TST - INFORMATIVOS 2022 250 - de 01 a 25 de fevereiro

Data da publicação:

Subseção I Especializada em Dissídios Individuais

Cláudio Mascarenhas Brandão - TST



Dispensa discriminatória. Configuração. Empregada portadora de câncer. Presunção de preconceito ou de estigma. Aplicação da Súmula n° 443 do TST. A neoplasia maligna (câncer) é doença grave comumente associada a estigma, o que possibilita a presunção de dispensa discriminatória do empregado acometido com a moléstia, em consonância com a Súmula nº 443 do TST. Cabe ao empregador, destarte, demonstrar de forma insofismável que a demissão não foi motivada direta ou indiretamente pela enfermidade. No caso, a empregada foi diagnosticada com câncer de mama e foi dispensada após sua cirurgia, enquanto era submetida a terapia hormonal adjuvante para evitar a recidiva da doença. Para tanto, a ré utilizou-se de uma única avaliação de desempenho insuficiente para motivar a dispensa da autora, o que não caracteriza elemento hábil para afastar a presunção de discriminação, mormente quando a avaliação foi realizada durante o seu tratamento, situação em que é previsível a ocorrência de variações do desempenho de qualquer pessoa. Sob esses fundamentos, a SBDI-1, por maioria, conheceu do recurso de embargos, por má aplicação da Súmula nº 443 do TST e, no mérito, deu-lhe provimento para restabelecer o acórdão do Tribunal Regional, que reconhecera a dispensa discriminatória da reclamante. Vencidas as Ministras Maria Cristina Irigoyen Peduzzi e Dora Maria da Costa e vencido o Ministro Alexandre Luiz Ramos. (TST-E-RR-10953-57.2018.5.03.0107, SBDI-I, rel. Min. Cláudio Mascarenhas Brandão, 24/2/2022).



RECURSO DE EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA. INTERPOSIÇÃO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. NEOPLASIA MALIGNA. CÂNCER DE MAMA. DOENÇA QUE GERA ESTIGMA. TRATAMENTO PARA EVITAR A RECIDIVA DA ENFERMIDADE. SÚMULA Nº 443 DO TST. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. Discute-se, no caso dos autos, se, nos termos da Súmula nº 443 desta Corte, a empregadora, ao realizar dispensa de empregada acometida por câncer de mama e em tratamento adjuvante para, de forma sistêmica, evitar a recidiva da doença, se desincumbiu satisfatoriamente do seu ônus de demonstrar que a conduta não foi discriminatória. Com efeito, esta Subseção, no julgamento do E-ED-RR-68-29.2014.5.09.0245, ocorrido em 04/04/2019, acórdão publicado no DEJT de 26/04/2019, para o qual fui designado redator, concluiu que a neoplasia maligna (câncer) é doença grave que causa estigma, de modo a possibilitar a aplicação da presunção da dispensa discriminatória prevista na Súmula nº 443 do TST e que, por se tratar de presunção de discriminação, exige que esta seja afastada pelo empregador, mediante prova cabal e insofismável. Com efeito, cabe ao empregador demonstrar que não houve motivação direta ou indireta com a enfermidade que a empregada apresenta ou que a causa da dispensa foi legítima e deve fazê-lo mediante prova insofismável, diante da presunção que se apresenta favorável à tese obreira. Essa prova, contudo, não consta nos autos. No presente caso, o quadro fático consignado no acórdão regional revela que a autora foi diagnosticada com câncer de mama em 2015, tendo obtido, judicialmente, naquela época, sua reintegração no emprego e que, por ocasião da segunda dispensa, permanecia em tratamento mesmo após a cirurgia, submetendo-se a terapia hormonal adjuvante para, de forma sistêmica, evitar a recidiva do câncer. Consta, ainda, do acórdão regional que a autora obteve rendimento insatisfatório, conforme avaliação de desempenho de 2018, motivo assinalado pela ré para justificar a nova dispensa. Não há, na hipótese, elemento hábil o suficiente a afastar a presunção de discriminação. Ao contrário, atesta a sua ocorrência, uma vez que, algum tempo depois de ter sido compelida a reintegrar a autora pela dispensa discriminatória em razão do câncer, a ré utilizou-se de uma única avaliação de desempenho insuficiente para motivar a dispensa da autora, realizada em momento em que ainda se encontrava em tratamento para evitar a recidiva do câncer, situação da vida em que é esperada a ocorrência de variações no desempenho de qualquer pessoa, se comparado ao resultado alcançado por indivíduos sadios, ou mesmo ao apresentado pela própria empregada em avaliações anteriores ao diagnóstico. Consoante é por todos sabido, até por ciência comum – e também está consignado no acórdão regional –, a cura do câncer não ocorre de modo instantâneo. Ao contrário, em regra envolve tratamento prolongado, no mais das vezes com cirurgia para remoção do espaço cancerígeno, das células cancerígenas, e perdura durante vários anos, inclusive, até que a pessoa seja considerada curada da doença. Ora, se a empresa tinha ciência de que a reclamante necessitaria de tratamento médico até 2021 e da gravidade da doença diagnosticada, não é razoável exigir ou esperar que a empregada obtivesse a mesma média de desempenho dos demais integrantes da carreira ou das suas avaliações pretéritas. Isso porque, para além do abatimento psicológico decorrente do quadro de uma doença dessa natureza, são esperadas, entre outras consequências, a natural redução de produtividade, bem como a ocorrência de faltas ao serviço para realização do tratamento, as quais, embora justificadas, podem incomodar alguns empregadores, que se inclinam a praticar o despedimento ilegítimo do enfermo, lamentavelmente. E é rigorosamente essa a situação que se pretende evitar, pois é nesse momento de maior vulnerabilidade do trabalhador e da trabalhadora que deve incidir a proteção outorgada pela lei e reafirmada pela jurisprudência desta Corte. Nesse contexto, a Egrégia Turma, ao concluir que os elementos fático-probatórios consignados pelo Tribunal Regional militariam em favor da tese defensiva e por si só afastariam eventual presunção da dispensa discriminatória em razão da doença grave de que a reclamante é portadora, aplicou mal o entendimento contido na Súmula nº 443 desta Corte. Recurso de embargos conhecido e provido. (TST-E-RR-10953-57.2018.5.03.0107, SBDI-I, Cláudio Mascarenhas Brandão, 08/04/2022).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Embargos em Recurso de Revista n° TST-E-RR-10953-57.2018.5.03.0107, em que é Embargante ANA FLÁVIA DE LIMA PINTO e Embargada TOTVS S.A..

