TST - INFORMATIVOS 2022 251 - de 07 a 18 de março

Data da publicação:

Acordão - TST

Renato de Lacerda Paiva - TST



CONTRATO DE FIANÇA BANCÁRIA FIRMADO PELO EMPREGADO EM FAVOR DA EMPREGADORA – CONTROVÉRSIA SOBRE A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO PARA CONDENAR A EMPREGADORA AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E DECLARAR A NULIDADE DA FIANÇA – LEGITIMIDADE PASSIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA.



AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. CONTRATO DE FIANÇA BANCÁRIA FIRMADO PELO EMPREGADO EM FAVOR DA EMPREGADORA – CONTROVÉRSIA SOBRE A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO PARA CONDENAR A EMPREGADORA AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E DECLARAR A NULIDADE DA FIANÇA – LEGITIMIDADE PASSIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. Ante a razoabilidade da tese de violação ao artigo 114, VI e IX, da CF/88, recomendável o processamento do recurso de revista, para exame da matéria veiculada em suas razões. Agravo de instrumento conhecido e provido.

RECURSO DE REVISTA. CONTRATO DE FIANÇA BANCÁRIA FIRMADO PELO EMPREGADO EM FAVOR DA EMPREGADORA – CONTROVÉRSIA SOBRE A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO PARA CONDENAR A EMPREGADORA AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E DECLARAR A NULIDADE DA FIANÇA – LEGITIMIDADE PASSIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. O artigo 114 da CF/88 expressamente atribui a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgador ações de indenização por dano moral e material, assim como outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho. A competência desta Justiça Especializada para processar e julgar a pretensão formulada a título de indenização por dano material deriva expressamente do inciso VI do artigo 114 da CF/88. Por outro lado, a pretensão concernente à declaração de nulidade da fiança bancária assinada pelo empregado em decorrência de coação da ex-empregadora igualmente se insere na competência prevista no inciso VI do dispositivo constitucional indicado, pois em decorrência daquele fato (assinatura do contrato de empréstimo, como fiador, em decorrência de coação) advieram diversos prejuízos materiais ao reclamante, o qual sofreu execução forçada da dívida contraída pela empregadora, teve o nome inscrito nos serviços de proteção ao crédito e foi impedido de realizar quaisquer outras atividades perante as instituições financeiras. Além disso, o inciso IX, do artigo 114 da CF/88, ao atribuir a competência desta Justiça Especializada para analisar e decidir "outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho" engloba a hipótese na qual a obrigação assumida pelo empregado decorreu essencialmente da coação exercida pelo então empregador sobre o indivíduo que estava sob sua subordinação. Acrescente-se que, nos termos fundamentados no acórdão recorrido, a coação imprimida pela empregadora colocou o reclamante na posição de assumir os riscos do empreendimento, passando a ser corresponsável pela dívida contraída pela empresa como meio de adimplir as próprias verbas trabalhistas devidas aos empregados. Portanto, não há como desvincular a assunção da responsabilidade decorrente da assinatura da fiança com o contrato de trabalho entre o reclamante e sua ex-empregadora. Recurso de revista conhecido e provido. (TST-RR-11232-57.2013.5.03.0062, 7ª Turma, rel. Min. Renato de Lacerda Paiva, DEJT 25/3/2022).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-11232-57.2013.5.03.0062, em que é Recorrente EDMAR DE FARIA GONÇALVES e são Recorridos EXPRESSO ITAÚNA LTDA. e BANCO SANTANDER (BRASIL) S. A..

Trata-se de agravo de instrumento interposto em face de decisão denegatória do recurso de revista.

Em suas razões, o agravante afirma que o apelo merece seguimento em relação aos seguintes temas: 1. Negativa de prestação jurisdicional, por violação aos artigos 93, IX, 458, II, do CPC/73, e 832 da CLT; 2. Contrato de fiança bancária firmado pelo empregado em favor da empregadora – controvérsia sobre a competência da justiça do trabalho para condenar a empregadora ao pagamento de indenização por dano material e declarar a nulidade da fiança – legitimidade passiva da instituição financeira, por violação ao artigo 114, I, VI e IX, da CF/88, e divergência jurisprudencial.

O Banco Santander (Brasil) S/A apresentou contraminuta.

Dispensada a remessa dos autos à Procuradoria-Geral do Trabalho, nos termos do artigo 95, I, do RITST.

É o relatório.

V O T O

AGRAVO DE INSTRUMENTO DO RECLAMADO

CONHECIMENTO

Sustenta o agravado, em contraminuta, o não conhecimento do agravo de instrumento, por desfundamentado, diante da ausência de ataque aos fundamentos do despacho que denegou seguimento ao recurso de revista.

O despacho agravado foi assim proferido. In verbis:

PROCESSO: 0011232-57.2013.5.03.0062

RECORRENTE: EDMAR DE FARIA GONÇALVES

RECORRIDOS: EXPRESO ITAÚNA LTDA., ANDRADE & REZENDE TRANSPORTES LTDA. E BANCO SANTANDER (BRASIL) S.A.

PRESSUPOSTOS EXTRÍNSECOS

O recurso é próprio, tempestivo, dispensado de preparo (id 2719718), estando regular a representação processual.

PRESSUPOSTOS INTRÍNSECOS

NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL

Não verifico a alegada nulidade por negativa de prestação jurisdicional, uma vez que o acórdão recorrido examinou todas as questões que lhe foram submetidas a julgamento, fundamentando como prescreve a lei (art. 832 da CLT), com a independência que esta lhe faculta (art. 131 do CPC), não restando violados os dispositivos apontados, pertinentes à ausência de tutela judicante (OJ 115 da SBDI-I do TST).

COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. ANULAÇÃO DE FIANÇA BANCÁRIA

Analisados os fundamentos do acórdão, constato que o recurso, em seu tema e desdobramentos, não demonstra divergência jurisprudencial válida e específica, tampouco violação literal e direta de qualquer dispositivo de lei federal e/ou da Constituição da República, como exigem as alíneas "a" e "c" do art. 896 da CLT.

