TST - INFORMATIVOS 2022 250 - de 01 a 25 de fevereiro

Data da publicação:

Acordão - TST

Renato de Lacerda Paiva - TST



PROPAGANDA PUBLICITÁRIA – PARTICIPAÇÃO DE CRIANÇA – ENFOQUE NA GLOBALIZAÇÃO DO EMPREENDENDORISMO – AUSÊNCIA DE APOLOGIA AO TRABALHO INFANTIL – INEXISTÊNCIA DE ABUSIVIDADE (violação aos artigos 7º, XXXIII, 208 § 3º, e 227, caput, § 3º, I, da CF/88).



RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO ANTES DA LEI Nº 13.015/2014. AÇÃO CIVIL PÚBLICA – PROPAGANDA PUBLICITÁRIA – PARTICIPAÇÃO DE CRIANÇA – ENFOQUE NA GLOBALIZAÇÃO DO EMPREENDENDORISMO – AUSÊNCIA DE APOLOGIA AO TRABALHO INFANTIL – INEXISTÊNCIA DE ABUSIVIDADE (violação aos artigos 7º, XXXIII, 208 § 3º, e 227, caput, § 3º, I, da CF/88). A constatação de que a peça publicitária na qual houve participação de uma criança, juntamente com o pai, em ambiente aprazível e bucólico, vendendo limonada, com enfoque na globalização do empreendedorismo, cujo slogan apregoa que "Os mercados globais estão se abrindo para todos. No futuro até a menor das empresas será multinacional. Um mundo novo está emergindo. Faça parte dele", não propaga o trabalho infantil e nem revela qualquer abusividade da propaganda. Não se afigura a hipótese de uma ponderação de princípios, mas, sim, da coexistência harmoniosa da liberdade de expressão artística e de comunicação com os ditames constitucionais que priorizam e impõe como dever do Estado, da sociedade e da família assegurar às crianças e adolescentes o direito à vida, à educação, à dignidade e à liberdade, sem discriminação, crueldade, exploração, ou qualquer outra forma de violência física ou mental. Recurso de revista não conhecido. (TST-RR-221- 53.2012.5.09.0012, 7ª Turma, rel. Min. Renato de Lacerda Paiva, DEJT 18/03/2022).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-221-53.2012.5.09.0012, em que é Recorrente MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO DA 9ª REGIÃO e Recorrido HSBC BANK BRASIL S.A. - BANCO MÚLTIPLO.

Trata-se de recurso de revista (págs. 323-333, seq. 1) interposto em face de acórdão proferido pelo Tribunal Regional da 9ª Região negando provimento ao recurso ordinário do Parquet (págs. 284-295) e mantendo a sentença que julgou improcedentes os pedidos da inicial.

O recurso foi admitido pelo despacho de págs. 337-341.

Contrarrazões apresentadas às págs. 343-371.

Os autos foram redistribuídos a este relator em 20/02/2020 (seq. 7).

É o relatório.

V O T O

PRESSUPOSTOS EXTRÍNSECOS

Preenchidos os pressupostos extrínsecos do recurso de revista, o que autoriza a apreciação dos seus pressupostos intrínsecos de admissibilidade.

1 - CONHECIMENTO

O recorrente afirma que "ajuizou a presente Ação visando, liminarmente, em âmbito nacional, que o recorrido fosse compelido a suspender imediatamente a veiculação da peça publicitária em que a personagem principal é uma criança que vende limonada a turistas. No mérito requereu que o réu fosse condenado, em multa diária, por obrigação descumprida; que nenhum tipo de campanha ou propaganda de mídia com conteúdo semelhante ao questionado e repelido fosse promovido; que a veiculação do direito de resposta da coletividade representada pelo Ministério Público do Trabalho às expensas do Réu fosse assegurada e que fosse condenado ao pagamento de danos morais coletivos".

Diz que "A pretensão do Ministério Público está ancorada no direito fundamental de garantir a proteção integral das crianças e adolescentes, erradicando qualquer espécie de trabalho infantil. As medidas postuladas pelo órgão ministerial visam precisamente assegurar, de forma duradoura, condições dignas de vida às crianças e aos adolescentes. Cumpre salientar que a proteção especial abrange a observância à idade mínima para o trabalho".

