Data da publicação:
Acordão - TST
Alexandre de Souza Agra Belmonte - TST
EXECUÇÃO. SUSPENSÃO DO CUMPRIMENTO DO ACORDO HOMOLOGADO JUDICIALMENTE, EM FACE DA GRAVE CRISE ECONÔMICA. PANDEMIA DO NOVO CORONAVÍRUS. VIOLAÇÃO À COISA JULGADA.
I - AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO DO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. EXECUÇÃO. SUSPENSÃO DO CUMPRIMENTO DO ACORDO HOMOLOGADO JUDICIALMENTE, EM FACE DA GRAVE CRISE ECONÔMICA. PANDEMIA DO NOVO CORONAVÍRUS. VIOLAÇÃO À COISA JULGADA. Em face de possível violação do art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, dá-se provimento ao agravo de instrumento, para melhor exame do recurso de revista. Agravo de instrumento conhecido e provido.
II - RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO DO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. EXECUÇÃO. SUSPENSÃO DO CUMPRIMENTO DO ACORDO HOMOLOGADO JUDICIALMENTE, EM FACE DA GRAVE CRISE ECONÔMICA. PANDEMIA DO NOVO CORONAVÍRUS. VIOLAÇÃO À COISA JULGADA. A Corte Regional determinou a suspensão do pagamento das 9ª e 10ª parcelas, formulada pela executada, amparada nos impactos econômicos advindos da pandemia da Covid-19, pelo prazo de 90 dias, contados do requerimento formulado em 25/3/2020. A pandemia gerada ensejou impactos inimagináveis em toda a sociedade e, em especial, nas atividades produtivas, com consequências nas relações de trabalho. Sem receita em decorrência da paralisação de negócios, não há como cumprir obrigações. Sob tal perspectiva, diante da excepcionalidade de uma realidade transformada, há sempre a necessidade da intervenção estatal, tanto na esfera legislativa quanto na judiciária, cada um sob seu enfoque e no seu limite de atuação. Editada sob os impactos da Segunda Guerra Mundial e distanciando-se da solução prevista pelo Código Civil de 1916, a CLT deu aos fortuitos humano e natural contornos próprios para situações duradouras: possibilidade de rompimento contratual parcialmente oneroso ou possibilidade de redução salarial de 25%, com manutenção do contrato. A CLT define "força maior", que é o acontecimento inevitável em relação à vontade do empregador, para o qual não tenha concorrido, ainda que de maneira indireta, mas que seja suscetível de afetar a situação econômica e financeira da empresa (art. 501, caput, e §§1º e 2º, da CLT). O próprio Tribunal Superior do Trabalho, em diversos julgados, já se manifestou no sentido de que não pode ser configurado como força maior o evento que está inserido nos riscos do empreendimento, diante do que dispõe o art. 2º, caput, da CLT. Dessa forma, evento extraordinário é aquele que impossibilita, por si só, o cumprimento da obrigação trabalhista, sem que haja meios de o empregador evitar ou impedir seus efeitos e sem que tenha a ele dado causa, ainda que indiretamente. Com base nesses conceitos, pode-se extrair que a situação de grave crise econômica gerada pela pandemia do novo coronavírus ao empresariado brasileiro, que da noite para o dia teve que paralisar suas atividades, ou mesmo sem a paralisação, teve redução significativa nos seus ganhos em face da diminuição da procura por produtos e serviços, foi por lei considerada um evento de força maior. Saliente-se que a manutenção das atividades das empresas privadas e do pleno emprego são os dois postulados mais importantes da ordem econômica de uma Nação democrática e pluralista como o Brasil. Nos momentos de grave crise econômica é conveniente assegurar a liberdade econômica das empresas, a fim de se garantir esses postulados, com medidas de flexibilização ajustadas ao caráter protetivo das leis trabalhistas, em prol de uma adaptação à realidade momentânea provocada pela crise econômica, dentro, é claro, dos limites constitucionais de proteção dos trabalhadores (art. 7º da Constituição Federal). Atento a essa nova realidade, o Governo Federal, em decorrência do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, editou a Medida Provisória nº 927, de 22 de março de 2020 (vigorou até 20/7/2020), que traçou medidas alternativas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública decorrente do coronavírus (covid-19) para preservação do emprego e da renda. No Parágrafo Único do art. 1º da referida Medida Provisória, foi expressamente reconhecida, para fins trabalhistas, a hipótese de força maior. O instituto, conforme dispõe o art. 