Não constato violação ao art. 114 da CR, pois o contrato de empréstimo celebrado entre os reclamados, embora tenha sido afiançado pelo reclamante, então gerente financeiro, tem natureza cível. Logo, foge da competência desta Justiça Especializada apreciação do pedido de anulação do negócio jurídico por vício de consentimento, na forma do item II do art. 171 do CCB.

Por outro lado, é inespecífico o aresto válido colacionado, porque não aborda as mesmas premissas salientadas pela Turma julgadora, não sendo possível identificar pela transcrição nas razões recursais qual o pedido veiculado no acórdão paradigma (Súmula 296 do TST).

CONCLUSÃO

DENEGO seguimento ao recurso de revista.

Nas razões do agravo de instrumento, o agravante apresenta os fundamentos pelos quais entende que merecia seguimento o recurso de revista, sustentando tese contrária àquela adotada no despacho agravado.

Neste contexto, rejeita-se a preliminar de não conhecimento do apelo.

Conheço do agravo de instrumento, visto que presentes os pressupostos de admissibilidade.

MÉRITO

1. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL

O agravante alega a nulidade do acórdão recorrido afirmando que embora tenha oposto embargos de declaração, o Tribunal Regional negou-se a enfrentar as omissões apontadas notadamente àquela concernente ao fato de que "Se os Recorridos foram condenados a pagar ao Recorrente o valor de R$ 30.000,00 à titulo de danos morais, não haveria, prima facie, qualquer ilegalidade em condená-los ao pagamento do valor da dívida, que na verdade justifica-se pela perda patrimonial do Reclamante".

Aponta violação aos artigos 93, IX, 458, II, do CPC/73, e 832 da CLT.

Consoante se depreende da própria transcrição do julgamento proferido nos embargos de declaração, o acórdão recorrido não padece de nulidade diante do enfrentamento da questão pelo Tribunal Regional. In verbis:

Aponta o embargante omissão no Acórdão, afirmando que requereu, caso não fosse possível a anulação da fiança, que as reclamadas deveriam ser condenadas a lhe pagar o valor da dívida que estava sendo indevidamente cobrada, pois "mesmo que a fiança não fosse extinta, poderia o Reclamante tentar reaver seu crédito junto as Reclamadas quitando a execução e limpando seu nome" (ID e9b5292, p. 2).

Mas o Julgado embargado é claro, ao dispor: "A coação se configurou então e, ainda que a declaração de seus efeitos materiais não possa ser feita por esta Justiça, porque diz respeito a uma relação jurídica, cuja apreciação escapa à sua competência, a configuração do dano moral resulta clara da prova e as dificuldades por que passou o autor em razão da insistência em que participasse do negócio e da inadimplência das empresas, justifica sejam elas condenadas a indenizá-lo, arbitrando-se o valor em R$30.000,00" - ID 730916, p. 3. É essa incompetência que impede que essa Justiça declare a extinção da fiança.

Provimento para prestar esclarecimentos sem alteração do resultado.

De fato, ao asseverar que "A coação se configurou então e, ainda que a declaração de seus efeitos materiais não possa ser feita por esta Justiça, porque diz respeito a uma relação jurídica, cuja apreciação escapa à sua competência", o Tribunal Regional expressamente afastou a pretensão do recorrente, no que tange aos danos materiais, diante da incompetência da Justiça do Trabalho para decidir a controvérsia.

Não conheço.

2. CONTRATO DE FIANÇA BANCÁRIA FIRMADO PELO EMPREGADO EM FAVOR DA EMPREGADORA – CONTROVÉRSIA SOBRE A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO PARA CONDENAR A EMPREGADORA AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E DECLARAR A NULIDADE DA FIANÇA – LEGITIMIDADE PASSIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA

O agravante afirma que o recurso de revista merecia seguimento, pois "Se compete a Justiça do Trabalho processar e julgar as ações oriundas e decorrentes da relação de trabalho, bem como outras controvérsias decorrentes desta mesma relação, não há como o juízo revisor declara-se incompetente para declarar a nulidade do aval".

Diz que "não se pleiteia na ação, em nenhum momento a declaração de nulidade do contrato de empréstimo, que de acordo com o acordão tem natureza cível. O que se questiona de forma veemente é o mantenimento de um aval colhido ao arrepio da lei, frente a indiscutível coação sofrida pelo Recorrente." e "Ainda que a Justiça do Trabalho realmente não possa decidir acerca da validade do contrato de empréstimo, negócio jurídico realizado entre as partes Rés parece-nos indiscutível que, de art. 114 da CR/88, ela tem competência e deve decidir sobre toda e qualquer relação jurídica decorrente da relação de trabalho".

Acrescenta que "Sendo incontroversa a coação, a declaração de nulidade é medida que se impõe. Portanto, além da competência - indiscutível e amplamente fundamentada – há que se reconhecer a legitimidade passiva da 3ª Reclamada, para que permanecendo no pólo passivo, possa ser intimada sobre a declaração de nulidade da fiança e sobre a necessidade de retirar o nome do funcionário de um processo executório contra a empresa coatora, liberando, por fim, o nome do Reclamante dos cadastros de restrição e crédito".

Aponta violação ao artigo 114, I, VI e IX, da CF/88, e divergência jurisprudencial.

O Tribunal Regional decidiu a controvérsia pelos seguintes fundamentos. In verbis:

COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO – LEGITIMIDADE AD CAUSAM

O reclamante afirma que durante o seu contrato de trabalho foi coagido a assinar uma Cédula de Crédito Bancário como fiador das 1ª reclamada em favor do 3º reclamado, Banco Santander S. A., porque a empresa alegou que caso ele não assinasse a fiança, ela não poderia cumprir suas obrigações trabalhistas, inclusive com o próprio autor. Assevera que, em função disto, esta Justiça especializada é competente para analisar a validade da fiança, que foi prestada exclusivamente em razão do trabalho. Igualmente, afirma ser o 3º reclamado, Banco Santander, parte legítima para figurar no polo passivo da lide, eis que ele pretende a declaração de nulidade da fiança.

O Juízo de origem entendeu, acertadamente, que o aval firmado pelo reclamante em favor de seu empregador tem evidente "natureza trabalhista, porquanto a fidúcia mútua decorreu do contrato de trabalho (fato ordinário, o qual se presume)".

