TST - INFORMATIVOS 2016 2016 133 - 19 a 25 de abril

Data da publicação:

Tribunal Pleno

Delaíde Miranda Arantes - TST



01 -Matéria afetada ao Tribunal Pleno. Ação civil pública. Multa por descumprimento de obrigação de fazer (astreinte). Exigibilidade antes do trânsito em julgado. Depósito em juízo. É possível a exigibilidade da multa (astreinte) por descumprimento de obrigação de fazer imposta em sentença proferida nos autos de ação civil pública antes do trânsito em julgado, desde que depositada em juízo, com fundamento no princípio da máxima efetividade e no afastamento da aplicação do art. 12, § 2º, da Lei 7.347/85 frente ao que preceitua o art. 84 do Código de Defesa do Consumidor. Sob esse posicionamento, e superando a questão de ordem suscitada quanto à conversão do julgamento em diligência para que as partes sejam intimadas a se manifestar sobre a aplicação ou não, na espécie, do art. 537, § 3º, do CPC de 2015, à luz dos arts. 9º e 10 do CPC de 2015 e 4º da IN nº 39/2016 do TST, o Tribunal Pleno decidiu, por unanimidade, conhecer dos embargos, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, por maioria, dar-lhes provimento parcial para restabelecer a decisão proferida pelo Tribunal Regional, que manteve a exigibilidade do pagamento de multa antes do trânsito em julgado da decisão condenatória, ficando, no entanto, condicionada ao depósito em juízo, com levantamento somente após o trânsito em julgado da decisão. Vencidos os Ministros João Oreste Dalazen, Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, Renato de Lacerda Paiva, Emmanoel Pereira, Guilherme Augusto Caputo Bastos, Márcio Eurico Vitral Amaro, Walmir Oliveira da Costa e Ives Gandra Martins Filho. (TST-E-RR-161200-53.2004.5.03.0103, Tribunal Pleno, rel. Min. Delaíde Miranda Arantes, 19.4.2016).



Resumo do voto.

Matéria afetada ao Tribunal Pleno. Ação civil pública. Multa por descumprimento de obrigação de fazer (astreinte). Exigibilidade antes do trânsito em julgado. Depósito em juízo. É possível a exigibilidade da multa (astreinte) por descumprimento de obrigação de fazer imposta em sentença proferida nos autos de ação civil pública antes do trânsito em julgado, desde que depositada em juízo, com fundamento no princípio da máxima efetividade e no afastamento da aplicação do art. 12, § 2º, da Lei 7.347/85 frente ao que preceitua o art. 84 do Código de Defesa do Consumidor. Sob esse posicionamento, e superando a questão de ordem suscitada quanto à conversão do julgamento em diligência para que as partes sejam intimadas a se manifestar sobre a aplicação ou não, na espécie, do art. 537, § 3º, do CPC de 2015, à luz dos arts. 9º e 10 do CPC de 2015 e 4º da IN nº 39/2016 do TST, o Tribunal Pleno decidiu, por unanimidade, conhecer dos embargos, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, por maioria, dar-lhes provimento parcial para restabelecer a decisão proferida pelo Tribunal Regional, que manteve a exigibilidade do pagamento de multa antes do trânsito em julgado da decisão condenatória, ficando, no entanto, condicionada ao depósito em juízo, com levantamento somente após o trânsito em julgado da decisão. Vencidos os Ministros João Oreste Dalazen, Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, Renato de Lacerda Paiva, Emmanoel Pereira, Guilherme Augusto Caputo Bastos, Márcio Eurico Vitral Amaro, Walmir Oliveira da Costa e Ives Gandra Martins Filho.

A C Ó R D Ã O

RECURSO DE EMBARGOS REGIDO PELA LEI 11.496/2007. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MULTA POR DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. EXIGIBILIDADE ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO. DEPÓSITO EM JUÍZO. Discute-se acerca da possibilidade ou não de se exigir a multa por descumprimento de obrigação de fazer imposta em sentença proferida nos autos de ação civil pública antes do trânsito em julgado. Essa modalidade de multa, também chamada de astreinte, constitui medida de apoio posta à disposição do magistrado de coerção patrimonial para impelir o cumprimento da prestação devida. Noutro falar, objetiva constranger o sujeito da obrigação de fazer ao cumprimento do que lhe foi imposto, sob pena de agravar sobremaneira a sua situação com a adição do pagamento de multa. Na hipótese, embora a dicção estabelecida no art. 12, § 2.º, da Lei 7.347/85, em um primeiro momento possa levar a conclusão de que a sua exigibilidade só poderá ocorrer após o trânsito em julgado, vez que com a desconsideração e/ou inaplicabilidade se incorrerá em afronta à sua literalidade, ousa-se aqui entender de maneira diversa. Isso porque, em nome de uma concepção moderna do sistema processual civil, no qual o direito de ação não mais é visto apenas como direito a obtenção de uma decisão de mérito, mas, sim, como direito fundamental de utilizar o processo para lograr tutela efetiva do direito material, a exigibilidade da astreinte somente após o trânsito em julgado importaria na perda da força coercitiva da decisão judicial. Ademais, a interação da Lei 7.347/85 com o Código de Defesa do Consumidor conduz ao entendimento da superação do óbice previsto no art. art. 12, § 2.º, da referida lei e à possibilidade de se exigir imediatamente a astreinte cominada no âmbito da ação civil pública. Entretanto, deve-se impor que as astreintes fiquem depositadas em juízo até o trânsito em julgado, com fulcro no art. 461, caput e § 4.º, do CPC de 1973.  Recurso de embargos conhecido e parcialmente provido. (TST-E-RR-161200-53.2004.5.03.0103, Tribunal Pleno, rel. Min. Delaíde Miranda Arantes, 02.08.2016).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Embargos em Recurso de Revista n.° TST-E-RR-161200-53.2004.5.03.0103, em que é Embargante MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO DA 3.ª REGIÃO e Embargada TRANSPORTE COLETIVO UBERLÂNDIA LTDA. - TRANSCOL.

A SBDI-1, por maioria, conheceu do recurso de embargos interposto pelo Ministério Público do Trabalho apenas quanto ao tema "ação civil pública - multa por descumprimento de obrigação de fazer – inexigibilidade do pagamento antes do trânsito em julgado", por divergência jurisprudencial, e, no mérito, deu-lhe provimento para, afastando a violação do art. 5.º, LV, da Constituição Federal, determinar o retorno dos autos à Turma de origem a fim de que examinasse o conhecimento do recurso de revista sob o prisma da afronta ao art. 12, § 2.º, da Lei 7.347/85 (seq. 1, pp. 1.949/1.958).

No retorno, a Quinta Turma conheceu do recurso de revista da empresa ré, por violação do art. 12, § 2.º, da Lei 7.347/85, e, no mérito, deu-lhe provimento para afastar a exigibilidade do pagamento da multa antes do trânsito em julgado da decisão condenatória (seq. 1, pp. 1.983/1.999).

Inconformado, o Ministério Público do Trabalho interpõe recurso de embargos.  Sustenta a possibilidade de se exigir o pagamento da multa por descumprimento de obrigação de fazer antes do trânsito em julgado da sentença que a fixou em sede de ação civil pública. Transcreve aresto para confronto de teses (seq. 1, pp. 2.007/2.014).

Admitido o recurso (seq. 1, pp. 2.041/2.043).

Não foi apresentada impugnação (seq. 1, p. 2.047).

Desnecessária a remessa dos autos à Procuradoria Geral do Trabalho, nos termos do art. 83, § 2.º, I, do Regimento Interno do Tribunal Superior do Trabalho.

A SBDI-1, em sessão extraordinária realizada em 9/12/2014, decidiu, por maioria, afetar ao Tribunal Pleno a matéria constante deste processo e, em consequência, tornar sem efeito os votos proferidos naquela Subseção e a concessão de vista regimental (seq. 1, p. 2.077).

O processo foi distribuído, mediante sorteio, no âmbito do Tribunal Pleno, a esta Relatora (seq. 5).

É o relatório.