501 da CLT, contém um elemento objetivo (inevitabilidade do contágio do coronavírus) e outro subjetivo (ausência de culpa por imprevidência do empregador no tocante à sua causa). No caso dos autos, é indene de dúvida que a notória pandemia afetou a intensidade dos serviços prestados pela reclamada, que atua no ramo de transporte urbano de passageiros na cidade de Belo Horizonte. E, apesar de no Decreto Federal 10.282, de 20 de março de 2020 (que Regulamenta a Lei nº 13.979/20, para definir os serviços públicos e as atividades essenciais), no seu art. 3º, § 1º, XLIV, constar o transporte de passageiros em estradas e rodovias, como atividade essencial, algumas circunstâncias decorrentes da pandemia geraram uma diminuição significativa da demanda por essa atividade, que resultaram desde o isolamento, com fechamento de empresas ou paralisação parcial, até a diminuição do fluxo de passageiros decorrente do teletrabalho. Esse evento inesperado (a pandemia) alterou de forma significativa o equilíbrio da prestação à qual a empresa se obrigou, tornando o pactuado, muitas vezes, impossível de ser cumprido naquele momento, sem o comprometimento de outras obrigações trabalhistas e fiscais, a ponto de aproximar, nas relações de trabalho, tamanho o impacto, a teoria do fortuito com a da imprevisão na busca de soluções de enfrentamento. As circunstâncias que ditaram o ajuste foram substancialmente alteradas. Assim como quem paga pensão alimentícia, é despedido e não encontra emprego, não tem como arcar com o valor a que se obrigou judicialmente. São vários os dispositivos legais, civis, trabalhistas e processuais que, com base na força maior e na imprevisão, dão suporte a essa conclusão: arts. 317, 413, 478 a 480 do Código Civil; 873 da CLT; e 505, I, do CPC, sem falar na Lei nº 14.010/2020, que suspendeu, entre outras providências, até mesmo prazos prescricionais e decadenciais, liminares para desocupação de imóveis. Num primeiro momento, parece que a suspensão temporária do cumprimento do acordo judicial, como no caso, não implica o descumprimento da coisa julgada, ajustada em circunstância de uma imprevista pandemia com os efeitos não vislumbrados pelas partes, mas apenas moldada à realidade das condições de cumprimento em face da ocorrência de motivo justificado (força maior), devidamente acolhido pelo arcabouço jurídico. Porém, se de um lado está a sobrevivência da empresa geradora de empregos, do outro, o direito que se pretende ver acobertado pela res judicata, que se caracteriza por prestações sucessivas, de caráter alimentar e essencial, muitas vezes representa a única fonte de sustento do trabalhador e de sua família. Logo, embora a medida decretada pelo Regional para suspensão pelo prazo de 90 (noventa dias) do cumprimento do acordo judicial se coaduna com o os princípios da manutenção das atividades das empresas privadas e do pleno emprego, por outro, a impossibilidade de cumprimento da obrigação em razão da pandemia há que ser real, exclusiva e estar demonstrada nos autos. A mera alegação das teorias da imprevisão ou da onerosidade excessiva fundada em argumentação da crise sanitária, por si só, não é motivo justificador de pedido de revisão do acordo judicial homologado. No caso, não constatada a impossibilidade insuperável de cumprimento do acordo pelo devedor e os efeitos econômicos da pandemia, não há justificativa para a suspensão do acordo, incorrendo, pois, a decisão do regional em violação à coisa julgada. Considerando-se a circunstância dos autos, no sentido de que houve atraso no pagamento das duas últimas parcelas do acordo, no importe de R$8.000,00 cada uma, e que a jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de permitir a adequação do valor da cláusula penal, quando reputada excessiva diante do conjunto probatório dos autos, nos termos do art. 413 do CCB, é proporcional e razoável reduzir-se a multa entabulada no acordo, especificamente para o período em que o acordo sofreu a suspensão, para o percentual de 25% sobre o valor de cada parcela em atraso, ao invés de 50% (previsto no acordo) sobre o valor da parcela e do saldo remanescente. Recurso de revista conhecido, por violação do art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal e parcialmente provido. (TST-RR-10761-29.2015.5.03.0108, 3ª Turma, rel. Min. Alexandre de Souza Agra Belmonte, julgado em 16/2/2022).
