TST - INFORMATIVOS 2022 254 - de 25 de abril a 17 de maio

Data da publicação:

Acordão - TST

Alexandre de Souza Agra Belmonte - TST



RESCISÃO INDIRETA. MOTORISTA TERCEIRIZADO LOTADO NA MINA DO CÓRREGO DO FEIJÃO NA DATA DO ROMPIMENTO DA BARRAGEM



I - AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO REGIONAL NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. TRANSCENDÊNCIA ECONÔMICA. Considerando que o valor da causa fora fixado em R$ 1.469.469,64, reconhece-se a transcendência econômica, nos termos do art. 896-A, §1º, I, da CLT.

INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. DOENÇA PSICOLÓGICA NÃO COMPROVADA. ROMPIMENTO DA BARRAGEM DO CÓRREGO DO FEIJÃO.

1. A causa versa sobre pedido de indenização por danos extrapatrimoniais em razão de suposto trauma psicológico sofrido por trabalhador em face do rompimento da Barragem do Córrego do Feijão. Trata-se de trabalhador terceirizado (motorista) que não prestou serviços no dia do acidente, mas que disse ter ficado abalado psicologicamente com o acidente ocorrido. 2. Ficou delimitado no v. acórdão regional que, embora seja pública e notória a conduta antijurídica da reclamada Vale S.A. (tomadora) em relação ao rompimento da barragem da Mina do Córrego do Feijão, o reclamante não anexou aos autos nenhum documento que comprovasse a alegada doença sofrida (transtorno psicológico) em face do acidente, não havendo laudo médico que confirmasse a existência de estresse pós-traumático oriundo do rompimento daquela barragem.

3. Diante desse cenário, não há como se reconhecer as ofensas aos artigos 5º, V, e X, da CR, 927, caput e parágrafo único, do CCB, uma vez que o col. Tribunal Regional em nenhum momento nega o ato ilícito praticado pela reclamada pelo rompimento da barragem. O fato alegadamente sofrido pelo reclamante (doença psicológica) é que não restou provado, não havendo, aqui, como ser reconhecido o dano in re ipsa, que dispensa a prova quanto à ofensa moral da pessoa, mas não quanto à doença alegada. Agravo de instrumento conhecido e desprovido.

RESCISÃO INDIRETA. MOTORISTA TERCEIRIZADO LOTADO NA MINA DO CÓRREGO DO FEIJÃO NA DATA DO ROMPIMENTO DA BARRAGEM. IMEDIATIDADE. Diante de provável ofensa ao art. 483, "c", da CLT, determina-se o processamento do recurso de revista para melhor exame. Agravo de instrumento conhecido e provido.

II - RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO REGIONAL NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. RESCISÃO INDIRETA. MOTORISTA TERCEIRIZADO LOTADO NA MINA DO CÓRREGO DO FEIJÃO NA DATA DO ROMPIMENTO DA BARRAGEM. IMEDIATIDADE.

1. Para a configuração da rescisão indireta, é necessária a comprovação de ato gravoso praticado pelo empregador, que resulte na violação de direitos do empregado.

2. No caso, se discute o pedido de reconhecimento da rescisão indireta feito por empregado terceirizado que prestava serviços na Mina do Córrego do Feijão. O Tribunal Regional entendeu ausentes os requisitos necessários para a configuração da rescisão indireta, em razão de o reclamante não estar trabalhando no dia do rompimento da barragem e pelo fato de ter continuado a prestar serviços por mais um ano após a data do acidente, o que afastaria a imediatidade necessária para a configuração da rescisão indireta.

3. É fato público e notório o descumprimento das normas de segurança do trabalho pela Vale S.A. (art. 157, I, da CLT), que resultou no rompimento da barragem e na morte de cerca de 272 pessoas, bem como a sujeição dos trabalhadores que atuaram na Mina do Córrego do Feijão a condições de risco manifesto.

4. Prevê o art. 483, "c", da CLT que o empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando "correr perigo manifesto de mal considerável". Por perigo manifesto de mal considerável entende-se o ato patronal, alheio ao contrato de trabalho e à própria função desempenhada, que acarreta risco à integridade física do trabalhador.

5. Evidenciado, portanto, que o reclamante desempenhava suas atividades em ambiente de risco, com real potencial de acidente, resta configurada a hipótese descrita pelo art. 483, "c", da CLT.

