo terceirizados, observe as disposições do Decreto nº 2.271/97, de forma a não incluir atividades inerentes a categorias pertencentes a seu plano de cargos". Nessa linha de raciocínio, a prática da terceirização de atividade-fim é equiparada à intermediação ou locação de mão de obra e viola frontalmente o regime de emprego socialmente protegido. Não deve ser chancelada pela Justiça do Trabalho por diversas razões, entre as quais a perda econômica para o trabalhador - por receber salários inferiores àqueles que possuem vínculo permanente -; a exacerbação dos malefícios à saúde - pela falta de instrumentalização adequada das medidas de proteção à saúde e mesmo pela fiscalização inadequada ao cumprimento das normas de segurança e medicina do trabalho; pela maior instabilidade no emprego e ausência de estímulo à produtividade dos trabalhadores terceirizados; e pela falta de organização da categoria profissional. Aprofundando esse raciocínio, afirmam Gabriela Neves Delgado e Helder Santos Amorim que, "a pretexto de firmar um contrato interempresarial de prestação de serviço, com o objetivo de racionalizar seus recursos e lograr bons resultados econômicos, a empresa tomadora expulsa seus empregados de seu círculo de competência central, reduzindo ou praticamente extinguindo seu quadro de emprego, para se beneficiar dessa mão de obra terceirizada em regime de ‘emprego rarefeito’, por contratação indireta, em culto absoluto ao lucro e em total negação à função social da atividade econômica produtiva. Esses trabalhadores continuam formalmente submetidos ao regime de emprego com a empresa prestadora, com aparente adequação à legislação trabalhista, mas agora submetidos à nova lógica do emprego inseguro e precarizado, socialmente vulnerável, o que reduz o padrão de garantia e de eficácia de seus direitos, contrariamente ao espírito promocional dos direitos fundamentais dos trabalhadores, que visam à ‘melhoria de sua condição social’ (Constituição, art. 7º, I)." (DELGADO, Gabriela Neves. Os limites constitucionais da terceirização. 1ª ed. – São Paulo: LTr, 2014, p. 61). Concluem os autores, portanto, que "a empresa tomadora se esquiva de sua função social de ‘empregar’ o trabalho humano com máxima proteção, pelo menos em sua atividade essencial, como fator de produção e, principalmente, como fator de promoção de segurança social dos trabalhadores. Nesse cenário, a própria terceirização em atividade-meio se deslegitima, pois não se põe a serviço da focalização da tomadora em sua atividade-fim, ela própria subcontratada." (op. cit. – p. 61). A potencialidade danosa da terceirização sobre os direitos fundamentais dos trabalhadores também foi defendida com veemência pelo professor da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, Dr. Ricardo Luiz Coutro Antunes (informação verbal), em palestra proferida neste Tribunal Superior do Trabalho, ao considerar que a "nova morfologia do trabalho" – distinguindo-a do regime geral da relação direta e bilateral entre empregado e empregador – é porta de entrada para a precarização dos direitos trabalhistas e possui traços de retorno à escravidão no Brasil. Nesse aspecto, como uma mão à luva, em análise das dez maiores operações de combate ao trabalho escravo realizadas no País pelo Ministério do Trabalho e Emprego constatou-se que, em média, 84,3% dos trabalhadores submetidos a condições análogas a de escravo estavam subcontratados por interposta empresa. Merece destaque, também, o grave esvaziamento da organização sindical, que, por consequência, remete à ineficácia da função social do direito coletivo do trabalho. Isso porque a terceirização de serviços pulveriza a representação sindical dos trabalhadores, visto que enfraquece a força de coalizão para negociar e conquistar a melhoria de suas condições sociais, além de obstaculizar o próprio direito de greve. Não bastasse, a terceirização de atividades finalísticas das empresas estatais consiste na substituição indevida de empregados públicos, em clara violação à regra do concurso público prevista no artigo 37, II, da Constituição Federal. Sendo assim, na defesa do primado dos valores morais que embasam o Direito do Trabalho e com o intuito de resgatar a verdadeira função da norma principiológica do sistema jurídico laboral – princípio protetor -, mostra-se adequadamente fundamentada a decisão proferida pela Eg. 4ª Turma desta Corte ao condenar as rés ao pagamento, cada uma, de indenização por danos morais coletivos, no importe de R$ 50.000,00, a ser revertida ao FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador, conforme expressamente postulado na petição inicial pelo Ministério Público do Trabalho. Recurso de embargos de que se conhece e a que se nega provimento. (TST-E-ED-RR-117400-47.2005.5.14.0001, Tribunal Pleno, rel. Min. Cláudio Mascarenhas Brandão, 19.12.2016).
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Embargos em Embargos de Declaração em Recurso de Revista n° TST-E-ED-RR-117400-47.2005.5.14.0001, em que é Embargante CENTRAIS ELÉTRICAS DE RONDÔNIA S.A.- CERON e são Embargados MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO DA 14ª REGIÃO e OHMES MANUTENÇÃO LTDA..
A Egrégia 4ª Turma deste Tribunal conheceu do recurso de revista interposto pelo Ministério Público do Trabalho da 14ª Região quanto ao tema: "Dano Moral Coletivo – Indenização - Caracterização" e deu-lhe provimento para condenar as rés ao pagamento de indenização por danos coletivos, no importe de R$ 50.000,00, para cada uma, a ser revertida ao FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador (fls. 1.077/1.078).
Aos embargos de declaração que se seguiram (fls. 1.095/1.105) negou-se provimento por meio do acórdão às fls. 1.141/1.142.
A ré, Centrais Elétricas de Rondônia S.A.- CERON, interpõe os presentes embargos, em que aponta violação de dispositivos de lei federal e da Constituição da República e transcreve arestos para o confronto de teses (fls. 1.155/1.191).
Não houve o exame de admissibilidade dos embargos pelo presidente da Turma, uma vez que o recurso foi interposto em 13 de junho de 2011, antes, portanto, do advento do Ato Regimental nº 4, de 14/9/2012, que incluiu o item IX ao artigo 81 do Regimento Interno do Tribunal Superior do Trabalho.
Impugnação ausente, conforme certidão à fl. 1.335.
Consoante certidão à fl. 1.361, a Egrégia Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, em Sessão Extraordinária realizada em 9/12/2014, decidiu, por maioria, afetar ao Tribunal Pleno o julgamento da matéria "Dano Moral Coletivo – Indenização - Caracterização", constante dos presentes autos, os quais me foram distribuídos por sorteio, como relator.
Dispensada a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, nos termos do artigo 83, § 2º, II, do Regimento Interno do Tribunal Superior do Trabalho.
É o relatório.
V O T O
Preliminarmente, determino a retificação da certidão de distribuição, tendo em vista que o julgamento do presente recurso não está regido pela Lei nº 13.015/2014.
Presentes os pressupostos extrínsecos de admissibilidade, passo à análise dos pressupostos intrínsecos do recurso de embargos, que se rege pela Lei nº 11.496/2007.
AÇÃO CIVIL PÚBLICA - DECISÃO REGIONAL QUE RECONHECE A TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA NA ÁREA FINALÍSTICA DA EMPRESA ESTATAL TOMADORA DOS SERVIÇOS - RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS MORAIS COLETIVOS - CARACTERIZAÇÃO
CONHECIMENTO
A Egrégia 4ª Turma deu provimento ao recurso de revista interposto pelo Ministério Público do Trabalho da 14ª Região quanto ao tema em epígrafe. Consignou, para tanto, os seguintes fundamentos:
"O Colegiado Regional negou provimento ao recurso ordinário interposto pelo Ministério Público, para manter o indeferimento do pedido de pagamento de indenização decorrente de dano moral coletivo, no importe de R$ 50.000,00, para cada uma das Rés, com fundamento na inexistência da espécie dano moral coletivo.
A Corte Regional não admite a possibilidade de que haja o deferimento de indenização a título de dano moral coletivo. Para ela, não haveria a espécie dano moral coletivo.
No art. 5º, incisos V e X, da Constituição Federal prevê-se a reparação plena dos danos extrapatrimoniais, quando se refere à indenização por dano moral, sem fazer nenhuma restrição:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
[...]