Já o contrato de empréstimo celebrado entre os reclamados possui natureza cível e foge da competência desta Justiça.

O 3º réu, Banco Santander S.A. formalizou o contrato de crédito bancário de ID 672088 de acordo com as normas legais, não havendo nada que o impeça de aceitar que um gerente da empresa atue como avalista.

Descumprido o contrato pela 1ª reclamada, ele exerceu o seu direito de acionar os credores e seus avalistas, como previsto em lei. Assim, a inclusão do nome do reclamante nos cadastros de proteção ao crédito decorreu do inadimplemento dos termos do contrato por ele assinado, não existindo qualquer ato ilícito do Banco Santander.

Correta a extinção do processo, sem resolução do mérito, (art. 267, inciso IV, do CPC) quanto ao 3º reclamado.

Nego provimento.

ASSINATURA EM CONTRATO DE FIANÇA COLHIDA SOB COAÇÃO DO TRABALHADOR - DECLARAÇÃO DE NULIDADE DA FIANÇA

 O reclamante aduz que a 1ª e 2ª reclamadas são revéis e que lhes devem ser aplicados os efeitos da confissão quanto à matéria de fato. Acrescenta que ele era o gerente financeiro da 1ª reclamada e, por isto, tinha ciência de que a empresa passava por uma crise financeira grave. Os sócios da empresa o teriam surpreendido com o contrato de renegociação de sua dívida bancária pronto, constando o seu nome como avalista, e uma narrativa de que se ele não avalizasse o empréstimo, todo o grupo de empresas entraria em falência, que "todos os funcionários, inclusive ele, perderiam o emprego". O reclamante alega que se recusou a assinar o documento por algumas vezes, mas que o FGTS dos empregados deixou de ser depositado. Assim, a continuidade do assédio moral durou semanas, até que ele assumiu a posição de avalista da empresa, sendo que sua "assinatura foi colhida sob coação".

Após o fechamento repentino da empresa, além de não ter recebido o seu acerto rescisório, o reclamante descobriu que existia em seu desfavor um processo executório movido pelo Banco Santander, onde ele consta como fiador e garantidor solidário pelos débitos da empresa, que somam R$398.855,38. Requer que os reclamados sejam condenados a indenizá-lo pelas perdas e danos ocasionados pelo negócio (art. 154 do CC), inclusive dano moral.

É fato que o 1º e 2º reclamados são revéis nesta ação e a eles foi aplicada a pena de confissão quanto a matéria de fato.

As provas dos autos, pela sequência histórica, comprovam a pressão exercida sobre o autor para assumir um débito que não lhe cabia assumir pela empresa.

Ele era gerente administrativo e financeiro da 1ª reclamada - assim se qualifica na inicial -, com salário superior a R$9.000,00 mensais e afirma ter pleno conhecimento da situação financeira precária do 1º e 2º reclamados. As testemunhas ouvidas, ambas a seu rogo, afirmaram que o reclamante teria lhes dito que se sentiu pressionado a assinar a célula de crédito bancário porque os proprietários da reclamada afirmaram que se ele não assinasse o contrato, não teriam como cumprir obrigações trabalhistas como FGTS e salários. É certo que o autor poderia ter dito não, mas, no giro das operações cotidianas, ele disse sim e deixou bem claro o seu constrangimento para os colegas que trabalhavam proximamente a ele.

Não há, via de regra, um impedimento legal a que o autor assumisse a posição de garante de um contrato de empréstimo. Não se pode presumir tampouco, dada a sua posição na empresa, que ele desconhecesse os riscos e as consequências de seus atos.

No entanto, a relação jurídica em que o autor figura como avalista se conecta com aquela em que ele figura como empregado. Ainda que ele se tenha obrigado, com plena ciência, a circunstância da pressão por que o fizesse implicou, pelas consequências da inadimplência dos reclamados, que ele viesse a ser responsável pela quitação de débitos da empresa a que não se obrigava na qualidade de empregado. A posição do autor em relação aos débitos da empresa implicou que ele passasse a assumir os riscos do empreendimento, na medida em que passou a ser corresponsável por uma dívida contraída pela empresa para o fim de girar o empreendimento. A própria sugestão dos dirigentes da empresa de que o autor tivesse alguma responsabilidade a assumir no que concerne à quitação de salários ou de depósitos de FGTS infringe os limites de distinção entre empregado e a empregador nos arts. 2º e 3º da CLT.

A coação se configurou então e, ainda que a declaração de seus efeitos materiais não possa ser feita por esta Justiça, porque diz respeito a uma relação jurídica, cuja apreciação escapa à sua competência, a configuração do dano moral resulta clara da prova e as dificuldades por que passou o autor em razão da insistência em que participasse do negócio e da inadimplência das empresas, justifica sejam elas condenadas a indenizá-lo, arbitrando-se o valor em R$30.000,00.

Provimento parcial.

Consoante se depreende do acórdão recorrido, o Tribunal Regional, embora tenha reconhecido a existência de uma coação perpetrada pela empregadora do reclamante para que figurasse como fiador de um empréstimo bancário, condenou a reclamada ao pagamento de indenização por dano moral e declarou sua incompetência para a "declaração de seus efeitos materiais".

Portanto, declarou-se incompetente para decidir qualquer questão concernente ao dano material e à fiança bancária assinada pelo empregado em contrato de empréstimo bancário firmado em favor de sua então empregadora.

Passo à análise.

Embora indubitavelmente a fiança bancária detenha natureza jurídica de direito civil prevista nos artigos 818 a 836 do Código Civil Brasileiro, é certo que no caso dos autos a coação declarada pelo Tribunal Regional derivou da existência de uma relação de trabalho entre o empregado e sua ex-empregadora.

A existência de uma "relação de trabalho" constituiu, no caso dos autos, como fator essencial à constituição da própria fiança bancária, pois a ausência da primeira ocasionaria a inexistência da segunda.

Em outras palavras, a coação de que foi vítima o reclamante decorreu essencialmente da existência da relação de trabalho, a qual serviu de substrato à obrigação assumida pelo reclamante em favor da sua então empregadora.