6. A jurisprudência desta Corte tem dispensado a imediatidade da reação do empregado como requisito para o reconhecimento da rescisão indireta, em face de sua condição de hipossuficiente e da necessidade de manutenção do emprego, como meio de assegurar-lhe o próprio sustento e da sua família. Precedentes. Recurso de revista conhecido por violação do art. 483, "c", da CLT e provido.

INDENIZAÇÃO SUBSTITUTIVA. ESTABILIDADE PROVISÓRIA RECONHECIDA NOS AUTOS DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA. Diante da conversão do pedido de demissão em rescisão indireta por esta Corte Superior, determina-se o retorno dos autos ao Tribunal Regional de origem, para que proceda ao exame das demais alegações da reclamada trazida em seu recurso ordinário, em relação ao tema "estabilidade provisória", como entender de direito. (TST-RRAg-10223-38.2020.5.03.0087, 8ª Turma, rel. Min. Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 16/05/2022).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista com Agravo n° TST-RRAg-10223-38.2020.5.03.0087, em que é Agravante e Recorrente MARCIO FELIX DE OLIVEIRA e é Agravado e Recorrido EMPREENDIMENTOS E PARTICIPACOES RIO NEGRO LTDA e VALE S.A.

Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo reclamante contra a decisão monocrática que negou seguimento ao seu recurso de revista.

Contraminuta e contrarrazões apresentadas às págs. 1555/1567 e 1568/1581.

Sem remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho.

É o relatório.

V O T O

I – AGRAVO DE INSTRUMENTO

1 - CONHECIMENTO

Satisfeitos os pressupostos extrínsecos de admissibilidade, conheço do agravo de instrumento.

2 - TRANSCENDÊNCIA

Considerando que o acórdão do Tribunal Regional foi publicado na vigência da Lei nº 13.467/2017, o recurso de revista submete-se ao crivo da transcendência, que deve ser analisada de ofício e previamente, independentemente de alegação pela parte.

O art. 896-A da CLT, inserido pela Lei nº 13.467/2017, com vigência a partir de 11/11/2017, estabelece em seu § 1º, como indicadores de transcendência:  I - econômica, o elevado valor da causa;  II - política, o desrespeito da instância recorrida à jurisprudência sumulada do Tribunal Superior do Trabalho ou do Supremo Tribunal Federal;  III - social, a postulação, por reclamante-recorrente, de direito social constitucionalmente assegurado; IV - jurídica, a existência de questão nova em torno da interpretação da legislação trabalhista.

Por sua vez, este Tribunal Superior do Trabalho ao editar o seu Regimento Interno, dispôs expressamente sobre a transcendência nos arts. 246, 247, 248 e 249.

Pois bem.

Considerando que o valor da causa fora fixado em R$ 1.469.469,64, reconheço a transcendência econômica, nos termos do art. 896-A, §1º, I, da CLT.

3 - MÉRITO

Trata-se de agravo de instrumento interposto contra a decisão monocrática que negou seguimento ao recurso de revista do reclamante quanto aos seguintes temas: "rescisão indireta", ‘indenização. Estabilidade provisória", "indenização por danos morais" e "honorários advocatícios. Sucumbência recíproca. Beneficiário da justiça gratuita".

Eis o teor da decisão agravada:

PRESSUPOSTOS EXTRÍNSECOS

O recurso é próprio, tempestivo (acórdão publicado em 06/07/2021; recurso de revista interposto em 16/07/2021), dispensado o preparo (Id  66fb5d2 - Pág. 26 ), sendo regular a representação processual (Id. 6e02034 - Pág. 1).

PRESSUPOSTOS INTRÍNSECOS

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO / Recurso / Transcendência.

Nos termos do art. 896-A, § 6º da CLT, não compete aos Tribunais Regionais, mas exclusivamente ao TST, examinar se a causa oferece transcendência em relação aos reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica.

Rescisão do Contrato de Trabalho / Rescisão Indireta.

Rescisão do Contrato de Trabalho / Reintegração / Readmissão ou Indenização.

Responsabilidade Civil do Empregador / Indenização por Dano Moral.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO / Partes e Procuradores / Sucumbência / Honorários Advocatícios.

Examinados os fundamentos do acórdão, constato que o recurso, em seus temas e desdobramentos, não demonstra divergência jurisprudencial válida e específica, nem contrariedade com Súmula de jurisprudência uniforme do TST ou Súmula Vinculante do STF, tampouco violação literal e direta de qualquer dispositivo de lei federal e/ou da Constituição da República, como exigem as alíneas "a" e "c" do art. 896 da CLT.