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-10761-29.2015.5.03.0108, em que é Recorrente VIAÇÃO GLOBO LTDA. e é Recorrido RAFAEL DE CARVALHO FILHO.
Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo reclamante, em face da r. decisão monocrática que negou seguimento ao seu recurso de revista.
Sem contraminuta.
É o relatório.
V O T O
I – AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA
1 - CONHECIMENTO
Satisfeitos os pressupostos de admissibilidade do agravo de instrumento, dele conheço.
2 – MÉRITO
2.1 - EXECUÇÃO. SUSPENSÃO DO CUMPRIMENTO DO ACORDO HOMOLOGADO EM JUÍZO.
A r. decisão monocrática que negou seguimento ao recurso de revista está assim fundamentada:
Recurso de: RAFAEL DE CARVALHO FILHO
(...)
PRESSUPOSTOS INTRÍNSECOS DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO / FORMAÇÃO, SUSPENSÃO E EXTINÇÃO DO PROCESSO / COISA JULGADA.
Trata-se de recurso de revista interposto contra decisão proferida em execução, a exigir o exame da sua admissibilidade, exclusivamente, sob o ângulo de possível ofensa à Constituição da República, conforme Num. 37200a8 - Pág. 1 previsão expressa no §2º do art. 896 da CLT.
Analisados os fundamentos do acórdão, constato que o recurso, em seu tema e desdobramentos, não demonstra violação literal e direta de qualquer dispositivo da CR, como exige o preceito supra.
Inviável o seguimento do recurso, diante da decisão da Turma no seguinte sentido:
Cabível a suspensão temporária do cumprimento do acordo, visando a manutenção da saúde financeira da empresa e a possibilidade de, futuramente, seguir em condições de cumprir o acordado, como até então fizera, antes do início da pandemia e das medidas de isolamento social adotadas no município de Belo Horizonte.
Na interpretação sistemática do art. 831 com os artigos 8º e 501 da CLT, provejo o agravo de petição para determinar a suspensão do cumprimento do acordo homologado judicialmente (id. 9d713c5), pelo prazo de 90 (noventa) dias, contados do requerimento formulado em 25/03/2020."
Nesse contexto, fica afastada a violação do inciso XXXVI do art. 5º da CR, não havendo a suposta afronta ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito ou à coisa julgada.
CONCLUSÃO.
DENEGO seguimento ao recurso de revista. (págs. 813/814)
O reclamante, ora exequente, se insurge em face da negativa de seguimento do seu recurso de revista.
Alega que a decisão que determinou a suspensão da execução do acordo devidamente homologado em juízo viola a coisa julgada, na medida em que este equivale à decisão judicial e faz coisa julgada material, devendo ser cumprido sem nenhuma interrupção.
Salienta que, "ainda que reconhecida a anormalidade que estamos vivendo em decorrência do Novo Coronavírus, as execuções trabalhistas devem seguir o seu curso normal, inclusive procedendo-se às penhoras, uma vez que não houve nenhuma orientação a se observar quanto a eventual dificuldade financeira alegada pelos executados em decorrência da suposta diminuição das receitas provenientes da paralisação de diversas atividades econômicas." (pág. 825)
Indica violação dos arts. 5º, XXXVI, da Constituição Federal e 831 e 836 da CLT, além de contrariedade à Súmula nº 100, V, do TST.
Ao exame.
A lide versa sobre a suspensão do cumprimento do acordo homologado judicialmente, em face da grave crise econômica que assola o país, decorrente da pandemia do novo coronavírus.
A Corte Regional determinou a suspensão do pagamento das 9ª e 10ª parcelas, formulado pela Reclamada, amparado nos impactos econômicos advindos da pandemia da Covid-19, pelo prazo de 90 dias, contados do requerimento formulado em 25/3/2020.