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
No seu livro intitulado ‘Dano Moral – Múltiplos Aspectos nas Relações de Trabalho’, ao examinar o dano moral coletivo, Irany Ferrari cita vários doutrinadores que admitem a existência de dano moral coletivo (R. Limonge França, Carlos Alberto Bittar Filho, Pinho Pedreira, José Jairo Gomes e Arion Sayão Romita) e, ao final, conclui:
‘Hoje, pode-se afirmar sem medo de errar que a existência do dano moral coletivo é uma realidade inafastável e ele pode acontecer no campo das relações de consumo, da publicidade enganosa, nos segmentos da sociedade ligados à cultura ou ecologia e na seara trabalhista. Nessa esfera, por certo encontrará campo fértil para a sua incidência em virtude da existência de várias hipóteses que são encontradiças na doutrina e também nas decisões judiciais reconhecendo a sua ocorrência’ (Editora LTr: 2008, 3ª edição, pag. 409)
A jurisprudência desta Corte reconhece também a possibilidade de indenização por dano moral coletivo:
‘RECURSO DE REVISTA.TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. É passível de indenização ao Fundo de Amparo a Trabalhador (FAT) o dano moral coletivo, decorrente de terceirização ilícita’ (Processo: RR - 46240-82.2004.5.01.0057 Data de Julgamento: 10/11/2010, Relator Ministro: João Batista Brito Pereira, 5ª Turma, Data de Divulgação: DEJT 19/11/2010).
Constatada a possibilidade de dano moral coletivo, cumpre analisar se este ocorreu no caso em tela.
O pedido formulado pelo Ministério Público tem como causa de pedir o dano causado à coletividade de trabalhadores pela conduta lesiva das Rés, consistente na contratação de empregados pela CERON, mediante terceirização por meio da OHMES, para a prestação de serviços ligados à sua atividade-fim.
A irregularidade da contratação foi constatada pelo Tribunal Regional, ao manter a condenação das duas Rés envolvidas, CERON E OHMES.
À CERON foi determinado o cumprimento de obrigação de não contratar e não utilizar empregados por meio de empresa locadora de mão de obra, ficando estabelecido um prazo de 90 dias para regularizar a terceirização, sob pena de multa cominatória reversível a entidade beneficente.
Já à Ré OHMES, empresa terceirizada, foi imposto abster-se de fornecer trabalhadores permanentes e subordinados à CERON ou a qualquer outra empresa tomadora de serviços existentes no âmbito de competência territorial daquele Regional, para atuar na atividade fim, sob pena de multa diária.
A utilização irregular de mão-de-obra terceirizada para consecução da atividade-fim da empresa tomadora atinge os interesses difusos de toda a coletividade de trabalhadores, pois se trata de comportamento lesivo aos trabalhadores e repudiado pelo ordenamento jurídico pátrio.
Assim, verifica-se que a atividade ilícita das Rés causou dano a toda a coletividade de trabalhadores, do que se conclui pelo deferimento do pedido de indenização, por dano moral coletivo.
Além da capacidade econômica das Rés, considera-se, na fixação do valor da indenização por dano moral coletivo, sua função preventivo-pedagógica.
Há que se consignar ainda que a reparação deve ser revertida a favor da coletividade cujos sentimentos foram atingidos, daí porque a indenização deve ser revertida ao FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador. Esta é a lição de Arion Sayão Romita, no artigo denominado Dano Moral Coletivo:
‘No dano moral coletivo, o sujeito passivo atingido é uma coletividade. E a reparação deve revestir a mesma característica, revertendo a favor da coletividade cujos sentimentos foram afetados’ (Revista do Tribunal Superior do Trabalho, Ano 73, abril a Junho/2007, pag. 79),
Precedentes desta Corte, em que se condena empresas a uma indenização, por dano moral, revertida ao FAT, em razão da ilegalidade na terceirização de mão de obra:
‘RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO. DANO MORAL COLETIVO. REPARAÇÃO. POSSIBILIDADE. AÇÃO CIVIL PÚBLICA VISANDO OBRIGAÇÃO NEGATIVA. OFENSA AO VALOR SOCIAL DO TRABALHO. TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA DE MÃO DE OBRA PARA SERVIÇOS LIGADOS A ATIVIDADE FIM DA EMPRESA. A reparação por dano moral coletivo visa a inibição de conduta ilícita da empresa e atua como caráter pedagógico. A ação civil pública buscou reverter o comportamento da empresa, com o fim de coibir a contratação ilícita de mão de obra para serviços ligados a atividade-fim, por empresa interposta, no ramo da construção, para prevenir lesão a direitos fundamentais constitucionais, como a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho, que atinge a coletividade como um todo, e possibilita a aplicação de multa a ser revertida ao FAT, com o fim de coibir a prática e reparar perante a sociedade a conduta da empresa, servindo como elemento pedagógico de punição. Recurso de revista conhecido e provido, para restabelecer a r. sentença, que condenou a empresa a pagar o valor de R$50.000,00 (cinquenta mil reais) a título de indenização a ser revertida ao FAT. (Processo: RR - 57200-34.2005.5.10.0018 Data de Julgamento: 29/04/2009, Relator Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga, 6ª Turma, Data de Divulgação: DEJT 08/05/2009).
RECURSO DE REVISTA. DANO MORAL COLETIVO. CARACTERIZAÇÃO. A prática de terceirização de mão-de-obra destinada à execução de serviços ligados à atividade-fim da reclamada e à manutenção de empregados sem o contrato de trabalho anotado na CTPS, constitui fraude aos direitos sociais do trabalho constitucionalmente assegurados, atingindo valores essenciais de toda a coletividade de trabalhadores, atuais e potenciais. Desse modo, os danos decorrentes do ato ilícito da reclamada extrapolam a esfera individual, atentando também contra direitos transindividuais de natureza coletiva, definidos no art. 81, parágrafo único, do CDC. Devida, portanto, a indenização por dano moral coletivo, com função preventivo-pedagógica, a ser revertida ao Fundo de Amparo ao Trabalhador. Recurso de revista conhecido e não provido. (RR - 374/2004-037-01-00, 5ª Turma, Min. Kátia Magalhães Arruda, DEJT - 19/06/2009)
Com esses fundamentos, dou provimento ao recurso de revista para condenar as Rés (CERON e OHMES) ao pagamento, cada uma, de uma indenização por danos morais coletivos, no importe de R$ 50.000,00, a ser revertida ao FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador." (fls. 1.083/1.087)
A ré – CERON - sustenta que não há juridicidade alguma na pretensão ao pagamento de indenização por dano moral coletivo, além de significar imposição de dupla penalidade por uma mesma infração legal. Aponta violação dos artigos 3° e 13 da Lei nº 7.347/85 e 75 da CLT. Transcreve arestos para o confronto de teses.
Ressalte-se, inicialmente, que, em decorrência da redação do artigo 894, II, da CLT, conferida pela Lei nº 11.496/2007, a alegação de ofensa a dispositivos de lei federal e da Constituição da República não mais se insere como fundamentação própria para o cabimento do recurso de embargos. Resulta, portanto, imprópria a indicação de afronta aos artigos 3° e 13 da Lei nº 7.347/85 e 75 da CLT.
No entanto, o aresto oriundo da Egrégia 7ª Turma, transcrito às fls. 1.161/1.163 e juntado na íntegra às fls. 1.199/1.233, cuja cópia foi declarada autêntica pelo subscritor do recurso de embargos, revela-se formalmente servível, a teor da Súmula nº 337, I, "a", desta Corte, e específico, nos termos da Súmula nº 296, I, ambas deste Tribunal.
Com efeito, extrai-se da ementa, às fls. 1.077/1.079, a seguinte tese adotada pela Egrégia 4ª Turma:
"[...] A utilização irregular de mão de obra terceirizada, para consecução da atividade-fim da empresa tomadora de serviços, atinge toda a coletividade de trabalhadores, pois se trata de comportamento lesivo aos trabalhadores e repudiado pelo ordenamento jurídico pátrio. A referida prática constitui ofensa ao princípio constitucional da dignidade do trabalhador e do valor social do trabalho e caracteriza fraude aos direitos sociais do trabalho constitucionalmente assegurados (arts. 6º e 7º), atingindo valores essenciais de toda a coletividade de trabalhadores. 6. Assim, verifica-se que a atividade ilícita das Rés causou dano a toda a coletividade de trabalhadores, do que se conclui pelo deferimento do pedido de indenização.[...]"
Por sua vez, o referido aresto adota tese diametralmente oposta, ao consignar:
"[...] 2. Contudo, se não há como aferir a utilização da terceirização como artifício ardiloso com a intenção de furtar-se de obrigação imposta pela legislação trabalhista, embora incida o princípio da primazia da realidade, a situação não representa, por si só, afronta ao valor social do trabalho. 3. A atividade empresarial na busca de soluções operacionais está amparada pelo âmbito de proteção de outro princípio: a livre iniciativa. 4. Circunstância em que permanece respeitado o círculo de valores extrapatrimoniais da coletividade e, por conseguinte, não há falar em indenização por dano moral coletivo. 5. Recurso de revista do reclamado conhecido e provido."
Conheço do recurso de embargos por divergência jurisprudencial.