Em relação aos temas em destaque, o deslinde da controvérsia transpõe os limites da literalidade dos preceitos legais invocados, uma vez que a matéria em discussão é eminentemente interpretativa, não se podendo afirmar que a própria letra dos dispositivos tenha sofrido ofensa pelo acórdão.

Os arestos trazidos à colação, provenientes de Turmas do TST, deste Tribunal ou de órgãos não mencionados na alínea "a" do art. 896 da CLT, não se prestam ao confronto de teses.

Também não são aptos ao confronto de teses os arestos colacionados carentes de indicação de fonte oficial ou repositório autorizado em que foram publicados (Súmula 337, I, do TST e § 8º do art. 896 da CLT).

Não se afigura a pretendida violação do inciso LV do art. 5º da CR, pois o contraditório e a ampla defesa foram devidamente assegurados à recorrente, que vem se utilizando dos meios e recursos cabíveis para discutir a questão, não havendo falar em prejuízo processual.

O posicionamento adotado pela Turma quanto ao dano moral, não ofende a literalidade do art. 5º, V e X da CR, uma vez que esses dispositivos não estabelecem de forma expressa e homogênea os parâmetros necessários à configuração do dano moral. Por consequência, fica a cargo do Julgador analisar cada hipótese e dar o seu posicionamento a respeito, dentro do seu livre convencimento.

É inespecífico o aresto válido colacionado relativo à suspensão da exigibilidade dos honorários advocatícios de sucumbência, tendo em vista que as premissas fáticas que o embasam não coincidem integralmente com aquelas contempladas na fundamentação da decisão hostilizada (Súmula 296 do TST).

A questão relacionada à inconstitucionalidade do art. 791-A, § 4º da CLT não foi abordada na decisão recorrida, o que torna preclusa a oportunidade de insurgência sobre tal tema. Aplica-se ao caso o entendimento sedimentado na Súmula 297 do TST.

CONCLUSÃO

O reclamante, na minuta de agravo de instrumento, busca a reforma do r. despacho em relação aos seguintes temas: "indenização por danos morais", "indenização substitutiva. Estabilidade provisória" e "rescisão indireta".

Não traz argumentação em relação ao tema "honorários advocatícios", o que denota conformismo com a decisão denegatória que lhe fora desfavorável.

Ao exame.

3.1 - INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS

O reclamante, na minuta de agravo de instrumento, sustenta a viabilidade do recurso de revista pela alegada violação do art. 927, parágrafo único, do CCB. Diz que, em face da atividade desempenhada pela reclamada, deve-se reconhecer a responsabilidade objetiva.

Em atenção ao art. 896, § 1º-A, I, da CLT, transcreve o seguinte trecho do v. acórdão regional:

"O autor alega que restou comprovada a ocorrência de acidente de trabalho, bem como a responsabilidade da segunda reclamada pelo evento danoso. Afirma que restou provado que o trabalhador, admitido em novembro de 2013 e residente na própria cidade de Brumadinho- MG, prestava serviços na Mina Córrego do Feijão.

Aduz, assim, que com o rompimento da barragem no dia 25 de janeiro de 2019, reconhecido como o maior acidente de trabalho do Brasil em termos de perda de vidas humanas, é evidente o dano por ele suportado, pois, de um dia para o outro, perdeu amigos e dezenas de colegas.

Ressalta, ainda, que trouxe aos autos, juntamente com as razões recursais, documentos novos , nos termos do art. 435/CPC, que corroboram suas alegações quanto ao dano suportado em razão do acidente (relatório médico com diagnóstico de quadro de transtorno pós-traumático - CID F 43).

Assevera, portanto, que restou configurado o dever de indenizar, razão pela qual requer a reforma da sentença, com a condenação das reclamadas ao pagamento de indenização por danos morais.

Analiso.

(...)

No caso dos autos, o reclamante pleiteou fosse a segunda reclamada condenada ao pagamento de indenização por danos morais em razão do rompimento da barragem Córrego Feijão em Brumadinho/MG. Alegou que era trabalhador terceirizado, laborando no transporte de funcionários da segunda reclamada entre Brumadinho - MG e a mina do Córrego do Feijão, sempre deixando os passageiros em locais bem próximos à barragem de rejeitos que se rompeu.