Sustenta ainda que "O superior interesse da criança e do adolescente não pode ser suprimido em detrimento de nenhum outro direito fundamental, pois goza de proteção especial e absoluta (art. 227, §3º, da CF), na medida em que a criança e o adolescente são pessoas humanas em desenvolvimento. Tal necessidade de proteção guarda estreita relação com a dignidade da pessoa humana (art.1º, III, da CF)".

Assevera que "O caso em questão envolve dois direitos fundamentais garantidos na Constituição. De um lado, a liberdade de expressão; de outro, o direito à proteção integral da criança e do adolescente, com a garantia ao não trabalho" e "por se tratar de interesse especial, eivado de afetação pública, as regras constitucionais de proteção ao menor, normas de eficácia plena e aplicabilidade direta e imediata,são dotadas de força superior, pois os efeitos destas violações a princípios e preceitos constitucionais afetam toda a coletividade".

Acrescenta que "Com todo o respeito ao entendimento exposto no Acórdão recorrido, verifica-se que a ré agiu de forma abusiva e extrapolou o seu direito à liberdade de opinião e expressão na medida em que violou o direito fundamental da criança e do adolescente ao não trabalho, direito este de absoluta prioridade no ordenamento jurídico brasileiro".

Pontua que "A decisão que negou provimento ao recurso do MPT, entendendo que a conduta perpetrada pela ré não é prejudicial e não faz apologia ao trabalho infantil, afronta literalmente os dispositivos constitucionais que asseguram a proteção integral da criança e do adolescente. Uma vez reconhecida ofensa direta à Constituição Federal, em seus artigos 7º, XXXIII, 208 § 3º e 227 caput e § 3º, I, deve o presente recurso ser conhecido e provido para o fim de conhecer do pedido do autor".

Aponta violação aos artigos 7º, XXXIII, 208 § 3º, e 227, caput, § 3º, I, da CF/88.

O Tribunal Regional negou provimento ao recurso ordinário do recorrente, mantendo a improcedência dos pedidos veiculados na ação civil pública, pelos seguintes fundamentos. In verbis:

1. ABUSIVIDADE DA PROPAGANDA DIVULGADA PELA RÉ

O MM. Juízo de origem indeferiu os pedidos feitos pelo Parquet, com base nos seguintes fundamentos (fls. 215-218):

"Pois bem. Em que pesem os judiciosos fundamentos da liminar a fls. e os bem postos argumentos do parquet, nesse caso, não vislumbro possibilidade de manter a suspensão da peça comercial.

O direito a livre expressão, no dizer de Gilmar Mendes, abrange toda opinião, convicção, comentário, avaliação ou julgamento sobre qualquer assunto ou sobre qualquer pessoa, envolvendo tema de interesse público ou não, de importância e de valor, ou não até porque diferenciar entre opiniões valiosas ou sem valor é uma contradição num Estado baseado na concepção de uma democracia livre e pluralista1....os termos amplos como a liberdade de expressão é tutelada no Direito Brasileiro que reconhece a liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença (artigo 5º, IX da CF)  permitem afirmar que, em princípio, manifestações não verbais também se inserem no âmbito da liberdade constitucionalmente protegida. A expressão corporal, por exemplo, com o intuito de arte engajada, abarca vasta gama de situações...com relação à criança e ao adolescente, ademais, a Constituição determina que se conceda absoluta prioridade ao dever do Estado, da sociedade e da família, de assegurar a esses jovens o direito à vida, à educação, à dignidade e à liberdade, fixando-se o propósito de coloca-los a salvo de toda forma de discriminação, violência, exploração, crueldade e opressão. Prossegue o Min. Gilmar: resulta dessa formula constitucional que o balanço dos interesses da liberdade de informação com o valor da dignidade do jovem e com o dever de protegê-lo parte de uma necessária inclinação por esses últimos. Afinal, o próprio constituinte atribui-lhes absoluta prioridade. A liberdade de expressão, portanto, poderá sofrer recuo quando o seu conteúdo puser em risco uma educação democrática, livre de ódios preconceituosos e fundada no superior valor intrínseco de todo ser humano.

Por outro lado, o respeito à dignidade pessoal e também o respeito aos valores da família são erigidos à condição de limite da liberdade de programação de rádios e da televisão, como se vê no artigo 221 da CF.

É disso que trata a complexa questão posta no processo.