V O T O

1 – CONHECIMENTO

Atendidos os pressupostos extrínsecos de admissibilidade, relativos ao prazo (seq. 1, pp. 2.005 e 2.007) e à representação processual (recurso subscrito por Procuradora Regional do Trabalho), e, ainda, sendo desnecessário o preparo (recurso de embargos do Ministério Público do Trabalho), passa-se ao exame dos específicos do recurso de embargos, que se rege pela Lei 11.496/2007.

1.1 – AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MULTA POR DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. INEXIGIBILIDADE DO PAGAMENTO ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO

A Quinta Turma, após a determinação de retorno dos autos pela SBDI-1 para que examinasse o conhecimento do recurso de revista da empresa ré sob o prisma da afronta ao art. 12, § 2.º, da Lei 7.347/85, decidiu conhecer do recurso, por violação ao referido preceito, e, no mérito, deu-lhe provimento para "afastar a exigibilidade do pagamento da multa antes do trânsito em julgado da decisão condenatória". Na oportunidade, assentou os seguintes fundamentos:

"A Corte Regional assim decidiu:

‘(...)

No que se refere à multa de R$ 500,00, por empregado encontrado em situação irregular, referentemente à jornada de trabalho excessiva, bem como no que se refere à manutenção de empregados sem efetivo registro, fica mantida.’ (fl. 679) - grifamos.

Opôs a reclamada embargos de declaração aos quais a Corte Regional negou provimento. Assim decidiu:

‘Defende a embargante que o v. acórdão apresenta pequenas omissões a relevantes fatos da causa. Pretende atender ao prequestionamento, de acordo com o disposto na Súmula nº 297 do TST. Requer que a penalidade da multa concedida pela r. sentença do juízo a quo e confirmada pelo r. acórdão somente poderá ser exigível e aplicável após o trânsito em julgado de possível transgressão, sob pena, a seu ver, de desrespeito ao direito à ampla defesa e do ‘due process of law’, ofendendo o art. 5º, LIV, LV e o art. 170, parágrafo único, ambos da CR/88. Com relação às horas extras, entende que deve ser considerado o fato de que a empresa trafega por estrada comprometida, o que pode acarretar atrasos.

À evidência, a decisão em desacordo com o anseio da parte não traduz defeito sanável na via declaratória.

O embargante utiliza-se dos embargos de declaração, arrimando-se na necessidade de prequestionamento, para discutir matéria já demasiadamente examinada e esclarecida, repetindo, inclusive, argumentos defensivos.

O r. acórdão mantém entendimento consubstanciado na r. sentença, em que é cabível multa de R$ 500,00, por empregado encontrado em situação irregular, referentemente à jornada de trabalho excessiva, bem como no que se refere à manutenção de empregados sem efetivo registro, sem necessidade do trânsito em julgado, tendo em vista a constatação no decorrer da instrução processual das irregularidades efetivadas pela requerida.

Assim, ipsis litteris, pronuncia o r. acórdão:

‘No que se refere à multa de R$ 500,00, por empregado encontrado em situação irregular, referentemente à jornada de trabalho excessiva, bem como no que se refere à manutenção de empregados sem efetivo registro, fica mantida.’

Portanto, não vislumbro a violação ao art. 5º, LIV e LV e ao art. 170, parágrafo único da CR/88, uma vez que as multas nos casos de descumprimento de obrigações de fazer ou não-fazer determinadas através de processo judicial, no qual observa-se os princípios do contraditório e da ampla defesa, são plenamente permitidas pelo ordenamento jurídico pátrio, não tendendo a estabelecer nenhum óbice ao livre exercício da atividade econômica.

Com efeito, a embargante utiliza-se dos embargos de declaração como se recurso fossem, numa clara demonstração de inconformismo com a decisão contrária aos seus interesses. Por isso, incabível o argumento sobre as horas extras, que poderão ser objeto de multa, perpetrado pela requerida.’ (fls. 702/703) - grifamos.

Inconformada, a reclamada interpôs recurso de revista ao argumento de que a multa cominada liminarmente só será exigível do réu após o trânsito em julgado da decisão favorável ao autor.

Indicou violação dos artigos 170, parágrafo único, da Constituição Federal, 12, § 2º, da Lei nº 7.347/85 e suscita divergência jurisprudencial.

A egrégia Quinta Turma, por meio do v. acórdão de fls. 768/789, complementado às fls. 797/800, conheceu do recurso de revista do Ministério Público do Trabalho da 3ª Região quanto ao tema ‘AÇÃO CIVIL PÚBLICA – PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. FALTA DE RECOLHIMENTO DOS DEPÓSITOS DO FGTS’ por divergência jurisprudencial e, no mérito, deu-lhe parcial provimento para reconhecer a legitimidade ativa do Ministério Público do Trabalho para ajuizar a ação civil pública e, tendo em vista que restou demonstrado nos autos que a demandada já está, administrativamente, providenciando o efetivo cumprimento da sua obrigação trabalhista de recolher os depósitos do FGTS, rejeitar o pedido de condenação da empresa à obrigação de fazer, neste particular. Por outro lado, conheceu do recurso de revista da empresa apenas quanto ao tema ‘MULTA PELO DESCUMPRIMENTO DE DECISÃO JUDICIAL – INEXIGIBILIDADE DO PAGAMENTO ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO’ por violação do artigo 5º, LV, da Constituição Federal e, no mérito, deu-lhe provimento para afastar da condenação a exigibilidade do pagamento de multa antes do trânsito em julgado da decisão condenatória.

Inconformado, o Ministério Público do Trabalho da 3ª Região interpôs recurso de Embargos às fls. 806/820 no qual pugnou pela reforma da v. decisão quanto aos seguintes temas: ‘indenização por dano moral coletivo’ e ‘multa por descumprimento de decisão judicial’.

A Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, por meio da decisão às fls. 871/875/v., conheceu do recurso de Embargos apenas em relação ao tema ‘multa por descumprimento de decisão judicial’ e deu-lhe provimento para, afastada a aplicação do artigo 5º, LV, da Constituição Federal, determinar o retorno dos autos à Turma de origem a fim de que examine o conhecimento do recurso de revista sob o prisma da violação do artigo 12, § 2º, da Lei nº 7.357/85.

Assim decidiu:

‘(...)

Discute-se, nos autos, a eventual existência de ofensa ao contraditório e à ampla defesa (art. 5.º, LV, da Constituição Federal) no que se refere à possibilidade de executar a multa por descumprimento da obrigação de fazer imposta na presente ação civil pública, astreinte, antes do trânsito em julgado da decisão de conhecimento.

Do exame dos autos, verifica-se que a Turma conheceu do recurso de revista por violação do art. 5º, LV, da Constituição Federal para afastar da condenação a exigibilidade do pagamento de multa antes do trânsito em julgado da decisão condenatória.

A meu pensamento, a exigibilidade da astreinte antes do trânsito em julgado da decisão não ofende o art. 5.º, LV, da Constituição Federal e igualmente não ofende dispositivo legal que se revista de fundamento de validade na ordem constitucional em vigor. É que a matéria é regulada por legislação infraconstitucional e a questão discutida não diz respeito ao contraditório e à ampla defesa.

No campo jurisprudencial, destacam-se decisões recentes do STJ no sentido da desnecessidade do trânsito em julgado da sentença para a execução da astreinte:

(...)

O Supremo Tribunal Federal, em várias decisões, exige a multa do art. 557, § 2º, do CPC antes do trânsito em julgado, o que reforça a conclusão de que a execução imediata de multa processual não ofende o princípio do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV, da Constituição Federal). Cito os seguintes precedentes:

(...)

Nesses termos, tem-se que a execução da astreinte antes do trânsito em julgado não viola o art. 5º, LV, da Constituição Federal.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso de embargos para, afastando a aplicação do art. 5º, LV, determinar o retorno dos autos à Turma a fim de que examine o conhecimento do recurso de revista sob o prisma da violação do artigo 12, § 2º, da Lei nº 7.347/85.’ (grifei)

À análise.

Cinge-se a presente controvérsia em saber se é possível a execução provisória das astreintes por descumprimento de obrigação de fazer e não fazer nas ações civis públicas.