MÉRITO
Tratam os autos de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho da 14ª Região. A Corte de origem reconheceu a terceirização ilícita na área finalística da empresa estatal tomadora dos serviços, o que ora não se discute. Cinge-se a discussão estritamente à configuração da responsabilidade civil por danos morais coletivos.
O Tribunal Regional condenou a empresa OHMES (prestadora de serviços) na obrigação de não fazer consistente em "se abster de fornecer trabalhadores para atuarem na atividade-fim de empresas tomadoras, no âmbito da competência territorial deste Regional, em caráter permanente e subordinado, sob pena de incidência de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais)". Ademais, manteve a sentença que condenou a paraestatal CERON (Centrais Elétricas de Rondônia S/A) "na obrigação de não contratar e não utilizar empregados através de empresa locadora de mão-de-obra, ficando estabelecido um prazo de 90 (noventa) dias para regularizar a situação da terceirização irregular, sob pena de multa cominatória."
Contudo, indeferiu a pretensão de indenização sob o fundamento de inexistência da "espécie dano moral coletivo", nos seguintes termos: "quanto a atuação do ‘Parquet’, tenho constantemente manifestado o meu reconhecimento pela sua importância, e esperançoso que contribua ainda mais efetivamente com a solução dos grandes problemas que atormentam a sociedade brasileira. No entanto, não chegou as raias de concebê-lo como arauto de sentimentos e dores exclusivamente pessoais, impossíveis de serem mensuradas por quem não seja o próprio interessado/vítima."
Com a devida vênia, se o indivíduo pode ser vítima de dano moral, não há porque não possa ser alvo a coletividade, segundo o entendimento do Professor Pinho Pedreira, esposado há muitos anos. Acrescenta, ainda, o autor que "a ação tendente à reparação do dano moral coletivo objetiva ao ressarcimento de um prejuízo abstrato infligido (em nosso caso) a trabalhadores não identificados a que não é devida a indenização, a qual há de ser recolhida a um fundo com destinação social." (PINHO PEDREIRA DA SILVA, Luiz de. O Dano moral nas relações de trabalho. Arquivos do Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino Júnior, vol. 29 – 2005, p. 129-153)
Nas lições de Xisto Tiago de Medeiros Neto (in Dano Moral Coletivo, São Paulo: LTr, 2014, p. 172), pode ser conceituado: "dano moral coletivo corresponde à lesão a interesse ou direitos de natureza transindividual, titularizados pela coletividade, considerada em seu todo ou em qualquer de suas expressões (grupos, classes ou categorias de pessoas), em decorrência da violação inescusável do ordenamento jurídico".
Trata-se, assim, de instituto jurídico que objetiva a tutela de direitos e interesses transindividuais (difusos, coletivos e individuais homogêneos), os quais, quando violados, também reclamam responsabilidade civil.
Surgiu da evolução do próprio conceito de dano moral e a partir do reconhecimento de que uma determinada comunidade é titular de valores que lhe são próprios, os quais não se confundem com a tutela subjetiva individual dos indivíduos que a compõem, como decorrência natural da transformação pela qual passa o Direito e são de natureza indivisível. Veja-se, a propósito, a precisa lição de Carlos Alberto Bittar Filho:
"Assim como cada indivíduo tem sua carga de valores, também a comunidade, por ser um conjunto de indivíduos, tem uma dimensão ética. Mas é essencial que se assevere que a citada amplificação desatrela os valores coletivos das pessoas integrantes da comunidade quando individualmente consideradas. Os valores coletivos, pois, dizem respeito à comunidade como um todo, independentemente de suas partes. Trata-se, destarte, de valores do corpo, valores esses que não se confundem com os de cada pessoa, de cada célula, de cada elemento da coletividade" (BITTAR FILHO, Carlos Alberto. Do dano moral coletivo no atual contexto jurídico brasileiro. Disponível em . Acesso em: 12 Dez. 2015).
E a reparação dos danos mencionados está expressamente prevista no Código de Defesa do Consumidor (art. 6º, VI) e na Lei nº 7.347/85, art. 1º, caput e inc. IV (sobre ação civil pública), quando se torna necessária a presença do elemento culpa, pois a hipótese é de responsabilidade subjetiva do empregador, pressuposto inafastável e já revelado na conduta ilícita de intermediar mão de obra para desempenho de atividade-fim da empresa tomadora dos serviços.
O encontro nacional de estudiosos do Direito do Trabalho, na 1ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, estampou tal entendimento no Enunciado nº 76:
76. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REPARAÇÃO DE DANO MORAL COLETIVO. TRABALHO FORÇADO OU EM CONDIÇÕES DEGRADANTES. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO.
I – Alegada a utilização de mão-de-obra obtida de forma ilegal e aviltante, sujeitando o trabalhador a condições degradantes de trabalho, a trabalho forçado ou a jornada exaustiva, cabe Ação Civil Pública de reparação por dano moral coletivo.
II – Legitimidade do Ministério Público do Trabalho para o ajuizamento da ação civil pública na tutela de interesses coletivos e difusos, uma vez que a referida prática põe em risco, coletivamente, trabalhadores indefinidamente considerados.
Não há dúvida, por fim, quanto à possibilidade de tutela judicial dos interesses coletivos, na precisa lição de Barbosa Moreira, citado no trabalho mencionado:
"Em muitos casos, o interesse em jogo, comum a uma pluralidade indeterminada (e praticamente indeterminável) de pessoas, não comporta decomposição num feixe de interesses individuais que se justapusessem como entidades singulares, embora análogas. Há, por assim dizer, uma comunhão indivisível de que participam todos os possíveis interessados, sem que se possa discernir, sequer idealmente, onde acaba a "quota" de um e onde começa a de outro. Por isso mesmo, instaura-se entre os destinos dos interessados tão firme união, que a satisfação de um só implica de modo necessário a satisfação de todas; e, reciprocamente, a lesão de um só constitui, ipso facto, lesão da inteira coletividade. Por exemplo: teme-se que a realização de obra pública venha a causar danos graves à flora e à fauna da região, ou acarrete a destruição de monumento histórico ou artístico. A possibilidade de tutela do "interesse coletivo" na preservação dos bens em perigo, caso exista, necessariamente se fará sentir de modo uniforme com relação à totalidade dos interessados. Com efeito, não se concebe que o resultado seja favorável a alguns e desfavorável a outros. Ou se preserva o bem, e todos os interessados são vitoriosos; ou não se preserva, e todos saem vencidos". (MOREIRA, José Carlos Barbosa. Tutela Jurisdicional dos Interesses Coletivos ou Difusos. In Temas de Direito Processual (Terceira Série). São Paulo: Saraiva, 1984. p. 195-196).
