TRT 02/SP - INFORMATIVOS NOTÍCIAS e JURISPRUDÊNCIA 2022 - 03

Data da publicação:

Acordão - TST

Katia Magalhães Arruda - TST



Securitária sem férias por 17 anos receberá indenização por dano existencial. Proc. RR-25699-03.2017.5.24.0002



TST-RR-25699-03.2017.5.24.0002

I - AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. RECLAMANTE. LEI Nº 13.467/2017. TRANSCENDÊNCIA. DANO EXISTENCIAL. SUPRESSÃO DE DIREITOS TRABALHISTAS. NÃO CONCESSÃO DE FÉRIAS DURANTE TODO O PERÍODO LABORADO.

Deve ser reconhecida a transcendência jurídica quando se mostra aconselhável o exame mais detido da controvérsia devido às peculiaridades do caso concreto. O enfoque exegético da aferição dos indicadores de transcendência em princípio deve ser positivo, especialmente nos casos de alguma complexidade, em que se torna aconselhável o debate mais aprofundado da matéria.

Aconselhável o provimento do agravo de instrumento para melhor exame do recurso de revista quanto à alegada violação do art. 5º, X, da Constituição Federal.

Agravo de instrumento a que se dá provimento.

II - RECURSO DE REVISTA. RECLAMANTE. LEI Nº 13.467/2017. DANO EXISTENCIAL. SUPRESSÃO DE DIREITOS TRABALHISTAS. NÃO CONCESSÃO DE FÉRIAS DURANTE TODO O PERÍODO LABORADO.

1 - Importante destacar, preliminarmente, que a reclamante almeja por meio da reclamação trabalhista ajuizada, além de outras questões, o reconhecimento do vínculo de emprego e o pagamento de férias em dobro diante da não concessão durante os 17 anos de prestação de serviços. Tais pedidos foram devidamente acolhidos nas instâncias ordinárias, com incidência da prescrição quinquenal à pretensão condenatória, não havendo interposição de recurso de revista pelos reclamados.

2 - O dano existencial, espécie de dano imaterial, nas relações de trabalho, ocorre quando o trabalhador sofre dano/limitações à sua vida fora do ambiente de trabalho em razão de condutas ilícitas praticadas pelo empregador, impossibilitando-o de estabelecer a prática de um conjunto de atividades culturais, sociais, recreativas, esportivas, afetivas, familiares ou de desenvolver seus projetos de vida nos âmbitos profissional, social e pessoal, dentre outros.

3 - O caso reclama reflexão sob a influência da hermenêutica constitucional - que confere sentido à ordem jurídica e investe os órgãos jurisdicionais de amplos poderes para garantir a efetividade dos direitos fundamentais, inclusive daqueles que concernem à dignidade humana, liberdade, saúde, honra – porquanto o excesso comprovadamente havido ao se exigir um regime de trabalho contínuo com a supressão integral do direito às férias durante 17 (dezessete) anos de labor, dispensa demonstração dos prejuízos advindos ao descanso, lazer, convívio familiar e recomposição física e mental da reclamante.

4 - No caso em apreço, o Tribunal Regional consignou que "(...) mesmo se constatado o desrespeito às férias, tal fato, por si só, não é capaz de gerar o referido dano. No caso, reputo que a autora não logrou demonstrar a ocorrência desse efetivo prejuízo, a ponto de ensejar tal reparação. Friso que, por mais que se considere não tenha a autora usufruído férias no decorrer do contrato, não se pode presumir a existência de conduta ilícita do empregador que tenha privado a autora de manter uma relação saudável e digna em seu círculo familiar e social ou obstaculizado projetos concretos para o futuro". Em síntese: o contexto registrado no acórdão do TRT demonstra de plano que a reclamante foi submetida a um contexto laboral durante 17 (dezessete) anos no qual ficou configurada clara limitação às atividades de cunho familiar, cultural, social, recreativas, esportivas, afetivas ou quaisquer outras desenvolvidas em um contexto de interrupção contratual representado pelas férias anuais.