Afirmou que no dia do acidente laborou normalmente nas proximidades da barragem, presenciando a morte de inúmeros colegas, tendo estado no local onde a lama foi a principal responsável pela devastação. Disse que, em razão do dano psicológico causado pelo acidente de trabalho mencionado, apresenta sérias sequelas em sua vida cotidiana, assim como em sua vida funcional (f. 16/25).

É certo que o rompimento da barragem de rejeitos de mineração da Mina Córrego do Feijão, ocorrido na data de 25/01/2019, é evento de ampla repercussão nacional, que o qualifica como fato notório, de forma que o cometimento do ato ilícito imputado a segunda reclamada não depende de prova (art. 374, I, do CPC).

Porém, a prova documental contida nos autos - cartão de ponto - f. 509 - evidencia que o obreiro não se encontrava presente no local no dia do acidente.

Conclui-se, assim, que o fato de o autor ter trabalhado na Mina Córrego do Feijão em período anterior ao do rompimento da barragem, por si só, não é apto a ensejar a condenação da segunda reclamada ao pagamento de indenização compensatória por danos morais.

A situação dos autos retrata dano meramente hipotético. Cabe ressaltar, inclusive, que o autor não trouxe aos autos nenhum documento que comprovasse o transtorno por ele sofrido, ou seja, não foi juntado nenhum laudo médico confirmando a existência de estresse pós-traumático. Ele sequer pugnou pela produção de prova pericial médica e a prova oral foi silente em relação à matéria (ata de f. 1210/1212). Ou seja, trata-se de ausência absoluta de prova quanto ao suposto dano sofrido pelo reclamante, oriundo do rompimento da barragem de rejeitos de mineração da Mina Córrego do Feijão.

(...)

Destaque-se que, caso seja estendida a reparação para todos aos que de algum modo sentiram a dor da tragédia, corre-se o risco de ampliar de forma irrestrita o âmbito da indenização, podendo acarretar uma indesejável banalização do dano moral. Predomina, portanto, o entendimento de que a abrangência do dano moral passível de indenização é mais restrita.

(...)

Assim sendo, na ausência de demonstração inequívoca do dano alegado, merece ser mantida a sentença, que indeferiu o pleito de pagamento de compensação por dano moral.

Desprovejo. (págs. 1515/1516)

A causa versa sobre pedido de indenização por danos extrapatrimoniais em razão de suposto trauma psicológico sofrido por trabalhador com o rompimento da Barragem do Córrego do Feijão.

Trata-se de trabalhador terceirizado que não prestou serviços no dia do acidente, mas que disse ter ficado abalado psicologicamente com o acidente ocorrido.

Ficou delimitado no v. acórdão regional que, embora seja pública e notória a conduta antijurídica da reclamada Vale S.A., em relação ao rompimento da barragem da Mina do Córrego do Feijão, o reclamante não anexou aos autos nenhum documento que comprovasse a alegada doença sofrida (transtorno psicológico) em face do acidente, não havendo nenhum laudo médico que ao menos confirmasse a existência de estresse pós-traumático oriundo do rompimento da barragem situada na Mina Córrego do Feijão.

Conforme se observa, o col. Tribunal Regional em nenhum momento nega o ato ilícito praticado pela reclamada, que resultou no rompimento da barragem.

O fato alegadamente sofrido (doença psicológica) é que não restou provado, não havendo, aqui, como ser reconhecido o dano in re ipsa, que dispensa a prova quanto à ofensa moral da pessoa, mas não quanto à doença alegada.

Incólumes, assim, os artigos 5º, V, e X, da CR, 927, caput e parágrafo único, do CCB.

Julgado proveniente de Turma desta Corte não se presta ao cotejo, nos termos do art. 896, "a", da CLT.

Nego provimento.

3.2 - RESCISÃO INDIRETA. MOTORISTA TERCEIRIZADO LOTADO NA MINA DO CÓRREGO DO FEIJÃO NA DATA DO ROMPIMENTO DA BARRAGEM. IMEDIATIDADE. DESNECESSIDADE

O reclamante, na minuta de agravo de instrumento, afirma ter demonstrado ofensa aos arts. 5º, LV, da CR e 483, "c" e "d", da CLT. Sustenta que o dispositivo celetista não estabelece que haja imediatidade para o ingresso da reclamação na Justiça do Trabalho, de forma que deveria ter sido reconhecido a rescisão indireta. Transcreve julgados.