Portanto, não há como desvincular a obrigação assumida pelo então empregado da relação de trabalho mantida com a empregadora, a qual figurou como beneficiária de um empréstimo garantido por meio de coação exercida sobre um indivíduo que estava sob sua direta subordinação.

Desta forma, deve ser admitida a competência desta Justiça Especializada para decidir a questão, nos termos do artigo 114, VI e IX, da CF/88. In verbis:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

(...)

VI as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho

 IX outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

No caso, o artigo 114 da CF/88 expressamente atribui a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgador ações de indenização por dano moral e material, assim como outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, ainda que a pretensão não esteja vinculada essencialmente à percepção de parcelas de natureza salarial.

A competência desta Justiça Especializada para processar e julgar a pretensão formulada a título de indenização por dano material deriva expressamente do inciso VI do artigo 114 da CF/88.

A pretensão concernente à declaração de nulidade da fiança igualmente se insere na competência prevista no inciso VI do dispositivo constitucional indicado, pois em decorrência daquele fato (assinatura do contrato de empréstimo, como fiador, em decorrência de coação) advieram diversos prejuízos materiais ao reclamante, o qual sofreu execução forçada da dívida contraída pela empregadora, teve o nome inscrito nos serviços de proteção ao crédito e foi impedido de realizar quaisquer outras atividades perante as instituições financeiras.

Ressalte-se, ainda, que o inciso IX, do artigo 114 da CF/88, ao atribuir a competência desta Justiça Especializada para analisar e decidir "outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho" também engloba a hipótese na qual a obrigação assumida pelo empregado decorreu essencialmente da coação exercida pelo empregador sobre o indivíduo que estava sob sua subordinação.

Deve-se ainda ressaltar que, nos termos fundamentados no acórdão recorrido, a coação imprimida pela empregadora colocou o reclamante na posição de assumir os riscos do empreendimento, passando a ser corresponsável pela dívida contraída pela empresa supostamente como meio de adimplir as próprias verbas trabalhistas devidas aos empregados.

Portanto, não há como desvincular a assunção da responsabilidade decorrente da assinatura da fiança com o contrato de trabalho entre o reclamante e a ex-empregadora.

Esta Corte Superior já analisou casos semelhantes, conforme precedentes ora transcritos.  In verbis:

"RECURSO DE REVISTA. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO - CONTRATO DE FIANÇA SOLIDÁRIA À EMPREGADORA FIRMADO PELO EMPREGADO PARA OUTRA RECLAMADA - CONTRATO CIVIL ACESSÓRIO DE CONTRATO DE EMPRÉSTIMO FIRMADO ENTRE AS RECLAMADAS - CONTROVÉRSIA DECORRENTE DA RELAÇÃO DE TRABALHO - ART. 114, IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. A jurisdição, "poder-dever" do Estado, como cediço, é una, admitindo-se a sua divisão ficta apenas como medida que torna viável o exercício do Poder Judiciário, que é premissa de reconhecimento e legitimidade do Estado Democrático de Direito. A medida encontrada para a atuação viável desse Poder é a competência, mediante a qual são fixadas as atribuições, por vocação, para conhecer da causa, de cada um dos órgãos jurisdicionais legalmente previstos, conferindo-lhes legitimidade para as decisões e limites para o processamento das causas. 2. A competência em razão da matéria, que é o objeto da insurgência recursal, tem por critério definidor o pedido acerca do bem da vida que se pretende ver tutelado. 3. Na seara competencial justrabalhista, rememora-se que a Emenda Constitucional 45/2004 tratou das novas competências materiais da Justiça do Trabalho, ampliando o leque de pedidos para o qual se concluiu ser esta a melhor vocacionada para deles conhecer e sobre eles decidir, alterando o usual centro gravitacional no qual se mantinha esta Justiça Especializada, que era o da relação de emprego. Reconheceu-se, pois, ser a Justiça do Trabalho que julga, por excelência de vocação, as causas diretamente vinculadas à relação de trabalho. A par disso, a relação de trabalho ainda deslocou o eixo inicial da competência e trouxe consigo, a teor do inciso IX do art. 114 da CF, as " outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho ". É dizer, é competente a Justiça do Trabalho para as causas que decorrerem diretamente da relação de trabalho ou de emprego havidas entre as partes, apesar de não genuinamente empregatícias ou trabalhistas. 4. A hipótese tratada nestes autos diz respeito ao exame da competência, ou não, da Justiça do Trabalho para julgar o pedido de anulação de contrato de fiança passado pelo Autor, no período em que laborava em favor da Reclamada Cooplantio, sua empregadora, às Reclamadas, bem como de indenização por danos morais por transferência dos riscos do negócio do Empregador ao Empregado, em virtude da prestação da fiança. 5. No caso, as instâncias ordinárias reconheceram a incompetência da Justiça do Trabalho para julgar a nulidade do contrato de fiança solidária à Cooperativa Reclamada passada por ambos à Empresa Monsanto, haja vista o objeto comercial do pactuado e as repercussões sobre o contrato principal de empréstimo entre as Reclamadas, que escapava à seara trabalhista. 6. Ora, a emissão de fiança pelo Autor deu-se em decorrência da relação de trabalho estabelecida com as Reclamadas, ainda que reconhecida, posteriormente, como relação de emprego com a Cooplantio em outra ação judicial, como dão conta os autos, mas abrangendo o interregno em que ocorrida a prestação da fiança solidária. Não fosse a relação de trabalho, em princípio, havida, e, mais à frente, reconhecida judicialmente como de emprego, não haveria o contrato de fiança. Ademais, restou reconhecida a relação de emprego no período em que firmado o contrato acessório de índole cível. Não bastasse tanto, o Reclamante foi surpreendido pela manutenção da fiança mesmo após a rescisão contratual, o que já envereda a discussão para os questionamentos ínsitos à ocorrência, ou não, de dano moral, também pleiteado. 7. Conclui-se, portanto, a partir do exame do comando do art. 114 da CF, que a controvérsia decorrente da relação de trabalho que deve ser analisada pela Justiça Juslaboral é aquela que, não fosse o contrato de trabalho, não teria se originado. 8. Assim sendo, entende-se que a situação é típica das controvérsias decorrentes da relação de trabalho e está encampada pela competência da Justiça do Trabalho, nos moldes do art. 114, IX, da CF. Recurso de revista conhecido por divergência jurisprudencial e provido" (RR-20330-17.2015.5.04.0661, 3ª Turma, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 23/09/2016).