O principal argumento do r. parquet é o de que o filme, conforme apresentado, estimula o trabalho infantil. Ocorre que, no caso, analisando-se cuidadosamente e reiteradas vezes a peça publicitária em questão, tem-se a seguinte descrição: menina puxa no quintal, sempre sob o olhar do pai, uma mesa, e sobre ela coloca copos enquanto o pai preparada limonada, a menina vende limonada a um garoto (aparentemente pretende o réu que se entenda ser pessoa com ligação a origem chinesa enfim, representando a globalização, daí a alusão da menina que diz que aceita dólar de Hong Kong), depois o pai tenta tomar limonada e a menina também cobra dele, em seguida para um ônibus em frente a casa e turistas aparentemente todos de um grupo da terceira idade descem e passam a comprar limonada, o pai vem com um balde cheio. O slogan já mencionado pelo parquet é o de que "Os mercados globais estão se abrindo para todos. No futuro até a menor das empresas será multinacional. Um mundo novo está emergindo. Faça parte dele". A intenção expressa da peça é a de que pequenas empresas precisam ser globais, e aí a alusão a venda e ao dólar de hong kong. A alusão ao trabalho da criança não é o foco da publicidade do réu, a mesa está colocada no quintal da casa, que não tem muros como é comum em alguns países, a criança está o tempo todo sob o olhar atento do pai e é fato de que o contraponto entre o pai participando da venda com a filha em oposição ao vizinho lavando o carro pode ser alusão a convivência e participação entre pais e filhos.

Não vislumbro na publicidade em questão um risco às crianças ou uma alusão ou apologia a trabalho infantil, nem a outra situação que seja abusiva a ponto de o poder judiciário impedir sua veiculação. Não há qualquer tom de discriminação, violência, exploração, crueldade e opressão. Conforme visto, o direito a liberdade de expressão e de expressão artística só deve ser restringido em face do direito a proteção da criança e do adolescente caso presente um claro e evidente risco à dignidade e aos valores constitucionais.

Não é o caso da peça em questão, que pode suscitar, sim, algum debate acerca do trabalho infantil, todavia, não pode ser considerada apologia a ele, sendo que a alusão à indução subliminar ou embutida na peça não pode ser aferida de modo objetivo, eis que não há demonstração de que tenha efetivamente ocorrido em algum caso.

Veja-se que a mensagem ou alusão a convivência pai e filho também é factível de consideração. Por argumento tem-se o debate legítimo sobre a publicidade que se utiliza da imagem da mulher de forma estereotipada para vender cerveja, por exemplo, e os limites da apologia a violência contra a mulher, questão social tão complexa e importante como a questão posta pelo parquet nesses autos. (...) Veja-se que a decisão postulada pelo parquet implica, em ultimo grau, no impedimento, dentro do país, de uma peça publicitária, mediante a intervenção estatal do judiciário trabalhista, e uma ação com esse peso somente é possível dentro dos estritos limites da mais absoluta certeza de prejuízo a direito fundamental da criança e do adolescente, não expresso na peça publicitária em questão, Repiso meu entendimento: a mensagem subliminar não intencional ou os possíveis entendimentos que se possa extrair da publicidade, por mais relevantes sejam eles, não ensejam possibilidade de impedimento da veiculação da expressão ensejada na peça. (...) Lembro, por fim, que a peça mencionada foi veiculada somente em televisão fechada, e que o consumidor atual é mais crítico e esclarecido, mesmo em camadas menos favorecidas economicamente, e que se trata de circunstância comum e que advém do próprio fenômeno de maior circulação das informações, situação em que o próprio consumidor ou cliente rejeita a publicidade apresentada e a empresa tem que tirar do ar a campanha em face da reação da sociedade. Ora, ao ver do juízo, ensejando a idéia, mesmo que subliminar, de trabalho infantil ou exploração de crianças, a peça faria efeito contrário ao pretendido pelo publicitário, atingindo a própria imagem do cliente.

Lembro, ainda, que a peça em questão continua plenamente acessível no site youtube, pode estar gravada e disponível em uma infinidade de sítios na internet, ou seja, mesmo a suspensão da veiculação até o momento não foi total, e, por vezes, a proibição pode até levar a um efeito contrário, qual seja, o de maior acesso a peça em face da curiosidade acerca do conteúdo proibido pela justiça.

Nesses termos, repisando que são nobres os argumentos e a intenção do Ministério Público ao questionar a peça e que tais situações devem ser analisadas com o máximo de cuidado, sendo de importância impar qualquer questão posta acerca dos direitos da criança e do adolescente.