Pois bem.

A insurgência do reclamante se dirige contra o afastamento das hipóteses previstas nas alíneas "c" e "d" do art. 483 da CLT para a configuração da rescisão indireta em relação a empregado terceirizado que prestava serviços nas instalações na Mina do Córrego do Feijão.

O fundamento apresentado pelo Tribunal Regional é de que o reclamante não estava trabalhando na Vale S.A. no dia do rompimento da barragem e que o fato de ter havido continuidade na prestação de serviços por mais de um ano após a data do acidente denotaria a falta da imediatidade necessária para a configuração da rescisão indireta.

É fato público e notório o descumprimento das normas de segurança do trabalho pela Vale S.A. e a sujeição dos trabalhadores que atuam na Mina do Córrego do Feijão a condições de risco manifesto.

Além disso, a jurisprudência desta Corte tem dispensado a imediatidade da reação do empregado como requisito para o reconhecimento da rescisão indireta, em face de sua condição de hipossuficiente e da necessidade de manutenção do emprego, a fim de assegurar-lhe o próprio sustento e da sua família.

Diante, pois, desse contexto, impõe-se que seja processado o recurso de revista, para melhor exame, diante de provável ofensa ao art. 483, "c", da CLT.

Dou provimento.

II - RECURSO DE REVISTA

Satisfeitos os pressupostos extrínsecos de admissibilidade, prossigo no exame dos requisitos intrínsecos do recurso de revista.

1 - CONHECIMENTO

1.1 - RESCISÃO INDIRETA. MOTORISTA TERCEIRIZADO LOTADO NA MINA DO CÓRREGO DO FEIJÃO NA DATA DO ROMPIMENTO DA BARRAGEM. IMEDIATIDADE. DESNECESSIDADE

O reclamante, de início, transcreveu o seguinte trecho do v. acórdão regional:

Em sua peça de ingresso, o autor apontou o rompimento da barragem na Mina Córrego do Feijão como fato autorizador da rescisão indireta do seu contrato, com fincas no art. 483, "d", da CLT, que trata do descumprimento das obrigações do contrato por parte do empregador (vide narrativa de f. 09/10).

O d. julgador declarou a rescisão indireta, com fincas a quo nas alíneas 'c"" e "d" do art. 483 da CLT, alegando que os empregados estariam sujeitos a risco de mal considerável e ao não cumprimento das obrigações contratuais pelo empregador (Ff. 1246).

Inconformadas, insurgem-se ambas as reclamadas.

(...)

De acordo com o disposto no artigo 483 da CLT, o empregado poderá considerar rescindido seu contrato de trabalho e pleitear a respectiva indenização quando a empregadora incorrer em uma das faltas ali previstas.

Desta feita, a caracterização da rescisão indireta do contrato de trabalho se verifica quando as faltas cometidas pela empregadora decorrerem de atos graves o suficiente para inviabilizar a continuidade do liame empregatício.

(...)

 No caso dos autos, data vênia do entendimento adotado na origem, não restaram demonstrados motivos para o acolhimento da rescisão indireta do contrato de trabalho.

Ficou constatado nos autos que o autor não se encontrava laborando na Vale no dia do rompimento da barragem. Ademais, não há como imputar culpa à 1º reclamada pelo acidente ocorrido, pois, como é de sabença geral, a tragédia resultou da conduta atribuída à 2º re.

Como se não bastasse , o rompimento da barragem ocorreu na data de 25 /01/2019, tendo O obreiro co ntinuado a "laborar normalmente até o dia 08/04/2020, estando, portanto, ausente a imediatidade necessária na insurgência do autor, vez "que transcorrido mais de 01 ano do acidente, ficando caracterizado o perdão tácito.

Assim, ausente o requisito da atualidade da falta a autorizar a rescisão indireta do contrato.

Desta forma, considero-o demissionário, sendo o último dia trabalhado 08 /04/2020 (depoimento pessoal -— f. 1210)." (págs. 1492/1493)

Mais adiante, destacou os seguintes trechos:

"No caso dos autos, data vênia do entendimento adotado na origem, não restaram demonstrados motivos para o acolhimento da rescisão indireta do contrato de trabalho.

