TRT 02/SP - INFORMATIVOS NOTÍCIAS e JURISPRUDÊNCIA 2022 - 03

Data da publicação:

Acordão - TRT

Fernando Marques Celli - TRT/SP



Empresa é absolvida de responsabilidade por violência sexual sofrida por empregada no trajeto do trabalho para casa, por ausência de nexo causal. Proc. 1000601-09.2020.5.02.0292



ROT 1000601-09.2020.5.02.0292

PROCESSO TRT/2ª REGIÃO 1000601-09.2020.5.02.0292 (RECURSO ORDINÁRIO) - 7ª TURMA

ORIUNDO DA 2ª VARA DO TRABALHO DE FRANCO DA ROCHA

RECORRENTE(S): TABATA HELENA MAIA TEIXEIRA e ESTADO DE SAO PAULO

RECORRIDO(S): OS MESMOS

RELATOR: FERNANDO MARQUES CELLI

A r. Sentença (fls. 419), cujo relatório adoto, decidiu pela PROCEDÊNCIA PARCIAL da ação.

Inconformados, o(s) litigantes apresenta(m) RECURSO ORDINÁRIO (fls. 500 e 516). Do RECLAMANTE, sobre rescisão indireta, horas extras, danos morais e honorários advocatícios. Da segunda RECLAMADA, sobre responsabilidade subsidiária, juros, correção monetária, custas e honorários advocatícios.

O(s) recurso(s) é(são) tempestivo(s) e subscrito(s) por procurador(es) devidamente habilitado(s), com custas e depósito recursal dispensados.

Contrarrazões (fls. 536 - não apresentadas pelas reclamadas).

É o relatório.

V O T O

Conheço do(s) recurso(s), porque atendidos os pressupostos de admissibilidade.

1- RECURSO DA RECLAMANTE

1-1 rescisão indireta

A recorrente não se conforma com a rejeição do pedido de rescisão indireta, postulando a reforma do julgado.

Da mesma forma que a justa causa do empregado deve ser pautada por motivos graves e relevantes os quais tornem insustentável a relação de emprego, com o empregador a condição é a mesma, requerendo também a demonstração de atos os quais impeçam a continuação do trabalho pelo empregado, como por exemplo, o atraso no pagamento dos salários ou o não pagamento destes, assédio moral sob várias de suas formas, sendo a mais comum a pressão extrema para cumprimento de metas entre outros da mesma natureza.

Pois bem.

Segundo o apelo, aduz o recorrente que a origem " não se atentou, ou não quis se atentar, nobre Julgador de Primeiro Grau que eram inúmeras as Faltas cometidas pela 1ª Recorrida, como por exemplo, o atraso do pagamento por mais de 30 dias do salário, não pagamento das férias e FGTS, direitos estes quem foram reconhecidos em sentença 08 (oito) meses após a recorrente ser notificada sobre sua dispensa e ainda não quitados pela 1ª Recorrida, e podemos ir além, tais direitos, na visão do M.M. Juiz de Primeiro grau, não serviram como provas de Falta cometida pelo Empregador.".

Contudo, como bem observado e fundamentado na sentença, foi apreciado o pedido de acordo com os limites da causa de pedir, a qual, no item 4, fls. 6/7 e item 4-1, fls. 7 e seguintes, deixa claro que o fundamento para a rescisão indireta é a falta de depósitos do FGTS:

"4 - DA RESCISÃO INDIRETA DO CONTRATO DE TRABALHO.

A reclamante requer a rescisão indireta do contrato de trabalho com fundamento no artigo 483, "d", da CLT, esclarecendo que nos termos do §3° do referido dispositivo legal, permanecerá no serviço até final decisão deste processo.

São fundamentos para a pretendida rescisão indireta:

4.1 - DA FALTA DE DEPOSITOS NA CONTA VINCULADA DO FGTS

(...)"

Nesses termos, a irregularidade constatada quanto ao FGTS não é grave o suficiente para justificar a rescisão indireta do contrato de trabalho. Isto porque não se trata de irregularidade capaz, por si só, de trazer prejuízos imediatos ao trabalhador (por não ser disponível, de imediato, ao empregado, não interfere na rotina alimentar do mesmo) e cuja situação irregular pode ser sanada ainda no curso da relação laboral, permitindo a manutenção do pacto. Destaco que o alegado atraso no pagamento dos salários sequer foi reconhecido pela sentença, que apenas deferiu o pagamento do aviso prévio indenizado, diferença de 13º salário proporcional de 2020 e férias simples de 2018/2019 e 2019/2020 acrescidas de 1/3, o que também, não é suficiente para o fim de autorizar a reforma da sentença.