Tal situação tem sido reiterada na jurisprudência do TST:
"AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A. EM FACE DE DECISÃO PUBLICADA ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. (...) AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO SINDICATO DOS EMPREGADOS EM ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS E SIMILARES OU CONEXOS DE LONDRINA E REGIÃO EM FACE DE DECISÃO PUBLICADA ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. DANO MORAL COLETIVO. REITERADO DESCUMPRIMENTO DA LEGISLAÇÃO TRABALHISTA. Dá-se provimento ao agravo de instrumento para determinar o processamento dos recursos de revista, uma vez que se constata aparente divergência jurisprudencial. RECURSOS DE REVISTA INTERPOSTOS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO DA 9ª REGIÃO E PELO SINDICATO DOS EMPREGADOS EM ESTABELECIMENTOS BANCÁRIOS E SIMILARES OU CONEXOS DE LONDRINA E REGIÃO EM FACE DE DECISÃO PUBLICADA ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. DANO MORAL COLETIVO. REITERADO DESCUMPRIMENTO DA LEGISLAÇÃO TRABALHISTA. O desrespeito aos direitos trabalhistas não pode ser considerado uma opção pelo empregador, tampouco merece ser tolerado pelo Poder Judiciário, sobretudo em um Estado Democrático de Direito, em que a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho representam fundamentos da República (art. 1º, III e IV). No caso, a caracterização do dano moral coletivo dispensa a prova do efetivo prejuízo financeiro ou do dano psíquico dele decorrente, pois a lesão decorre do próprio ilícito, configurado pelo reiterado descumprimento da legislação trabalhista concernente aos limites da jornada e à concessão dos intervalos previstos em lei, indispensáveis à saúde, segurança e higidez física e mental dos trabalhadores. Recursos de revista de que se conhece e a que se dá provimento." (RR - 600300-76.2008.5.09.0673 , Relator Ministro: Cláudio Mascarenhas Brandão, Data de Julgamento: 16/03/2016, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 22/03/2016);
"RECURSO DE REVISTA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LIDES SIMULADAS. Utilização do Poder Judiciário como mecanismo para fraudar direitos trabalhistas. ATO ATENTATÓRIO À DIGNIDADE DA JUSTIÇA. DANO MORAL COLETIVO. CONFIGURAÇÃO. 1. O dano moral coletivo, no âmbito das relações laborais, caracteriza-se quando a conduta antijurídica perpetrada contra trabalhadores transcende o interesse jurídico individualmente considerado e atinge interesses metaindividuais socialmente relevantes para a coletividade. 2. Assinale-se que a jurisprudência em formação nesta Corte Superior vem consolidando o entendimento de que os direitos individuais homogêneos não constituem obstáculo à configuração do dano moral coletivo, quando demonstrada a prática de ato ilícito, cuja repercussão transcende os interesses meramente individuais, de modo a atingir toda a coletividade. 3. Na hipótese, o expediente escuso e reiterado, consistente na simulação de lides perante a Justiça do Trabalho, com objetivo exclusivo de quitar verbas rescisórias, em total afronta às disposições do art. 477 da CLT, causa prejuízo aos trabalhadores individualmente identificáveis e precariza os direitos assegurados pela ordem jurídica, configurando ofensa ao patrimônio moral coletivo, passível de reparação. Isso porque a conduta ilícita de utilização do Poder Judiciário como mecanismo para fraudar direitos trabalhistas, além de lesar a dignidade do trabalhador individualmente considerado, direito fundamental garantido pela Constituição da República (CF, art. 1º, III), atenta, em última análise, contra a dignidade da própria Justiça, manchando a credibilidade do Poder Judiciário, o que, por certo, atinge toda a sociedade. 4. Nesse contexto, configurado o ato ilícito, cuja repercussão transcende os interesses individuais, além da já concedida tutela inibitória destinada a vedar a utilização da Justiça do Trabalho como órgão homologador de acordo em lide simulada, em atenção ao que dispõem os arts. 5°, V e X, da Constituição da República e 186 do Código Civil, impõe-se à empresa ré, considerando-se a natureza e gravidade do dano, as circunstâncias do caso concreto, o caráter pedagógico-preventivo e punitivo e, ainda, observada a sua condição econômica, a condenação ao pagamento de indenização por dano moral coletivo no importe de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), reversíveis ao Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT. Recurso de revista conhecido e provido." (RR - 12400-59.2006.5.24.0061 , Relator Ministro: Walmir Oliveira da Costa, Data de Julgamento: 17/08/2011, 1ª Turma, Data de Publicação: 26/08/2011);
"RECURSO DE REVISTA. [...] CONDUTA ANTISSINDICAL. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL COLETIVO. POSSIBILIDADE. A egrégia Corte Regional consignou que a ré, ao contratar seus empregados, exigia que eles firmassem um termo declarando não fazerem parte de diretoria ou organização sindical. Concluiu, então, que tal conduta se caracterizava como antissindical, porquanto tinha o condão de afastar os empregados dos órgãos representativos da categoria profissional correspondente, afrontando, assim, o princípio da liberdade sindical. Nesse passo, condenou a ré ao pagamento de dano moral coletivo, no montante de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), reversíveis ao FAT - Fundo de Amparo ao Trabalhador. Esta colenda Corte Superior firmou sua jurisprudência no sentido de entender possível a condenação ao pagamento de indenização por dano moral coletivo daquele que lesa a moral de uma determinada comunidade, bem como a possibilidade de reversão da indenização ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). No tocante à possibilidade de condenação ao pagamento por dano moral coletivo, entende-se que a ofensa a valores consagrados em uma coletividade determinada ou determinável são plenamente passíveis de reparação, e que a ação civil pública, enquanto instrumento de tutela jurisdicional de direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos, é meio hábil para a busca daquela compensação. A hipótese reversão do produto da condenação em espécie na referida demanda ao Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT -, encontra, de igual sorte, guarida nesta Corte, notadamente diante do que preveem os artigos 13 da Lei nº 7.473/1985 e 10 da Lei nº 7.998/1990. Recurso de revista não conhecido. [...]" (RR - 51500-08.2005.5.03.0007 , Relator Ministro: Guilherme Augusto Caputo Bastos, Data de Julgamento: 24/11/2010, 2ª Turma, Data de Publicação: 17/12/2010).
A caracterização do dano moral coletivo dispensa a prova do dano psíquico dele decorrente. Nesse sentido são os ensinamentos de Leonardo Roscoe Bessa (in Revista de Direito do Consumidor: "Dano Moral Coletivo" p. 103-104), também registrados por Xisto Tiago de Medeiros Neto (in Dano Moral Coletivo, São Paulo: LTr, 2014, p. 171):
"o dano extrapatrimonial, na área de direitos metaindividuais, decorre da lesão em si a tais interesses, independentemente de afetação paralela de patrimônio ou de higidez psicofísica. (...) Em outros termos, há que se perquirir, analisando a conduta lesiva em concreto, se o interesse que se buscou proteger foi atingido. (...)
(...) A dor psíquica ou, de modo mais genérico, a afetação da integridade psicofísica da pessoa ou da coletividade não é pressuposto para caracterização do dano moral coletivo (....). Embora a afetação negativa do estado anímico (individual ou coletivo) possa ocorrer, em face dos mais diversos meios de ofensa a direitos difusos e coletivos, a configuração do denominado dano moral coletivo é absolutamente independente desse pressupostos. (...).
A propósito, registre-se que o precedente do STJ (Recurso Especial nº 598.281 – MG – DJ: 01/06/2006 – Relator: Ministro Teori Zavascki), transcrito no acórdão regional, no sentido de que o dano moral está intrinsicamente vinculado à noção de dor, de sofrimento psíquico, e como tal tem caráter exclusivamente individual, sofreu evolução jurisprudencial. À guisa de exemplo, cito o voto de lavra da Ministra Eliana Calmon, julgado em 24/09/2013:
"AMBIENTAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. PROTEÇÃO E PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE. COMPLEXO PARQUE DO SABIÁ. OFENSA AO ART. 535, II, DO CPC NÃO CONFIGURADA. CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÕES DE FAZER COM INDENIZAÇÃO PECUNIÁRIA. ART. 3º DA LEI 7.347/1985. POSSIBILIDADE. DANOS MORAIS COLETIVOS. CABIMENTO. 1. Não ocorre ofensa ao art. 535 do CPC, se o Tribunal de origem decide, fundamentadamente, as questões essenciais ao julgamento da lide. 2. Segundo a jurisprudência do STJ, a logicidade hermenêutica do art. 3º da Lei 7.347/1985 permite a cumulação das condenações em obrigações de fazer ou não fazer e indenização pecuniária em sede de ação civil pública, a fim de possibilitar a concreta e cabal reparação do dano ambiental pretérito, já consumado. Microssistema de tutela coletiva. 3. O dano ao meio ambiente, por ser bem público, gera repercussão geral, impondo conscientização coletiva à sua reparação, a fim de resguardar o direito das futuras gerações a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. 4. O dano moral coletivo ambiental atinge direitos de personalidade do grupo massificado, sendo desnecessária a demonstração de que a coletividade sinta a dor, a repulsa, a indignação, tal qual fosse um indivíduo isolado. 5. Recurso especial provido, para reconhecer, em tese, a possibilidade de cumulação de indenização pecuniária com as obrigações de fazer, bem como a condenação em danos morais coletivos, com a devolução dos autos ao Tribunal de origem para que verifique se, no caso, há dano indenizável e fixação do eventual quantum debeatur." - destaquei (RECURSO ESPECIAL Nº 1.269.494 - MG (2011/0124011-9) – DJe: 01/10/2013).
No presente caso, a lesão decorre da própria conduta socialmente reprovável das empresas envolvidas. Isso porque, em vista da observância da isonomia do regime trabalhista entre as empresas estatais e as privadas, prevista no artigo 173, § 1º, II, da Constituição Federal, a noção permissiva de terceirização restringe-se à consecução de atividade-meio.
Veja-se que o Decreto-Lei nº 200/67 já previa em seu artigo 10, § 7º, que, "para melhor desincumbir-se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão e controle e com o objetivo de impedir o crescimento desmesurado da máquina administrativa, a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução."
Contudo, referida autorização legal está adstrita aos serviços de menor complexidade e que não se dirigem diretamente ao público. Para tanto, o Decreto nº 2.271/97, que regulamenta o artigo do Decreto-Lei acima mencionado, dispõe que "no âmbito da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional poderão ser objeto de execução indireta as atividades materiais acessórias, instrumentais ou complementares aos assuntos que constituem área de competência legal do órgão ou entidade" (art. 1º - regra geral). "As atividades de conservação, limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática, copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações e manutenção de prédios, equipamentos e instalações serão, de preferência, objeto de execução indireta." (§ 1º - atividades preferenciais). Por fim, ressalta que "não poderão ser objeto de execução indireta as atividades inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou entidade, salvo expressa disposição legal em contrário ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral de pessoal."