A Egrégia 8ª Turma deste Tribunal deixou de examinar o recurso de revista da ré quanto ao tema "nulidade por negativa de prestação jurisdicional" e deu-lhe provimento para restabelecer a sentença que indeferiu a reintegração no emprego da reclamante, e, como consequência, julgar improcedentes os pedidos formulados pela autora (fls. 580/599).

A autora interpõe os presentes embargos, em que aponta contrariedade às Súmulas nos 126 e 443 desta Corte, bem como indica divergência jurisprudencial (fls. 662/716).

O recurso foi admitido pelo Ministro Presidente da Turma julgadora, diante de possível contrariedade à Súmula nº 443 desta Corte e divergência jurisprudencial (fls. 720/722).

Impugnação apresentada às fls. 724/744.

Dispensada a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, nos termos do artigo 95, § 2º, II, do Regimento Interno do Tribunal Superior do Trabalho.

É o relatório.

V O T O

Registre-se, inicialmente, que a petição apresentada às fls. 606/660 (04/12/2019 - 17h:08min) é insuscetível de apreciação, tendo em vista o Princípio da Unirrecorribilidade das decisões judiciais e a preclusão consumativa que se operou com a interposição do recurso de embargos às fls. 662/716 (04/12/2019 - 16h:58min), razão pela qual apenas este será analisado.

Presentes os pressupostos extrínsecos de admissibilidade, passo à análise dos pressupostos intrínsecos do recurso de embargos, interposto na vigência da Lei nº 13.467/2017.

DISPENSA DISCRIMINATÓRIA - NEOPLASIA MALIGNA – CÂNCER DE MAMA – DOENÇA QUE GERA ESTIGMA - TRATAMENTO PARA EVITAR A RECIDIVA DA ENFERMIDADE - SÚMULA Nº 443 DO TST - INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA

CONHECIMENTO

A Egrégia 8ª Turma conheceu do recurso de revista interposto pela ré, quanto ao tema em epígrafe, por contrariedade à Súmula nº 443 do TST; no mérito, deu-lhe provimento para restabelecer a sentença que indeferiu a reintegração no emprego da reclamante, e, como consequência, julgar improcedentes os pedidos formulados pela autora. Consignou, para tanto, os seguintes fundamentos:

"Ao exame.

O feito tramita sob a égide do rito sumaríssimo. Assim, nos termos do art. 896, § 9º, da CLT, o conhecimento da revista somente é viabilizado por violação direta da Constituição Federal e por contrariedade a súmula desta Corte ou a súmula vinculante do STF. Por conseguinte, a indicação de ofensa aos arts. 818 da CLT; 373, I, do CPC; e 4º da Lei nº 9.029/1995 e os arestos trazidos a confronto de teses não impulsionam o conhecimento da revista.

Segundo o Tribunal de origem, a reclamante foi diagnosticada com câncer de mama em 2015, tendo obtido judicialmente, naquela época, sua reintegração no emprego e se submetido a tratamento cirúrgico para remoção da mama, encontrando-se atualmente em tratamento hormonal adjuvante para, de forma sistêmica, evitar a recidiva do câncer.

Consignou aquela Corte, ainda, que a autora obteve rendimento insatisfatório, conforme avaliação de desempenho de 2018, razão pela qual foi novamente dispensada pelo empregador, sem justa causa, naquele ano (2018).

Nos termos da diretriz perfilhada pela Súmula nº 443 desta Corte, ‘presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego’.

Ora, ao largo da discussão acerca do caráter estigmatizante da doença da reclamante, é certo que a presunção da dispensa discriminatória estabelecida no aludido verbete é meramente relativa e, assim, pode ser desconstituída por prova em contrário. A ilustrar, o seguinte precedente:

[...]

Nesse diapasão, não há como chancelar a conclusão de que a reclamada não logrou demonstrar a ausência de caráter discriminatório da dispensa, visto que os elementos fáticos e probatórios trazidos pelo Regional militam em favor da tese defensiva e, por si sós, afastam eventual presunção da dispensa discriminatória em razão da doença grave de que a reclamante é portadora (neoplasia de mama).

Por conseguinte, do contexto trazido pelo Regional, não se observa tratar-se de dispensa discriminatória em razão de estigma ou preconceito.

Assim, a decisão do Regional, de que a dispensa da reclamante foi discriminatória, não obstante consignar premissa fática de que o rendimento da autora, obtido na última avaliação de desempenho, foi insatisfatório, sendo esse o motivo da dispensa, caracteriza possível contrariedade à Súmula nº 443 do TST.

Pelo exposto, ante a demonstração de possível contrariedade à Súmula nº 443 do TST, dou provimento ao agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista TST quanto ao tema.

[...]

Como corolário lógico do conhecimento do recurso de revista por contrariedade à Súmula nº 443 do TST, dou-lhe provimento para restabelecer a sentença que indeferiu a reintegração no emprego da reclamante, e, como consequência, julgo improcedentes os pedidos formulados pela autora.