"RECURSO DE REVISTA. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. I. A Corte Regional manteve a sentença em que se rejeitou a preliminar de incompetência da Justiça do Trabalho. Registrou que o contrato de empréstimo bancário foi assinado pelo Reclamante em decorrência do vínculo de emprego estabelecido com a primeira Reclamada. II. Sob esse enfoque, não há violação dos arts. 114, VI, da Constituição Federal e 113 do CPC. III. (...) Recurso de revista de que não se conhece. (RR-474800-83.2008.5.12.0004, 4ª Turma, Relator Ministro Fernando Eizo Ono, DEJT 01/02/2013).

"AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. VÍCIO DE CONSENTIMENTO. FRAUDE TRABALHISTA. Segundo o Regional, o reclamante alegou que os empréstimos consignados foram realizados como pretexto para o pagamento dos salários atrasados, defendendo a ocorrência de vício de consentimento e a inobservância da legislação trabalhista no tocante à celebração dos citados empréstimos. A Corte de origem salientou que, não obstante a natureza eminentemente civil, os contratos firmados junto à instituição financeira tiveram origem na relação empregatícia. Com efeito, concluiu que a pretensão do reclamante atinente à indenização por danos morais se insere na competência da Justiça do Trabalho, na forma do art. 114, I e IX, da CF. Diante do delineamento constante do acórdão recorrido, não se vislumbra violação direta ou literal dos artigos 114 da CF, 111 e 113 do CPC e 2º, III, IV e VI da Lei nº 10.820/2003. Agravo de instrumento conhecido e não provido." (AIRR-1713-71.2011.5.06.0021, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, Ac.8ª Turma, DEJT 2.3.2018).

Por todo o exposto, diante da possível violação ao artigo 114, VI e IX, da CF/88, recomendável, pois, o processamento do recurso de revista para exame da matéria veiculada em suas razões.

Do exposto, conheço do agravo de instrumento para dar-lhe provimento e, em consequência, determinar o processamento do recurso de revista.

RECURSO DE REVISTA

Em suas razões, o recorrente pretende a reforma do acórdão em relação aos seguintes temas:

Foram apresentadas contrarrazões.

Dispensada a remessa dos autos à Procuradoria-Geral do Trabalho, nos termos do artigo 95 do RITST.

É o relatório.

V O T O

PRESSUPOSTOS EXTRÍNSECOS

Preenchidos os pressupostos extrínsecos do recurso de revista, passa-se à análise dos requisitos intrínsecos de admissibilidade.

1. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL

CONHECIMENTO

O recorrente alega a nulidade do acórdão recorrido afirmando que embora tenha oposto embargos de declaração, o Tribunal Regional negou-se a enfrentar as omissões apontadas notadamente àquela concernente ao fato de que "Se os Recorridos foram condenados a pagar ao Recorrente o valor de R$ 30.000,00 à titulo de danos morais, não haveria, prima facie, qualquer ilegalidade em condená-los ao pagamento do valor da dívida, que na verdade justifica-se pela perda patrimonial do Reclamante".

Aponta violação aos artigos 93, IX, 458, II, do CPC/73, e 832 da CLT.

Contudo, a própria transcrição do julgamento proferido nos embargos de declaração revela a ausência de nulidade do acórdão, diante do enfrentamento da questão pelo Tribunal Regional. In verbis:

Aponta o embargante omissão no Acórdão, afirmando que requereu, caso não fosse possível a anulação da fiança, que as reclamadas deveriam ser condenadas a lhe pagar o valor da dívida que estava sendo indevidamente cobrada, pois "mesmo que a fiança não fosse extinta, poderia o Reclamante tentar reaver seu crédito junto as Reclamadas quitando a execução e limpando seu nome" (ID e9b5292, p. 2).

Mas o Julgado embargado é claro, ao dispor: "A coação se configurou então e, ainda que a declaração de seus efeitos materiais não possa ser feita por esta Justiça, porque diz respeito a uma relação jurídica, cuja apreciação escapa à sua competência, a configuração do dano moral resulta clara da prova e as dificuldades por que passou o autor em razão da insistência em que participasse do negócio e da inadimplência das empresas, justifica sejam elas condenadas a indenizá-lo, arbitrando-se o valor em R$30.000,00" - ID 730916, p. 3. É essa incompetência que impede que essa Justiça declare a extinção da fiança.

Provimento para prestar esclarecimentos sem alteração do resultado.

De fato, ao asseverar que "A coação se configurou então e, ainda que a declaração de seus efeitos materiais não possa ser feita por esta Justiça, porque diz respeito a uma relação jurídica, cuja apreciação escapa à sua competência", o Tribunal Regional expressamente afastou a pretensão do recorrente, no que tange aos danos materiais, diante da incompetência da Justiça do Trabalho para decidir a controvérsia.

Por conseguinte, não se vislumbra ofensa  aos dispositivos legais indicados.

Não conheço.

2. CONTRATO DE FIANÇA BANCÁRIA FIRMADO PELO EMPREGADO EM FAVOR DA EMPREGADORA – CONTROVÉRSIA SOBRE A COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO PARA CONDENAR A EMPREGADORA AO PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E DECLARAR A NULIDADE DA FIANÇA – LEGITIMIDADE PASSIVA DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA

CONHECIMENTO

O recorrente afirma, em síntese, que a Justiça do Trabalho tem competência para analisar e decidir a controvérsia dos autos, uma vez que o dano material, assim como o contrato de fiança bancária por ele assinado, decorreram diretamente do contrato de trabalho.

Diz que não pretende a declaração de nulidade do contrato de empréstimo, mas sim do "aval colhido ao arrepio da lei".