Nesse caso, todavia, sopesando, em cognição exauriente, o conteúdo da peça publicitária questionada e os dispositivos legais elencados, entendo não remanesce possibilidade jurídica de manter a suspensão deferida anteriormente em cognição sumária.

Isto posto, autorizo a imediata liberação da peça publicitária questionada pelo MPT para veiculação da forma como pretender o réu e, repisando o devido respeito aos argumentos da inicial, julgo improcedente o pedido do parquet".

Insurge-se o MPT, argumentando, em síntese, o seguinte: a) a questão referente à erradicação do trabalho infantil e à proteção ao trabalho do adolescente insere-se no contexto da doutrina da proteção integral, contemplada pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente; b) assevera que "a limitação da idade mínima preserva a higidez física e psicológica das crianças e dos adolescentes e, ainda, a sua escolaridade. Não será a criança saudável, bem alimentada e feliz que mostra a propaganda, enganosa até neste aspecto"; c) a "Convenção n. 138 da Organização Internacional do Trabalho - OIT preconiza a idade mínima de 15 anos para o trabalho, com o objetivo de garantir a escolaridade, sem o trabalho, durante o ensino fundamental"; d) sustenta que a propaganda passa a mensagem de que a criança tem que trabalhar para se tornar empresária, de que "é melhor criança trabalhar que roubar", que o comercial apresenta uma criança trabalhando como vendedora ambulante e que passaria às crianças que é possível "ganhar dinheiro fácil"; e) assevera que "a propaganda, através da publicidade, tem a força de propagar princípios, teorias e valores", ou seja, possui caráter ideológico; f) a liberdade de expressão, prevista no art. 220 da CF/88, deve obedecer os ditames constitucionais, o que não teria ocorrido no caso em análise. De acordo com o autor, a ré teria abusado do direito à liberdade de expressão, vilipendiando direitos fundamentais de crianças e adolescentes, gerando danos incomensuráveis; g) requer a antecipação dos efeitos da tutela de mérito, com a suspensão da veiculação da propaganda, sob pena de multa diária; h) requer, ainda, a condenação da ré em não promover nenhum tipo de campanha ou propaganda e mídia com conteúdo semelhante ao que ora se questiona e repele, sob pena de multa diária e seja assegurada a veiculação do direito de resposta da coletividade, representada pelo MPT, às expensas da ré e, por fim, a condenação ao pagamento de R$ 10.000.000,00 a título de dano de efeito moral coletivo.

Pois bem.

Acessando a rede mundial de computadores (Internet), a p a r t i r d o " l i n k " a p o n t a d o p e l o a u t o r (http://www.youtube.com/user/HSBCBrasil?v=njCDpEhXVdE), é possível chegar às seguintes conclusões: Trata-se de propaganda divulgada pela ré, com o seguinte slogan: "Os mercados globais estão se abrindo para todos. No futuro até a menor das empresas será multinacional. Um mundo novo está emergindo. Faça parte dele".

A peça comercial inicia com uma criança arrastando uma pequena mesa para o quintal de sua casa, em seguida colocando uma toalha sobre ela e a arrumando para que se torne uma simples venda de limonada. De dentro da casa, seu pai, que está preparando a limonada, olha com surpresa ao ver a filha realizando aquelas tarefas. Em seguida, sai da casa com as limonadas preparadas. No caminho, olha para seu vizinho, que está sozinho, lavando seu carro. Após esse momento, um menino de outra nacionalidade se aproxima com sua respectiva mãe, pedindo por uma limonada. A menina o atende, dizendo à mãe do garoto que o pagamento pode ser feito com a sua moeda de origem. Por fim, um ônibus estaciona em frente à casa, saindo dele muitas pessoas, parecendo ser idosos, os quais se aproximam da barraca de limonada. Surpreso, o pai vai ao interior da casa e traz um balde maior do suco, enquanto sua filha vende as limonadas.

Data venia das valiosas colocações feitas pelo Parquet, não se vislumbra, no caso em pauta, qualquer apologia ao trabalho infantil, nem mesmo de forma indireta ou transversa.

Conforme se infere da propaganda como um todo, a mensagem que se pretendeu passar foi a de que, ainda que o seu negócio seja pequeno, irá se transformar em multinacional, de modo que o empresário deve estar preparado para tal circunstância, agindo de forma global.

A atividade realizada pela menina não pode ser entendida como exploração de trabalho infantil pelo pai, ou estímulo a essa forma de trabalho, como pretende fazer o Parquet.