5 - O direito às férias possui não apenas status constitucional (art. 7º, XVII), encontrando-se igualmente consagrado como direito humano em diversos diplomas internacionais (Convenção nº 132 da OIT e arts. 24 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, 7 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e 7 do Protocolo de São Salvador, por exemplo), de modo que visa não apenas a recomposição físico-psíquica do trabalhador, mas também oportunizar o convívio social e familiar em momentos de lazer.

6 - A sua supressão ao longo de 17 (dezessete) anos de labor, assim, enseja o reconhecimento de evidentes danos de índole imaterial ao trabalhador. Nesse contexto, deve ser restabelecida a condenação ao pagamento de indenização diante da configuração de danos existenciais.

7 – Recurso de revista provido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-25699-03.2017.5.24.0002, em que é Recorrente SELMA RIBEIRO GUIMARAES e Recorrido BANCO BRADESCO S.A. E OUTRAS..

Agravo de instrumento contra despacho denegatório de admissibilidade do recurso de revista.

Contrarrazões apresentadas.

Os autos não foram remetidos ao Ministério Público do Trabalho porque não se configuraram as hipóteses previstas em lei e no RITST.

É o relatório.

V O T O

I – AGRAVO DE INSTRUMENTO

1. CONHECIMENTO

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do agravo de instrumento.

TRANSCENDÊNCIA

DANO EXISTENCIAL. SUPRESSÃO DE DIREITOS TRABALHISTAS. NÃO CONCESSÃO DE FÉRIAS DURANTE TODO O PERÍODO LABORADO

Deve ser reconhecida a transcendência jurídica quando se mostra aconselhável o exame mais detido da controvérsia devido às peculiaridades do caso concreto. O enfoque exegético da aferição dos indicadores de transcendência em princípio deve ser positivo, especialmente nos casos de alguma complexidade, em que se torna aconselhável o debate mais aprofundado da matéria.

2. MÉRITO

2.1. DANO EXISTENCIAL. SUPRESSÃO DE DIREITOS TRABALHISTAS. NÃO CONCESSÃO DE FÉRIAS DURANTE TODO O PERÍODO LABORADO

O Tribunal Regional, juízo primeiro de admissibilidade do recurso de revista (art. 682, IX, da CLT), denegou-lhe seguimento, sob os seguintes fundamentos:

"DANOS EXISTENCIAIS - SUPRESSÃO DE FÉRIAS

Alegações:

- violação aos artigos 5º, X e 137 da CF;

- violação aos artigos 186, 187, 927 caput e 944 caput do CC;

- divergência jurisprudencial.

Argumenta, em síntese, que: a) é evidente a violação do art. 5º, X da constituição federal, bem como dos artigos 186, 927, cabeça e 944, caput do CC; b) o direito de férias é irrenunciável no Brasil e a sua não concessão acarreta violação aos direitos de personalidade defendidos pelo art. 5º da constituição federal, pois sabe se que a falta de férias é elemento extremamente eficaz no abalo à saúde física e, mormente mental sendo que a situação narrada opera em franco ataque à higidez mental do trabalhador; c)a jurisprudência mais pujante chegou à conclusão inafastável a existência de dano moral, em casos como o presente, é inteiramente presumida e prescinde de provas de sua ocorrência, em virtude de ele consistir em ofensa a valores humanos, bastando a demonstração do ato em função do qual a parte diz tê-lo sofrido para restar clara a obrigação de indenizar.

A respeito, a Turma consignou (f. 2331):

(...)

Não se vislumbra a alegada violação à Constituição Federal, uma vez que a matéria deve ser analisada à luz da legislação infraconstitucional que a disciplina. Portanto, se houvesse violação, não se daria de forma direta e literal, conforme exigência contida no art. 896, ‘c’, da CLT.

Ademais, não houve o cotejo analítico de cada dispositivo da Constituição Federal e de lei, apontados como violados, com a tese jurídica do Regional, o que não atende ao requisito previsto no artigo 896, §1º-A, III, da CLT.

O recurso de revista também não se viabiliza por divergência jurisprudencial, porque não há identidade entre a premissa fática descrita no acórdão e aquelas retratadas nos arestos paradigmas. Afinal, o acórdão paradigma do TRT da 3a Região trata de empregado que laborou em serviços pesados (cortador de pedras). Aplica-se o item I da Súmula 296 do Tribunal Superior do Trabalho.