Não é outro o entendimento chancelado pelo Tribunal de Contas da União no julgamento da representação formulada em face da Subsecretaria de Assuntos Administrativos do Ministério de Ciência e Tecnologia (Decisão 25/2000 – Plenário – Processo 928.360/1998-9 – DOU de 04/02/2000 – Relator Benjamin Zymler), ao determinar que "nas futuras contratações de firma especializada para prestar serviços que estejam sendo terceirizados, observe as disposições do Decreto nº 2.271/97, de forma a não incluir atividades inerentes a categorias pertencentes a seu plano de cargos".
Nessa linha de raciocínio, a terceirização de atividade-fim é prática vedada pelos princípios que protegem o trabalho humano, salvo nas hipóteses excepcionais e transitórias, como no trabalho temporário. Não deve ser chancelada pela Justiça do Trabalho por diversas razões, entre as quais a perda econômica para o trabalhador - por receber salários inferiores àqueles que possuem vínculo permanente -; a exacerbação dos malefícios à saúde - pela falta de instrumentalização adequada das medidas de proteção à saúde e mesmo pela fiscalização inadequada ao cumprimento das normas de segurança e medicina do trabalho; pela maior instabilidade no emprego e ausência de estímulo à produtividade dos trabalhadores terceirizados; e pela falta de organização da categoria profissional.
Não se trata, por conseguinte, de validar, principalmente de forma ampla como se pretende, a precarização dos direitos sociais e fragmentação da categoria profissional, consequências inexoráveis da pretensão empresarial.
A prática da terceirização não deve servir de pano de fundo para redução de custos, sobretudo porque, na sua origem, foi concebida no âmbito da administração de empresas como forma de especialização do processo produtivo e otimização dos recursos materiais e humanos; não para barateamento de mão de obra.
Aliás, outra não é a diretriz estabelecida no artigo 170 da Constituição, ao fixar os princípios regentes da ordem econômica e social, dentre os quais a valorização do trabalho humano e a garantia de existência digna (caput), traçando estreita correlação com os fundamentos do Estado Democrático de Direito definidos no artigo 1º da mesma Constituição.
A propósito, cito os seguintes julgados da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais desta Corte, em que se concluiu que o artigo 25 da Lei nº 8.987/95 – que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos no art. 175 da Constituição Federal, e dá outras providências -, não autoriza a terceirização de atividade-fim das empresas concessionárias de serviços públicos de energia elétrica:
"RECURSO DE EMBARGOS INTERPOSTO PELA PRIMEIRA RECLAMADA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO DE REVISTA COM AGRAVO. EMPRESA CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO DE ENERGIA ELÉTRICA. ELETRICISTA. MANUTENÇÃO DA REDE DE ENERGIA ELÉTRICA. TERCEIRIZAÇÃO. ATIVIDADE FIM. ARTIGO 25 DA LEI Nº 8.987/95. ILICITUDE. 1. Esta Subseção Especializada em Dissídios Individuais, ao analisar o processo nº TST-E-RR-586341-05.1999.5.18.5555, concluiu que o artigo 25 da Lei nº 8.987/95 não autoriza a terceirização de atividade fim das empresas concessionárias de serviços públicos de energia elétrica, na qual se insere a manutenção da rede de energia elétrica, hipótese dos autos. 2. Naquela ocasião, entendeu-se que o referido dispositivo legal não tem o condão de permitir a terceirização da atividade fim das empresas concessionárias de serviços públicos, sob pena de se conflitar com o eixo fundamental da legislação trabalhista, na medida em que, no conceito de empregado e empregador, vinculadas as atividades daquele às atividades essenciais deste, sempre se teria uma pessoa interposta. Assim, não se teria mais uma relação bilateral, mas sim trilateral ou plurilateral, em detrimento da legislação trabalhista que protege o trabalho e a dignidade da pessoa humana. 3. Ademais, ressaltou-se que, a edição da Súmula nº 331 por este Tribunal Superior do Trabalho, em conformidade com princípios e normas constitucionais e trabalhistas, representa um marco jurisprudencial para o fenômeno da terceirização nas relações de trabalho no Brasil, na medida em que compatibilizou os princípios da valorização do trabalho humano e da livre concorrência e equilibrou a relação entre o trabalho e o capital. 4. Por fim, impende registrar que esta SDI-1, na sessão realizada no dia 8/8/2013, reiterou esse entendimento no julgamento do processo nº TST-E-ED-RR- 36600-21.2011.5.21.0003, em que se examinou a questão alusiva à terceirização das atividades de agente de cobrança, leiturista e eletricista em empresa concessionária de energia elétrica. Recurso de embargos conhecido e não provido. " (E-ED-ARR - 103000-07.2009.5.05.0561 , Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, Data de Julgamento: 12/02/2015, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 20/03/2015);
" EMBARGOS INTERPOSTOS SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 11.496/2007. TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. VÍNCULO DE EMPREGO. CONCESSIONÁRIA DE ENERGIA ELÉTRICA. "AUXILIAR DE ATENDIMENTO". ATENDIMENTO DE CLIENTES. ATIVIDADE-FIM. LEI Nº 8.987/95. SÚMULA Nº 331, I E III, DO TST 1. A interpretação sistemática dos arts. 25, caput e parágrafos, e 26 da Lei nº 8.987/95 permite concluir que a denominada "Lei das Concessões" autoriza as concessionárias de serviço público a firmarem parcerias com outras empresas com o objetivo de promover terceirizações em sentido amplo de parte de seu processo produtivo. Não há autorização legal, contudo, para a terceirização de serviços em sentido estrito, com a perspectiva de precarização das condições de trabalho dos empregados contratados sob tais condições. 2. Insere-se na atividade-fim de empresa concessionária de energia elétrica o exercício, por empregada da fornecedora de mão de obra, de funções administrativas concernentes ao atendimento de clientes, diretamente relacionadas ao fornecimento de energia elétrica. 3. Configurada a terceirização de atividade-fim, impõem-se a declaração de ilicitude da contratação mediante empresa interposta e o reconhecimento do vínculo empregatício entre a trabalhadora terceirizada e a empresa tomadora dos serviços, à luz do disposto nos arts. 2º, 3º e 9º da CLT, de incidência cogente e imperativa a toda e qualquer relação de trabalho. Precedentes da SbDI-1 do TST. Incidência da Súmula nº 331, I, do TST 4. Embargos de que se conhece, por divergência jurisprudencial, e a que se nega provimento." (E-ED-RR - 1131-59.2010.5.05.0013 , Relator Ministro: João Oreste Dalazen, Data de Julgamento: 12/02/2015, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 20/02/2015);
"EMBARGOS REGIDOS PELA LEI Nº 11.496/2007. TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. EMPRESA DE TELECOMUNICAÇÕES. SERVIÇOS DE PROGRAMAÇÃO E REPARAÇÃO DE EQUIPAMENTOS DA REDE DE TELEFONIA. INTERPRETAÇÃO DOS ARTIGOS 25, § 1º, DA LEI Nº 8.987/95 E 94, INCISO II, DA LEI Nº 9.472/97 E APLICAÇÃO DA SÚMULA Nº 331, ITENS I E III, DO TST. VÍNCULO DE EMPREGO ENTRE A TOMADORA DE SERVIÇOS E O TRABALHADOR TERCEIRIZADO. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE Nº 10 DO STF. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. 1. O serviço de programação de equipamentos e reparação de falhas de equipamentos da rede de telefonia é atividade-fim, e não atividade-meio, das empresas concessionárias de serviço de telecomunicações. Assim, em observância à Súmula nº 331, itens I e III, do TST, que consagrou o entendimento de que a terceirização só se justifica quando implicar a contratação da prestação de serviços especializados por terceiros em atividades-meio, que permitam a concentração dos esforços da empresa tomadora em suas atividades precípuas e essenciais, tem-se que a terceirização desses serviços de programação e reparação de equipamentos da rede de telefonia pelas empresas de telecomunicações configura intermediação ilícita de mão de obra, devendo ser reconhecido o vínculo de emprego desses trabalhadores terceirizados diretamente com os tomadores de seus serviços. 2. Com efeito, considerando que o serviço de telecomunicações, consoante o artigo 60, § 1º, da Lei nº 9.472/1997 (Lei Geral de Telecomunicações), é o conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicações por intermédio de transmissão, emissão ou recepção de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza, tem-se que a prestação de serviços vinculados à implantação e manutenção de redes de acesso, equipamentos e sistemas de telecomunicações está inserida nas atividades essenciais da empresa, circunstância que desautoriza a prática da terceirização no setor. Assim, extrai-se do referido dispositivo que o intuito primordial das empresas de telecomunicação não é somente a telecomunicação propriamente dita, definida no parágrafo primeiro, mas, sobretudo, o oferecimento dos serviços de telecomunicação à sociedade, o que é possibilitado pela atividade de programação e reparação de equipamentos da rede de telefonia. 