A pretensão deduzida pelo Ministério Público do Trabalho compõe-se de pedidos com naturezas jurídicas distintas: 1) a condenação da ré ao pagamento de indenização por dano moral coletivo, como forma de reparar a coletividade pela violação da ordem jurídica já consumada; 2) a imposição, à ré, de obrigação de não fazer consistente na abstenção de: a) contratar trabalhadores sem o respectivo registro em livro, ficha ou sistema eletrônico competente; b) exigir labor de seus empregados em jornada extraordinária acima do limite legal de 2 horas extras, exceto nas hipóteses do artigo 61 da CLT; c) efetuar descontos salariais, salvo os resultantes de adiantamentos, de dispositivos de lei ou convenção coletiva de trabalho; 3) a imposição, à ré, de obrigação de fazer consistente em: a) anotar a CTPS dos trabalhadores contratados; b) depositar mensalmente nas contas vinculadas dos trabalhadores o percentual referente ao FGTS. Como forma de assegurar a efetividade do comando jurisdicional, constou do pedido da presente ação civil pública a imposição de multa diária no valor de R$ 500,00 por cada obrigação e por cada trabalhador envolvido.

O juízo de primeiro grau, ao constatar que a reclamada efetivamente violava os direitos dos trabalhadores, condenou a empresa a cumprir algumas obrigações; condenação esta que subsidiou com a imposição de multa pelo eventual descumprimento.

A Corte Regional, ao analisar os recursos ordinários das partes, julgou improcedente o pedido de que a empresa se abstenha de efetuar descontos salariais, a título de excesso de dinheiro em caixa (furtos ou roubos em seus veículos). Por outro lado, manteve a multa de R$ 500,00 por empregado encontrado em situação irregular referentemente à jornada de trabalho excessiva, bem como no que se refere à manutenção de empregados sem efetivo registro.

Pois bem.

O artigo 11 da Lei nº 7.347/85, que disciplina a Ação Civil Pública, dispõe que ‘na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará o cumprimento da prestação da atividade devida ou a cessação da atividade nociva, sob pena de execução específica, ou de cominação de multa diária, se esta for suficiente ou compatível, independentemente de requerimento do autor.’ – grifei.

Tal multa, portanto, tem natureza jurídica coercitiva, pois se destina a coagir o causador do dano ao cumprimento das obrigações de fazer ou não fazer.

Logo, entendo que apenas aquele que efetivamente infringiu as leis trabalhistas será compelido a pagar multa pelo descumprimento dessas obrigações, razão pela qual as astreintes somente poderão ser executadas depois do trânsito em julgado da decisão que as concedeu, em que pese sejam exigíveis a partir da data da concessão.

Isto porque, como bem explica Cândido Rangel Dinamarco (in Instituições de direito processual civil IV. 3. ed. Malheiros, 2009. p. 540/541), ‘a exigibilidade dessas multas, havendo elas sido cominadas em sentença mandamental ou em decisão antecipatória da tutela específica (art. 461, § 3º - supra, n. 1.630), ocorrerá sempre a partir do trânsito em julgado daquela - porque, antes, o próprio preceito pode ser reformado e, eliminada a condenação a fazer, não fazer ou entregar, cessa também a cominação (sobre exigibilidade - supra, n. 1.422). Não seria legítimo impor ao vencido o efetivo desembolso do valor das multas enquanto ele, havendo recorrido, ainda pode ser eximido de cumprir a própria obrigação principal e, consequentemente, também de pagar pelo atraso.’ (grifei).

Nesse contexto, correta a afirmação da recorrente no sentido de que a multa somente é exigível depois do trânsito em julgado da sentença, pois o artigo 12, § 2º, da Lei de Ação Civil Pública, aplicável subsidiariamente ao processo do trabalho, é claro ao dispor que a ‘multa cominada liminarmente só será exigível do réu após o trânsito em julgado da decisão favorável ao autor.’.

Nesse sentido, o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:

‘EMBARGOS DECLARATÓRIOS. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ASTREINTES. EXIGIBILIDADE CONDICIONADA À PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. ART. 12, § 2º, LACP.

1 - Contagem em dobro do prazo recursal quando os litisconsortes tenham diferentes procuradores (art. 191 do CPC).

2 - A exigibilidade da multa cominada liminarmente em ação civil pública fica condicionada ao trânsito em julgado da decisão final favorável ao autor (art. 12, § 2º, da Lei 7.347/85).

3 - Decisão embargada reconsiderada e agravo interno provido.’ (EDcl no AgRg no REsp 756.224/MG, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/09/2011, DJe 04/10/2011)

Ressalto, por oportuno, que, por tratar-se de norma específica, deve prevalecer sobre eventuais normas genéricas que disponham ao contrário do quanto disposto no artigo supracitado.

Desse modo, a Corte Regional, ao decidir que é exigível a multa de R$ 500,00, por empregado encontrado em situação irregular, referentemente à jornada de trabalho excessiva, bem como no que se refere à manutenção de empregados sem efetivo registro, sem necessidade do trânsito em julgado, contrariou o disposto no artigo 12, § 2º, da Lei nº 7.347/85.

Conheço, por violação do dispositivo supracitado.

2. MÉRITO

2.1. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ASTREINTES. DESCUMPRIMENTO DE DECISÃO JUDICIAL. TRÂNSITO EM JULGADO.

Conhecido o recurso por violação do artigo 12, § 2º, da Lei nº 7.347/85, corolário lógico é o seu provimento para afastar a exigibilidade do pagamento da multa antes do trânsito em julgado da decisão condenatória" (seq. 1, pp. 1.987/1.999).

O Ministério Público sustenta a possibilidade de se exigir o pagamento da multa por descumprimento de obrigação de fazer antes do trânsito em julgado da sentença que a fixou. Pretende que seja conferida uma interpretação ao art. 12, § 2.º, da Lei 7.347/85 à luz da Constituição Federal, de modo a conferir efetividade às decisões judiciais em sede de ação civil pública. Transcreve julgado para confronto de teses.

O aresto (seq. 1, pp. 2.010/2.011) oriundo da SBDI-1 consagra tese divergente da esposada pela decisão embargada ao sufragar o entendimento de que é desnecessário o trânsito em julgado da sentença em ação civil pública para a execução de astreinte.

CONHEÇO do recurso de embargos, por divergência jurisprudencial.

2 - MÉRITO

1.1 – AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MULTA POR DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. INEXIGIBILIDADE DO PAGAMENTO ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO

Discute-se acerca da possibilidade ou não de se exigir a multa por descumprimento de obrigação de fazer imposta em sentença proferida nos autos de ação civil pública antes do trânsito em julgado.

Essa modalidade de multa, também chamada de astreinte, constitui medida de apoio posta à disposição do magistrado de coerção patrimonial para impelir o cumprimento da prestação devida. Noutro falar, objetiva constranger o sujeito da obrigação de fazer ao cumprimento do que lhe foi imposto, sob pena de agravar sobremaneira a sua situação com a adição do pagamento de multa.

A questão do momento de exigibilidade da astreinte é controvertida na doutrina.

A maioria dos doutrinadores se inclina na tese de que, não obstante produza efeitos desde a sua cominação, apenas pode ser vindicada após o trânsito em julgado da decisão que define o direito relativo à obrigação principal. Cita-se, a título ilustrativo, o ensinamento dos Profs. Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart:

"Se o nosso sistema confere ao autor o produto da multa, não é racional admitir que o autor possa ser beneficiado quando a própria jurisdição chega à conclusão de que ele não possui o direito que afirmou estar presente ao executar a sentença (provisoriamente) ou a tutela antecipatória. Pelo mesmo motivo que o processo não pode prejudicar o autor que tem razão, é ilógico imaginar que o processo possa beneficiar o autor que não tem qualquer razão. (...)

Não se pense que a circunstância de a multa não poder ser cobrada pelo autor que, a final, é declarado sem razão retira seu caráter coercitivo. O que atua sobre a vontade do réu é a ameaça do pagamento da multa. Esta, assim, não perde o poder de coerção apenas porque o réu sabe que não terá que pagá-la, na hipótese de o julgamento final não confirmar a tutela antecipatória ou a sentença que foi ‘provisoriamente executada’. Ora, no caso de tutela antecipatória ou de ‘execução provisória da sentença’, o réu certamente temerá ter que pagar a multa, não só porque é provável que o julgamento final acabe confirmando a tutela antecipatória ou a sentença, mas fundamentalmente porque ninguém pode ter segura convicção de qual será o ‘último julgamento’.