Ficou constatado nos autos que o autor não se encontrava laborando na Vale no dia do rompimento da barragem. Ademais, não há como imputar culpa à 1º reclamada pelo acidente ocorrido, pois, como é de sabença geral, a tragédia resultou da conduta atribuída à 2ª ré." (pág. 1500)

"É certo que o rompimento da barragem de rejeitos de mineração da Mina Córrego do Feijão, ocorrido na data de 25/01/2019, é evento de ampla repercussão nacional, que o qualifica como fato notório, de forma que o cometimento do ato ilícito imputado a segunda reclamada não depende de prova (art. 374, 1, do CPC"). (pág. 1508)

Nas razões recursais, o reclamante aponta violação dos artigos 483, "c" e "d", da CLT e 7º, XXII, da CR. Afirma que estava exposto a risco no desempenho de suas atividades profissionais, diariamente, de forma que, uma vez demonstrado o descumprimento das normas de segurança pela reclamada, especialmente os deveres previstos na NR 24 da Portaria do Ministério do Trabalho, ficaria justificado o reconhecimento da rescisão indireta. Aduz que o fato de ser hipossuficiente e, diante da dificuldade de ser recolocado no mercado de trabalho após o acidente, a imediatidade não constituiria óbice ao reconhecimento da rescisão indireta.

Para a configuração da rescisão indireta, é necessária a comprovação de ato gravoso praticado pelo empregador que resulte na violação do direito do empregado.

No caso, se discute o pedido de reconhecimento da rescisão indireta feito por empregado terceirizado que prestava serviços na Mina do Córrego do Feijão.

O Tribunal Regional entendeu ausentes os requisitos necessários para a configuração da rescisão indireta, em razão de o reclamante não estar trabalhando na Vale S.A. no dia do rompimento da barragem e pelo fato de ter continuado trabalhando por mais um ano após a data do acidente, o que afastaria a imediatidade necessária para a configuração da rescisão indireta.

É fato público e notório o descumprimento das normas de segurança do trabalho pela Vale S.A. (art. 157, I, da CLT), que resultou no rompimento da barragem e na morte de aproximadamente 272 pessoas, bem como a sujeição dos trabalhadores que atuaram na Mina do Córrego do Feijão a condições de risco manifesto.

Prevê o art. 483, "c", da CLT que o empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando "correr perigo manifesto de mal considerável".

Por perigo manifesto de mal considerável entende-se o ato patronal, alheio ao contrato de trabalho, que acarreta risco à integridade física ou à saúde do trabalhador.

Evidenciado, portanto, que o reclamante desempenhava suas atividades em ambiente com potencial risco de acidente, resta configurada a hipótese descrita pelo art. 483, "c", da CLT.

Além disso, a jurisprudência desta Corte tem dispensado a imediatidade da reação do empregado como requisito para o reconhecimento da rescisão indireta, em face de sua condição de hipossuficiente e da necessidade de manutenção do emprego, a fim de assegurar-lhe o próprio sustento e da sua família.

Nesse sentido são os seguintes precedentes:

RECURSO DE EMBARGOS REGIDO PELA LEI 11.496/2007. RESCISÃO INDIRETA DO CONTRATO DE TRABALHO. AUSÊNCIA DE RECOLHIMENTO DO FGTS E DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. ARTIGO 483 DA CLT. O artigo 483, d, da CLT faculta ao empregado, no caso de descumprimento das obrigações contratuais por parte do empregador, a rescisão indireta do contrato de trabalho. Nesse sentido, o fato de não recolher os depósitos do FGTS, ou seu recolhimento irregular, e das contribuições previdenciárias, configura ato faltoso do empregador, cuja gravidade é suficiente para acarretar a rescisão indireta do contrato de trabalho. Por outro lado, esta Corte tem reiteradamente decidido pela relativização do requisito da imediatidade no tocante à rescisão indireta, em observância aos princípios da continuidade da prestação laboral e da proteção ao hipossuficiente. O artigo 483, caput e § 3º, da CLT, faculta ao empregado considerar rescindido o contrato de trabalho antes de pleitear em juízo as verbas decorrentes da rescisão indireta. Todavia, o referido dispositivo não estabelece o procedimento a ser adotado pelo empregado quando o empregador incidir em uma das hipóteses de justa causa. Vale dizer, não há qualquer exigência formal para o exercício da opção de se afastar do emprego antes do ajuizamento da respectiva ação trabalhista. Comprovada em juízo a justa causa do empregador, presume-se a relação entre a falta patronal e a iniciativa do empregado de rescindir o contrato de trabalho. Esse é o entendimento assente na jurisprudência majoritária desta Corte Superior, em julgados da Subseção 1 Especializada em Dissídios Individuais, bem como das Turmas, é no sentido de que a ausência de recolhimento de valores devidos a título de FGTS , por parte do empregador , no curso do contrato de trabalho autoriza a rescisão indireta. E esse entendimento ampara-se justamente no artigo 483, d , da CLT, segundo o qual o empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando o empregador não cumprir as obrigações do contrato. Recurso de embargos conhecido e não provido " (E-ED-ED-RR-1902-80.2010.5.02.0058, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Augusto Cesar Leite de Carvalho, DEJT 10/03/2017).