Em nenhum momento o foco da propaganda incide na assertiva de que a criança precisa trabalhar para se tornar uma empresária de sucesso, ou de que a melhor a criança trabalhar que roubar. Essas ilações feitas pelo MPT são totalmente infundadas, de modo que somente seria possível chegar a elas por meio de um esforço interpretativo que vai para além do razoável, inconcebível para o homem médio.

Tampouco é razoável concluir que a garota consiste em trabalhadora ambulante, já que fica claro tratar-se de um fato excepcional, ante à surpresa do pai com a situação. Nesse sentido, sequer se verifica cobrança do pai em relação à menina, no que tange ao suposto labor desenvolvido. Além disso, claramente a estória se ocorre em final de semana, dando ênfase à interação entre pais e filhos.

Ademais, não há que se falar em labor em rua ou logradouro público, já que a cena claramente se desenvolve não na calçada, mas sim no jardim frontal da residência, o que mais uma vez indica que a criança encarou aquilo como uma brincadeira, um divertimento.

Nesse diapasão, tem-se que a propaganda em análise não faz qualquer conclamação da população a apoiar o trabalho infantil. Transmite, além da mensagem relativa à interação entre pais e filhos, que por sua vez é muito saudável, a ideia de que por menor que seja seu empreendimento, ele pode vir a crescer, devendo ser encarado de modo global.

Acolher a tese defendida pelo Ministério Público do Trabalho ensejaria a conclusão de que até jogos infantis nos quais crianças se envolvem com negócios comerciais e aspectos financeiros e imobiliários, como é o caso do jogo denominado "Banco Imobiliário", seriam proibidos e deveriam ser retirados de circulação.

Como já bem frisado na sentença recorrida, os direitos de comunicação e de livre expressão da ré, assegurados nos artigos da CF/88, somente poderiam ser limitados caso se demonstrasse, com um mínimo de concretude, que a propaganda veiculada atinge o arcabouço de proteção integral de crianças e adolescentes, contemplado na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e do adolescente, bem como em Convenções Internacionais da OIT, como as de n. 138 e 182.

Senão vejamos: De acordo com o artigo 5º, IX, da CF/88, "é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença"

Por sua vez, o artigo 220 da Lei Maior dispõe que "a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição".

Diante dessas premissas constitucionais, repisa-se que tais direitos apenas poderiam ser limitados ou restringidos caso seu exercício fosse exercido de forma abusiva, contra os seus fins sociais.

A veiculação de propaganda contendo ou estimulando o trabalho infantil seria uma dessas hipóteses, mormente se levarmos em conta a doutrina da proteção integral e o fato de que os direitos da criança e do adolescente devem ser tratados com absoluta prioridade e referibilidade ampla (art. 227 da CF/88), o que é garantido tanto no âmbito nacional quanto internacional.

Entretanto, tal situação de prejuízo à criança e adolescente não se verifica no caso em análise, conforme explanações feitas acima.

Não se vislumbra qualquer ato prejudicial às crianças ou que venha a influenciá-las negativamente, inexistindo a propalada apologia ao trabalho infantil.

Repete-se que somente seria possível chegar a tal conclusão a partir de um esforço interpretativo que vai para além do razoável.

Nesse toada, percebe-se que o argumento utilizado pelo Ministério é o mesmo utilizado pelo censurador que, sob a alegação de que as pessoas não sabem o que é melhor para elas, restringe direitos relativos à liberdade de informação e expressão.

No mais, considerando a riqueza da argumentação feita pelo D. Magistrado de origem, faço remissão aos fundamentos esposado em sentença, os quais adoto como razão de decidir.

Consequentemente, não há que se falar em antecipação dos efeitos da tutela, tampouco em condenação ao pagamento de valor a título de dano moral coletivo.

Diante do exposto, mantenho a sentença com base em seus próprios fundamentos. (sem destaques no original)

Inicialmente, afasto a alegação veiculada nas contrarrazões sustentando a ausência de dialeticidade recursal.

A controvérsia em análise parte de fatos incontroversos, cuja interpretação, no entendimento do Tribunal Regional, não ofendeu os dispositivos indicados pelo autor da ação civil pública.

O recorrente refuta os fundamentos do Tribunal Regional e sustenta ofensa aos dispositivos constitucionais indicados nas razões do apelo, impugnando especificamente a motivação adotada no acórdão recorrido.