O que importa, em outras palavras, quando se pensa na finalidade coercitiva da multa, é a ameaça de o réu ter que futuramente arcar com ela. É importante deixar claro que a multa cumpre seu papel através da ameaça que exerce sobre o réu. A multa, para exercer sua finalidade coercitiva, não precisa ser cobrada antes do trânsito em julgado. A finalidade coercitiva não se relaciona com a cobrança imediata da multa, mas apenas com a possibilidade da sua cobrança futura. Tal possibilidade é suficiente para atemorizar o demandado e, assim, convencê-lo a adimplir." (in Curso de Processo Civil, Volume 3, Execução. Editora Revista dos Tribunais: São Paulo, 2. ed., pp. 81/82 – grifos nossos)

E, ainda, a lição de Cândido Rangel Dinamarco:

"(...) Não seria legítimo impor ao vencido o efetivo desembolso do valor das multas enquanto ele, havendo recorribilidade, ainda pode ser eximido de cumprir a obrigação principal e, consequentemente, também de pagar pelo atraso. Isso significa que, entre o começo da desobediência (não cumprimento do prazo estabelecido) e o trânsito em julgado da sentença mandamental, acumular-se-ão valores devidos a título de multa, para que só a final a soma de todos eles possa ser cobrada." (in Instituições de Direito Processual Civil. Editora Malheiros: São Paulo, 2004, p. 474)

Há também parte da doutrina que se posiciona pela possibilidade de se executar a astreinte antes do trânsito em julgado, defendendo, ainda a possibilidade de devolução quando reformado o provimento judicial. Abraçam esse posicionamento, entre outros, Cássio Scarpinella Bueno e Freddie Didier Júnior, consoante se pode aferir, respectivamente:

"Deixar a multa do art. 461 para ser cobrada apenas depois do trânsito em julgado e, pois, depois da fixação definitiva das responsabilidades de cada parte pelos fatos que ensejaram a investida jurisdicional, seria esvaziar o que ela tem de mais relevante: a possibilidade de influenciar a vontade do executado e compeli-lo ao acatamento da determinação judicial e, consequentemente, à satisfação do exequente, que teve reconhecido em seu favor o direito à prestação da tutela jurisdicional" (in Curso Sistematizado de Direito Processual Civil: Tutela Jurisdicional Executiva. Editora Saraiva: São Paulo, 6. ed., 2013, p. 2.013)

"Se o beneficiário da multa teve negado o seu direito à tutela específica após o trânsito em julgado, o crédito eventualmente executado e satisfeito deverá ser devolvido ao vencedor, eis que a multa não vem resguardar a autoridade jurisdicional, não vem punir, e sim serve para resguardar o direito da parte que pediu sua imposição. Assim, se ao final não viu certificado o direito que pretendia fosse resguardado, não há porquê receber o valor da multa." (in Curso de Direito Processual Civil. Editora Podium: Slavador, 2007, p. 358)"

Por sua vez, o Superior Tribunal de Justiça, na análise de semelhante questão em sede de Recurso Representativo de Controvérsia, consolidou a seguinte tese, decorrente de construção jurisprudencial em que se encontrou um meio termo entre a posição que admite a cobrança da multa antes do trânsito em julgado e a que não permite tal possibilidade:

"A multa diária prevista no § 4º do art. 461 do CPC, devida desde o dia em que configurado o descumprimento, quando fixada em antecipação de tutela, somente poderá ser objeto de execução provisória após a sua confirmação pela sentença de mérito e desde que o recurso eventualmente interposto não seja recebido com efeito suspensivo." (REsp-1200856/RS, Rel. Min. Sidnei Beneti, DJe 17/9/2014)

Consignou-se, na oportunidade, os seguintes fundamentos:

"(...)

14 - Quanto ao tema de fundo, a matéria tem sido objeto de controvérsia no âmbito desta Corte, podendo ser identificados precedentes no âmbito das diversas Seções, que adotam três diferentes posicionamentos a saber:

a) reconhecendo a possibilidade da execução provisória da multa de forma incondicional, até mesmo quando decorrente de decisão interlocutória proferida em antecipação de tutela initio litis, independentemente de sua confirmação por sentença na ação principal (AgRg no REsp 1422.691/BA, Rel. Min. HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, DJe 24.2.14; AgRg no AREsp 200.758/PR, Rel. Min. PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, DJe 19.2.14; AgRg no AREsp 50.816/RJ, Rel. HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, DJe 22.8.12; AgRg no REsp 1.094.296/RS, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, DJe 11.3.11; REsp  1.098.028/SP, Rel. Min. LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, DJe 2.3.10; AgRg no REsp 724.160/RJ, Rel. Min. ARI PARGENDLER, TERCEIRA TURMA, DJ 1.2.08).

Na seara doutrinária, esse entendimento é seguido por Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, Humberto Theodoro Júnior, José Ignacio Botelho de Mesquita, Eduardo Talamini, José Roberto dos Santos Bedaque, José Carlos Barbosa Moreira, Paulo Henrique dos Santos Lucon, José Miguel Garcia Medina, entre outros.

b) afastando a possibilidade da execução provisória das astreintes antes do trânsito em julgado da decisão que as fixou (REsp 1.016.375/RS, Rel. Min. SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, DJe 21.2.11; AgRg no REsp 1.173.655/RS, Rel. Min. MASSAMI UYEDA, TERCEIRA TURMA, DJe 26.4.12; AgRg no AREsp 50.196/SP, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, DJe 27.8.12; AgRg nos EDcl no REsp 871.165/RS, Rel. Min. PAULO FURTADO (Desembargador Convocado do TJ/BA), TERCEIRA TURMA, DJe 15.9.10; REsp 859.361/RS, Relª. Minª. LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, DJe 29.11.10).

Esse posicionamento é defendido doutrinariamente, entre outros, por Cândido Rangel Dinamarco, Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart, Fredie Didier Júnior, Joel Dias Figueira Júnior, Arruda Alvim, Paulo Afonso Brum Vaz e outros.

c) admitindo a execução provisória da multa, mas desde que a liminar que a fixou tenha sido confirmada por sentença ou acórdão, e que o respectivo recurso deduzido contra a decisão não seja recebido no efeito suspensivo, caso em que a cobrança incidirá desde a data da sua fixação em decisão interlocutória (REsp 1.347.726/RS, Rel. Min. MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, DJe 4.2.13).

15 - Com efeito, decorre do art. 273, § 3º, do CPC que a efetivação da tutela antecipada observará, no que couber e conforme sua natureza, as normas previstas nos arts. 461, §§ 4º e 5º, e 461-A. Desse modo, o aludido § 4º do art. 461 autoriza expressamente a imposição de multa diária, até de ofício, para o caso de descumprimento do comando judicial, inclusive na hipótese de antecipação.

Essa multa, que, por influência do direito francês, também ficou conhecida como astreinte , está inserida entre os meios de execução indireta (ao lado da prisão civil e da contempt of court), funcionando como instrumento de coerção patrimonial. Visa, em suma, a constranger o devedor ao cumprimento espontâneo da obrigação que lhe é imposta (em caráter liminar ou não), sob pena de, assim não o fazendo, ser obrigado a arcar com uma situação ainda mais desfavorável.

É cediço que a sua fixação não tem caráter reparatório, uma vez que o próprio Código prevê que o ressarcimento por perdas e danos dar-se-á independentemente da multa (CPC, art. 461, § 2º), de modo que a sua função, repise-se, é vencer a obstinação do devedor ao cumprimento da obrigação de fazer ou de entregar coisa, incidindo a partir da ciência do obrigado e da sua recalcitrância, podendo o valor inicialmente estabelecido ser alterado para mais ou para menos, em decisão fundamentada, conforme as exigências do caso concreto.

16 - Para os adeptos da primeira corrente (item 14, ‘a’, supra), a exigibilidade imediata da multa fixada em decisão interlocutória, ainda que em caráter provisório, decorre da própria natureza da antecipação da tutela, em relação a qual ela figura como instrumento para a efetivação do comando judicial.

