TRT 02/SP - INFORMATIVOS NOTÍCIAS e JURISPRUDÊNCIA 2023 0003 - 2023

Data da publicação:

Acordão - TRT

Wildner Izzi Pancheri - TRT/SP



DESCARACTERIZADA RELAÇÃO COOPERATIVISTA DE SUPOSTO TRABALHADOR COOPERADO QUE RECEBIA VALORES MUITO INFERIORES AOS DOS DIRIGENTES.



PROCESSO nº 1000234-96.2022.5.02.0491 (AIRO)

AGRAVANTE: THAELIZE FERREIRA SANTANA

AGRAVADO: COOPERATIVA AÇÃO DE TRABALHO DOS PROFISSIONAIS EM EMPRESAS MERCANTIS COOPERATIVAÇÃO E SENDAS DISTRIBUIDORA S/A

REDATOR DESIGNADO: WILDNER IZZI PANCHERI

COOPERATIVA. VÍNCULO DE EMPREGO. A despeito da reclamante, formalmente ostentar a condição de cooperada, tal circunstância, por si só, não descaracteriza a relação empregatícia, uma vez que não se constata nos autos a existência da affectio societatis, elemento subjetivo próprio das sociedades, inexistindo a necessária comunhão de interesses para alcançar objetivos comuns, requisito essencial para implementar a condição de cooperado. Não há que se falar em cooperativismo quando ele surge como simples arregimentação de mão de obra, decorrendo da necessidade do trabalhador de encontrar meios para prover a própria subsistência, o que o impele a aceitar as condições impostas pela empresa, obrigando-o a filiar-se à cooperativa. Apelo da segunda reclamada ao qual se nega provimento. (TRT-SP-1000234-96.2022.5.02.0491, Wildner Izzi Pancheri, DEJT 27/01/2023)

Reproduzo o relatório da Exma. Des. Relatora.

Adoto o relatório da r. sentença de fls. 456/491, proferida pela 1ª Vara do Trabalho de Suzano, que julgou PROCEDENTE EM PARTE a presente reclamação trabalhista.

Recurso ordinário interposto pela segunda reclamada, Sendas Distribuidora S/A, às fls. 497/515, em que postula a reforma da r. sentença quanto ao reconhecimento de vínculo de emprego, multa do art. 477 da CLT, horas extras, concessão dos benefícios da Justiça Gratuita à reclamante e honorários advocatícios.

Recurso ordinário adesivo interposto pela primeira reclamada às fls. 524/532, em que se insurge contra o reconhecimento do vínculo de emprego com a segunda reclamada.

Recurso ordinário adesivo interposto pela reclamante às fls. 537/544, em que postula a condenação da ré ao pagamento de reflexos da ajuda de custo, o reconhecimento da rescisão indireta do contrato de trabalho, indenização por danos morais, devolução das contribuições previdenciárias e majoração dos honorários advocatícios.

Denegado seguimento ao recurso da reclamante, por intempestivo (fls. 545), interpôs a reclamante o Agravo de Instrumento de fls. 547/549, argumentando que o recurso foi interposto no prazo legal.

Não houve apresentação de contrarrazões ou contraminutas.

FUNDAMENTAÇÃO

Adoto como razões de decidir as deliberações da Exma. Des. Relatora, com que concordo, externando, especificamente, minha divergência, restrita a aplicação da multa cominada no art. 477, § 8º, da CLT.

Não conheço do recurso ordinário adesivo interposto pela primeira reclamada.

Com efeito, o recurso adesivo possui amparo no § 1º do artigo 997 do CPC (antigo artigo 500 CPC/73), que preceitua a possibilidade de, havendo sucumbência recíproca, "ao recurso interposto por qualquer deles poderá aderir o outro".

Desta forma, é condição intrínseca ao recurso adesivo a existência de apelo do ex-adverso, situação inexistente nos presentes autos eis que apenas a segunda reclamada, litisconsorte, recorreu.