Prejudicado o exame dos demais temas do recurso de revista da reclamada." (fls. 594/598 - grifou-se)

A autora pugna por sua reintegração ao emprego. Sustenta que se encontra acometida de câncer de mama, com distúrbio de ansiedade e realizando tratamento das enfermidades, razão pela qual entende que a dispensa com base na alegação de que havia apresentado baixo rendimento no trabalho não é hábil a afastar a presunção de que, na verdade, o seu desligamento ocorreu de forma discriminatória, vez que a sua própria condição de saúde fragilizada é motivo mais que suficiente a ensejar desempenho insatisfatório, sendo que anteriormente havia sido bem avaliada. Pugna pelo restabelecimento do acórdão regional, inclusive quanto ao deferimento dos efeitos da antecipação de tutela. Aponta contrariedade às Súmulas nos 126 e 443 desta Corte. Transcreve arestos para o confronto de teses.

Pois bem.

Esta Subseção já firmou entendimento no sentido de, em regra, não ser viável o conhecimento do recurso de embargos por contrariedade a súmula de conteúdo processual, tendo em vista a sua função precípua de uniformização da jurisprudência, conferida pelas Leis nos 11.496/2007 e 13.015/2014, razão pela qual o acolhimento da alegação de afronta ou má aplicação da Súmula nº 126 do TST trata-se de hipótese excepcional.

Nesse cenário, observa-se que a hipótese mais evidente de contrariedade ao conteúdo do supracitado verbete ocorre nos casos em que a Turma, para afastar a conclusão a que chegou o Colegiado Regional, recorre a elemento fático não registrado no acórdão recorrido.

No presente caso, o Tribunal Regional registrou que a reclamante, diagnosticada com doença de natureza grave, permanece em tratamento mesmo após a cirurgia, submetendo-se a terapia hormonal adjuvante para, de forma sistêmica, evitar a recidiva do câncer.

Consignou que, conforme consta do relatório médico, a autora terá acompanhamento com oncologista e tratamento hormonal até 2021 e, diante de tais fatos, concluiu que a situação certamente a coloca em situação de incerteza, ansiedade e vulnerabilidade na esfera pessoal e profissional e afeta diretamente sua qualidade de vida e de trabalho.

Nesse contexto, adotou conclusão no sentido de que "o resultado da avaliação de desempenho realizada em abril/2018 (ID 5c87148, 61d71b2, aa26707) não é suficiente para justificar validamente a dispensa, tampouco para afastar a presunção de discriminação (Súmula 443 do TST).".

A Egrégia Turma, por sua vez, compreendeu pela impossibilidade de chancelar a conclusão de que a reclamada não logrou demonstrar a ausência de caráter discriminatório da dispensa, ao fundamento de que os elementos fático-probatórios consignados pelo Tribunal Regional militariam em favor da tese defensiva e por si só afastariam eventual presunção da dispensa discriminatória em razão da doença grave de que a reclamante é portadora.

No caso, a assertiva contida no acórdão regional, de que o tratamento médico coloca a autora "em situação de incerteza, ansiedade e vulnerabilidade na esfera pessoal e profissional, afetando diretamente sua qualidade de vida e de trabalho", não aparenta tratar-se de fato concreto comprovado nos autos, mas de ilação do julgador extraída da experiência a respeito do que normalmente acontece.

Também não se trata de fato a afirmação no sentido de que "o resultado da avaliação de desempenho realizada em abril/2018 (ID 5c87148, 61d71b2, aa26707) não é suficiente para justificar validamente a dispensa, tampouco para afastar a presunção de discriminação (Súmula 443 do TST).", mas de juízo de valor a respeito do evento "resultado da avaliação de desempenho realizada em abril/2018".

Nesse cenário, independentemente do acerto ou desacerto da Turma ao concluir que "os elementos fáticos e probatórios trazidos pelo Tribunal Regional militariam em favor da tese defensiva e por si sós afastariam eventual presunção da dispensa discriminatória em razão da doença grave de que a reclamante é portadora (neoplasia de mama).", verifica-se que se trata tão somente de novo enquadramento jurídico dos elementos fáticos contidos no acórdão regional, razão pela qual não se vislumbra a excepcionalíssima hipótese de contrariedade à Súmula nº 126 desta Corte.

No mais, discute-se, no caso dos autos, se, nos termos da Súmula nº 443 desta Corte, a empregadora, ao realizar dispensa de empregada acometida por câncer de mama e em tratamento adjuvante para, de forma sistêmica, evitar a recidiva da doença, se desincumbiu satisfatoriamente do seu ônus de demonstrar que a conduta não foi discriminatória.

Com efeito, esta Subseção, no julgamento do E-ED-RR-68-29.2014.5.09.0245, ocorrido em 04/04/2019, acórdão publicado no DEJT de 26/04/2019, para o qual fui designado redator, concluiu que a neoplasia maligna (câncer) é doença grave que causa estigma, de modo a possibilitar a aplicação da presunção da dispensa discriminatória prevista na Súmula nº 443 do TST e que, por tratar de presunção de discriminação, exige que esta seja afastada pelo empregador, mediante prova cabal e insofismável, e não pelo empregado:

"RECURSO DE EMBARGOS EM EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO DE REVISTA REGIDO PELA LEI Nº 13.015/2014. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. NEOPLASIA PROSTÁTICA. DOENÇA QUE GERA ESTIGMA. SÚMULA Nº 443 DO TST. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. A Súmula nº 443 do TST estabelece presunção de discriminação na ruptura contratual quando o empregado apresenta doença grave, que suscite estigma ou preconceito. À luz de tal verbete, nesses casos, há inversão do ônus da prova e incumbe ao empregador comprovar ter havido outro motivo para a dispensa. É essa a hipótese dos autos, considerando que o autor foi acometido de neoplasia prostática, doença grave comumente associada a estigmas. Estigma nada mais é do que marca, sinalização, diferenciação, que procura assinalar alguém em face do grupo social. Ressalta a condição de inferioridade do indivíduo, que tende a justificar uma ação excludente ou discriminatória se a pessoa é acometida por neoplasia maligna. No caso, não há elementos que afastem a presunção de discriminação. Apesar de o Tribunal Regional ter mencionado que a dispensa decorreu dos ‘novos rumos da empresa’, não explicitou a razão pela qual o perfil profissional do reclamante não era compatível com essa direção. Os fundamentos exclusivamente econômicos invocados na decisão regional, tais como contratar empregados com salário menor, a fim de reduzir os custos e aumentar os lucros, como prática ‘típica do sistema capitalista’, não se sobrepõem a outros valores, como a função social da empresa, a valorização do trabalho e a dignidade da pessoa humana, num contexto em que o empregado dedicou quase 28 anos de sua vida profissional à reclamada e prestou-lhe serviços reconhecidamente relevantes. O desempenho de destaque do autor é afirmado em algumas passagens do acórdão regional: ‘o autor era reconhecido como empregado eficiente e valorizado pela experiência [...] De outro lado, não faltaram ao reclamante felicitações, troféus e boas avaliações sobre sua competência funcional, independente da idade sua experiência era constantemente elogiada. Tanto que se aposentou na ré e continuou trabalhando, produzindo e ascendendo em sua carreira. Seu salário (R$ 24.869,90) possivelmente era fruto de sua dedicação e merecimento’. Contribuiu, portanto, ao longo de todos esses anos, para o sucesso do empreendimento e, num momento delicado, em que fora acometido de doença grave, de conhecimento do empregador (como também se infere do quadro fático consignado), foi dispensado imotivadamente. Merece destaque, ainda, o registro de que a empresa estava numa fase pujante, ‘alcançando à época em que o autor laborava recordes de produção e crescimento’. O exercício da atividade econômica, premissa legitimada em um sistema capitalista de produção, está condicionado pelo artigo 170 da Constituição à observância dos princípios nele enumerados, entre os quais se incluem a valorização do trabalho humano, a existência digna, de acordo com a justiça social (caput) e a função social da propriedade (inciso III), este último perfeitamente lido como função social da empresa. Em sintonia com os aludidos mandamentos constitucionais, a Lei nº 9.029/95 dispõe acerca da proibição da exigência de atestados de gravidez e esterilização, e outras práticas discriminatórias, para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho. Em seu artigo 1º, estabelece que ‘fica proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, ressalvadas, neste caso, as hipóteses de proteção ao menor previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal.’. O rol de condutas discriminatórias, a que se refere o citado dispositivo, é meramente exemplificativo. Em completa harmonia com o ordenamento jurídico brasileiro, a Convenção nº 158 da OIT - ainda que denunciada pelo Governo Brasileiro e possua como objeto o término do contrato de trabalho por iniciativa do empregador, pode ser referenciada como soft law - dispõe em seu artigo 4º que ‘Não se dará término à relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para isso uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço’. Se o referido artigo trata das justificativas para o término da relação de emprego, o artigo 5º dispõe sobre os motivos que não servirão de justificativa: ‘Entre os motivos que não constituirão causa justificada para o término da relação de trabalho constam os seguintes: a) a filiação a um sindicato ou a participação em atividades sindicais fora das horas de trabalho ou, com o consentimento do empregador, durante as horas de trabalho; b) ser candidato a representante dos trabalhadores ou atuar ou ter atuado nessa qualidade; c) apresentar uma queixa ou participar de um procedimento estabelecido contra um empregador por supostas violações de leis ou regulamentos, ou recorrer perante as autoridades administrativas competentes; d) a raça, a cor, o sexo, o estado civil, as responsabilidades familiares, a gravidez, a religião, as opiniões políticas, ascendência nacional ou a origem social; e) a ausência do trabalho durante a licença-maternidade.’. Esse rol exemplificativo remete à Convenção nº 111 da OIT, promulgada pelo Decreto nº 62.150/68 e que trata da vedação do tratamento discriminatório, dispõe no item 1.a do artigo 1º: ‘Para fins da presente convenção, o têrmo 'discriminação' compreende: a) Tôda distinção, exclusão ou preferência fundada na raça, côr, sexo, religião, opinião política, ascendência nacional ou origem social, que tenha por efeito destruir ou alterar a igualdade de oportunidades ou de tratamento em matéria de emprêgo ou profissão’. A Súmula nº 443 do TST foi editada à luz desse arcabouço jurídico. Assim, a melhor interpretação que se faz dela é justamente a que se coaduna com as normas referidas e a ponderação que deve existir entre valores igualmente consagrados no âmbito constitucional. A esse propósito, assinala o Ministro Luís Roberto Barroso: ‘(...) a interpretação constitucional viu-se na contingência de desenvolver técnicas capazes de produzir uma solução dotada de racionalidade e de controlabilidade diante de normas que entrem em rota de colisão. O raciocínio a ser desenvolvido nessas situações há de ter uma estrutura diversa, que seja capaz de operar multidirecionalmente, em busca da regra concreta que vai reger a espécie. Os múltiplos elementos em jogo serão considerados na medida de sua importância e pertinência para o caso concreto. A subsunção é um quadro geométrico, com três cores distintas e nítidas. A ponderação é uma pintura moderna, com inúmeras cores sobrepostas, algumas se destacando mais do que outras, mas formando uma unidade estética.’ ( Curso de direito constitucional contemporâneo. São Paulo: Saraiva. 4ª ed. 2013. p. 362). Na situação em concreto, feita a ponderação entre os princípios que garantem a livre iniciativa e o desenvolvimento econômico e aqueles que tutelam o trabalho, prevalecem estes últimos, como diretriz de interpretação do verbete em discussão. Assim, há presunção de ser discriminatória a dispensa do empregado portador de neoplasia maligna e a Súmula nº 443 desta Corte, por tratar de presunção de discriminação, exige que esta seja afastada pela empresa, mediante prova cabal e insofismável, e não pelo empregado. Precedentes desta Corte. Recurso de embargos conhecido e não provido." (E-ED-RR-68-29.2014.5.09.0245, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Redator Ministro Cláudio Mascarenhas Brandão, DEJT 26/04/2019).