Aponta violação ao artigo 114, I, VI e IX, da CF/88, e divergência jurisprudencial.

O Tribunal Regional decidiu a controvérsia pelos seguintes fundamentos. In verbis:

COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO – LEGITIMIDADE AD CAUSAM

O reclamante afirma que durante o seu contrato de trabalho foi coagido a assinar uma Cédula de Crédito Bancário como fiador das 1ª reclamada em favor do 3º reclamado, Banco Santander S. A., porque a empresa alegou que caso ele não assinasse a fiança, ela não poderia cumprir suas obrigações trabalhistas, inclusive com o próprio autor. Assevera que, em função disto, esta Justiça especializada é competente para analisar a validade da fiança, que foi prestada exclusivamente em razão do trabalho. Igualmente, afirma ser o 3º reclamado, Banco Santander, parte legítima para figurar no polo passivo da lide, eis que ele pretende a declaração de nulidade da fiança.

O Juízo de origem entendeu, acertadamente, que o aval firmado pelo reclamante em favor de seu empregador tem evidente "natureza trabalhista, porquanto a fidúcia mútua decorreu do contrato de trabalho (fato ordinário, o qual se presume)".

Já o contrato de empréstimo celebrado entre os reclamados possui natureza cível e foge da competência desta Justiça.

O 3º réu, Banco Santander S.A. formalizou o contrato de crédito bancário de ID 672088 de acordo com as normas legais, não havendo nada que o impeça de aceitar que um gerente da empresa atue como avalista.

Descumprido o contrato pela 1ª reclamada, ele exerceu o seu direito de acionar os credores e seus avalistas, como previsto em lei. Assim, a inclusão do nome do reclamante nos cadastros de proteção ao crédito decorreu do inadimplemento dos termos do contrato por ele assinado, não existindo qualquer ato ilícito do Banco Santander.

Correta a extinção do processo, sem resolução do mérito, (art. 267, inciso IV, do CPC) quanto ao 3º reclamado.

Nego provimento.

ASSINATURA EM CONTRATO DE FIANÇA COLHIDA SOB COAÇÃO DO TRABALHADOR - DECLARAÇÃO DE NULIDADE DA FIANÇA

 O reclamante aduz que a 1ª e 2ª reclamadas são revéis e que lhes devem ser aplicados os efeitos da confissão quanto à matéria de fato. Acrescenta que ele era o gerente financeiro da 1ª reclamada e, por isto, tinha ciência de que a empresa passava por uma crise financeira grave. Os sócios da empresa o teriam surpreendido com o contrato de renegociação de sua dívida bancária pronto, constando o seu nome como avalista, e uma narrativa de que se ele não avalizasse o empréstimo, todo o grupo de empresas entraria em falência, que "todos os funcionários, inclusive ele, perderiam o emprego". O reclamante alega que se recusou a assinar o documento por algumas vezes, mas que o FGTS dos empregados deixou de ser depositado. Assim, a continuidade do assédio moral durou semanas, até que ele assumiu a posição de avalista da empresa, sendo que sua "assinatura foi colhida sob coação".

Após o fechamento repentino da empresa, além de não ter recebido o seu acerto rescisório, o reclamante descobriu que existia em seu desfavor um processo executório movido pelo Banco Santander, onde ele consta como fiador e garantidor solidário pelos débitos da empresa, que somam R$398.855,38. Requer que os reclamados sejam condenados a indenizá-lo pelas perdas e danos ocasionados pelo negócio (art. 154 do CC), inclusive dano moral.

É fato que o 1º e 2º reclamados são revéis nesta ação e a eles foi aplicada a pena de confissão quanto a matéria de fato.

As provas dos autos, pela sequência histórica, comprovam a pressão exercida sobre o autor para assumir um débito que não lhe cabia assumir pela empresa.

Ele era gerente administrativo e financeiro da 1ª reclamada - assim se qualifica na inicial -, com salário superior a R$9.000,00 mensais e afirma ter pleno conhecimento da situação financeira precária do 1º e 2º reclamados. As testemunhas ouvidas, ambas a seu rogo, afirmaram que o reclamante teria lhes dito que se sentiu pressionado a assinar a célula de crédito bancário porque os proprietários da reclamada afirmaram que se ele não assinasse o contrato, não teriam como cumprir obrigações trabalhistas como FGTS e salários. É certo que o autor poderia ter dito não, mas, no giro das operações cotidianas, ele disse sim e deixou bem claro o seu constrangimento para os colegas que trabalhavam proximamente a ele.

Não há, via de regra, um impedimento legal a que o autor assumisse a posição de garante de um contrato de empréstimo. Não se pode presumir tampouco, dada a sua posição na empresa, que ele desconhecesse os riscos e as consequências de seus atos.

No entanto, a relação jurídica em que o autor figura como avalista se conecta com aquela em que ele figura como empregado. Ainda que ele se tenha obrigado, com plena ciência, a circunstância da pressão por que o fizesse implicou, pelas consequências da inadimplência dos reclamados, que ele viesse a ser responsável pela quitação de débitos da empresa a que não se obrigava na qualidade de empregado. A posição do autor em relação aos débitos da empresa implicou que ele passasse a assumir os riscos do empreendimento, na medida em que passou a ser corresponsável por uma dívida contraída pela empresa para o fim de girar o empreendimento. A própria sugestão dos dirigentes da empresa de que o autor tivesse alguma responsabilidade a assumir no que concerne à quitação de salários ou de depósitos de FGTS infringe os limites de distinção entre empregado e a empregador nos arts. 2º e 3º da CLT.

A coação se configurou então e, ainda que a declaração de seus efeitos materiais não possa ser feita por esta Justiça, porque diz respeito a uma relação jurídica, cuja apreciação escapa à sua competência, a configuração do dano moral resulta clara da prova e as dificuldades por que passou o autor em razão da insistência em que participasse do negócio e da inadimplência das empresas, justifica sejam elas condenadas a indenizá-lo, arbitrando-se o valor em R$30.000,00.

Provimento parcial.