A decisão do Regional, num primeiro momento parece violar o art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, razão pela qual, DOU PROVIMENTO ao agravo de instrumento, para melhor exame do recurso de revista.
II – RECURSO DE REVISTA
1 – CONHECIMENTO
Satisfeitos os pressupostos genéricos de admissibilidade do recurso de revista, passo ao exame dos específicos.
1.1 - EXECUÇÃO. SUSPENSÃO DO CUMPRIMENTO DO ACORDO HOMOLOGADO EM JUÍZO.
O reclamante, ora exequente, alega que a decisão que determinou a suspensão da execução do acordo devidamente homologado em juízo viola a coisa julgada, na medida em que este equivale à decisão judicial e faz coisa julgada material, devendo ser cumprido sem nenhuma interrupção.
Insiste que a situação de crise decorrente da pandemia do Novo Coronavírus não deve afetar as execuções trabalhistas, que devem seguir o seu curso normal.
Indica violação dos arts. 5º, XXXVI, da Constituição Federal e 831 e 836 da CLT, além de contrariedade à Súmula nº 100, V, do TST.
No seu recurso de revista o reclamante transcreveu o seguinte trecho do acórdão do Regional:
"É certo que, nos termos do art. 831 da CLT, o acordo homologado judicialmente vale como decisão irrecorrível, não podendo ser modificado, sob pena de ofensa à coisa julgada (Súmula 100, VI do TST). Mas pode o acordo ser corrigido, por erro de digitação ou cálculo (art. 833 da CLT), ou, em determinadas circunstâncias, atacado por ação rescisória (art. 836 da CLT e Súmula 259 do TST), evidenciadas possibilidades sem que isso afronte o art. 5º, XXXV da CRFB ou o princípio da segurança jurídica.
Por outro lado, o art. 501 do texto consolidado estabelece, como motivo de força maior, "todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização Referido instituto legal, de origem do qual este não concorreu direta ou indiretamente". No Direito Civil, está previsto na CLT, sem nenhuma alteração de redação, desde a criação da Consolidação pelo Decreto-Lei nº 5.452, em maio de 1943.
[...]
Na interpretação sistemática do art. 831 com os artigos 8º e 501 da CLT, provejo o agravo de petição para determinar a suspensão do cumprimento do acordo homologado judicialmente (id. 9d/13c5), pelo prazo de 90 (noventa) dias, contados do requerimento formulado em 25/03/2020." (pág. 807)
Ao exame.
Ressalte-se, inicialmente, que o processo está em fase de execução, razão pela qual, nos termos do art. 896, § 2º, da CLT c/c a Súmula 266/ do TST, o recurso de revista somente se viabiliza por violação direta da Constituição Federal. Logo, não há que se perquirir a alegada violação dos arts. 831 e 836 da CLT, além de contrariedade à Súmula nº 100, V, do TST.
A lide versa sobre a suspensão do cumprimento do acordo homologado judicialmente, em face da grave crise econômica que assola o país, decorrente da pandemia do novo coronavírus.
A Corte Regional determinou a suspensão do pagamento das 9ª e 10ª parcelas, formulado pela Reclamada, amparado nos impactos econômicos advindos da pandemia da Covid-19, pelo prazo de 90 dias, contados do requerimento formulado em 25/3/2020.
Num primeiro momento, a insurgência do reclamante quanto à decisão recorrida, posta no presente recurso de revista, parece ter perdido o objeto, na medida em que o prazo de 90 dias de suspensão expirou em 24/6/2020. Ocorre, porém, que a referida suspensão, caso reconhecida a sua ilegalidade, mesmo que expirado o prazo, é passível de ter gerado outros efeitos, tal como a incidência de multa pelo descumprimento do prazo para pagamento das parcelas do referido acordo.
Dessa forma, convém analisar a legalidade da suspensão do cumprimento do acordo homologado judicialmente.
A pandemia gerada pelo novo coronavírus ensejou impactos inimagináveis em toda a sociedade, em especial nas relações de trabalho e nas obrigações dela decorrentes. Sem receita em decorrência da paralisação de negócios, não há como cumprir obrigações.
Sob tal perspectiva, diante da excepcionalidade de uma realidade transformada, há sempre a necessidade da intervenção estatal, tanto na esfera legislativa quanto na judiciária, cada um sob seu enfoque e no seu limite de atuação.