Como é cediço, a Súmula nº 443 do TST estabelece presunção de discriminação na ruptura contratual quando o empregado apresenta doença grave, que suscite estigma ou preconceito. Eis o teor do referido verbete:

"DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA GRAVE. ESTIGMA OU PRECONCEITO. DIREITO À REINTEGRAÇÃO - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012

Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego." (destaquei)

Raquel Betty de Castro Pimenta (ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de; TEIXEIRA, Érica Fernandes (Org.). Novidades em direito e processo do trabalho: estudos em homenagem aos 70 anos da CLT. São Paulo: LTr, 2013. p. 131.) analisa a Súmula nº 443 do TST e a reintegração do empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave:

"A proteção jurídica contra a discriminação em matéria de emprego advém não apenas de normas legais, mas é concretizada também através de entendimentos jurisprudenciais que, a partir da teleologia traçada pelos preceitos constitucionais e por tratados internacionais, aplicam em casos submetidos à apreciação do Poder Judiciário o princípio da não discriminação. Desse modo, a partir dos preceitos gerais que vedam qualquer forma de discriminação para efeitos de acesso ou manutenção da relação de emprego, situações específicas relativas à discriminação contra portadores de doenças graves, entre elas o HIV e a AIDS, passaram a ser disciplinadas pela via jurisprudencial. Registre-se, a este respeito, nos termos do art. 8º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

[...]

‘Doenças sempre serviram para práticas discriminatórias’, como ensina Luiz Otávio Linhares Renault (2010. P. 118). A condição de ser portador de uma doença grave, muitas vezes incurável, acarreta um tratamento diferenciado, podendo provocar a segregação do doente do corpo social."

À luz de tal verbete, nesses casos, há inversão do ônus da prova e incumbe ao empregador comprovar ter havido outro motivo para a dispensa. Nesse sentido, se manifestou a referida autora no mesmo trabalho:

"No contexto brasileiro em que, como em geral se entende, não há, em princípio, proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, a rescisão do contrato de trabalho pode ser feita pelo empregador sem qualquer justificativa, mediante o pagamento das verbas rescisórias correspondentes a esta modalidade de dispensa.

Entretanto, como ressalta Luís Felipe Lopes Boson: ‘Fica, com efeito, difícil para o empregado demonstrar que sua doença foi a causa (encoberta) da dispensa. Já o empregador sempre pode justificar eventual outro motivo para a rescisão’ (2010. P. 273).

Assim, a presunção estabelecida serve para atribuir ao empregador o ônus da prova da licitude da dispensa. Dessa forma, no bojo de reclamação trabalhista em que se discuta o caráter discriminatório da dispensa, cabe ao empregador demonstrar os motivos - lícitos - que levaram à rescisão do contrato de trabalho. Cumpre ressaltar que não há que se falar de hipóteses de justa causa previstas no art. 482 da CLT, mas sim de razões objetivas de caráter disciplinar, técnico, econômico ou financeiro que tornaram necessária a dispensa do trabalhador.

Nestes termos, incumbe ao empregador o ônus de alegar e provar, no curso da instrução processual, a ocorrência de fatos e de circunstâncias que permitam ao juiz da causa concluir que a doença do empregado não foi o motivo determinante da rescisão de seu contrato de trabalho sem justo motivo e, sim, outras razões consideradas razoáveis, plausíveis e socialmente aceitáveis." (p. 137)

Ou seja, cabe ao empregador demonstrar que não houve motivação direta ou indireta com a enfermidade que o empregado apresenta ou que a causa da dispensa foi legítima e deve fazê-lo mediante prova insofismável, diante da presunção que se apresenta favorável à tese obreira. Essa prova, contudo, não consta nos autos.

No caso, o quadro fático consignado no acórdão regional revela que a autora foi diagnosticada com câncer de mama em 2015, tendo obtido, judicialmente, naquela época, sua reintegração no emprego e que, por ocasião da segunda dispensa, permanecia em tratamento mesmo após a cirurgia, submetendo-se a terapia hormonal adjuvante até 2021 para, de forma sistêmica, evitar a recidiva do câncer.

Consta, ainda, do acórdão regional que a autora obteve rendimento insatisfatório, conforme avaliação de desempenho de 2018, motivo assinalado pela ré para justificar a nova dispensa.

Não há, na hipótese, elemento hábil o suficiente a afastar a presunção de discriminação. Ao contrário, atesta a sua ocorrência, uma vez que a ré utilizou-se de uma única avaliação de desempenho insuficiente para motivar a dispensa da autora, realizada em momento em que ainda se encontrava em tratamento hormonal com oncologista para evitar a recidiva do câncer, situação da vida em que é esperada a ocorrência de variações no desempenho de qualquer pessoa, se comparado ao resultado alcançado por indivíduos sadios, ou mesmo ao apresentado pela própria empregada em avaliações anteriores ao diagnóstico.

Consoante é por todos sabido, até por ciência comum – e também está consignado no acórdão regional –, a cura do câncer não ocorre de modo instantâneo. Ao contrário, envolve tratamento prolongado, no mais das vezes com cirurgia para remoção do espaço cancerígeno, das células cancerígenas, e perdura durante vários anos, inclusive, até que a pessoa seja considerada curada da doença.. No presente caso, a Corte Regional consignou, com a vênia da Egrégia Turma, que a autora encontrava-se em tratamento dessa enfermidade, fato esse não controvertido nos autos, sendo que o motivo da dispensa foi uma única avaliação, em 2018, quando ela já estava doente, para justificar o suposto mau desempenho.