Por fim, arestos provenientes de Turma do TST ou de órgão não elencado na alínea ‘a’, do art. 896, da CLT são inservíveis ao confronto de teses.

Denego seguimento ao recurso de revista."

A fim de demonstrar o prequestionamento da matéria controvertida, a parte indicou, no recurso de revista, o seguinte trecho do acórdão do Regional (fls. 2.740/2.741):

"Contra a decisão da julgadora primária que deferiu o pleito atinente à indenização por danos existenciais, no importe de R$ 6.000,00, aduzem os réus que a ausência de férias não caracteriza o dano existencial.

A reclamante, por sua vez, entende que o valor fixado é módico, desproporcional e incapaz de compensar a lesão experimentada pela autora.

Com razão as reclamadas.

Na lição de Sônia Mascaro Nascimento, o dano existencial é espécie do dano moral e consiste em toda conduta que tem por finalidade atingir um projeto de vida do empregado ou sua convivência familiar e social causando-lhe prejuízo pessoal ou ao desenvolvimento profissional. Possui duas vertentes: dano a um projeto de vida e dano ao convívio social e familiar (Revista Consultor Jurídico, 18.3.2014).

O importante a salientar é que para sua configuração é imprescindível a comprovação, além dos elementos inerentes a qualquer forma de dano (dano, culpa e nexo de causalidade), a comprovação desse prejuízo à realização do projeto de vida ou à vida de relações.

Ou seja, mesmo se constatado o desrespeito às férias, tal fato, por si só, não é capaz de gerar o referido dano.

No caso, reputo que a autora não logrou demonstrar a ocorrência desse efetivo prejuízo, a ponto de ensejar tal reparação. Friso que, por mais que se considere não tenha a autora usufruído férias no decorrer do contrato, não se pode presumir a existência de conduta ilícita do empregador que tenha privado a autora de manter uma relação saudável e digna em seu círculo familiar e social ou obstaculizado projetos concretos para o futuro.

Destarte, dou provimento ao recurso dos réus para excluir da condenação a indenização em apreço." (grifo no original)

A agravante pugna pelo reconhecimento de danos existenciais pela ausência de gozo das férias durante todos os 17 anos de prestação de labor. Aponta violação dos arts. 5º, X, da Constituição Federal, 137 da CLT, 186, 927 e 944 do Código Civil, assim como divergência jurisprudencial.

À análise.

Atendidos os requisitos do art. 896, § 1º-A, da CLT.

Importante destacar, preliminarmente, que a reclamante almeja por meio da reclamação trabalhista ajuizada, além de outras questões, o reconhecimento do vínculo de emprego e o pagamento de férias em dobro diante da não concessão durante os 17 anos de prestação de serviços. Tais pedidos foram devidamente acolhidos nas instâncias ordinárias, com incidência da prescrição quinquenal à pretensão condenatória, não havendo interposição de recurso de revista pelos reclamados.

O dano existencial, espécie de dano imaterial, nas relações de trabalho, ocorre quando o trabalhador sofre dano/limitações à sua vida fora do ambiente de trabalho em razão de condutas ilícitas praticadas pelo empregador, impossibilitando-o de estabelecer a prática de um conjunto de atividades culturais, sociais, recreativas, esportivas, afetivas, familiares ou de desenvolver seus projetos de vida nos âmbitos profissional, social e pessoal, dentre outros.

Nesse sentido, esta Corte já se manifestou:

"DANO MORAL. DANO EXISTENCIAL. SUPRESSÃO DE DIREITOS TRABALHISTAS. NÃO CONCESSÃO DE FÉRIAS. DURANTE TODO O PERÍODO LABORAL. DEZ ANOS. DIREITO DA PERSONALIDADE. VIOLAÇÃO. 1. A teor do artigo 5.º, X, da Constituição Federal, a lesão causada a direito da personalidade, intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas assegura ao titular do direito a indenização pelo dano decorrente de sua violação. 2. O dano existencial, ou o dano à existência da pessoa, -consiste na violação de qualquer um dos direitos fundamentais da pessoa, tutelados pela Constituição Federal, que causa uma alteração danosa no modo de ser do indivíduo ou nas atividades por ele executadas com vistas ao projeto de vida pessoal, prescindindo de qualquer repercussão financeira ou econômica que do fato da lesão possa decorrer.- (ALMEIDA NETO, Amaro Alves de. Dano existencial: a tutela da dignidade da pessoa humana. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 6, n. 24, mês out/dez, 2005, p. 68.). 3. Constituem elementos do dano existencial, além do ato ilício, o nexo de causalidade e o efetivo prejuízo, o dano à realização do projeto de vida e o prejuízo à vida de relações. Com efeito, a lesão decorrente da conduta patronal ilícita que impede o empregado de usufruir, ainda que parcialmente, das diversas formas de relações sociais fora do ambiente de trabalho (familiares, atividades recreativas e extralaborais), ou seja que obstrua a integração do trabalhador à sociedade, ao frustrar o projeto de vida do indivíduo, viola o direito da personalidade do trabalhador e constitui o chamado dano existencial. 4. Na hipótese dos autos, a Reclamada deixou de conceder férias à reclamante por dez anos. A negligência por parte da Reclamada, ante o reiterado descumprimento do dever contratual, ao não conceder férias por dez anos, violou o patrimônio jurídico personalíssimo, por atentar contra a saúde física, mental e a vida privada da Reclamante. Assim, face à conclusão do Tribunal de origem de que é indevido o pagamento de indenização, resulta violado o art. 5.º, X, da Carta Magna. Recurso de revista conhecido e provido, no tema." (RR-727-76.2011.5.24.0002, Relator: Ministro Hugo Carlos Scheuermann, 1ª Turma, DEJT 28/6/2013).

Nesse aspecto, urge ressaltar que o caso reclama reflexão sob a influência da hermenêutica constitucional - que confere sentido à ordem jurídica e investe os órgãos jurisdicionais de amplos poderes para garantir a efetividade dos direitos fundamentais, inclusive daqueles que concernem à dignidade humana, liberdade, saúde, honra – porquanto o excesso comprovadamente havido ao se exigir um regime de trabalho contínuo com a supressão integral do direito às férias durante 17 (dezessete) anos de labor, dispensa demonstração dos prejuízos advindos ao descanso, lazer, convívio familiar e recomposição física e mental da reclamante.

No caso em apreço, o Tribunal Regional consignou que "(...) mesmo se constatado o desrespeito às férias, tal fato, por si só, não é capaz de gerar o referido dano. No caso, reputo que a autora não logrou demonstrar a ocorrência desse efetivo prejuízo, a ponto de ensejar tal reparação. Friso que, por mais que se considere não tenha a autora usufruído férias no decorrer do contrato, não se pode presumir a existência de conduta ilícita do empregador que tenha privado a autora de manter uma relação saudável e digna em seu círculo familiar e social ou obstaculizado projetos concretos para o futuro".

Em síntese: o contexto registrado no acórdão do TRT demonstra de plano que a reclamante foi submetida a um contexto laboral durante 17 (dezessete) anos no qual ficou configurada clara limitação às atividades de cunho familiar, cultural, social, recreativas, esportivas, afetivas ou quaisquer outras desenvolvidas em um contexto de interrupção contratual representado pelas férias anuais.

O direito às férias possui não apenas status constitucional (art. 7º, XVII), encontrando-se igualmente consagrado como direito humano em diversos diplomas internacionais (Convenção nº 132 da OIT e arts. 24 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, 7 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e 7 do Protocolo de São Salvador, por exemplo), de modo que visa não apenas a recomposição físico-psíquica do trabalhador, mas também oportunizar o convívio social e familiar em momentos de lazer.

A sua supressão ao longo de 17 (dezessete) anos de labor, assim, enseja o reconhecimento de evidentes danos de índole imaterial ao trabalhador. Nesse contexto, deve ser restabelecida a condenação ao pagamento de indenização diante da configuração de danos existenciais e consequente afronta ao art. 5º, X, da Constituição Federal.

Pelo exposto, dou provimento ao agravo de instrumento, para determinar o processamento do recurso de revista.