Mantenho.

1-2 horas extras

Não prospera a pretensão obreira quanto ao recebimento de horas extras e reflexos.

Isto porque, conforme se infere às fls. 249 e seguintes, a reclamada acostou aos autos os controles de ponto com marcação de horários variáveis, então da parte autora o ônus da prova no particular, não se desvencilhando do encargo. Inclusive, em manifestação sobre a defesa e documentos, sequer impugnou os documentos ou ao menos apresentou alguma diferença a seu favor, encargo que lhe competia e do qual não se desvencilhou.

E, ao contrário do afirmado, não foram apresentados somente os cartões de 2018, mas, também, de 2017 e 2019, sendo certo que o fato de estarem ausentes poucos controles não importa na inversão do ônus da prova, quando a parte autora sequer apresenta alguma irregularidade nos documentos ou, ainda, repita-se, não apresenta qualquer diferença, ainda que em relação a um único mês.

Prevalece, assim, o decidido pela origem:

"A 1ª parte ré jungiu aos autos os controles de jornada sob os IDs d2fb1e7 e seguintes.

Pois bem, a parte autora não apontou a ausência de controles de jornada relativamente a algum período contratual, o que faz presumir a juntada dos referidos documentos relativamente a todo o período contratual.

Nesse particular, consigno que não cabe ao Juiz "garimpar" os documentos acostados aos autos para aferir a ausência de controle de jornada, cabendo à parte interessada, no caso a parte autora, demonstrar eventual descumprimento da obrigação pela parte adversa, o que não procedeu.

Diante do até aqui exposto, na ausência de qualquer prova em contrário nos autos, como meio de prova reconheço a validade das referidas folhas de ponto hábil a comprovar os horários de início e fim da jornada da parte autora.

Portanto, tendo a 1ª parte ré jungido aos autos os controles de ponto válidos, a empregadora se desvencilhou do seu ônus legal (art. 74, § 2º, CLT) e jurisprudencial (Súmula 338, I, do TST).

Considerados válidos os mencionados controles de jornada, deveria a parte autora demonstrar por amostragem a existência de horas extras sem a respectiva quitação /compensação, o que não procedeu, não cabendo ao Juiz "garimpar" os documentos acostados aos autos para verificar se o alegado labor em regime extraordinário incorretamente adimplido /compensado se mostraria presente no caso sub judice.

(...)

Não tendo havido qualquer demonstração de horas extras eventualmente registradas nos cartões de ponto juntados sem a contraprestação/compensação devida, julgo improcedente o pedido de pagamento de horas extras e repercussões."

Nego provimento.

1-3 danos morais

A configuração do dano moral pressupõe a violação quanto a algum ato lesivo à honra ou à dignidade do trabalhador. Dispõe o art. 5o , inciso X da Constituição Federal: "São invioláveis a intimidade, a vida, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.". Nesse passo, compreende-se o dano moral como a ofensa ao patrimônio ideal da pessoa, capaz de razoavelmente atingir o indivíduo médio em seu senso de dignidade e autoestima causando-lhe sofrimento. Este há de ser presumível como resultante de acometimento subjetivo capaz de desestruturar o equilíbrio psíquico-emocional do ofendido.

A violação de direitos trabalhistas pelo atraso ou não pagamento de verbas rescisórias ou a sonegação de outros direitos, como aqueles indicados na causa de pedir (atrasar os salários, cortar o convênio médico, não pagar o vale compras, não fornecer o vale transporte corretamente), por não afetar diretamente a personalidade ou a honra, não enseja a caracterização de dano moral. Os efeitos produzidos pela inadimplência do empregador são objeto de reparação no campo estritamente material, vez que assim disciplina a legislação aplicável à espécie. Ademais, não se pode perder de vista o escopo da norma, sob pena de banalização do instituto, a ponto de permitir que os pedidos de reparação moral se transformem em negócio lucrativo para as partes, deturpando o sistema jurídico-trabalhista e afastando o senso da verdadeira justiça.