Neste sentido a jurisprudência:

"(...) II- RECURSO DE REVISTA ADESIVO DA RECLAMADA ENERGISA ACRE - DISTRIBUIDORA DE ENERGIA S.A. SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014. RECURSO ADESIVO INTERPOSTO PELO LITISCONSORTE. RECURSO INCABÍVEL. Nos termos do art. 997, §2º,II, do CPC, o exame do recurso adesivo é condicionado ao conhecimento do apelo principal. Todavia, o recurso adesivo somente é cabível quando há sucumbência recíproca e quando o recurso é interposto pela parte contrária. Assim, não se pode pretender que um litisconsorte adira ao recurso do outro o qual figura no mesmo polo passivo da demanda, pois, nos termos do referido artigo, a ocorrência de sucumbência reciproca pressupõe o uso desse instrumento de defesa por adesão ao recurso da parte ex adversa. Recurso de revista não conhecido " (RR-298-34.2016.5.14.0416, 6ª Turma, Relator Ministro Augusto Cesar Leite de Carvalho, DEJT 11/12/2020).

Conheço do agravo de instrumento interposto pela reclamante e do recurso ordinário interposto pela segunda reclamada, por presentes os pressupostos processuais de admissibilidade.

DO AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO PELA RECLAMANTE

Sustenta a reclamante que o recurso ordinário adesivo foi interposto de forma tempestiva, pelo que deve ser processado.

Foi a reclamante intimada para apresentação de contrarrazões ao recurso da segunda reclamada em 22/07/2022, sendo certo que o prazo de 8 dias findou em 03/08/2022.

Contudo, o recurso adesivo de ID nº 1b1adce foi interposto em 05/08/2022, pelo que é intempestivo. Correta, dessa forma a r. decisão de origem que lhe denegou seguimento.

Nego provimento ao agravo de instrumento.

DO RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO PELA SEGUNDA RECLAMADA

Do vínculo de emprego/ Das verbas rescisórias

Insurge-se a recorrente contra o reconhecimento do vínculo de emprego, argumentando que a reclamante foi contratada como cooperada, tendo prestado serviços como promotora de vendas através da primeira reclamada.

Afirma que não existem indícios de fraude e que a reclamante nunca teve nenhum tipo de relação com ela, tendo meramente lhe prestado serviços, tendo sido salários e eventuais benefícios pagos diretamente pela primeira reclamada.

Antes de adentrar ao mérito da pretensão, propriamente, impende definir o que é cooperativa. Vejamos.

Preceitua o parágrafo único do artigo 442 da CLT que "qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela."

A Lei nº 5.764/71, que trata da Política Nacional de Cooperativismo, inseriu as cooperativas de trabalho na política econômica nacional, definindo-as como atividades lícitas e necessárias. Em seu artigo 3º conceitua a mencionada lei que "celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro."

Como preleciona Valentin Carrion, em Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, 27ª ed. nota 8 ao art. 482, pág. 269:

"Cooperativa de trabalho ou de serviços nasce da vontade de seus membros, todos autônomos e que assim continuam. As tarefas são distribuídas com igualdade de oportunidades; repartem-se os ganhos proporcionalmente ao esforço de cada um. Pode haver até direção de algum deles, mas não existe patrão nem alguém que se assemelhe..."

O cooperativismo que a lei prevê tem como pressupostos básicos e indispensáveis o animus do cooperado de associar-se a um empreendimento que tem um fim comum, a autonomia dos cooperados que se submetem apenas às diretrizes gerais estabelecidas pelos estatutos da própria cooperativa, a autogestão e a liberdade de associar-se e desassociar-se.