3. Por outro lado, a Lei nº 8.987/95, que disciplina a atuação das empresas concessionárias e permissionárias de serviço público em geral, e a Lei nº 9.472/97, que regula as concessões e permissões no setor das telecomunicações, são normas de Direito Administrativo e, como tais, não foram promulgadas para regular matéria trabalhista e não podem ser interpretadas e aplicadas de forma literal e isolada, como se operassem em um vácuo normativo. Por isso mesmo, a questão da licitude e dos efeitos da terceirização deve ser decidida pela Justiça do Trabalho exclusivamente com base nos princípios e nas regras que norteiam o Direito do Trabalho, de forma a interpretá-las e, eventualmente, aplicá-las de modo a não esvaziar de sentido prático ou a negar vigência e eficácia às normas trabalhistas que, em nosso País, disciplinam a prestação do trabalho subordinado, com a aniquilação do próprio núcleo essencial do Direito do Trabalho - o princípio da proteção do trabalhador, a parte hipossuficiente da relação de emprego, e as próprias figuras do empregado e do empregador. 4. Assim, não se pode mesmo, ao se interpretarem o § 1º do artigo 25 da Lei nº 8.987/95 e o artigo 94, inciso II, da Lei nº 9.472/97, que tratam da possibilidade de contratar com terceiros o desenvolvimento de -atividades inerentes- ao serviço, expressão polissêmica e marcantemente imprecisa que pode ser compreendida em várias acepções, concluir pela existência de autorização legal para a terceirização de quaisquer de suas atividades-fim. Isso, em última análise, acabaria por permitir, no limite, que elas desenvolvessem sua atividade empresarial sem ter em seus quadros nenhum empregado, e sim, apenas, trabalhadores terceirizados. 5. Ademais, quando os órgãos fracionários dos Tribunais trabalhistas interpretam preceitos legais como os ora examinados, não estão eles, absolutamente, infringindo o disposto na Súmula Vinculante nº 10, tampouco violando o artigo 97 da Constituição Federal, que estabelece a cláusula de reserva de plenário para a declaração de inconstitucionalidade das leis em sede de controle difuso, pois não se estará, nesses casos, nem mesmo de forma implícita, deixando de aplicar aqueles dispositivos legais por considerá-los inconstitucionais. 6. A propósito, apesar da respeitável decisão monocrática proferida em 9/11/2010 no âmbito do Supremo Tribunal Federal, da lavra do ilustre Ministro Gilmar Mendes (Rcl 10132 MC/PR - Paraná), na qual, em Juízo sumário de cognição e em caso semelhante a este, pela possibilidade de ter sido contrariada a Súmula Vinculante nº 10 daquela Corte, deferiu-se o pedido de medida liminar formulado por uma empresa concessionária dos serviços de telecomunicações para suspender, até o julgamento final da reclamação constitucional, os efeitos de acórdão proferido por uma das Turmas do TST, a qual adotou o entendimento de que aqueles preceitos legais não autorizam, por si sós, a terceirização de atividades-fim por essas concessionárias de serviços públicos, verifica-se que essa decisão, a despeito de sua ilustre origem, não corresponde, data venia, ao entendimento, até agora, majoritário no âmbito daquele excelso Pretório. Com efeito, a pesquisa da jurisprudência daquela Suprema Corte revelou que foi proferida, mais recentemente, quase uma dezena de decisões monocráticas por vários outros Ministros do STF (Ministros Carlos Ayres Britto, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia Antunes Rocha, Joaquim Barbosa e Luiz Fux) em que, em casos semelhantes a este, decidiu-se, ao contrário daquele primeiro precedente, não ter havido contrariedade à Súmula Vinculante nº 10, mas mera interpretação dessas mesmas normas infraconstitucionais, nem, muito menos, violação direta (mas, se tanto, mera ofensa oblíqua e reflexa) a qualquer preceito constitucional nas decisões do TST pelas quais, ao se interpretarem aqueles dispositivos das Leis 8.987/95 e 9.472/97, considerou-se que essas não autorizam a terceirização das atividades-fim pelas empresas concessionárias dos serviços públicos em geral e, especificamente, na área de telecomunicações, negando-se, assim, provimento aos agravos de instrumento interpostos contra as decisões denegatórias de seguimento dos recursos extraordinários daquelas empresas. 7. O entendimento aqui adotado já foi objeto, também, de reiteradas decisões, por maioria, da SBDI-1 desta Corte em sua composição completa (E-ED-RR-586341- 05.1999.5.18.5555, Redator designado Ministro Vieira de Mello Filho, data de Julgamento: 29/5/2009 - DEJT de 16/10/2009; E-RR-134640-23.2008.5.03. 0010, Relatora Ministra Maria de Assis Calsing, data de Julgamento: 28/06/2011, DEJT de 10/8/2012). 8. Aliás, esse posicionamento também não foi desautorizado nem superado pelos elementos trazidos à consideração dos Ministros do TST na Audiência Pública ocorrida no TST nos dias 4 e 5 de outubro de 2011 e convocada pela Presidência desse Tribunal, os quais foram de grande valia para a sedimentação do entendimento ora adotado. Os vastos dados estatísticos e sociológicos então apresentados corroboraram as colocações daqueles que consideram que a terceirização das atividades-fim é um fator de precarização do trabalho, caracterizando-se pelos baixos salários dos empregados terceirizados e pela redução indireta do salário dos empregados das empresas tomadoras, pela ausência de estímulo à maior produtividade dos trabalhadores terceirizados e pela divisão e desorganização dos integrantes da categoria profissional que atua no âmbito das empresas tomadoras, com a consequente pulverização da representação sindical de todos os trabalhadores interessados. 9. A questão da ilicitude da terceirização das atividades-fim no âmbito das empresas concessionárias dos serviços públicos de telecomunicações foi novamente objeto de deliberação por esta Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SBDI-1), em 8/11/2012, em sua composição completa, no julgamento do Processo E-ED-RR-2938-13.2010.5.12. 0016 (DEJT de 26/3/2013), em que este Relator foi designado Redator, a qual, por sua maioria (oito votos contra seis) reafirmou e consolidou o entendimento pela ilicitude dessa terceirização de serviços. 10. É importante ressaltar, por fim, que decisões como esta não acarretam o desemprego dos trabalhadores terceirizados, pois não eliminam postos de trabalho alguns. Essas apenas declaram que a verdadeira empregadora desses trabalhadores é a empresa concessionária tomadora de seus serviços, que, por outro lado, continua obrigada a prestar esses serviços ao consumidor em geral - só que, a partir de agora, exclusivamente na forma da legislação trabalhista, isto é, por meio de seus próprios empregados. 11. Por outro lado e depois de se superar a errônea alegação da reclamada de que os artigos 25 da Lei nº 8.987/95 e 94 da Lei nº 9.472/97, ao permitirem a terceirização de todos os serviços inerentes à sua atividade de concessionária, estariam autorizando a terceirização de suas atividades-fim, é preciso também proclamar que o Tribunal Regional corretamente registrou, de forma expressa, que a atividade do reclamante como programador e reparador de equipamentos da rede de telefonia era diretamente relacionada com o objeto social (ou seja, com a atividade-fim) da reclamada. 12. Assim, diante da ilicitude da terceirização do serviço de programação e reparação de equipamentos da rede de telefonia prestado pelo reclamante no âmbito da empresa de telecomunicações reclamada, deve ser reconhecida a existência, por todo o período laborado, de seu vínculo de emprego diretamente com a concessionária de serviços de telefonia, nos exatos moldes do item I da Súmula nº 331 do TST, com o consequente pagamento, pela verdadeira empregadora e por suas litisconsortes, coautoras desse ato ilícito, de forma solidária, nos termos do artigo 942 do Código Civil, de todos os direitos trabalhistas assegurados pela primeira a seus demais empregados. Embargos conhecidos e providos." ( E-ED-RR - 113100-24.2007.5.09.0094 , Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 11/12/2014, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 19/12/2014);