Consoante se depreende do acórdão recorrido, o Tribunal Regional, embora tenha reconhecido a existência de uma coação perpetrada pela empregadora do reclamante para que figurasse como fiador de um empréstimo bancário, condenou a reclamada ao pagamento de indenização por dano moral e declarou sua incompetência para a "declaração de seus efeitos materiais".

Portanto, declarou-se incompetente para decidir qualquer questão concernente à fiança bancária assinada pelo empregado em contrato de empréstimo bancário firmado em favor de sua então empregadora.

Passo à análise.

Embora indubitavelmente a fiança bancária detenha natureza jurídica de direito civil prevista nos artigos 818 a 836 do Código Civil Brasileiro, é certo que no caso dos autos a coação declarada pelo Tribunal Regional derivou da existência de uma relação de trabalho entre o empregado e sua ex-empregadora.

A existência de uma "relação de trabalho" constituiu, no caso dos autos, como fator essencial à constituição da própria fiança bancária, pois a ausência da primeira ocasionaria a inexistência da segunda.

Em outras palavras, a coação de que foi vítima o reclamante decorreu essencialmente da existência da relação de trabalho, a qual serviu de substrato à obrigação assumida pelo reclamante em favor da sua empregadora.

Portanto, não há como desvincular a obrigação assumida pelo então empregado da relação de trabalho mantida com a empregadora, a qual figurou como beneficiária de um empréstimo garantido por meio de coação exercida sobre um indivíduo que estava sob à sua direta subordinação.

Desta forma, deve ser admitida a competência desta Justiça Especializada para decidir a questão, nos termos do artigo 114, VI e IX, da CF/88. In verbis:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

(...)

VI as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho

 IX outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

No caso, o artigo 114 da CF/88 expressamente atribui a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgador ações de indenização por dano moral e material, assim como outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, ainda que a pretensão não esteja vinculada essencialmente à percepção de parcelas de natureza salarial.

A competência desta Justiça Especializada para processar e julgar a pretensão formulada a título de indenização por dano material deriva expressamente do inciso VI do artigo 114 da CF/88.

A pretensão concernente à declaração de nulidade da fiança igualmente se insere na competência prevista no inciso VI do dispositivo constitucional indicado, pois em decorrência daquele fato (assinatura do contrato de empréstimo, como fiador, em decorrência de coação) advieram diversos prejuízos materiais ao reclamante, o qual sofreu execução forçada da dívida contraída pela empregadora, teve o nome inscrito nos serviços de proteção ao crédito e foi impedido de realizar quaisquer outras atividades perante às instituições financeiras.

Ressalte-se, ainda, que o inciso IX, do artigo 114 da CF/88, ao atribuir a competência desta Justiça Especializada para analisar e decidir "outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho" englobou a hipótese na qual a obrigação assumida pelo empregado decorreu essencialmente da coação exercida pelo empregador sobre o indivíduo que estava sob sua subordinação.

Deve-se ainda ressaltar que, nos termos fundamentados no acórdão recorrido, a coação imprimida pela empregadora colocou o reclamante na posição de assumir os riscos do empreendimento, passando a ser corresponsável pela dívida contraída pela empresa como meio de adimplir as próprias verbas trabalhistas devidas aos empregados.

Portanto, não há como desvincular a assunção da responsabilidade decorrente da assinatura da fiança com o contrato de trabalho entre o reclamante e ex-empregadora.

Esta Corte Superior já analisou casos semelhantes, conforme precedentes ora transcritos.  In verbis:

"RECURSO DE REVISTA. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO - CONTRATO DE FIANÇA SOLIDÁRIA À EMPREGADORA FIRMADO PELO EMPREGADO PARA OUTRA RECLAMADA - CONTRATO CIVIL ACESSÓRIO DE CONTRATO DE EMPRÉSTIMO FIRMADO ENTRE AS RECLAMADAS - CONTROVÉRSIA DECORRENTE DA RELAÇÃO DE TRABALHO - ART. 114, IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. A jurisdição, "poder-dever" do Estado, como cediço, é una, admitindo-se a sua divisão ficta apenas como medida que torna viável o exercício do Poder Judiciário, que é premissa de reconhecimento e legitimidade do Estado Democrático de Direito. A medida encontrada para a atuação viável desse Poder é a competência, mediante a qual são fixadas as atribuições, por vocação, para conhecer da causa, de cada um dos órgãos jurisdicionais legalmente previstos, conferindo-lhes legitimidade para as decisões e limites para o processamento das causas. 2. A competência em razão da matéria, que é o objeto da insurgência recursal, tem por critério definidor o pedido acerca do bem da vida que se pretende ver tutelado. 3. Na seara competencial justrabalhista, rememora-se que a Emenda Constitucional 45/2004 tratou das novas competências materiais da Justiça do Trabalho, ampliando o leque de pedidos para o qual se concluiu ser esta a melhor vocacionada para deles conhecer e sobre eles decidir, alterando o usual centro gravitacional no qual se mantinha esta Justiça Especializada, que era o da relação de emprego. Reconheceu-se, pois, ser a Justiça do Trabalho que julga, por excelência de vocação, as causas diretamente vinculadas à relação de trabalho. A par disso, a relação de trabalho ainda deslocou o eixo inicial da competência e trouxe consigo, a teor do inciso IX do art. 114 da CF, as " outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho ". É dizer, é competente a Justiça do Trabalho para as causas que decorrerem diretamente da relação de trabalho ou de emprego havidas entre as partes, apesar de não genuinamente empregatícias ou trabalhistas. 4. A hipótese tratada nestes autos diz respeito ao exame da competência, ou não, da Justiça do Trabalho para julgar o pedido de anulação de contrato de fiança passado pelo Autor, no período em que laborava em favor da Reclamada Cooplantio, sua empregadora, às Reclamadas, bem como de indenização por danos morais por transferência dos riscos do negócio do Empregador ao Empregado, em virtude da prestação da fiança. 5. No caso, as instâncias ordinárias reconheceram a incompetência da Justiça do Trabalho para julgar a nulidade do contrato de fiança solidária à Cooperativa Reclamada passada por ambos à Empresa Monsanto, haja vista o objeto comercial do pactuado e as repercussões sobre o contrato principal de empréstimo entre as Reclamadas, que escapava à seara trabalhista. 6. Ora, a emissão de fiança pelo Autor deu-se em decorrência da relação de trabalho estabelecida com as Reclamadas, ainda que reconhecida, posteriormente, como relação de emprego com a Cooplantio em outra ação judicial, como dão conta os autos, mas abrangendo o interregno em que ocorrida a prestação da fiança solidária. Não fosse a relação de trabalho, em princípio, havida, e, mais à frente, reconhecida judicialmente como de emprego, não haveria o contrato de fiança. Ademais, restou reconhecida a relação de emprego no período em que firmado o contrato acessório de índole cível. Não bastasse tanto, o Reclamante foi surpreendido pela manutenção da fiança mesmo após a rescisão contratual, o que já envereda a discussão para os questionamentos ínsitos à ocorrência, ou não, de dano moral, também pleiteado. 7. Conclui-se, portanto, a partir do exame do comando do art. 114 da CF, que a controvérsia decorrente da relação de trabalho que deve ser analisada pela Justiça Juslaboral é aquela que, não fosse o contrato de trabalho, não teria se originado. 8. Assim sendo, entende-se que a situação é típica das controvérsias decorrentes da relação de trabalho e está encampada pela competência da Justiça do Trabalho, nos moldes do art. 114, IX, da CF. Recurso de revista conhecido por divergência jurisprudencial e provido" (RR-20330-17.2015.5.04.0661, 3ª Turma, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 23/09/2016).