Ora, se a empresa tinha ciência de que a reclamante necessitaria de tratamento médico até 2021 e da gravidade da doença diagnosticada, não é razoável exigir ou esperar que a empregada obtivesse a mesma média de desempenho dos demais integrantes da carreira ou das suas avaliações pretéritas.

Isso porque, para além do abatimento psicológico decorrente do quadro de uma doença dessa natureza, são esperadas, entre outras consequências, a natural redução de produtividade, bem como a ocorrência de faltas ao serviço para realização do tratamento, as quais, embora justificadas, podem incomodar alguns empregadores, que se inclina a praticar o despedimento ilegítimo do enfermo, lamentavelmente. E é rigorosamente essa a situação que se pretende evitar, pois é nesse momento de maior vulnerabilidade do trabalhador e da trabalhadora que deve incidir a proteção outorgada pela lei e reafirmada pela jurisprudência desta Corte.

Impende salientar, por sua vez, que não há que se exigir a contemporaneidade da doença para o exame, em juízo, da dispensa discriminatória. Na verdade, o ponto fundamental a ser analisado é a prática do ato demissional em razão da doença discriminatória, ainda que pretérita.

Causa perplexidade também a recidiva do comportamento da ré. Ora, a empregada foi reintegrada a primeira vez, por ter havido anterior dispensa discriminatória; uma vez reintegrada, continuou em tratamento, momento em que novamente foi dispensada, agora sob a alegação de baixo desempenho. Diante de tal encadeamento de fatos, constata-se a recorrência na conduta discriminatória da empresa, considerando que ficou demonstrado o fato de a doença continuar existindo.

Não se pode perder de vista, ainda, que condutas discriminatórias quase nunca acontecem às escâncaras, de maneira franca. Elas quase sempre ocorrem no recôndito de algum ambiente em que podem parecer disfarçadas, dissimuladas. Nesse contexto, robustece a necessidade de atribuição do encargo probatório ao suposto violador de direitos da personalidade sempre que há indícios factuais de que essa violação tenha ocorrido, na linha do que dispõe a Súmula nº 443 desta Corte.

Ressalte-se que o exercício da atividade econômica, premissa legitimada em um sistema capitalista de produção, está condicionado pelo artigo 170 da Constituição à observância dos princípios nele enumerados, entre os quais se incluem a valorização do trabalho humano, a existência digna, de acordo com a justiça social (caput) e a função social da propriedade (inciso III), este último perfeitamente lido como função social da empresa.

Ademais, estabelece vínculo direto e indissociável com os princípios contidos no artigo 1º da Constituição que fundamentam o Estado Democrático de Direito, entre os quais se incluem os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (inciso IV), sem se falar na dignidade da pessoa humana (inciso III), princípio vetor de todo sistema jurídico brasileiro.

Denominados princípios políticos constitucionalmente conformadores ou princípios constitucionais fundamentais, caracterizam-se por explicitarem as valorações políticas fundamentais do legislador constituinte, condensarem as opções políticas nucleares e refletirem a ideologia dominante da constituição.

Significa afirmar, com base nesses princípios, a possibilidade de limitação do alegado direito potestativo de dispensa quando a ele se sobrepõe um bem jurídico relevante, protegido pela ordem jurídica, especialmente constitucional.

Em sintonia com os aludidos mandamentos constitucionais, a Lei nº 9.029/95 dispõe acerca da proibição da exigência de atestados de gravidez e esterilização, e outras práticas discriminatórias, para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho.

Em seu artigo 1º, estabelece que "fica proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, ressalvadas, neste caso, as hipóteses de proteção ao menor previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal." (destaquei).

O rol de condutas discriminatórias a que se refere o citado dispositivo é meramente exemplificativo. Nesse sentido são os seguintes precedentes do TST:

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. ACIDENTE DE TRABALHO. DISPENSA NO CURSO DO PERÍODO DE ESTABILIDADE. DISCRIMINAÇÃO. LEI N. 9.029/95. REEXAME DE FATOS E PROVAS. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 126 DO TST. DESPROVIMENTO. O rol de práticas discriminatórias previsto na Lei n. 9.029/95 não é exaustivo, podendo condutas empresariais ali não previstas ser assim considerados. Contudo, na hipótese, o acórdão regional consignou que a rescisão contratual ocorreu meramente pelo advento do termo final do contrato de experiência, embora o Autor estivesse afastado do trabalho, percebendo auxílio-doença acidentário, conduta que não é, por si só, passível de enquadramento como discriminatória, pois não viola a dignidade ou intimidade do trabalhador. Assim, é irretocável a decisão agravada que denegou seguimento ao recurso de revista porque a análise do apelo demanda o reexame de fatos e de provas, em total contrariedade à diretriz contida na Súmula n. 126 deste Tribunal Superior. Agravo de instrumento a que se nega provimento." (AIRR-1226-36.2012.5.04.0017, Relator Desembargador Convocado Tarcísio Régis Valente, 5ª Turma, DEJT 15/05/2015);