"VÍNCULO DE EMPREGO. TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. CONCESSIONÁRIA DE ENERGIA ELÉTRICA. -LEITURISTA-. ATIVIDADE-FIM. LEI Nº 8.987/95. SÚMULA Nº 331, I E III, DO TST 1. A interpretação sistemática dos arts. 25, caput e parágrafos, e 26 da Lei nº 8.987/95 permite concluir que a denominada -Lei das Concessões- autoriza as concessionárias de serviço público a firmarem parcerias com outras empresas com o objetivo de promover terceirizações em sentido amplo de parte de seu processo produtivo. Não há autorização legal, contudo, para a terceirização de serviços em sentido estrito, com a perspectiva de precarização das condições de trabalho dos empregados contratados sob tais condições. 2. Insere-se na atividade-fim de empresa concessionária do serviço público de fornecimento de energia elétrica o exercício, por empregado da fornecedora de mão de obra, da função de -leiturista-, que compreende a aferição de relógios de indicação de consumo de energia elétrica. 3. Configurada a terceirização de atividade-fim, impõem-se a declaração de ilicitude da contratação mediante empresa interposta e o reconhecimento do vínculo empregatício entre o trabalhador terceirizado e a empresa tomadora dos serviços, à luz do disposto nos arts. 2º, 3º e 9º da CLT, de incidência cogente e imperativa a toda e qualquer relação de trabalho. Precedentes da SbDI-1 do TST. 4. Embargos de que não se conhece. Incidência do item I da Súmula nº 331 do TST. " (E-ED-RR - 1521-87.2010.5.05.0511 , Relator Ministro: João Oreste Dalazen, Data de Julgamento: 23/10/2014, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 21/11/2014);
"RECURSO DE EMBARGOS - REGÊNCIA PELA LEI Nº 11.496/2007 - EMPRESA CONCESSIONÁRIA DE ENERGIA ELÉTRICA - ELETRICISTA - TERCEIRIZAÇÃO DE ATIVIDADE FIM - ILICITUDE - VÍNCULO DE EMPREGO DIRETAMENTE COM A TOMADORA. A Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão de prestação de serviços públicos, ostenta natureza administrativa e, como tal, ao tratar, em seu art. 25, da contratação com terceiros de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço concedido, não autorizou a terceirização da atividade fim das empresas do setor elétrico. Isso porque, esse diploma administrativo não aborda matéria trabalhista, nem seus princípios, conceitos e institutos, cujo plano de eficácia é outro. A legislação protege, substancialmente, um valor: o trabalho humano, prestado em benefício de outrem, de forma não eventual, onerosa e sob subordinação jurídica, apartes à já insuficiente conceituação individualista. E o protege sob o influxo de outro princípio maior, o da dignidade da pessoa humana. Não se poderia, assim, dizer que a norma administrativista, preocupada com princípios e valores do Direito Administrativo, viesse derrogar o eixo fundamental da legislação trabalhista, que é o conceito de empregado e empregador, jungido que está ao conceito de contrato de trabalho, previsto na CLT. O enunciado da Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho guarda perfeita harmonia com princípios e normas constitucionais e trabalhistas e trouxe um marco teórico e jurisprudencial para o fenômeno da terceirização nas relações de trabalho no Brasil, importante para o desenvolvimento social e econômico do País, já que compatibilizou os princípios da valorização do trabalho humano e da livre concorrência e equilibrou a relação entre o capital e o trabalho. Constatado que o autor prestava serviços exclusivamente à reclamada, com exercício de atividade fim desta, inerente às atividades de auxiliar de eletricista, de responsabilidade da empresa concessionária de serviços de energia elétrica, há de se reconhecer a ilicitude da terceirização e a existência de vínculo diretamente com a tomadora de serviços. Recurso de embargos conhecido e desprovido." (E-ED-RR - 621-49.2011.5.05.0421 , Relator Ministro: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Data de Julgamento: 03/04/2014, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT15/04/2014).
Ademais, na perspectiva do novo cenário constitucional, que reconheceu como fundamento da República o princípio da dignidade humana (art. 1º, III, CF), e das novas tendências da responsabilidade civil, optou o legislador brasileiro pelo princípio da reparação integral como norte para a quantificação do dano a ser reparado.
Tal consagração normativa encontra-se no caput do artigo 944 do Código Civil que prevê: "A indenização mede-se pela extensão do dano". Essa regra decorre, também, da projeção do princípio constitucional da solidariedade (art. 3º, I, CF) em sede de responsabilidade civil e faz com que a preocupação central do ordenamento jurídico se desloque do agente causador do dano para a vítima, sempre com o objetivo de lhe garantir a reparação mais próxima possível do dano por ela suportado.
E, ainda, conforme preceitua o artigo 3º da Lei nº 7.347/85, "a ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer." A conjunção "ou" – contida no referido dispositivo, tem, para o Superior Tribunal de Justiça, sentido de adição, ou seja, é possível a cumulação das condenações em obrigações de fazer ou não fazer e indenização pecuniária. Nesse sentido, cito o seguinte precedente:
"ADMINISTRATIVO. AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESMATAMENTO E EDIFICAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE, SEM AUTORIZAÇÃO DA AUTORIDADE AMBIENTAL. DANOS CAUSADOS À BIOTA. INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 4º, VII, E 14, § 1º, DA LEI 6.938/1981, E DO ART. 3º DA LEI 7.347/85. PRINCÍPIOS DA REPARAÇÃO INTEGRAL , DO POLUIDOR-PAGADOR E DO USUÁRIO-PAGADOR . POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (REPARAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA) E DE PAGAR QUANTIA CERTA (INDENIZAÇÃO). REDUCTION AD PRISTINUM STATUM . DANO AMBIENTAL INTERMEDIÁRIO, RESIDUAL E MORAL COLETIVO. ART. 5º DA LEI DE INTRODUÇÃO AO CÓDIGO CIVIL. INTERPRETAÇÃO IN DUBIO PRO NATURA DA NORMA AMBIENTAL. 1. Cuidam os autos de Ação Civil Pública proposta com o fito de obter responsabilização por danos ambientais causados pela supressão de vegetação nativa e edificação irregular em Área de Preservação Permanente. O juiz de primeiro grau e o Tribunal de Justiça de Minas Gerais consideraram provado o dano ambiental e condenaram o réu a repará-lo; porém, julgaram improcedente o pedido indenizatório pelo dano ecológico pretérito e residual. 2. A jurisprudência do STJ está firmada no sentido da viabilidade, no âmbito da Lei 7.347/85 e da Lei 6.938/81, de cumulação de obrigações de fazer, de não fazer e de indenizar (REsp 1.145.083/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 4.9.2012; REsp 1.178.294/MG, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 10.9.2010; AgRg nos EDcl no Ag 1.156.486/PR, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 27.4.2011; REsp 1.120.117/AC, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 19.11.2009; REsp 1.090.968/SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 3.8.2010; REsp 605.323/MG, Rel. Ministro José Delgado, Rel. p/ Acórdão Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJ 17.10.2005; REsp 625.249/PR, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJ 31.8.2006, entre outros). 3. Recurso Especial parcialmente provido para reconhecer a possibilidade de cumulação de indenização pecuniária com as obrigações de fazer e não fazer voltadas à recomposição in natura do bem lesado, devolvendo-se os autos ao Tribunal de origem para que fixe, in casu, o quantum debeatur reparatório do dano já reconhecido no acórdão recorrido." destaquei - (RECURSO ESPECIAL Nº 1.328.753 - MG (2012/0122623-1) – Relator: Ministro Herman Benjamin – Dje: 03/02/2015).
Logo, desrespeitados valores de interesse de toda a coletividade, a responsabilidade civil perde a sua feição individualista e assume função social hábil a promover o controle ético das condutas praticadas.
A propósito do tema, vale transcrever o Enunciado nº 455 aprovado na V Jornada de Direito Civil do CJF/STJ reconhecendo, inclusive, a existência dos "danos sociais":
"Art. 944. A expressão "dano" no art. 944 abrange não só os danos individuais, materiais ou imateriais, mas também os danos sociais, difusos, coletivos e individuais homogêneos a serem reclamados pelos legitimados para propor ações coletivas."
Conforme já explanado, a conduta socialmente reprovável das empresas, ao terceirizar mão de obra de forma indiscriminada na área finalística da CERON, configura ofensa a patrimônio jurídico da coletividade, na medida em que se coloca em rota de colisão com a legislação laboral de proteção ao trabalhador. Tal prática é equiparada à intermediação ou locação de mão de obra e viola frontalmente o regime de emprego socialmente protegido.