Editada sob os impactos da Segunda Guerra Mundial e distanciando-se da solução prevista pelo Código Civil de 1916, a CLT deu aos fortuitos humano e natural contornos próprios para situações duradouras: possibilidade de rompimento contratual parcialmente oneroso ou possibilidade de redução salarial de 25%, com manutenção do contrato.
A CLT define "força maior", que é o acontecimento inevitável em relação à vontade do empregador, para o qual não tenha concorrido, ainda que de maneira indireta, mas que seja suscetível de afetar a situação econômica e financeira da empresa (art. 501, caput, e §§1º e 2º, da CLT).
Segundo José Augusto Rodrigues Pinto e Rodolfo Pamplona Filho, "força maior é o fato jurídico, stricto sensu, extraordinário ou irresistível, por ser originário da natureza, que produz prejuízo" (PINTO, José Augusto Rodrigues; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Repertório de conceitos trabalhistas. v.I. Direitos individuais. São Paulo: LTr, 2000, p. 290).
O próprio Tribunal Superior do Trabalho, em diversos julgados, já se manifestou no sentido de que não pode ser configurado como força maior o evento que está inserido nos riscos do empreendimento, diante do que dispõe o art. 2º, caput, da CLT. Dessa forma, evento extraordinário é aquele que impossibilita, por si só, o cumprimento da obrigação trabalhista, sem que haja meios de o empregador evitar ou impedir seus efeitos e sem que tenha a ele dado causa, ainda que indiretamente.
Com base nesses conceitos, pode-se extrair que a situação de grave crise econômica gerada pela pandemia do novo coronavírus ao empresariado brasileiro, que da noite para o dia teve que paralisar suas atividades, ou mesmo sem a paralisação, teve redução significativa nos seus ganhos em face da diminuição da procura por produtos e serviços, foi por lei considerada um evento de força maior.
Saliente-se que a manutenção das atividades das empresas privadas e do pleno emprego são os dois postulados mais importantes da ordem econômica de uma Nação democrática e pluralista como o Brasil. Nos momentos de grave crise econômica é conveniente assegurar a liberdade econômica das empresas, a fim de se garantir esses postulados, com medidas de flexibilização ajustadas ao caráter protetivo das leis trabalhistas, em prol de uma adaptação à realidade momentânea provocada pela crise econômica, dentro, é claro, dos limites constitucionais de proteção dos trabalhadores (art. 7º da Constituição Federal).
Atento a essa nova realidade, o Governo Federal, em decorrência do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, editou a Medida Provisória nº 927, de 22 de março de 2020 (vigorou até 20/7/2020), que traçou medidas alternativas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública decorrente do coronavírus (covid-19) para preservação do emprego e da renda.
No Parágrafo Único do art. 1º da referida Medida Provisória, foi expressamente reconhecida, para fins trabalhistas, a hipótese de força maior.
Confira-se:
Art. 1º (...)
Parágrafo único. O disposto nesta Medida Provisória se aplica durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 2020,e, para fins trabalhistas, constitui hipótese de força maior, nos termos do disposto no art. 501 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.
O instituto, conforme dispõe o art. 501 da CLT, contém um elemento objetivo (inevitabilidade do contágio do coronavírus) e outro subjetivo (ausência de culpa por imprevidência do empregador no tocante à sua causa).
No caso dos autos, é indene de dúvida que a notória pandemia afetou a intensidade dos serviços prestados pela reclamada, que atua no ramo de transporte urbano de passageiros na cidade de Belo Horizonte. E, apesar de no Decreto Federal 10.282, de 20 de março de 2020 (que Regulamenta a Lei nº 13.979/20, para definir os serviços públicos e as atividades essenciais), no seu art. 3º, § 1º, XLIV, constar o transporte de passageiros em estradas e rodovias, como atividade essencial, algumas circunstâncias decorrentes da pandemia geraram uma diminuição significativa da demanda por essa atividade, que resultaram desde o isolamento, com fechamento de empresas ou paralisação parcial, até a diminuição do fluxo de passageiros decorrente do teletrabalho.