Por outro lado, a admissibilidade do recurso de revista, no caso dos autos, não pode ser obstada pela incidência da Súmula nº 126 desta Corte, pois a análise das razões do apelo não exige revolvimento dos fatos e provas dos autos diante da ausência de controvérsia a respeito do contexto fático delineado no acórdão recorrido.

Neste sentido, o Tribunal Regional deixou claro que "A peça comercial inicia com uma criança arrastando uma pequena mesa para o quintal de sua casa, em seguida colocando uma toalha sobre ela e a arrumando para que se torne uma simples venda de limonada. De dentro da casa, seu pai, que está preparando a limonada, olha com surpresa ao ver a filha realizando aquelas tarefas. Em seguida, sai da casa com as limonadas preparadas. No caminho, olha para seu vizinho, que está sozinho, lavando seu carro. Após esse momento, um menino de outra nacionalidade se aproxima com sua respectiva mãe, pedindo por uma limonada. A menina o atende, dizendo à mãe do garoto que o pagamento pode ser feito com a sua moeda de origem. Por fim, um ônibus estaciona em frente à casa, saindo dele muitas pessoas, parecendo ser idosos, os quais se aproximam da barraca de limonada. Surpreso, o pai vai ao interior da casa e traz um balde maior do suco, enquanto sua filha vende as limonadas".

Portanto, o delineamento emoldurado pelo Tribunal Regional revela-se suficiente para o pleno conhecimento da controvérsia, sendo desnecessário qualquer revolvimento fático probatório para decidir pelo provimento ou desprovimento do apelo.

Passando ao exame da questão, transcrevem-se os dispositivos constitucionais alegados ofendidos pelo recorrente. In verbis:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: 

XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos;

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

§ 3º Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.  

§ 3º O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:

I - idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7º, XXXIII;

Os artigos 7º, XXXIII, 208 § 3º, da CF/88 revelam-se impertinentes à controvérsia sob análise, pois dispõem, respectivamente, sobre "proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos" e do dever do Estado com a educação.

Portanto, remanesce à apreciação a ocorrência ou não de ofensa direta ao caput, do artigo 227 da CF/88, mesmo porque o § 3º, I, também revela-se alheio à controvérsia dos autos.

Passando a análise da controvérsia, não vislumbro, na publicidade em questão, apologia a trabalho infantil e nem a outra situação de abusividade que imponha a necessidade de interferência do Poder Judiciário de modo a impedir sua veiculação.

O slogan mencionado pelo Parquet ("Os mercados globais estão se abrindo para todos. No futuro até a menor das empresas será multinacional. Um mundo novo está emergindo. Faça parte dele") não propaga o trabalho infantil, e dentre as várias interpretações possíveis da peça publicitária extrai-se o fomento ao empreendedorismo e à abertura do mercado de uma forma global onde até mesmo pequenas empresas atuarão como uma "multinacional".

Em momento algum se depreende a promoção ao trabalho infantil. Ao contrário, percebe-se um cenário bucólico em que uma criança, representada por uma menina, interage alegremente com o pai, que fica responsável pela elaboração da limonada, enquanto ela prepara a mesa para apoio das jarras e copos necessários à comercialização do suco, inclusive confeccionando cartazes com letras coloridas e em diversas línguas, enfatizando o aspecto global do empreendimento.

Não se percebe qualquer cena abusiva ou violadora do direito fundamental da criança e do adolescente ao não trabalho.

Ao contrário do que sustenta o Parquet, não se está diante de uma ponderação de princípios, mas, sim, da coexistência harmoniosa da liberdade de expressão artística e de comunicação com os ditames constitucionais que priorizam e impõe como dever do Estado, da sociedade e da família, assegurar às crianças e adolescentes o direito à vida, à educação, à dignidade e à liberdade, sem discriminação, crueldade, exploração, ou qualquer outra forma de violência física ou mental.