"RECURSO DE EMBARGOS. REGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. RESCISÃO INDIRETA DO CONTRATO DE TRABALHO. 1. A eg. Oitava Turma não conheceu do recurso de revista quanto à rescisão indireta, reputando ileso o art. 483, "d", da CLT e inespecíficos os arestos colacionados, com amparo nas Súmulas nº 126 e 296 do TST, sob o fundamento de que a análise do cometimento de falta grave pelo empregador dependeria de reexame do conjunto probatório dos autos. 2. Ocorre, todavia, que, na hipótese, é incontroverso que " restou reconhecida em favor da autora a existência do direito ao adicional de periculosidade, horas extras, intervalo intrajornada e feriados em dobro ", sendo que " tais descumprimentos são verificados ao longo do contrato de trabalho da autora, alguns desde a época de sua admissão, em 10.07.1995, e outros a partir do ingresso na função de auxiliar de enfermagem, em 01.06.2001 " . 3. Estabelecida nesses termos a controvérsia pelo Tribunal Regional, como tal reproduzida no acórdão embargado, abre-se a possibilidade para a subsunção do caso concreto à norma legal (art. 483, "d", da CLT), mediante operação tipicamente de direito, própria de recurso de revista ou de embargos, sem sofrer o óbice da Súmula nº 126 do TST, mal aplicada, na espécie. 4. Nessa perspectiva, estando a questão em condições de imediato julgamento, no mérito impõe-se trazer a lume a jurisprudência iterativa e atual desta Corte Superior, firme no sentido de que o descumprimento reiterado das obrigações trabalhistas pelo empregador caracteriza a hipótese de falta grave empresarial tipificada no art. 483, "d", da CLT, de molde a autorizar a rescisão indireta do contrato de trabalho, com ônus rescisórios para a empresa. Não constitui óbice ao reconhecimento da falta grave a ausência de imediatidade entre o início da conduta e a proposição da ação, diante do desequilíbrio econômico entre as partes e a necessidade premente de manutenção do contrato de emprego . Recurso de embargos conhecido e provido" (E-RR-1044-36.2014.5.03.0105, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Walmir Oliveira da Costa, DEJT 17/02/2017).

RESCISÃO INDIRETA DO CONTRATO DE TRABALHO. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. RECONHECIDO EM JUÍZO. IMEDIATIDADE INEXIGÍVEL. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA CONSTATADA. Agravo de instrumento provido para determinar o processamento do recurso de revista, em face de haver sido demonstrada possível afronta ao artigo 483, "d", da CLT. RECURSO DE REVISTA DO AUTOR. LEI Nº 13.467/2017 . INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 40 DO TST. RESCISÃO INDIRETA DO CONTRATO DE TRABALHO. VÍNCULO EMPREGATÍCIO. RECONHECIDO EM JUÍZO. IMEDIATIDADE INEXIGÍVEL. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA CONSTATADA. O TRT consignou que "... o reconhecimento, pela via judicial, da relação de emprego e, consequentemente, do direito do autor às verbas trabalhistas decorrentes, não autoriza a modalidade rescisória postulada, mormente considerando o entretempo de mais de 5 anos da prestação de serviços, sem qualquer reclamação anterior, além do fato de que todos os direitos reconhecidos pela r. sentença serão devidamente ressarcidos, com juros e correção monetária." No entanto, não há como afastar a rescisão indireta do contrato de trabalho pelo fato de o vínculo de emprego ter sido reconhecido apenas em juízo, pois vige no Direito do Trabalho o Princípio da Primazia da Realidade. Há compatibilidade entre os pedidos de reconhecimento de vínculo de emprego e de declaração de rescisão indireta do contrato de trabalho. Além disso, a rejeição da imediatidade no reconhecimento da rescisão contratual por culpa do empregador se justifica pela hipossuficiência do obreiro, que, em regra, necessita do trabalho para manutenção do sustento próprio e familiar, sendo certo que, no mais das vezes, por pior que seja a situação laboral, ela ainda pode ser preferível às mazelas do desemprego. Assim, a demora na inciativa do empregado para romper o vínculo empregatício, notadamente em caso de descumprimento reiterado de obrigações contratuais, não pode ser interpretada como perdão tácito, mas como a resignação decorrente da premente necessidade de subsistência. Tal circunstância, inclusive, justifica a própria previsão celetista que autoriza, no caso das alíneas "d" e "g" do artigo 483, a permanência do obreiro em seu emprego até a decisão final no processo. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido" (RR-1000546-95.2018.5.02.0076, 7ª Turma, Relator Ministro Claudio Mascarenhas Brandao, DEJT 01/04/2022).