"[...]. RECURSO DE REVISTA. PROFESSOR EDITOR ACOMETIDO DE ESCLEROSE MÚLTIPLA. CIÊNCIA DO EMPREGADOR. DISPENSA ARBITRÁRIA RECONHECIDA. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA CARACTERIZADA. PAGAMENTO EM DOBRO DA INDENIZAÇÃO PREVISTA NA LEI 9.029/95 DEVIDO. Trata-se de empregado acometido de esclerose múltipla, cuja dispensa foi reconhecida como arbitrária e obstativa do direito à estabilidade, mas não discriminatória. O Tribunal Regional julgou procedente o pagamento equivalente aos salários desde a dispensa até o trânsito em julgado por entender que a discriminação não foi cabalmente demonstrada, ou, como expresso no acórdão regional: ‘...não houve prova cabal de que foi despedido em razão da doença’. Contudo, tal entendimento contraria o disposto na primeira parte da Súmula 443 desta Corte, visto que é evidente que a dispensa se deu em razão da doença, tanto que reconhecido que a despedida foi arbitrária e obstativa da estabilidade assegurada em norma coletiva para os empregados ‘...acometidos por doenças graves e incuráveis...’, resultando, portanto, discriminatória a despedida por conferir tratamento injusto ao empregado em razão do seu estado como pessoa natural. Desse modo, tomando-se que o conceito de ‘estado civil’ não está limitado ao ‘estado de família de uma pessoa’, pois envolve os seus atributos individuais capazes de lhe definir uma situação jurídica com direitos e deveres e considerando o arcabouço constitucional (v.g., arts. 1º, III e 3º, IV, da Constituição Federal) e legal brasileiro que vedam toda e qualquer forma de discriminação, vedação ressaltada no caput do artigo 1º da Lei 9.029/95 (‘Fica proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de... estado civil...’), não há como afastar o direito à dobra da indenização relativa ao período de afastamento prevista no artigo 4º do mesmo diploma legal, uma vez caracterizada a dispensa discriminatória em razão da condição pessoal do empregado portador de doença estigmatizante que o coloca em posição jurídica do dever de proteção por toda a sociedade, incluindo o empregador. Recurso de revista conhecido por contrariedade à Súmula 443 do TST e provido. [...]." (RR-90500-33.2002.5.02.0044, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, 3ª Turma, DEJT 06/02/2015);

"[...]. DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. INDENIZAÇÃO PREVISTA NA LEI Nº 9.029/95. DANO MATERIAL. Restou caracterizada a dispensa discriminatória, por estar o reclamante acometido da doença hanseníase. A reclamada, ao alegar que teria dispensado o obreiro, por necessidade de redução do seu quadro, atraiu para si o ônus probatório, do qual não se desincumbiu. Por outro lado, esta Corte tem entendido que o rol previsto no artigo 1º da lei nº 9.029/95 é meramente exemplificativo. Precedentes. Recurso de revista não conhecido. [...]." (RR-523-79.2012.5.08.0119, Relator Ministro Emmanoel Pereira, 5ª Turma, DEJT 03/05/2013);

"RECURSO DE REVISTA. REINTEGRAÇÃO NO EMPREGO. DISPENSA ARBITRÁRIA. TRABALHADOR PORTADOR DE ESQUIZOFRENIA. 1. O sistema jurídico pátrio consagra a despedida sem justa causa como direito potestativo do empregador, o qual, todavia, não é absoluto, encontrando limites, dentre outros, no princípio da não discriminação, com assento constitucional. A motivação discriminatória na voluntas que precede a dispensa implica a ilicitude desta, pelo abuso que traduz, a viciar o ato, eivando-o de nulidade. 2. A proteção do empregado contra discriminação, independente de qual seja sua causa, emana dos pilares insculpidos na Constituição da República Federativa do Brasil, notadamente os arts. 1º, III e IV, 3º, IV, 5º, caput e XLI, e 7º, XXX. 3. Acerca da dignidade da pessoa humana, destaca Ingo Wolfgang Sarlet, em sua obra -Eficácia dos Direitos Fundamentais- (São Paulo: Ed. Livraria do Advogado, 2001, pp. 110-1), que -constitui pressuposto essencial para o respeito da dignidade da pessoa humana a garantia da isonomia de todos os seres humanos, que não podem ser submetidos a tratamento discriminatório e arbitrário, razão pela qual são intoleráveis a escravidão, a discriminação racial, perseguição em virtude de motivos religiosos, etc. (...). O que se percebe, em última análise, é que onde não houver respeito pela vida e pela integridade física do ser humano, onde as condições mínimas para uma existência digna não forem asseguradas, onde a intimidade e identidade do indivíduo forem objeto de ingerências indevidas, onde sua igualdade relativamente aos demais não for garantida, bem como onde não houver limitação do poder, não haverá espaço para a dignidade da pessoa humana, e esta não passará de mero objeto de arbítrio e injustiças-. 4. O exercício do direito potestativo de denúncia vazia do contrato de trabalho sofre limites, igualmente, pelo princípio da proteção da relação de emprego contra despedida arbitrária, erigido no art. 7º, I, da Constituição - embora ainda não regulamentado, mas dotado de eficácia normativa -, e pelo princípio da função social da propriedade, conforme art. 170, III, da Lei Maior. 5. Na espécie, é de se sopesar, igualmente, o art. 196 da Carta Magna, que consagra a saúde como -direito de todos e dever do Estado-, impondo a adoção de políticas sociais que visem à redução de agravos ao doente. 6. Nesse quadro, e à luz do art. 8º, caput, da CLT, justifica-se hermenêutica ampliativa da Lei 9.029/95, cujo conteúdo pretende concretizar o preceito constitucional da não-discriminação no tocante ao estabelecimento e continuidade do pacto laboral. O art. 1º do diploma legal proíbe a adoção de qualquer prática discriminatória para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção. Não obstante enumere certas modalidades de práticas discriminatórias, em razão de sexo, origem, raça, cor, estado-civil, situação familiar ou idade, o rol não pode ser considerado numerus clausus, cabendo a integração pelo intérprete, ao se defrontar com a emergência de novas formas de discriminação. 7. De se observar que aos padrões tradicionais de discriminação, como os baseados no sexo, na raça ou na religião, práticas ainda disseminadas apesar de há muito conhecidas e combatidas, vieram a se somar novas formas de discriminação, fruto das profundas transformações das relações sociais ocorridas nos últimos anos, e que se voltam contra portadores de determinadas moléstias, dependentes químicos, homossexuais e, até mesmo, indivíduos que adotam estilos de vida considerados pouco saudáveis. Essas formas de tratamento diferenciado começam a ser identificadas à medida que se alastram, e representam desafios emergentes a demandar esforços com vistas à sua contenção. 8. A edição da Lei 9.029/95 é decorrência não apenas dos princípios embasadores da Constituição Cidadã, mas também de importantes tratados internacionais sobre a matéria, como as Convenções 111 e 117 e a Declaração sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, de 1998, todas da OIT. 9. O arcabouço jurídico sedimentado em torno da matéria deve ser considerado, outrossim, sob a ótica da eficácia horizontal dos direitos fundamentais, como limitação negativa da autonomia privada, sob pena de ter esvaziado seu conteúdo deontológico. 10. A distribuição do ônus da prova, em tais casos, acaba por sofrer matizações, à luz dos arts. 818 da CLT e 333 do CPC, tendo em vista a aptidão para a produção probatória, a possibilidade de inversão do encargo e de aplicação de presunção relativa. 11. In casu, restou consignado na decisão regional que a reclamada tinha ciência da doença de que era acometido o autor - esquizofrenia - e dispensou-o pouco tempo depois de um período de licença médica para tratamento de desintoxicação de substâncias psicoativas, embora, no momento da dispensa, não fossem evidentes os sintomas da enfermidade. É de se presumir, dessa maneira, discriminatório o despedimento do reclamante. Como consequência, o empregador é que haveria de demonstrar que a dispensa foi determinada por motivo outro que não a circunstância de ser o empregado portador de doença grave. A dispensa discriminatória, na linha da decisão regional, caracteriza abuso de direito, à luz do art. 187 do Código Civil, a teor do qual o exercício do direito potestativo à denúncia vazia do contrato de trabalho, como o de qualquer outro direito, não pode exceder os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. 12. Mais que isso, é de se ponderar que o exercício de uma atividade laboral é aspecto relevante no tratamento do paciente portador de doença grave e a manutenção do vínculo empregatício, por parte do empregador, deve ser entendida como expressão da função social da empresa e da propriedade, sendo, até mesmo, prescindível averiguar o animus discriminatório da dispensa. 13. Ilesos os arts. 5º, II - este inclusive não passível de violação direta e literal, na hipótese -, e 7º, I, da Constituição da República, 818 da CLT e 333, I, do CPC. 14. Precedentes desta Corte. Revista não conhecida, no tema. [...]." (RR-105500-32.2008.5.04.0101, Redatora Ministra Rosa Maria Weber, 3ª Turma, DEJT 05/08/2011).