Ainda que se admita que a rescisão do contrato e o não pagamento de verbas salariais ou rescisórias possa ocasionar transtornos tanto ao demandante como a qualquer indivíduo médio, o inadimplemento assim verificado não é fator hábil a gerar indenização por danos morais.

Aduz, ainda, a recorrente que, em face de não receber o vale transporte corretamente, foi vítima de estupro eis que, não tendo dinheiro para passagem, foi obrigada a retornar do serviço para sua residência à pé.

Inicialmente, destaco que, no apelo, a reclamante apresenta diversas contas de diferenças entre o valor pago e o recebido, contudo, na causa de pedir, a pretensão é apenas de diferenças pela quantidade fornecida, e não pelo valor, pois está incontroverso que a reclamada fornecia duas passagens por dia e a reclamante diz que precisa de quatro. A causa de pedir vem assim apresentada: "A reclamante, desde sua contratação em Maio de 2017 a cumpri jornada das 06h00 às 16h00, de segunda a sexta-feira, sendo que neste período sempre recebeu o valor correspondente 2 vales transporte por dia trabalhado (uma passagem de ida e uma de volta). Para se deslocar entre a sua residência e o local de trabalho e vice-versa, a reclamante necessita de 04 passagens por dia, ou seja, duas passagens para ir e mais duas para voltar. (...)Diante disto, Requer o pagamento de diferenças de vale transporte, considerando que houve supressão total do benefício até a rescisão contratual a ser oportunamente declarada nestes autos:". E, o pedido, fls. 27, confirma tal alegação: "6.17 - PAGAR diferenças de vale transporte, considerando que houve supressão parcial do benefício, uma vez que foi concedido apenas metade do vale transporte utilizado para o trajeto até o transporte no valor de R$ 7.180,80 (sete mil, cento e oitenta reais, e oitenta centavos)."

Nesse passo, a tese do apelo no particular representa alteração dos limites da lide.

Assim, a sentença é irretocável no particular:

"A 1ª parte ré instruiu os autos com declaração da parte autora referente à solicitação do benefício, com a indicação da necessidade de duas conduções diárias para ir e voltar do trabalho (ID 993d86d), fato compatível com a consulta no Google Maps, ora realizada, onde se verifica que a parte autora poderia utilizar da linha de ônibus 216 para se deslocar de sua residência para ambos os locais de trabalho informados no item 3 de ID 49535f7 - Pág. 3, e vice versa.

Assim, considerando que a parte autora confessou na inicial que sempre recebeu o valor correspondente a duas conduções diárias a título de vale transporte, e que, conforme acima exposto, era necessário o uso de apenas uma linha de ônibus para referido deslocamento, julgo improcedente o pedido de pagamento de diferenças de vale transporte."

E, quanto ao mérito propriamente dito em relação ao dano moral, existência ou não de nexo de causalidade, o apelo também não apresenta argumentos capazes de alterar o bem decidido pela origem e assim fundamentado:

"Por outro lado, verifico que a 1ª parte ré depositou, a título de vale transporte, o valor total de R$ 269,70 nos dias 19/03/2018 e 26/04/2018 (ID 52e2f5d - Págs. 1 e 3, 76b81f8 - Pág. 1, e confissão no ID 49535f7 - Pág. 4), o qual era suficiente para a utilização de transporte público no trajeto de sua casa para o trabalho, e vice versa, até o dia controvertido de 03/05/2018 até 07/05/2018, quando recebeu o valor de R$ 87,00 para a mesma finalidade (ID 76b81f8 - Pág. 2), considerando a frequência ao trabalho constante dos controles de jornada de ID c8a1d57 - Pág. 3 a 5 e o valor diário para ambos os trajetos (R$ 8,40) constante do documento de ID 993d86d.

Assim, inobstante os documentos de IDs 213cdb8, f5bcbde e c5178e9 e o horário de saída do trabalho constante do controle de frequência de ID c8a1d57 - Pág. 5 corroborem a alegação da inicial de que foi vítima de violência sexual no trajeto do trabalho para sua residência no dia 03/05/2018, entendo não demonstrado o alegado nexo de causalidade entre este fato e qualquer conduta (ação ou omissão) da 1ª parte ré, sendo certo que não havia necessidade de mais duas conduções diárias para a realização do trajeto de ida e volta para o trabalho, conforme já analisado alhures.