"RECURSO DE REVISTA. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. I. A Corte Regional manteve a sentença em que se rejeitou a preliminar de incompetência da Justiça do Trabalho. Registrou que o contrato de empréstimo bancário foi assinado pelo Reclamante em decorrência do vínculo de emprego estabelecido com a primeira Reclamada. II. Sob esse enfoque, não há violação dos arts. 114, VI, da Constituição Federal e 113 do CPC. III. (...) Recurso de revista de que não se conhece. (RR-474800-83.2008.5.12.0004, 4ª Turma, Relator Ministro Fernando Eizo Ono, DEJT 01/02/2013).

"AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO. VÍCIO DE CONSENTIMENTO. FRAUDE TRABALHISTA. Segundo o Regional, o reclamante alegou que os empréstimos consignados foram realizados como pretexto para o pagamento dos salários atrasados, defendendo a ocorrência de vício de consentimento e a inobservância da legislação trabalhista no tocante à celebração dos citados empréstimos. A Corte de origem salientou que, não obstante a natureza eminentemente civil, os contratos firmados junto à instituição financeira tiveram origem na relação empregatícia. Com efeito, concluiu que a pretensão do reclamante atinente à indenização por danos morais se insere na competência da Justiça do Trabalho, na forma do art. 114, I e IX, da CF. Diante do delineamento constante do acórdão recorrido, não se vislumbra violação direta ou literal dos artigos 114 da CF, 111 e 113 do CPC e 2º, III, IV e VI da Lei nº 10.820/2003. Agravo de instrumento conhecido e não provido." (AIRR-1713-71.2011.5.06.0021, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, Ac.8ª Turma, DEJT 2.3.2018).

Por todo o exposto, conheço do recurso de revista por violação ao artigo 114, VI e IX, da CF/88.

MÉRITO

Como consequência lógica do conhecimento do recurso de revista por violação ao artigo 114, VI e IX, da CF/88, dou-lhe provimento para declarar a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar o pedido concernente aos danos materiais pleiteados pelo reclamante, assim como aos efeitos da fiança bancária cuja coação já foi declarada, devendo-se ressaltar que o contrato de empréstimo propriamente dito, o qual foi firmado entre o reclamado e a instituição financeira, não está inserido no rol de competência desta Justiça Especializada.

Diante disso, declara-se a legitimidade do Banco Santander S.A. para figurar o polo passivo da presente reclamação trabalhista diante dos efeitos advindos à sua esfera jurídica em decorrência do reconhecimento da coação perpetrada ao reclamante na assinatura do contrato de empréstimo no qual figurou como fiador.

Por outro lado, constata-se que a sentença de origem proferida pelo juízo da Vara do Trabalho de Itaúna-MG indeferiu os pedidos relacionadas ao dano material,  moral e de nulidade da fiança por considerar a ausência de provas da coação sofrida pelo reclamante para assinatura, como fiador, do contrato de empréstimo entre a reclamada principal e o Banco Santander S.A..

O Tribunal Regional, por sua vez, reconheceu a existência de coação e, ato contínuo, condenou a reclamada principal ao pagamento de indenização por dano moral.

Portanto, afastada a premissa na qual se fundamentou o juízo de origem (ausência de coação) para analisar a questão, os autos devem retornar à Vara do Trabalho de Itaúna-MG para julgamento da controvérsia no que tange aos danos materiais e nulidade da fiança, considerando as diretrizes delineadas no presente julgado.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade: I - conhecer do agravo de instrumento, e, no mérito, dar-lhe provimento para determinar o processamento do recurso de revista; II - conhecer do recurso de revista por violação ao artigo 114, VI e IX, da CF/88, em relação ao tema "contrato de fiança bancária firmado pelo empregado em favor da empregadora – natureza jurídica da relação entre o empregado e a instituição financeira – controvérsia sobre a competência da justiça do trabalho para declarar a nulidade da fiança", e, no mérito, dar-lhe provimento para declarar a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar o pedido concernente aos danos materiais pleiteados pelo reclamante, assim como aos efeitos da fiança bancária cuja coação já foi declarada, devendo-se ressaltar que o contrato de empréstimo propriamente dito, o qual foi firmado entre a ex-empregadora do reclamante e a instituição financeira, não está inserido no rol de competência desta Justiça Especializada; III – reconhecer a legitimidade do Banco Santander S.A. para figurar o polo passivo da presente reclamação trabalhista; IV – determinar o retorno dos autos à Vara do Trabalho de Itaúna-MG para julgamento da controvérsia no que tange aos danos materiais e nulidade da fiança, considerando as diretrizes delineadas no presente julgado .

Brasília, 16 de março de 2022.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

Renato de Lacerda Paiva

Ministro Relator

 

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