As cooperativas existem, portanto, para propiciar a inserção no mercado daqueles trabalhadores que até então se encontravam desempregados, trazendo tal instituto inegáveis possibilidades de subsistência a inúmeras áreas carentes. A finalidade primordial das cooperativas é de melhorar as condições de trabalho pessoal de seus associados, dispensando a intervenção de um patrão ou empresários, sendo que os próprios operários se propõem a contratar e executar as tarefas. Assim, estando regularmente constituída a cooperativa, tendo sido celebrado válido contrato de natureza civil com a tomadora de serviços e, tendo, ainda, o trabalhador se associado livremente à entidade restam preenchidos os preceitos legais.

Entretanto, há casos de falsas cooperativas formadas por empresários que tentam desvirtuar a aplicação dos preceitos consolidados, acobertando, através de falsos contratos, as relações de emprego com os trabalhadores, restando caracterizada, desta forma, a fraude. É necessário verificar cada caso para se posicionar sobre a ocorrência ou não das características da relação de emprego, bem como a forma e funcionamento das sociedades cooperativas, a fim de se estabelecer a real natureza do trabalho prestado sob seu manto.

Necessário, portanto, não perder de vista os princípios norteadores do Direito do Trabalho, sobretudo o princípio da primazia da realidade, prevalecendo, assim, a relação efetivamente estabelecida entre os contratantes, em detrimento da relação jurídica convencionada.

A despeito dos documentos de fls. 273/274 demonstrarem que, formalmente a reclamante ostentava a condição de cooperada, tal circunstância, por si só, não descaracteriza a relação empregatícia, uma vez que não se constata nos autos a existência da affectio societatis, elemento subjetivo próprio das sociedades, inexistindo, portanto, a necessária comunhão de interesses para alcançar objetivos comuns, requisito essencial para implementar a condição de cooperado.

A prova oral demonstra que, na realidade, a cooperativa atuava como mera empresa intermediadora de mão de obra, deixando patente que a autora não teve o intuito de constituir sociedade, mas buscou trabalho remunerado com o qual pudesse prover sua própria subsistência. Se houve aceitação às condições previamente impostas pelas empresas, esta decorreu, unicamente, do caráter alimentar que se vislumbra nos salários.

Dos depoimentos das partes, verifica-se que a reclamante recebia R$ 39,00 por dia de trabalho, ao passo que o presidente da cooperativa e demais dirigentes, que realizam serviços administrativos, recebem cerca de R$ 100,00 por dia, sendo certo que o presidente da cooperativa relatou que esse valor era estabelecido de acordo com o piso salarial da categoria.

No mais, à reclamante era pago valor fixo mensalmente, restando evidenciado que não recebia qualquer vantagem como cooperada na medida em que auferia remuneração correspondente ao piso da categoria e ainda era remunerada em valores muito inferiores aos dos dirigentes (e supostamente cooperados).

Acrescente-se que, embora a segunda reclamada negue que tivesse ingerência sobre o trabalho prestado pela reclamante, é certo que o preposto confirmou que cooperativa informava os dados do trabalhador que prestaria serviços, até mesmo para que fosse controlada a entrada e saída de pessoas dos estoques.

A autora não se enquadra, sob qualquer aspecto, na definição de trabalhador cooperado, prestando serviços de forma pessoal, habitual, onerosa e subordinada à recorrente, a teor do disposto no art. 3º da CLT.

Correto, pois, o reconhecimento do vínculo de emprego e a condenação nas verbas contratuais do período.

Mantenho.

Da multa do art. 477 da CLT

Conforme anotado pela Exma. Des. Relatora, pretende a recorrente a exclusão da multa do art. 477 da CLT eis que a reclamante jamais foi sua empregada.

O empregador que não registra o empregado assume, inclusive, o risco de ter de pagar a multa cominada no § 8º do art. 477 da Consolidação. Não há escusa: a divergência judicial a respeito da existência de vínculo empregatício não foi estabelecida pela lei como excludente da pena pecuniária.

Nos termos da súm. 462 do C. TST, mantenho a aplicação da penalidade.