II – RECURSO DE REVISTA

1. CONHECIMENTO

1.1. DANO EXISTENCIAL. SUPRESSÃO DE DIREITOS TRABALHISTAS. NÃO CONCESSÃO DE FÉRIAS DURANTE TODO O PERÍODO LABORADO

A fim de demonstrar o prequestionamento da matéria controvertida, a parte indicou, no recurso de revista, o seguinte trecho do acórdão do Regional (fls. 2.740/2.741):

"Contra a decisão da julgadora primária que deferiu o pleito atinente à indenização por danos existenciais, no importe de R$ 6.000,00, aduzem os réus que a ausência de férias não caracteriza o dano existencial.

A reclamante, por sua vez, entende que o valor fixado é módico, desproporcional e incapaz de compensar a lesão experimentada pela autora.

Com razão as reclamadas.

Na lição de Sônia Mascaro Nascimento, o dano existencial é espécie do dano moral e consiste em toda conduta que tem por finalidade atingir um projeto de vida do empregado ou sua convivência familiar e social causando-lhe prejuízo pessoal ou ao desenvolvimento profissional. Possui duas vertentes: dano a um projeto de vida e dano ao convívio social e familiar (Revista Consultor Jurídico, 18.3.2014).

O importante a salientar é que para sua configuração é imprescindível a comprovação, além dos elementos inerentes a qualquer forma de dano (dano, culpa e nexo de causalidade), a comprovação desse prejuízo à realização do projeto de vida ou à vida de relações.

Ou seja, mesmo se constatado o desrespeito às férias, tal fato, por si só, não é capaz de gerar o referido dano.

No caso, reputo que a autora não logrou demonstrar a ocorrência desse efetivo prejuízo, a ponto de ensejar tal reparação. Friso que, por mais que se considere não tenha a autora usufruído férias no decorrer do contrato, não se pode presumir a existência de conduta ilícita do empregador que tenha privado a autora de manter uma relação saudável e digna em seu círculo familiar e social ou obstaculizado projetos concretos para o futuro.

Destarte, dou provimento ao recurso dos réus para excluir da condenação a indenização em apreço." (grifo no original)

A recorrente pugna pelo reconhecimento de danos existenciais pela ausência de gozo das férias durante todos os 17 anos de prestação de labor. Aponta violação dos arts. 5º, X, da Constituição Federal, 137 da CLT, 186, 927 e 944 do Código Civil, assim como divergência jurisprudencial.

À análise.

Atendidos os requisitos do art. 896, § 1º-A, da CLT.

Importante destacar, preliminarmente, que a reclamante almeja por meio da reclamação trabalhista ajuizada, além de outras questões, o reconhecimento do vínculo de emprego e o pagamento de férias em dobro diante da não concessão durante os 17 anos de prestação de serviços. Tais pedidos foram devidamente acolhidos nas instâncias ordinárias, com incidência da prescrição quinquenal à pretensão condenatória, não havendo interposição de recurso de revista pelos reclamados.

O dano existencial, espécie de dano imaterial, nas relações de trabalho, ocorre quando o trabalhador sofre dano/limitações à sua vida fora do ambiente de trabalho em razão de condutas ilícitas praticadas pelo empregador, impossibilitando-o de estabelecer a prática de um conjunto de atividades culturais, sociais, recreativas, esportivas, afetivas, familiares ou de desenvolver seus projetos de vida nos âmbitos profissional, social e pessoal, dentre outros.

Nesse sentido, esta Corte já se manifestou:

"DANO MORAL. DANO EXISTENCIAL. SUPRESSÃO DE DIREITOS TRABALHISTAS. NÃO CONCESSÃO DE FÉRIAS. DURANTE TODO O PERÍODO LABORAL. DEZ ANOS. DIREITO DA PERSONALIDADE. VIOLAÇÃO. 1. A teor do artigo 5.º, X, da Constituição Federal, a lesão causada a direito da personalidade, intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas assegura ao titular do direito a indenização pelo dano decorrente de sua violação. 2. O dano existencial, ou o dano à existência da pessoa, -consiste na violação de qualquer um dos direitos fundamentais da pessoa, tutelados pela Constituição Federal, que causa uma alteração danosa no modo de ser do indivíduo ou nas atividades por ele executadas com vistas ao projeto de vida pessoal, prescindindo de qualquer repercussão financeira ou econômica que do fato da lesão possa decorrer.- (ALMEIDA NETO, Amaro Alves de. Dano existencial: a tutela da dignidade da pessoa humana. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 6, n. 24, mês out/dez, 2005, p. 68.). 3. Constituem elementos do dano existencial, além do ato ilício, o nexo de causalidade e o efetivo prejuízo, o dano à realização do projeto de vida e o prejuízo à vida de relações. Com efeito, a lesão decorrente da conduta patronal ilícita que impede o empregado de usufruir, ainda que parcialmente, das diversas formas de relações sociais fora do ambiente de trabalho (familiares, atividades recreativas e extralaborais), ou seja que obstrua a integração do trabalhador à sociedade, ao frustrar o projeto de vida do indivíduo, viola o direito da personalidade do trabalhador e constitui o chamado dano existencial. 4. Na hipótese dos autos, a Reclamada deixou de conceder férias à reclamante por dez anos. A negligência por parte da Reclamada, ante o reiterado descumprimento do dever contratual, ao não conceder férias por dez anos, violou o patrimônio jurídico personalíssimo, por atentar contra a saúde física, mental e a vida privada da Reclamante. Assim, face à conclusão do Tribunal de origem de que é indevido o pagamento de indenização, resulta violado o art. 5.º, X, da Carta Magna. Recurso de revista conhecido e provido, no tema." (RR-727-76.2011.5.24.0002, Relator: Ministro Hugo Carlos Scheuermann, 1ª Turma, DEJT 28/6/2013).

Nesse aspecto, urge ressaltar que o caso reclama reflexão sob a influência da hermenêutica constitucional - que confere sentido à ordem jurídica e investe os órgãos jurisdicionais de amplos poderes para garantir a efetividade dos direitos fundamentais, inclusive daqueles que concernem à dignidade humana, liberdade, saúde, honra – porquanto o excesso comprovadamente havido ao se exigir um regime de trabalho contínuo com a supressão integral do direito às férias durante 17 (dezessete) anos de labor, dispensa demonstração dos prejuízos advindos ao descanso, lazer, convívio familiar e recomposição física e mental da reclamante.

No caso em apreço, o Tribunal Regional consignou que "(...) mesmo se constatado o desrespeito às férias, tal fato, por si só, não é capaz de gerar o referido dano. No caso, reputo que a autora não logrou demonstrar a ocorrência desse efetivo prejuízo, a ponto de ensejar tal reparação. Friso que, por mais que se considere não tenha a autora usufruído férias no decorrer do contrato, não se pode presumir a existência de conduta ilícita do empregador que tenha privado a autora de manter uma relação saudável e digna em seu círculo familiar e social ou obstaculizado projetos concretos para o futuro".

Em síntese: o contexto registrado no acórdão do TRT demonstra de plano que a reclamante foi submetida a um contexto laboral durante 17 (dezessete) anos no qual ficou configurada clara limitação às atividades de cunho familiar, cultural, social, recreativas, esportivas, afetivas ou quaisquer outras desenvolvidas em um contexto de interrupção contratual representado pelas férias anuais.

O direito às férias possui não apenas status constitucional (art. 7º, XVII), encontrando-se igualmente consagrado como direito humano em diversos diplomas internacionais (Convenção nº 132 da OIT e arts. 24 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, 7 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e 7 do Protocolo de São Salvador, por exemplo), de modo que visa não apenas a recomposição físico-psíquica do trabalhador, mas também oportunizar o convívio social e familiar em momentos de lazer.

A sua supressão ao longo de 17 (dezessete) anos de labor, assim, enseja o reconhecimento de evidentes danos de índole imaterial ao trabalhador. Nesse contexto, deve ser restabelecida a condenação ao pagamento de indenização diante da configuração de danos existenciais.

Ante o exposto, conheço do recurso de revista por afronta ao art. 5º, X, da Constituição Federal.