Assim, se o sistema permite antecipar os efeitos do provimento judicial final pretendido pelo autor, que é a obrigação principal, por imperativo de lógica processual deve também permitir a cobrança da multa fixada para assegurar a efetividade da decisão antecipatória, que lhe é acessória.

17- Nessa linha de entendimento, o risco de cobrança indevida das astreintes seria o mesmo envolvido na execução provisória da antecipação de tutela que eventualmente não venha a ser confirmada pela sentença de mérito. Se na hipótese de não confirmação da tutela antecipada no julgamento final do processo, a cominação deixa de existir, o mesmo ocorrerá em relação à multa.

18 - Por sua vez, a segunda corrente (item 14, ‘b’, supra) defende que a execução da multa deve aguardar o trânsito em julgado da sentença de mérito, embora a sua incidência deva ser computada desde o inadimplemento da obrigação imposta na decisão interlocutória.

De acordo com os seus seguidores, tal entendimento deve-se ao fato de que o provimento judicial que antecipou os efeitos da tutela e fixou a incidência de multa para o seu eventual descumprimento pode ser reformado em grau de recurso e, eliminada a obrigação de fazer, não fazer ou de entrega de coisa, cessa também a cominação e, por conseguinte, sua exigilidade.

19- Nesse toar, observa CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, ‘não seria legítimo impor ao vencido o efetivo desembolso do valor das multas enquanto ele, havendo recorrido, ainda pode ser eximido de cumprir a obrigação principal e, consequentemente, também de pagar pelo atraso’, de modo que o levantamento de imediato do valor da multa e a necessidade de repetição do respectivo montante na hipótese de reversão da decisão que a cominou serviria apenas para tumultuar o andamento do feito. (Instituições de Direito Processual Civil, São Paulo, 2004, Malheiros, v. IV, p. 174)

20- Desse modo, para os que advogam essa tese, as astreintes seriam exigíveis desde sua estipulação, mas somente seriam executáveis após a confirmação do trânsito em julgado.

Apenas a título de registro de homologia, insta salientar que o art. 12, § 2º, da Lei da Ação Civil Pública prevê que a ‘multa cominada liminarmente só será exigível do réu após o trânsito em julgado da decisão favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que se houver configurado o descumprimento’. Disposição semelhante foi contemplada, também, no art. 213, § 3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente.

21- Por derradeiro, embora a doutrina mostre-se polarizada entre essas duas correntes anteriormente mencionadas, como fruto de elogiável construção jurisprudencial, a C. Quarta Turma, no julgamento do REsp 1.347.726/RS, Rel. Min. MARCO BUZZI, DJe 4.2.13, adotou entendimento que admite a execução provisória da multa, mas desde que a liminar que a fixou tenha sido confirmada por sentença ou acórdão, e que o respectivo recurso interposto contra a decisão não seja recebido no efeito suspensivo, incidindo a cobrança desde a data da sua fixação em decisão interlocutória.

22- Na oportunidade, conforme destacou o Relator, E. Min. MARCO BUZZI:

‘(...).

Ante o seu caráter creditório e a consequente necessidade de valer-se de medidas expropriatórias (penhora, avaliação, impugnação, eventualmente hasta pública etc.) para seu adimplemento, a multa diária, quando fixada como medida de apoio ao cumprimento de liminares, há de ser observada, interpretada e aplicada com uma maior dose de cautela.

Essa recomendação advém do próprio ordenamento processual. O art. 273, §3º, do CPC traz importante alerta quanto à necessidade de que as medidas de apoio previstas no arts. 461 do CPC (atinentes às obrigações de fazer e não fazer) sejam utilizadas pelo magistrado, de modo compatível à sua natureza e reversibilidade. Isso não apenas pela necessidade de abertura de procedimento executivo para satisfação da medida, mas sobretudo diante da precariedade da decisão que arbitra as astreintes, valendo sempre lembrar que a interlocutória que concede a tutela antecipatória, assim o é com base em cognição sumária, superficial, da causa. Intuitivo daí a latente possibilidade de eventualmente vir a ser revertida ao final julgamento da causa.

Assim, por deter caráter creditório e implicar risco patrimonial para as partes da demanda, a exigibilidade das astreintes arbitradas em sede liminar está subordinada, ao menos, à prolação de sentença de procedência do pedido no julgamento da ação a que se vincula (art. 269 do CPC).

Logo, do mesmo modo que não é admissível a execução da multa diária com base em mera decisão interlocutória, prolatada em cognição sumária e precária por natureza, também não se pode condicionar sua exigibilidade ao trânsito em julgado da sentença. Os dispositivos legais que contemplam essa última exigência regulam ações de cunho coletivo, motivo pelo qual não são aplicáveis às demandas em que se postulam direitos individuais.

Havendo sentença ou acórdão que reconheça a procedência do pedido e defira ou confirme a fixação da multa por descumprimento da tutela antecipatória, há de se admitir a execução provisória das astreintes, desde que, obviamente, o recurso interposto contra esta decisão não tenha ou venha a ser recebido em seu efeito suspensivo. A pena incidirá, não obstante, desde a data da fixação em decisão interlocutória. (...).’

23- Essa exegese construída, à unanimidade, pelos Ministros integrantes da C. Quarta Turma, ultrapassa os balizamentos da discussão até então limitada à mera necessidade ou não do trânsito em julgado da decisão que arbitrou a multa, para que se possa dar início à sua execução, e, a partir dessa nova perspectiva é que venho formular a tese a ser submetida a elevada consideração deste Órgão colegiado, sob o rito dos recursos repetitivos.

24- Não há dúvida de que a orientação acima tem por objetivo prestigiar a segurança jurídica e evitar que o autor se beneficie indevidamente de importância em dinheiro que, ulteriormente, possa vir a saber que não faz jus, reduzindo, ainda, e de forma acentuada, o inconveniente de um eventual pedido de repetição de indébito, que nem sempre terminará sendo exitoso.

25- Atento a essas preocupações, penso que a possibilidade do ajuizamento da execução provisória da multa deve ficar restrita apenas à hipótese em que a decisão interlocutória que a fixar tiver sido confirmada por sentença, orientação que se me afigura mais consentânea com as disposições dos arts. 475-N, I, e 475-O do CPC, do seguinte teor:

475-N - São títulos executivos judiciais:

I - a sentença proferida no processo civil que reconheça a existência de obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia;

(...).

475-O - A execução provisória da sentença far-se-á, no que couber, do mesmo modo que a definitiva, observadas as seguintes normas:

(...). (grifei)

26.- Com efeito, o termo ‘sentença’, assim como utilizado nos dispositivos retro transcritos, deve ser interpretado de forma restritiva na definição de título judicial para efeito do ajuizamento da execução provisória, razão pela qual deve ser afastada, por conseguinte, a possibilidade da cobrança da multa fixada por meio de decisão interlocutória em antecipação de tutela, ainda que essa decisão venha a ser confirmada por Acórdão.

Isso porque, na sentença, a ratificação do arbitramento da multa cominatória decorre do próprio reconhecimento da existência do direito material reclamado que lhe dá suporte, o qual é apurado após ampla dilação probatória e exercício do contraditório, ao passo que a sua confirmação por Acórdão, embora sob a chancela de decisão colegiada, continuará tendo em sua gênese apenas a análise dos requisitos de prova inequívoca e verossimilhança, próprios da cognição sumária, que ensejaram o deferimento da antecipação dos efeitos da tutela.

27- Ademais, o risco de cassação da multa e, em consequência, de causar prejuízo à parte contrária, como decorrência da sua cobrança prematura, ficará sempre reduzido após a prolação da sentença do que antes, quando a execução ainda estiver amparada em decisão interlocutória proferida no início do processo, inclusive no que toca à possibilidade de modificação do seu valor ou da sua periodicidade.

28- Outro ponto a ser observado é que a subsistência da multa, segundo a jurisprudência majoritária deste Tribunal, está vinculada ao êxito da demanda na qual se busca a obrigação principal ou o direito material deduzido em Juízo, o que significa dizer que a multa fixada incidentalmente fica pendente de condição resolutiva, ou seja, se julgado procedente o pedido, ela se convalida e, contrariamente, se improcedente, perde ela o seu efeito.