Esse evento inesperado (a pandemia) alterou de forma significativa o equilíbrio da prestação à qual a empresa se obrigou, tornando o pactuado, muitas vezes, impossível de ser cumprido naquele momento, sem o comprometimento de outras obrigações trabalhistas e fiscais, a ponto de aproximar, nas relações de trabalho, tamanho o impacto, a teoria do fortuito com a da imprevisão na busca de soluções de enfrentamento.
As circunstâncias que ditaram o ajuste foram substancialmente alteradas. Assim como quem paga pensão alimentícia, é despedido e não encontra emprego, não tem como arcar com o valor a que se obrigou judicialmente.
São vários os dispositivos legais, civis, trabalhistas e processuais que, com base na força maior e na imprevisão, dão suporte a essa conclusão: arts. 317, 413, 478 a 480 do Código Civil; 873 da CLT; e 505, I, do CPC, sem falar na Lei nº 14.010/2020, que suspendeu, entre outras providências, até mesmo prazos prescricionais e decadenciais, liminares para desocupação de imóveis.
Num primeiro momento, parece que a suspensão temporária do cumprimento do acordo judicial, como no caso, não implica o descumprimento da coisa julgada, ajustada em circunstância de uma imprevista pandemia com os efeitos não vislumbrados pelas partes, mas apenas moldada à realidade das condições de cumprimento em face da ocorrência de motivo justificado (força maior), devidamente acolhido pelo arcabouço jurídico.
Porém, se de um lado está a sobrevivência da empresa geradora de empregos, do outro, o direito que se pretende ver acobertado pela res judicata , que se caracteriza por prestações sucessivas, de caráter alimentar e essencial, muitas vezes representa a única fonte de sustento do trabalhador e de sua família.
Logo, embora a medida decretada pelo Regional para suspensão pelo prazo de 90 (noventa dias) do cumprimento do acordo judicial se coaduna com o os princípios da manutenção das atividades das empresas privadas e do pleno emprego, por outro, a impossibilidade de cumprimento da obrigação em razão da pandemia há que ser real, exclusiva e estar demonstrada nos autos.
A mera alegação das teorias da imprevisão ou da onerosidade excessiva fundada em argumentação da crise sanitária, por si só, não é motivo justificador de pedido de revisão do acordo judicial homologado.
No caso, não constatada a impossibilidade insuperável de cumprimento do acordo pelo devedor e os efeitos econômicos da pandemia, não há justificativa para a suspensão do acordo, incorrendo, pois, a decisão do regional em violação à coisa julgada.
Com estes fundamentos, CONHEÇO do recurso de revista, por violação do art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal.
2 – MÉRITO
2.1 - 2.1 - EXECUÇÃO. SUSPENSÃO DO CUMPRIMENTO DO ACORDO HOMOLOGADO EM JUÍZO.
Conhecido o recurso de revista por violação do art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, a consequência é o seu provimento. Considerando-se a circunstância dos autos, no sentido de que houve atraso no pagamento das duas últimas parcelas do acordo, no importe de R$8.000,00 cada uma, e que a jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de permitir a adequação do valor da cláusula penal, quando reputada excessiva diante do conjunto probatório dos autos, nos termos do art. 413 do CCB, é proporcional e razoável reduzir-se a multa entabulada no acordo, especificamente para o período em que o acordo sofreu a suspensão, para o percentual de 25% sobre o valor de cada parcela em atraso, ao invés de 50% (previsto no acordo) sobre o valor da parcela e do saldo remanescente.
Desta forma, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao recurso de revista do exequente, a fim de condenar a executada ao pagamento da multa por atraso no cumprimento das parcelas do acordo judicial, no percentual de 25%, sobre o valor de cada parcela em atraso.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade: I) conhecer e prover o agravo de instrumento, para melhor exame do recuso de revista e II) conhecer do recurso de revista por violação do art. 5º, XXXVI, da constituição Federal e, no mérito, dar-lhe parcial provimento, a fim de condenar a executada ao pagamento da multa por atraso no cumprimento das parcelas do acordo judicial, no percentual de 25%, sobre o valor de cada parcela em atraso.
Brasília, 16 de fevereiro de 2022.
Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)
ALEXANDRE AGRA BELMONTE
Ministro Relator
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