Aprofundando esse raciocínio, afirmam Gabriela Neves Delgado e Helder Santos Amorim que, "a pretexto de firmar um contrato interempresarial de prestação de serviço, com o objetivo de racionalizar seus recursos e lograr bons resultados econômicos, a empresa tomadora expulsa seus empregados de seu círculo de competência central, reduzindo ou praticamente extinguindo seu quadro de emprego, para se beneficiar dessa mão de obra terceirizada em regime de ‘emprego rarefeito’, por contratação indireta, em culto absoluto ao lucro e em total negação à função social da atividade econômica produtiva. Esses trabalhadores continuam formalmente submetidos ao regime de emprego com a empresa prestadora, com aparente adequação à legislação trabalhista, mas agora submetidos à nova lógica do emprego inseguro e precarizado, socialmente vulnerável, o que reduz o padrão de garantia e de eficácia de seus direitos, contrariamente ao espírito promocional dos direitos fundamentais dos trabalhadores, que visam à ‘melhoria de sua condição social’ (Constituição, art. 7º, I)." (DELGADO, Gabriela Neves. Os limites constitucionais da terceirização. 1ª ed. – São Paulo: LTr, 2014, p. 61).
Concluem os autores, portanto, que "a empresa tomadora se esquiva de sua função social de ‘empregar’ o trabalho humano com máxima proteção, pelo menos em sua atividade essencial, como fator de produção e, principalmente, como fator de promoção de segurança social dos trabalhadores. Nesse cenário, a própria terceirização em atividade-meio se deslegitima, pois não se põe a serviço da focalização da tomadora em sua atividade-fim, ela própria subcontratada." (op. cit. – p. 61).
A potencialidade danosa da terceirização sobre os direitos fundamentais dos trabalhadores também foi defendida com veemência pelo professor da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, Dr. Ricardo Luiz Coutro Antunes (informação verbal), em palestra proferida neste Tribunal Superior do Trabalho[1], ao considerar que a "nova morfologia do trabalho" – distinguindo-a do regime geral da relação direta e bilateral entre empregado e empregador – é porta de entrada para a precarização dos direitos trabalhistas e possui traços de retorno à escravidão no Brasil. Nesse aspecto, como uma mão à luva, a tabela abaixo[2] revela que nos anos de 2010 a 2013, em análise das dez maiores operações de combate ao trabalho escravo realizadas no País, pelo Ministério do Trabalho e Emprego, constatou-se que 84,3% em média dos trabalhadores submetidos a condições análogas a de escravo estavam subcontratados por interposta empresa:
Trabalhadores em condição análoga à de escravos no Brasil
(Informações concernentes aos dez maiores resgates em cada ano)
Ano |
Dos 10 casos, quantos envolveram terceirizados? |
Terceirizados resgatados |
Contratados diretos resgatados |
TOTAL de resgatados |
2.010 |
9 |
891 |
47 |
938 |
2.011 |
9 |
554 |
368 |
922 |
2.012 |
10 |
947 |
0 |
947 |
2.013 |
8 |
606 |
140 |
746 |
Total |
36 |
2.998 |
555 |
3.553 |
Fonte: DETRAE (Departamento de Erradicação do Trabalho Escravo), elaboração própria.
Merece destaque, também, o grave esvaziamento da organização sindical, que, por consequência, remete à ineficácia da função social do Direito Coletivo do Trabalho.
De fato, a terceirização de serviços pulveriza a representação sindical dos trabalhadores, na medida em que enfraquece a força de coalizão para negociar e conquistar a melhoria de suas condições sociais, além de obstaculizar o próprio direito de greve.
Não bastasse, a terceirização de atividades finalísticas das empresas estatais consiste na substituição indevida de empregados públicos, em clara violação da regra do concurso público prevista no artigo 37, II, da Constituição Federal.
A corroborar o entendimento acima explanado, no sentido de que as empresas devem assumir importante função social, inclusive responsabilizando-se pelas lesões ocasionadas a coletividade, cito o precedente da 1ª Turma desta Corte, da lavra do eminente Ministro Walmir Oliveira da Costa, no qual se reconheceu que "o desrespeito à legislação concernente ao descanso semanal ofende não apenas o direito individual do trabalhador, que se vê coagido a prestar serviços sem a observância da periodicidade estipulada pelas normas de proteção, mas também das pessoas que com ele mantêm vínculo familiar e pessoal e se veem privadas dessa convivência":
"RECURSO DE REVISTA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA AJUIZADA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. DESRESPEITO ÀS NORMAS CONCERNENTES AO DESCANSO SEMANAL. DIREITO MÍNIMO ASSEGURADO AOS TRABALHADORES. OFENSA À ORDEM JURÍDICA. DANO MORAL COLETIVO. INDENIZAÇÃO. 1. Compreende-se como dano moral coletivo a "ofensa a direitos transindividuais, que demanda recomposição", e "se traduz, objetivamente, na lesão intolerável à ordem jurídica, que é patrimônio jurídico de toda a coletividade, de modo que sua configuração independe de lesão subjetiva a cada um dos componentes da coletividade ou mesmo da verificação de um sentimento coletivo de desapreço ou repulsa, ou seja, de uma repercussão subjetiva específica" (Ac. 1ª Turma, TST-RR-107500-26.2007.509.0513, Rel. Ministro Vieira de Mello Filho, publicado no DEJT de 23/09/2011). Assim, em última análise, o que interessa para a configuração do dano moral coletivo é a ofensa à ordem jurídica, no caso, todo o arcabouço de normas jurídicas erigidas com a finalidade de tutela dos direitos mínimos assegurados aos trabalhadores urbanos e rurais edificados a partir da matriz constitucional, sobretudo, no Capítulo II do Título II da Constituição Federal de 1988 (Direitos Sociais), cujas disposições nada mais objetivam que dar efetividade ao fundamento maior no qual se alicerça todo o nosso sistema jurídico, de garantir existência digna aos cidadãos a ele submetidos, por meio da compatibilização dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. 2. Na espécie, o desrespeito à legislação concernente ao descanso semanal ofende não apenas o direito individual do trabalhador, que se vê coagido a prestar serviços sem a observância da periodicidade estipulada pelas normas de proteção, mas também das pessoas que com ele mantêm vínculo familiar e pessoal e se veem privadas dessa convivência. 3. Contemporaneamente, pela relevância da matéria, compreende-se que as limitações da jornada de trabalho, inclusive no que se refere ao descanso semanal, inserem-se entre as normas protetivas à saúde e segurança no trabalho, em decorrência dos efeitos nefastos causados à saúde física e mental dos trabalhadores sujeitos a jornadas exaustivas, que os expõem com maior potencialidade aos riscos de doenças e acidentes de trabalho. 4. A violação dessas normas, portanto, transcende o interesse jurídico das pessoas diretamente envolvidas no litígio, para atingir, difusamente, toda a universalidade dos trabalhadores que se encontram ao abrigo da tutela jurídica. Mais do que isso, seus efeitos se irradiam por toda a sociedade, que, além de arcar com o custeio da Seguridade Social, fica exposta a toda espécie de risco decorrente do desequilíbrio causado no seu corpo social pela exploração do trabalho (art. 1°, incisos III e IV, da Constituição Federal). Precedentes. Recurso de revista parcialmente conhecido e provido." (RR - 71-73.2010.5.20.0000 , Relator Ministro: Walmir Oliveira da Costa, Data de Julgamento: 18/05/2016, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 20/05/2016)
Conclui-se, portanto, que a conduta socialmente reprovável das empresas enseja a reparação por danos morais coletivos, em face do descumprimento de direitos sociais trabalhistas difusos. Isso porque, conforme exaustivamente explanado, a potencialidade danosa da terceirização ilícita – reconhecida pelo Tribunal Regional -, é porta de entrada para a precarização do trabalho e exclusão social, tendo em vista os vários malefícios já citados: violação ao princípio da isonomia, esfacelamento da categoria profissional, substituição indevida de empregos públicos nas empresas concessionários de serviços públicos, redução do padrão de garantia e de eficácia dos direitos dos trabalhadores, contrariamente ao espírito promocional dos direitos fundamentais do cidadão trabalhador.
Sendo assim, na defesa do primado dos valores morais que embasam o Direito do Trabalho e com o intuito de resgatar a verdadeira função da norma principiológica do sistema jurídico laboral – princípio protetor -, mostra-se adequadamente fundamentada a decisão proferida pela Eg. 4ª Turma desta Corte ao condenar as rés ao pagamento, cada uma, de indenização por danos morais coletivos, no importe de R$ 50.000,00, a ser revertida ao FAT – Fundo de Amparo ao Trabalhador, conforme expressamente postulado na inicial pelo Ministério Público do Trabalho.
Diante do exposto, nego provimento ao recurso de embargos.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros do Tribunal Pleno do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de embargos, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, por maioria, negar-lhe provimento. Vencido o Exmo. Ministro Ives Gandra Martins Filho, que dava provimento para afastar o dano moral coletivo no caso concreto.
Brasília, 30 de Maio de 2016.
Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)
CLÁUDIO BRANDÃO
Ministro Relator
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