Confiram-se, nesse sentido, os seguintes julgados: AgRg no REsp 1.356.408/DF, Rel. Min. MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, DJe 14.11.13; AgRg nos EDcl no AREsp 31.926/RS, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, DJe 18.6.13; REsp 1.262.190/SP, Relª. Minª. NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, DJe 29.4.14; EDcl na MC 12.532/PR, Rel. Min. RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, DJe 27.9.13; AgRg no Ag 1.383.367/PB, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe 2.2.12; AgRg no REsp 1.094.296/RS, Rel. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, DJe 11.3.11.

29- Desse modo, com a exigência da confirmação da multa por sentença para permitir a sua execução provisória, até mesmo essa discussão quanto à subsistência ou não das astreintes em razão do resultado do julgamento de mérito do pedido deixaria de existir, e, junto com ela, tantas outras questões incidentais, que acabam por gerar tumulto processual, assoberbando ainda mais o Judiciário em todas as suas instâncias.

30- Oportuno consignar que fixando-se a data do descumprimento da decisão que antecipou a tutela como o termo a quo da incidência das astreintes não há que se falar na perda da força coercitiva da decisão judicial, tendo em vista que, com o confirmação do arbitramento da multa pela sentença, o demandado terá que realizar o pagamento de forma retroativa, o qual apenas ficará condicionado a esse efeito diferido. Afinal, o que atua sobre o psicológico do réu é a possibilidade do pagamento da multa, ainda que este venha a ocorrer após a prolação da sentença, sendo de se observar que, na maioria dos casos, é provável que o julgamento final acabe por confirmar a tutela antecipatória.

31- Por fim, embora o estatuto processual preconize que o levantamento de depósito em dinheiro depende de caução suficiente e idônea (CPC, art. 475-O, III), ele também prevê as situações em que essa regra poderá será excepcionada (CPC, art. 475-O, § 2º, I e II), e não raras vezes, nos deparamos com discussões em que, por ter sido relegado esse dever de cautela pelos magistrados, o risco de dano de difícil ou incerta reparação para o executado tem se mostrado presente.

32- No caso dos autos, como a possibilidade da cobrança da multa diária foi condicionada ao trânsito em julgado da sentença a ser proferida nos autos da ação principal, deve o Acórdão recorrido ser reformado, em parte, a fim de permitir a sua execução provisória, mas desde que haja a confirmação da sua fixação por sentença, como decorrência do reconhecimento da procedência do pedido."

Pois bem.

Na hipótese, embora a dicção estabelecida no art. 12, § 2.º, da Lei 7.347/85, no sentido de que "a multa cominada liminarmente só será exigível ao réu após o trânsito em julgado da decisão favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que se houver configurado o descumprimento", em um primeiro momento possa levar a conclusão de que a sua exigibilidade só poderá ocorrer após o trânsito em julgado, vez que com a desconsideração e/ou inaplicabilidade se incorrerá em afronta à sua literalidade, ousa-se aqui entender de maneira diversa.

Isso porque, em nome de uma concepção moderna do sistema processual civil, no qual o direito de ação não mais é visto apenas como direito a obtenção de uma decisão de mérito, mas, sim, como direito fundamental de utilizar o processo para lograr tutela efetiva do direito material, a exigibilidade das astreintes somente após o trânsito em julgado importaria na perda da força coercitiva da decisão judicial.

Deve ser ressaltado, outrossim, que as astreintes impostas em ação civil pública na Justiça do Trabalho não têm a finalidade de enriquecimento do credor, sendo que, na hipótese, elas são destinadas ao Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT.

Pede-se vênia para utilizar como fundamento o voto proferido pelo Ministro José Roberto Freire Pimenta no TRT da 3.ª Região, quando ainda era desembargador daquele Colegiado, a respeito da exigibilidade imediata da multa prevista no art. 12, § 2.º, da Lei 7.347/85:

"Antes de mais nada, não se pode jamais perder de vista que garantir a eficácia de decisões que confirmam a antecipação de tutela específica deferida no curso do processo é preservar o principal escopo do instituto: a concretização, na esfera decisiva da realidade, do princípio constitucional da efetividade do processo em todos os casos em que exista o perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, tornando, na prática, inúteis para seus titulares, ao final, os direitos materiais provisoriamente reconhecidos em Juízo.

Doutro tanto, não se pode perder de vista que a aplicação literal e automática do multicitado preceito da Lei da Ação Civil Pública (o § 2º do artigo 12 da Lei nº 7.347) simplesmente desconsidera que ele foi editado em 1985, quando o sistema processual brasileiro ainda não havia sido significativamente aperfeiçoado pela predisposição, pelo Código de Defesa do Consumidor, de um verdadeiro microssistema de tutela metaindividual ou coletiva aplicável a todos os processos de dimensão metaindividual (como o presente). Ocorre que, nos parágrafos 3º, 4º e 5º do artigo 84 daquele Código, restaram previstas genericamente não apenas a autorização para a concessão liminar da tutela coletiva específica, mas também a possibilidade, para a efetivação dessa tutela antecipada, da imposição de multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor e de outras medidas coercitivas necessárias, sem qualquer restrição em sua exigibilidade imediata, como antes estava previsto na LACP.

Esta integração harmônica e essa interdependência recíproca do CDC e da Lei da Ação Civil Pública decorrem expressamente do artigo 90 deste Código e do artigo 21 da Lei nº 7347/85 (acrescentado pela Lei nº 8.078/90), que assim estatuíram respectiva e expressamente, in verbis:

‘Art. 90 – Aplicam-se às ações previstas neste Título as normas do Código de Processo Civil e da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, inclusive no que respeita ao inquérito civil, naquilo que não contrariar suas disposições.’

‘Art. 21. Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da Lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor’ (dentro do qual está o referido artigo 84 acima referido).

Kazuo WATANABE bem esclarece o significado da integração da LACP com o CDC, que produz efeitos com relação à tutela dos direitos metaindividuais em geral e trabalhistas em particular e, neste caso, leva indubitavelmente à superação da inexplicável limitação antes estabelecida pelo § 2º do artigo 12 da Lei nº 7.347/85 à exigibilidade imediata da multa coercitiva estabelecida para compelir a parte destinatária a cumprir, de imediato, a antecipação de tutela liminarmente concedida no âmbito de determinada ação civil pública:

‘A mais perfeita interação entre o Código e a Lei nº 7347, de 24.7.85, está estabelecida nos arts. 90 e 110 usque 117, de sorte que estão incorporados ao sistema de defesa do consumidor as inovações introduzidas pela referida lei especial, da mesma forma que todos os avanços do Código são também aplicáveis ao sistema de tutela de direitos criado pela Lei nº 7.347’ (Título III – Da defesa do consumidor em juízo: Capítulo I – Disposições gerais, in ‘Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto’, GRINOVER, Ada Pellegrini et alli, 6ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 711 – destaque nosso).

Em outras palavras, a nova e melhor (porque mais efetiva) disciplina conferida à tutela coletiva em geral e ao regime de efetivação das medidas de antecipação da tutela de mérito coletiva e específica pelo Código de Defesa do Consumidor veio tornar inteiramente superado, permissa venia, o preceito específico do § 2º do artigo 12 da LACP, que deve, pura e simplesmente, ser considerado tacitamente revogado.

Ademais, a própria generalização do instituto da antecipação dos efeitos da tutela de mérito, promovida pela nova redação dada pela Lei nº 8.952/94 aos artigos 273 e 461 (e, em especial, seu § 3º) do Código de Processo Civil, também veio tornar superada, sob a ótica do princípio da efetividade da tutela jurisdicional, a limitação feita pelo § 2º do artigo 12 da LACP, na medida em que esta enfraquece substancialmente o poder coercitivo da medida pecuniária estabelecida pelo juiz para compelir o destinatário do comando antecipatório a cumpri-lo de imediato.