"AGRAVO. RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº13.467/2017. RESCISÃO INDIRETA. IMEDIATIDADE. DESNECESSIDADE. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA NA DECISÃO AGRAVADA. Esta Corte tem adotado o entendimento de que a imediatidade não é indispensável para que, nos termos e para os efeitos do art. 483 da CLT, se reconheça o direito do empregado de considerar rescindido o pacto laboral e postular a devida indenização, em observância aos princípios da continuidade da prestação laboral e da proteção ao hipossuficiente. Precedentes da SBDI-I do TST. A decisão agravada, com lastro nesse entendimento, deu provimento ao recurso de revista da parte reclamante para "afastando a necessidade do requisito imediatidade, reconhecer a rescisão indireta do contrato de trabalho da parte reclamante ". Ocorre que, o mero afastamento da necessidade do requisito imediatidade não é suficiente para ensejar o deferimento do pedido de rescisão indireta, o que justifica a reforma parcial da decisão agravada, a fim de retificar o alcance dado ao provimento do recurso de revista, uma vez que, afastada essa premissa, caberá ao e. TRT examinar o preenchimento ou não dos requisitos necessários à configuração da rescisão indireta. Agravo parcialmente provido" (Ag-ED-RRAg-531-53.2019.5.12.0037, 5ª Turma, Relator Ministro Breno Medeiros, DEJT 18/02/2022).

Acresça-se que o col. Tribunal Regional, após afastar a configuração da rescisão indireta, também excluiu da condenação o pagamento da indenização substitutiva correspondente à estabilidade provisória previstas nos autos da Ação Civil Pública 0010261-67.2019.5.03.0028.

Conhecido o recurso de revista por violação do art. 483, "c", da CLT.

2 - MÉRITO

Em face do exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso de revista para restabelecer a r. sentença que reconheceu a rescisão indireta do contrato do trabalho e a) deferir ao autor as verbas dela decorrentes, nos limites do pedido e conforme se apurar em liquidação, b) determinar o retorno dos autos ao Tribunal Regional de origem, para que proceda ao exame das demais alegações da reclamada trazida em seu recurso ordinário, em relação ao tema "indenização substitutiva. Estabilidade provisória prevista nos autos da ACP", como entender de direito.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Oitava Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade: I - conhecer do agravo de instrumento, reconhecer a transcendência econômica da causa e, no mérito, dar-lhe provimento, a fim de determinar o processamento do recurso de revista do reclamante apenas no tema "rescisão indireta. Motorista terceirizado lotado na Mina do Córrego do Feijão. Imediatidade"; II – conhecer do recurso de revista do reclamante nesse tema, por violação do art. 483, "c", da CLT e, no mérito, dar-lhe provimento para, restabelecendo a r. sentença que reconheceu a rescisão indireta do contrato do trabalho: a) deferir ao autor as verbas dela decorrentes, nos limites do pedido e conforme se apurar em liquidação, b) determinar o retorno dos autos ao Tribunal Regional de origem, para que proceda ao exame das demais alegações da reclamada trazida em seu recurso ordinário, em relação ao tema "indenização substitutiva. Estabilidade provisória prevista nos autos da ACP", como entender de direito.

Brasília, 11 de maio de 2022.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

ALEXANDRE AGRA BELMONTE

Ministro Relator

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