Neste contexto, corroboro com a percepção do juiz de primeiro grau, que lançou, dentre outros fundamentos da sentença, as seguintes assertivas: a) "analisando-se cuidadosamente e reiteradas vezes a peça publicitária em questão, tem-se a seguinte descrição: menina puxa no quintal, sempre sob o olhar do pai, uma mesa, e sobre ela coloca copos enquanto o pai preparada limonada, a menina vende limonada a um garoto (aparentemente pretende o réu que se entenda ser pessoa com ligação a origem chinesa enfim, representando a globalização, daí a alusão da menina que diz que aceita dólar de Hong Kong), depois o pai tenta tomar limonada e a menina também cobra dele, em seguida para um ônibus em frente a casa e turistas aparentemente todos de um grupo da terceira idade descem e passam a comprar limonada, o pai vem com um balde cheio"; b) "A intenção expressa da peça é a de que pequenas empresas precisam ser globais, e aí a alusão a venda e ao dólar de hong kong. A alusão ao trabalho da criança não é o foco da publicidade do réu, a mesa está colocada no quintal da casa, que não tem muros como é comum em alguns países, a criança está o tempo todo sob o olhar atento do pai e é fato de que o contraponto entre o pai participando da venda com a filha em oposição ao vizinho lavando o carro pode ser alusão a convivência e participação entre pais e filhos" e c) "Veja-se que a mensagem ou alusão a convivência pai e filho também é factível de consideração. Por argumento tem-se o debate legítimo sobre a publicidade que se utiliza da imagem da mulher de forma estereotipada para vender cerveja, por exemplo, e os limites da apologia a violência contra a mulher, questão social tão complexa e importante como a questão posta pelo parquet nesses autos. (...) Veja-se que a decisão postulada pelo parquet implica, em ultimo grau, no impedimento, dentro do país, de uma peça publicitária, mediante a intervenção estatal do judiciário trabalhista, e uma ação com esse peso somente é possível dentro dos estritos limites da mais absoluta certeza de prejuízo a direito fundamental da criança e do adolescente, não expresso na peça publicitária em questão".

Saliento, no mesmo contexto, os fundamentos lançados pelo acórdão recorrido, no sentido de que "Data venia das valiosas colocações feitas pelo Parquet, não se vislumbra, no caso em pauta, qualquer apologia ao trabalho infantil, nem mesmo de forma indireta ou transversa"; "a mensagem que se pretendeu passar foi a de que, ainda que o seu negócio seja pequeno, irá se transformar em multinacional, de modo que o empresário deve estar preparado para tal circunstância, agindo de forma global"; "A atividade realizada pela menina não pode ser entendida como exploração de trabalho infantil pelo pai, ou estímulo a essa forma de trabalho, como pretende fazer o Parque"; "Em nenhum momento o foco da propaganda incide na assertiva de que a criança precisa trabalhar para se tornar uma empresária de sucesso, ou de que a melhor a criança trabalhar que roubar. Essas ilações feitas pelo MPT são totalmente infundadas, de modo que somente seria possível chegar a elas por meio de um esforço interpretativo que vai para além do razoável, inconcebível para o homem médio"; "A atividade realizada pela menina não pode ser entendida como exploração de trabalho infantil pelo pai, ou estímulo a essa forma de trabalho, como pretende fazer o Parquet"; "Em nenhum momento o foco da propaganda incide na assertiva de que a criança precisa trabalhar para se tornar uma empresária de sucesso, ou de que a melhor a criança trabalhar que roubar. Essas ilações feitas pelo MPT são totalmente infundadas, de modo que somente seria possível chegar a elas por meio de um esforço interpretativo que vai para além do razoável, inconcebível para o homem médio".

Indubitavelmente, os direitos consagrados nos arts. 5º, IX, e 220, da CF/88 não são absolutos e devem sofrer restrição nas hipóteses em que extrapolem o limite do razoável e ofendam princípios também protegidos pela Carta Magna.

Contudo, conforme já salientado, na hipótese dos autos não se verifica a necessidade de realizar uma ponderação de princípios e optar por aquele considerado mais preponderante, uma vez que os fatos analisados revelam a coexistência harmoniosa de direitos legalmente exercidos.

Portanto, constata-se a ausência de abusividade da referida peça publicitária, a qual não atentou contra quaisquer dos deveres previstos no caput do artigo 227 da CF/88.

Como bem salientado pelo Tribunal Regional, somente por meio de um esforço interpretativo poderia ser admitido que a mencionada propaganda tenha causado qualquer prejuízo às crianças e adolescentes, propagando apologia ao trabalho infantil.

Por conseguinte, não se verifica ofensa direta e literal ao dispositivo constitucional invocado pelo recorrente.

Assim, diante de todo o exposto, não conheço do recurso de revista.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por maioria, não conhecer do recurso de revista. Vencido o Exmo. Ministro Cláudio Mascarenhas Brandão.

Brasília, 23 de fevereiro de 2022.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

Renato de Lacerda Paiva

Ministro Relator

 

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