Exatamente nesse sentido pronuncia-se, na atualidade, parte ponderável da doutrina processual brasileira mais autorizada. A esse respeito, afigura-se exemplar o claro e incisivo posicionamento de Humberto THEODORO JÚNIOR (em seu capítulo O cumprimento das medidas cautelares e antecipatórias da obra coletiva ‘Instrumentos de coerção e outros temas de direito processual civil – estudos em homenagem aos 25 anos de docência do Professor Dr. Araken de Assis’, Tesheiner, José Maria Rosa et alli, Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 277-295, esp. p. 294) exatamente sobre a questão ora em exame:

‘Instrumento importante na efetivação das medidas antecipatórias de obrigações de fazer e não fazer, e mesmo nas obrigações de entrega de coisa, é a multa por tempo de atraso no cumprimento da decisão (art. 461, § 4º, e art. 461-A, § 3º). Registra-se controvérsia acerca do momento de sua exigibilidade, pois há quem entenda que sua cobrança somente possa ocorrer no final do processo, depois do trânsito em julgado da sentença de mérito contrária àquele que sofreu a imposição preventiva. Tal posição não se me afigura compatível com a função das medidas antecipatórias.

Se estas têm a missão de antecipar, concreta e imediatamente, efeitos materiais satisfativos do direito substancial disputado em juízo, e se a multa é autorizada como instrumento de apoio à efetividade de tal antecipação, parece-me irrecusável que a exigência da multa seja também pronta ou imediata.

Pensar o contrário conduz, a meu sentir, à inutilização da astreinte no plano da atuação cautelar e antecipatória. Na esperança do ganho final da causa, a parte contra quem se impôs a medida constante de prestação de fazer ou não fazer simplesmente deixaria de cumpri-la antes do julgamento final de mérito. Ou se garante a medida antecipatória, e a multa será desde logo exigível, ou se relega a um plano secundário o efeito da tutela antecipada, privando-a de sua natural função de garantia de efetividade ao direito tutelado, e então, sim, torna-se cabível negar aplicação imediata à multa coercitiva.

Não é este último papel, todavia, que, segundo a natureza das coisas, se espera do remédio processual em análise. A antecipação de tutela foi concebida como instrumento de efetivação imediata do direito material do litigante, a ser alcançada de plano, sem ter de aguardar a sentença de mérito. Os meios de coerção judicial, inclusive a multa, têm, pois, de ser aplicados de imediato, sem maiores delongas provocadas pela marcha completa do processo de acertamento definitivo.

Correta a lição de Cássio Scarpinella Bueno, segundo a qual a ‘única forma de impedir a exigibilidade imediata da multa é o réu suspendê-la pela atribuição de efeito suspensivo a agravo de instrumento seu’.’

Na mesma linha, o i. processualista Joaquim Felipe SPADONI (em seu trabalho A multa na atuação das ordens judiciais, publicado na obra coletiva ‘Processo de Execução’, SHIMURA, Sérgio e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coords.), Revista dos Tribunais, São Paulo: 2001, p. 482-508, esp. p. 498 e 500), in verbis:

‘(...) a imposição de multa pecuniária tem por função precípua resguardar a efetividade do processo. É instrumento de direito público, que busca realçar o imperium da ordem judicial expedida contra o réu e o revigoramento do dever do mesmo em atendê-la fielmente.

Por essa razão é que a multa tem eficácia a partir do momento em que o cumprimento do comando judicial à qual se relaciona passa a ser devido. Em regra, este momento é o da intimação da medida liminar ou da sentença de procedência não submetida ao efeito suspensivo da apelação’ (op. cit., p. 498).

A seguir, depois de criticar severamente o entendimento de que esta multa coercitiva só pode ser cobrada após o trânsito em julgado da eventual sentença de procedência do pedido inicial objeto da antecipação de tutela, o mesmo autor, depois de afirmar que não se pode confundir a situação jurídica de direito material discutida no processo e os deveres das partes como sujeitos do processo, é ainda mais incisivo na defesa da exigibilidade imediata (e definitiva) da multa coercitiva nos casos de descumprimento das medidas cautelares e antecipatórias deferidas em Juízo:

‘Em virtude de seu caráter processual, o que autoriza a exigibilidade da multa pecuniária é a violação da ordem judicial, é o desrespeito do réu ao poder jurisdicional. O seu ‘fato gerador’ considera apenas e tão-somente a relação jurídica existente entre parte e juiz, o dever daquela em atender às ordens deste, enquanto forem eficazes.

A exigibilidade da multa pecuniária não recebe nenhuma influência da relação jurídica de direito material. É preciso se ter bem claro que o que autoriza a incidência da multa é a violação da ordem do juiz, é a violação de uma obrigação processual, e não da obrigação de direito material que o réu pode possuir perante o autor.

Assim sendo, se o réu não atender à decisão eficaz do juiz, estará desrespeitando a sua autoridade, ficando submetido ao pagamento da multa pecuniária arbitrada, independentemente do resultado definitivo da demanda. Em sendo a decisão que impôs a multa posteriormente revogada, seja por sentença ou por acórdão, ou mesmo por outra decisão interlocutória, em nada restará influenciado aquele dever que havia sido anteriormente imposto ao réu. As ordens judiciais devem ser obedecidas durante o período em que são vigentes, e as partes que não as obedecerem estarão sujeitas às sanções cominadas’ (op. cit., p. 500).

Da mesma forma, embora mais concisamente, também se pronuncia o consagrado Professor da USP e Desembargador do TJSP José Roberto dos Santos BEDAQUE (in ‘Tutela cautelar e antecipada: tutelas sumárias e de urgência (tentativa de sistematização)’, São Paulo: Malheiros, 1998, p. 367):

‘Merece consideração, ainda, a possibilidade de imposição de multa pelo descumprimento da tutela antecipada, prevista expressamente no art. 461, mas aplicável a qualquer hipótese em que o provimento antecipatório seja cabível (arts. 273 e 799; ...).

Nesses casos, a multa pode ser executada imediatamente, ainda que em curso o processo. Embora inexistente a tutela final, a multa está vinculada ao provimento antecipatório e pode ser exigida desde logo, pois decorre objetivamente do não atendimento ao comando nele contido’ (destaques nossos).

No mesmo sentido também se pronuncia Sérgio Cruz ARENHART (in ‘Perfis da tutela inibitória coletiva’, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 370-373), a respeito da exigibilidade da multa coercitiva no âmbito da tutela inibitória individual (em considerações que, para nós, são igualmente aplicáveis à tutela inibitória coletiva, pelas razões anteriormente expostas), in verbis:

‘Quanto ao escopo da multa, já se disse reiteradamente, presta-se ela a proteger a autoridade da função jurisdicional. Seu objetivo não é proteger diretamente o interesse do autor, senão dar efetividade à decisão do Estado, concretizando o imperium de que é dotada. (...)

(...) Deveras, a função da multa é garantir obediência à ordem judicial, não se podendo abrir espaço para o requerido questioná-la (senão pelas vias judiciais naturais), sob pena de negar-se-lhe todo caráter coercitivo. Pouco importa se a ordem se justificava ou não; após a sua preclusão temporal, ou eventualmente, a análise do recurso contra ela interposto junto ao tribunal, só resta o seu cumprimento, sem qualquer ulterior questionamento. Se, no futuro, aquela decisão será ou não confirmada pelo provimento final (definitivo) da causa, isso pouco importa para efetividade da primeira ordem. Merece ela ser respeitada (quando editada) pela simples razão de decorrer da autoridade pública adequada. Está em jogo, afinal, a própria autoridade do Estado. Não se pode, portanto, dizer que ocorreu apenas a inobservância de uma decisão do Estado-juiz. Ocorreu, em verdade, a transgressão a uma ordem, que se presume legal mesmo porque submetida à potencial revisão interna no Judiciário). Se o conteúdo dessa ordem será, posteriormente, infirmado pelo exame final da causa, isto pouco importa para o fato de que deveria a ordem, enquanto vigorou, ser cumprida de maneira inquestionável.’

E completa ele, de maneira ainda mais clara e absoluta:

‘A decisão judicial é imperativa para as partes porque deriva da autoridade pública – que detém o monopólio da força legítima – e só. Se a decisão reflete o melhor entendimento ou se poderá ser alterada ao final do feito são questões que extrapolam o âmbito de discussão do fundamento da autoridade do Estado, não competindo nem às partes, nem ao jurista.