Portanto, inexistindo nexo de causalidade, um dos pressupostos da responsabilização civil, afasta-se a possibilidade de responsabilização da 1ª parte reclamada, eis que não se integralizaram os elementos essenciais para tal responsabilização (art. 927 do Código Civil)."

Destarte, não obstante a trágica situação vivida pela recorrente, certo é que, no caso em estudo, não vislumbro elementos que autorizem a conclusão de que a reclamada tenha agido com culpa no evento que vitimou a reclamante, razão pela qual nego provimento ao recurso também quanto a este ponto.

1-4 honorários advocatícios

Conquanto a parte autora não tenha apresentado tópico específico em relação ao tema, mas, diante do que consta no item 1-6, fls. 515 da conclusão, passo a análise, rejeitando a pretensão obreira eis que, nos moldes do artigo 791-A da CLT, com sua nova redação:

Art. 791-A. Ao advogado, ainda que atue em causa própria,serão devidos honorários de sucumbência, fixados entre o mínimo de 5% (cinco por cento) e o máximo de 15% (quinze por cento) sobre o valor que resultar da liquidação da sentença, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa. (Artigo incluído pela Lei n° 13.467/2017 - DOU 14/07/2017)

E, de acordo com o § 2º do mesmo artigo, foram fixados os critérios para o arbitramento do percentual devido em relação aos honorários sucumbenciais, quais, sejam, o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação do serviço, a natureza e a importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.

Nesses termos, a fixação dos honorários de sucumbência recíproca no percentual de 5% está de acordo com os critérios legais e fixados dentro dos limites previstos pela norma acima referida, não oferecendo o recorrente elementos os quais sejam suficientes para autorizar a procedência do pleito, eis que atendidos os princípios da proporcionalidade e equidade.

Mantenho.

2- RECURSO DO SEGUNDO RECLAMADO (Estado de São Paulo)

2-1 responsabilidade subsidiária

Esclarece-se, primeiramente, que a petição inicial não postula o reconhecimento do vínculo empregatício com a segunda reclamada, razão pela qual não cabe qualquer consideração nesse particular. A questão é de outra ordem, ou seja, concernente à sua responsabilidade ou não pelos eventuais créditos trabalhistas devidos pela real empregadora do reclamante (responsabilidade subsidiária).

Quanto ao mérito da controvérsia, propriamente dito, deve ser destacado que, com a recente decisão do STF apreciando a Ação Direta de Constitucionalidade nº 16, no dia 24 de novembro de 2010, a matéria envolvendo a responsabilidade da Administração Pública nos casos de terceirização de mão obra ganhou novos e relevantes aspectos. Isto porque, o plenário do STF, ao analisar a ADC, declarou a constitucionalidade do artigo 71, § 1º da Lei 8.666/93 (Lei das Licitações). Todavia, o Pretório Excelso reconheceu nesta mesma decisão, que isso não significaria que eventual omissão da Administração Pública, na obrigação de fiscalizar as obrigações do contratado, não viesse a gerar sua responsabilização.

Importante consignar que previamente ao julgamento, o presidente do STF e relator da ADC, ministro Cezar Peluso, justificou o seu voto pelo arquivamento da matéria. Segundo ele, não havia controvérsia a ser julgada, uma vez que o TST, ao editar a Súmula 331, não declarou a inconstitucionalidade do artigo 71, parágrafo 1º, da Lei 8.666. Ainda segundo o ministro, o presidente do TST, solicitado a prestar informações sobre o caso, relatou que aquela Corte reconhece a responsabilidade da administração com base em fatos, isto é, no descumprimento das obrigações trabalhistas, não com base na inconstitucionalidade da norma em discussão. "Como ele não tem dúvida sobre a constitucionalidade, não há controvérsia", concluiu o ministro presidente. Mas, segundo o presidente do STF, isso "não impedirá o TST de reconhecer a responsabilidade, com base nos fatos de cada causa". "O STF não pode impedir o TST de, à base de outras normas, dependendo das causas, reconhecer a responsabilidade do poder público", observou ele, em outra intervenção. Ainda conforme o ministro, o que o TST tem reconhecido é que a omissão culposa da administração em relação à fiscalização de seus contratados gera responsabilidade.