Agregam-se, como fundamentos determinantes: a) o direito potestativo de dispensa reconhecido ao empregador não autoriza a prática de despedidas discriminatórias; b) o rol de condutas caracterizadoras da discriminação, contido no artigo 1º da Lei nº 9.029/1995, é meramente exemplificativo; c) a proibição da prática discriminatória no emprego tem fundamento no inciso XXX do art. 7º da CF/1988, nas Convenções nos 111 e 117 da OIT e na Lei nº 9.029/1995; d) a despedida pode ser autorizada se amparada em razões que evidenciem as denominadas justas causas empresariais, a exemplo daquelas previstas no artigo 165 da CLT (motivo disciplinar, técnico, econômico ou financeiro).

A Súmula nº 443 do TST foi editada à luz desse arcabouço jurídico. Assim, a melhor interpretação que se faz dela é justamente a que se coaduna com as normas referidas e a ponderação que deve existir entre valores igualmente consagrados no âmbito constitucional.

A esse propósito, invoco a doutrina do Ministro Luís Roberto Barroso:

"(...) a interpretação constitucional viu-se na contingência de desenvolver técnicas capazes de produzir uma solução dotada de racionalidade e de controlabilidade diante de normas que entrem em rota de colisão. O raciocínio a ser desenvolvido nessas situações há de ter uma estrutura diversa, que seja capaz de operar multidirecionalmente, em busca da regra concreta que vai reger a espécie. Os múltiplos elementos em jogo serão considerados na medida de sua importância e pertinência para o caso concreto. A subsunção é um quadro geométrico, com três cores distintas e nítidas. A ponderação é uma pintura moderna, com inúmeras cores sobrepostas, algumas se destacando mais do que outras, mas formando uma unidade estética." (Curso de direito constitucional contemporâneo. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 362).

Na situação em concreto, consoante as premissas já destacadas, feita a ponderação entre os princípios que garantem a livre iniciativa e o desenvolvimento econômico e aqueles que tutelam o trabalho, prevalecem estes últimos, como diretriz de interpretação do verbete em discussão.

Ante o exposto, a Egrégia Turma, ao concluir que os elementos fático-probatórios consignados pelo Tribunal Regional militariam em favor da tese defensiva e por si só afastariam eventual presunção da dispensa discriminatória em razão da doença grave de que a reclamante é portadora (neoplasia de mama), aplicou mal o entendimento contido na Súmula nº 443 desta Corte, razão pela qual conheço do recurso de embargos.

MÉRITO

A consequência do conhecimento do apelo, por má aplicação da Súmula nº 443 desta Corte, é o seu provimento para restabelecer o acórdão regional e devolver os autos à Turma de origem a fim de que aprecie as matérias prejudicadas no recurso de revista da ré, como entender de direito.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, por maioria, vencidos o Exmo. Ministro Alexandre Luiz Ramos as Exmas. Ministras Maria Cristina Irigoyen Peduzzi e Dora Maria da Costa, conhecer do recurso de embargos, por má aplicação da Súmula nº 443 desta Corte, e, no mérito, dar-lhe provimento para restabelecer o acórdão regional, inclusive quanto à antecipação de tutela, aos honorários advocatícios e ao valor dado à causa, e devolver os autos à Turma de origem a fim de que aprecie as matérias prejudicadas no recurso de revista da ré, como entender de direito. Custas, em reversão, pela ré.

Brasília, 24 de fevereiro de 2022.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

CLÁUDIO BRANDÃO

Ministro Relator

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