Por isso, no sistema brasileiro, parece adequado entender que, sendo a ordem formalmente válida – ou seja, obedecidos os requisitos legais para sua expedição – merece ela cumprimento, ainda que, posteriormente, haja modificação do entendimento, e a conclusão final da causa dê pela improcedência da ação. Desde que não seja a decisão que concede a multa nula (por decisão do órgão superior, em recurso, ou por constatação do próprio juiz da causa), deve ela ser cumprida, ainda que haja possibilidade de que a ação venha a ser julgada improcedente ao final.

Outro entendimento resultaria na abertura de perigosa válvula para o descumprimento de qualquer meio coercitivo imposto em termos provisórios. A parte, a quem incumbe o cumprimento da ordem, sabendo ser ela passível de mudança com a sentença, não tem estímulo para o cumprimento voluntário da ordem, já que, em cumprindo, não terá nenhum benefício; em não cumprindo, sujeita-se à sorte de suas alegações no processo e à eventualidade de sucesso em sua defesa. Põe-se por terra todo o esforço do jurista no intuito da efetividade do processo.’

Por fim, são igualmente persuasivas as considerações expendidas pelo advogado e professor paraense Jean Carlos DIAS (em seu trabalho Os meios de dissuasão nas tutelas coletivas inibitórias, publicado na obra coletiva ‘Tutela jurisdicional coletiva’, DIDIER JR., Fredie et alli (coords.), Salvador: Ed. Jus Podium, 2009, p. 261-271, esp. p. 265-266), mostrando que a linha interpretativa aqui sustentada é a que melhor atende à necessidade de assegurar a tutela jurisdicional mais efetiva possível:

‘Para que a multa tenha o verdadeiro efeito inibidor, não há dúvida a respeito, ela deve ser exigida de imediato e mediante um procedimento específico capaz de levar a esse pagamento.

Somente quando isso ocorre é que se pode verdadeiramente observar o efeito dissuasório. Transferir a exigência para o futuro, ou seja, após o trânsito em julgado, significa apenas dotar o agente potencialmente causador do dano de mais um dado na equação econômica que dá suporte à sua conduta.

Ao contrário do que supõem alguns autores, a transferência para o futuro importa em imediato enfraquecimento do comando judicial e por isso a evidente perda de coação da vontade que justifica a concessão da medida.

Analiticamente, o debate doutrinário deve ser resolvido em prol da melhor solução dissuasória que é certamente a que impõe um risco imediato pelo desatendimento do comando judicial.

(...) em ambientes não cooperativos como o estabelecido em juízo para a solução de conflitos coletivos, a solução estratégica, sendo racional o agente, somente leva ao efeito pretendido quando a sanção econômica representa uma imposição imediata e suficientemente relevante para orientar sua conduta.

(...) Ao contrário do que se pode supor, a autonomia radical da multa (tanto quanto ao momento da eficácia quanto ao meio processual) nas ações coletivas é exigência do próprio modelo de dissuasão previsto na nossa legislação.’

Ainda no plano doutrinário, também se pronunciam no mesmo sentido e merecem ser mencionados José Carlos BARBOSA MOREIRA (em seu artigo A tutela específica do credor nas obrigações negativas, in ‘Temas de direito processual – segunda série’, São Paulo: Saraiva, 2ª edição, 1988, p. 30-44, esp. p. 39-40), Marcelo Lima GUERRA (in ‘Execução indireta’, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1ª ed., 2ª tiragem, 1999, p. 205), Élton VENTURI (in ‘Execução da tutela coletiva’, São Paulo: Malheiros, 2000, p. 150-151) e José Miguel GARCIA MEDINA (in ‘Execução civil: teoria geral – princípios fundamentais’, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2ª ed., 2004, p. 449-450)." (AP-65740-04.2001.5.03.0084,  TRT 3.ª Região, 5.ª Turma, Redator Desembargador José Roberto Freire Pimenta, DJMG 8/3/2010 – grifos nossos)

Dessa forma, tendo em vista o princípio da máxima efetividade e o afastamento da aplicação do art. 12, § 2.º, da Lei 7.347/85, frente ao que preceitua o art. 84 do Código de Defesa do Consumidor, é possível se exigir a multa por descumprimento de obrigação de fazer imposta em sentença proferida nos autos de ação civil pública antes do trânsito em julgado.

Contudo, na hipótese de execução das astreintes, deve-se determinar que seja efetivado o depósito em juízo, para levantamento pelo beneficiário somente após o trânsito em julgado da decisão, com fulcro no art. 461, caput e § 4.º, do CPC de 1973.

Em resumo, entende-se pela possibilidade de se exigir a multa por descumprimento de obrigação de fazer imposta em sentença proferida nos autos de ação civil pública antes do trânsito em julgado, embora condicionando ao depósito em juízo, com levantamento pelo beneficiário somente após o trânsito em julgado da decisão.

Diante do exposto, DOU PROVIMENTO PARCIAL ao recurso de embargos para restabelecer a decisão proferida pelo Tribunal Regional de origem, que manteve a exigibilidade do pagamento da multa de R$ 500,00 (quinhentos reais) por empregado encontrado em situação irregular, referentemente à jornada de trabalho excessiva, bem como no que tange à manutenção de empregados sem registro, antes do trânsito em julgado da decisão condenatória, ficando, no entanto, condicionada ao depósito em juízo, com levantamento pelo beneficiário somente após o trânsito em julgado da decisão.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros do Tribunal Pleno do Tribunal Superior do Trabalho, 1) por maioria, preliminarmente, não acolher questão de ordem suscitada pelo Exmo. Ministro João Oreste Dalazen, que entendia necessária a conversão do julgamento em diligência para que as partes se manifestassem quanto à aplicação ou não do art. 537, § 3.º, do Código de Processo Civil de 2015, à luz do que prescrevem os arts. 9.º e 10 do Código de Processo Civil de 2015 e 4.º da Instrução Normativa n.º 39 desta Corte. Acompanharam Sua Excelência os Exmos. Ministros Hugo Carlos Scheuermann, Cláudio Mascarenhas Brandão, Douglas Alencar Rodrigues, Maria Helena Mallmann, João Batista Brito Pereira, Renato de Lacerda Paiva, Emmanoel Pereira, Dora Maria da Costa e Ives Gandra da Silva Martins Filho; 2) por unanimidade, conhecer do recurso de embargos, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, por maioria, dar-lhe provimento parcial para restabelecer a decisão proferida pelo Tribunal Regional de origem, que manteve a exigibilidade do pagamento da multa de R$ 500,00 (quinhentos reais) por empregado encontrado em situação irregular, referentemente à jornada de trabalho excessiva, bem como no que tange à manutenção de empregados sem registro, antes do trânsito em julgado da decisão condenatória, ficando, no entanto, condicionada ao depósito em juízo, com levantamento pelo beneficiário somente após o trânsito em julgado da decisão. Ficaram vencidos os Exmos. Ministros João Oreste Dalazen, Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, Renato de Lacerda Paiva, Emmanoel Pereira, Guilherme Augusto Caputo Bastos, Márcio Eurico Vitral Amaro, Walmir Oliveira da Costa e Ives Gandra da Silva Martins Filho. Consignaram ressalva de fundamentação o Exmo. Ministro Lelio Bentes Corrêa, que entendia não recepcionado o dispositivo da Lei de Ação Civil Pública pelo art. 5.º, XXXV e LIV, da Constituição Federal, e os Exmos. Ministros Aloysio Corrêa da Veiga, Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Alberto Luiz Bresciani  de Fontan Pereira, Maria de Assis Calsing e Dora Maria da Costa, que aplicavam o art. 12, § 2.º, da Lei de Ação Civil Pública combinado com o art. 537, § 3.º, do CPC de 2015. Juntarão justificativa de voto vencido os Exmos. Ministros João Oreste Dalazen, Emmanoel Pereira e Ives Gandra da Silva Martins Filho. Juntarão voto convergente os Exmos. Ministros Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira e Augusto César Leite de Carvalho.

Brasília, 19 de Abril de 2016.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

DELAÍDE MIRANDA ARANTES

Ministra Relatora

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