Em resumo, ao editar Súmula 331 o TST apenas definiu o alcance do artigo 71 da Lei 8.666/93, concluindo que aludido dispositivo legal visa a exonerar a Administração Pública da responsabilidade principal, original ou primária, atribuída ao contratado, prestador dos serviços, mas, não a exime da responsabilidade subsidiária.

Assim, temos que a decisão do STF, na ADC 16, não pode incutir no julgador a generalização dos casos, até mesmo porque a matéria deve ser apreciada, não somente com base no artigo supracitado, mas, também, à luz de outras normas previstas na mesma Lei de Licitações, como em outros textos legais. Em suma, deve ser levado em consideração se a inadimplência do empregador tem como uma de suas causas a omissão ou a falta de fiscalização pelo órgão público contratante.

Ora, a terceirização de serviços implica em uma série de cuidados para com a parte contratante. Deve haver, por parte desta, um mínimo de fiscalização, procurando sempre diligenciar no tocante ao cumprimento das obrigações trabalhistas dos empregados da empresa contratada, como, inclusive, é o que se conclui pelo disposto no artigo 67 da própria Lei de Licitações. Inclui-se, nesse dever de diligência, a verificação quanto à idoneidade e situação financeira da contratada, sob pena de incorrer na culpa in eligendo e in vigilando, figuras do Direito Civil e aplicáveis, também, no Direito do Trabalho. Nesses termos, não se cogita de ilegitimidade de parte do(s) contratante(s) pelo simples fato de utilizar mão-de-obra de terceiros. Note-se, inclusive, que o órgão público que contrata através de processo licitatório possui meios eficazes de fiscalizar haja vista as penalidades que pode aplicar ao contratado, quando este não cumpre as obrigações por ele assumidas, com se infere da leitura do artigo 87 e incisos da lei em referência.

Registre-se, portanto, que é dever da Administração Pública exigir da empresa que lhe oferece a mão de obra a comprovação mensal dos registros dos funcionários, bem como do cumprimento das obrigações trabalhistas e previdenciárias. Desse modo, existindo irregularidades no contrato de trabalho, sem a devida correção pela empresa contratada, e sem a fiscalização pelo órgão público contratante, resta caracterizada a culpa de sua parte. Não pode o Estado se valer das leis administrativas, ou afastá-las de si, de acordo com a sua conveniência, abraçando o direito do trabalho apenas quando lhe for mais interessante. Se os particulares devem saber escolher seus fornecedores (dever de diligência mínima), por óbvio que o Poder Público deve fazer o mesmo, e ainda com maior zelo, por lhe incumbir a gestão dos interesses da coletividade. Sustentar o contrário é defender que a Administração Pública possa, através de ação ou omissão, gerar prejuízos a terceiros sem responder pelos seus atos, interpretação que não encontra amparo na Constituição Federal.

Ademais, diante da fundamentação supra e considerando que ao celebrar o contrato de prestação de serviços com a primeira ré a segunda se beneficiou diretamente da força de trabalho do autor, deverá responder, de forma subsidiária, pelo inadimplemento da obrigação do empregador, entendimento este extraído da leitura dos artigos 186, 927 e 942 do Código Civil, c/c artigo 8º, § único da CLT. Não se olvide, ainda, do disposto no § 6º do artigo 37 da Constituição Federal. Isto porque a interpretação literal do artigo 71 da Lei de Licitações, em detrimento da exegese sistemática, despreza o ordenamento jurídico de proteção ao trabalhador e não se harmoniza com as disposições da Constituição Federal, que tem como primado o Estado democrático, a dignidade humana, a valorização do trabalho e a ordem social com o objetivo de assegurar o bem estar e a justiça social.

Dessa forma, o simples fato da primeira reclamada ter participado de processo licitatório não afasta a responsabilidade da segunda reclamada, até mesmo porque sua responsabilidade não finaliza no momento em que se encerra o processo licitatório. Tampouco há fundamento para que a responsabilidade subsidiária se concentre apenas em parcelas de natureza salarial ou que, uma vez pagos os valores em sede de responsabilidade subsidiária, seja a fonte pagadora isenta de suas responsabilidades fiscais. A responsabilidade em questão abrange todas as verbas objeto de condenação, porque a obrigação subsiste em face de todos os desdobramentos do contrato.