2. MÉRITO

2.1. DANO EXISTENCIAL. SUPRESSÃO DE DIREITOS TRABALHISTAS. NÃO CONCESSÃO DE FÉRIAS DURANTE TODO O PERÍODO LABORADO

A consequência do conhecimento do recurso de revista porque foi afrontado o art. 5º, X, da Constituição Federal é o seu provimento para condenar os reclamados ao pagamento de indenização por danos existenciais.

Quanto ao montante da indenização, observa-se que na sua fixação levam-se em consideração os critérios da proporcionalidade, da razoabilidade, da justiça e da equidade (arts. 5º, V, da Constituição Federal, 944 do Código Civil e 8º da CLT), visto que não há lei que estabeleça a forma de cálculo a ser utilizada para resolver a controvérsia.

De acordo com o STF, até mesmo as leis especiais que trataram da indenização por danos morais em hipóteses específicas, como eram os casos da Lei de Imprensa e do Código Brasileiro de Telecomunicações, não encontram legitimidade na Constituição Federal. Cita-se o Precedente RE 447584/RJ, DJ-16/3/2007, Ministro Cezar Peluso:

"INDENIZAÇÃO. Responsabilidade civil. Lei de Imprensa. Dano moral. Publicação de notícia inverídica, ofensiva à honra e à boa fama da vítima. Ato ilícito absoluto. Responsabilidade civil da empresa jornalística. Limitação da verba devida, nos termos do art. 52 da lei 5.250/67. Inadmissibilidade. Norma não recebida pelo ordenamento jurídico vigente. Interpretação do art. 5º, IV, V, IX, X, XIII e XIV, e art. 220, caput e § 1º, da CF de 1988. Recurso extraordinário improvido. Toda limitação, prévia e abstrata, ao valor de indenização por dano moral, objeto de juízo de equidade, é incompatível com o alcance da indenizabilidade irrestrita assegurada pela atual Constituição da República. Por isso, já não vige o disposto no art. 52 da Lei de Imprensa, o qual não foi recebido pelo ordenamento jurídico vigente."

Tanto é que, nas Cortes Superiores, especialmente no TST e no STJ, o montante fixado nas instâncias ordinárias somente tem sido alterado, em princípio, quando seja irrisório, ínfimo, irrelevante (evitando-se a ineficácia pedagógica da condenação ou a frustração na reparação do dano) ou, pelo contrário, quando seja exorbitante, exagerado, excessivo (evitando-se o enriquecimento sem causa do demandante ou o comprometimento temerário das finanças da demandada).

Na aferição do que seja valor irrisório ou excessivo não é levada em conta a expressão monetária considerada em si mesma, mas, sim, o critério de proporcionalidade entre o montante fixado e a gravidade dos fatos ocorridos em cada caso concreto.

Assim, o valor da indenização varia de acordo com o caso examinado e a sensibilidade do julgador, ocorrendo de maneira necessariamente subjetiva. Nesse contexto, levando-se em conta o princípio da proporcionalidade, a gravidade e a extensão do dano, o caráter culposo do ofensor e a natureza pedagógica da condenação, diante das premissas fáticas registradas no acórdão do Regional e ao levar-se em conta que se trata de grande grupo econômico atuante no setor financeiro do país, deve ser arbitrado o montante da indenização por dano existencial em R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).

Acrescente-se que o referido valor, por si mesmo, não é suficiente para ensejar o enriquecimento da reclamante.

Pelo exposto, dou provimento ao recurso de revista para condenar os reclamados ao pagamento de indenização por danos existenciais no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). Juros de mora a partir do ajuizamento da reclamação trabalhista e correção monetária na forma da Súmula nº 439 do TST.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Sexta Turma da Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade: I – reconhecer a transcendência quanto ao tema DANO EXISTENCIAL e dar provimento ao agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista; e II - conhecer do recurso de revista quanto ao tema DANO EXISTENCIAL, por violação do art. 5º, X, da Constituição Federal e, no mérito, dar-lhe provimento para condenar os reclamados ao pagamento de indenização por danos existenciais no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). Juros de mora a partir do ajuizamento da reclamação trabalhista e correção monetária na forma da Súmula nº 439 do TST.

Brasília, 9 de fevereiro de 2022.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

KÁTIA MAGALHÃES ARRUDA

Ministra Relatora

 

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