Das horas extras e reflexos

Postula a recorrente a reforma da r. sentença quanto às horas extras e reflexos, argumentando que não houve vínculo de emprego e, caso mantida a condenação, pleiteia que sejam observados os parâmetros elencados.

Diante do reconhecimento do vínculo empregatício e restando evidenciado que havia controle dos horários cumpridos pela reclamante, mostra-se correta a r. sentença que, aplicando a Súmula 338 do C. TST, fixou a jornada da reclamante de acordo com a inicial e condenou a ré ao pagamento de horas extras e reflexos.

Registre-se que, não tendo sido apresentados os controles de jornada e tendo sido acolhida a jornada declinada na inicial, não há que se falar na aplicação da Súmula 366 do C. TST, que pressupõe a existência de marcações em cartões de ponto.

No mais, não foram quitadas horas extras no decorrer da contratualidade, pelo que não há que se falar em dedução/ compensação ou aplicação da Súmula 85 do C. TST.

No mais, carece a recorrente de interesse recursal quanto à observância dos dias efetivamente trabalhados e aplicação da OJ 394 da SDI-1 do C. TST eis que houve expressa determinação pela r. sentença.

Nada a reformar.

Da Justiça Gratuita

Impugna a recorrente a concessão dos benefícios da Justiça Gratuita à reclamante, sustentando que não basta a juntada de mera declaração de miserabilidade, devendo restar comprovada a impossibilidade de arcar com as custas do processo.

A garantia do amplo acesso à Justiça encontra-se há muito sedimentada no artigo 5º, incisos XXXIV e XXXV, da Constituição Federal.

Nesta conjuntura, o Estado democrático de direito, com respeito aos direitos humanos e garantias fundamentais, não pode ter o acesso à Justiça obstaculizado por normas jurídicas não analisadas teleológica e sistematicamente, sob pena de não atender aos fins sociais e às exigências do bem comum, como preceitua o artigo 5º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro.

Com este diapasão, a pretensão quanto aos benefícios da justiça gratuita aos que receberem salário igual ou inferior a 40% do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social pode ser concedida de plano ou mesmo de ofício, conforme dispõe o artigo 790, § 3º, da CLT.

Dessa forma, mantenho o deferimento dos benefícios da justiça gratuita pois a reclamante recebia remuneração inferior a 40% do teto de salário de benefício do RGPS, atendido o requisito imposto pelo §3º, do art. 790, da CLT.

Nada a modificar.

Dos honorários advocatícios

Pleiteia a recorrente a condenação da reclamante ao pagamento de honorários advocatícios em seu favor, devendo ser deduzidos do crédito apurado.

Em razão do exposto acima e nos termos da decisão proferida pelo STF no julgamento da ADI 5766, não há que se falar na condenação da reclamante ao pagamento de honorários advocatícios.

Mantenho.

Ante o exposto,

ACORDAM os Magistrados da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, por unanimidade de votos,  NÃO CONHECER do recurso ordinário adesivo interposto pela primeira reclamada, conhecer do agravo de instrumento interposto pela reclamante e, no mérito, por unanimidade de votos, NEGAR-LHE PROVIMENTO; conhecer do recurso ordinário interposto pela segunda reclamada e, no mérito, por maioria de votos, vencida a Exma. Desembargadora Relatora originária, Dra. Rosana de Almeida Buono (excluía a multa do art. 477, § 8º, da CLT), NEGAR-LHE PROVIMENTO.

Presidiu o julgamento a Exma. Desembargadora Rosana de Almeida Buono - Presidente Regimental.

Tomaram parte no julgamento a Exma. Desembargadora Rosana de Almeida Buono, o Exmo. Juiz Wildner Izzi Pancheri e o Exmo. Desembargador Paulo Eduardo Vieira de Oliveira.

Redator Designado: o Exmo. Juiz Wildner Izzi Pancheri.

WILDNER IZZI PANCHERI

 Juiz Redator Designado

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