Destaco estar incontroverso o labor da reclamante para a recorrente durante todo o seu contrato de trabalho. Ainda, a recorrente não juntou qualquer documento aos autos capaz de comprovar a fiscalização do contrato do reclamante com a primeira reclamada. E, no tange à alegação do ônus da prova, mesmo considerando ser encargo do autor, resta evidente que, diante, da prova dos autos e das verbas deferidas na sentença de origem (férias mais 1/3 e diferenças do FGTS), restou comprovado que a fiscalização não foi eficaz, então, prevalece a fundamentação supra e o decidido na origem.

Destarte, a recorrente deverá permanecer no pólo passivo da reclamatória, respondendo de forma subsidiária por todos os créditos deferidos ao reclamante em relação ao contrato de trabalho mantido com a primeira ré.

Nego provimento.

2-2 juros, correção monetária e custas

Inicialmente, em relação às custas processuais, falta interesse à recorrente eis que a sentença foi expressa ao condenar apenas a primeira reclamada no pagamento.

No tocante aos juros, decidiu a sentença como sendo de 1% ao mês, sem capitalização, incidentes sobre o valor atualizado e a partir do ajuizamento da ação (Lei 8.177/1991, art. 39; TST, Súm. 200), não prevalecendo a tese do apelo, diante da condenação da recorrente apenas de forma subsidiária, aplicando-se a Súmula 09 deste Regional.

Também, não há se falar, seja em relação aos juros ou correção monetária, da aplicação da Orientação Jurisprudencial 07 do Tribunal Pleno pela mesma razão (condenação de forma subsidiária).

Quanto a época própria para aplicação da correção monetária, correto o apelo ao pretender aplicação da Súmula nº 381 do C. TST. E, quanto ao índice da correção, a sentença não fixou, deixando para a fase de liquidação. Nesses termos, e considerando os respeitáveis entendimentos anteriores desta Egrégia Turma decorrentes de alterações legislativas e controvérsia jurisprudencial sobre a matéria, bem como o teor da recente decisão proferida pelo Ministro Gilmar Mendes, em agravo regimental na ADC 58 e, ainda, para que se evite seja protelada a prestação jurisdicional com a suspensão do processo, entendo necessário que o índice de correção monetária seja fixado no momento processual oportuno, conforme critérios definidos pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade 58, com efeito vinculante, visando, assim, dar efetividade à prestação jurisdicional sem qualquer prejuízo às partes.

Reformo nesses termos.

2-3 honorários advocatícios

Considerando os limites devolvidos ("Tratando-se de reclamação trabalhista proposta após 11.11.2017 (entrada em vigor da Lei federal n.º 13.467/2017) os honorários advocatícios deverão observar os critérios fixados no artigo 791-A da CLT. Diante da natureza da presente lide e da complexidade observada, requer sejam os honorários advocatícios, caso deferidos, fixados em seu patamar mínimo (5%), em conformidade aos parâmetros delineados no art. 791-A, §2º, da CLT.")e o disposto na sentença, verifico não existir pronunciamento desfavorável capaz de autorizar a interposição do recurso no particular.

3- PREQUESTIONAMENTO

Ficam prequestionados todos os argumentos e regramentos mencionados pelas partes, sendo desnecessária a oposição de embargos de declaração com exclusiva finalidade.

É o voto.

Posto isto, ACORDAM os Magistrados da 7ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região em: CONHECER do(s) recurso(s) e, no mérito, NEGAR PROVIMENTO ao recurso do reclamante e DAR PROVIMENTO PARCIAL ao recurso da segunda reclamada para determinar a aplicação da Súmula nº 381 do C. TST na apuração da correção monetária, bem como determinar que o índice de correção monetária seja fixado no momento processual oportuno, conforme critérios definidos pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta de Constitucionalidade 58, com efeito vinculante, tudo na forma da fundamentação supra.

POR UNANIMIDADE DE VOTOS.

Presidiu o julgamento a Excelentíssima Desembargadora Dóris Ribeiro Torres Prina.

Tomaram parte do julgamento os Excelentíssimos Magistrados Federais do Trabalho:

Fernando Marques Celli (RELATOR)

Dóris Ribeiro Torres Prina (REVISORA)

Celso Ricardo Peel Furtado de Oliveira

Sustentação oral: Dr. Antonio Carlos Januario.

FERNANDO MARQUES CELLI

RELATOR

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