TRT 02/SP - INFORMATIVOS NOTÍCIAS e JURISPRUDÊNCIA 2022 - 02

Data da publicação:

Acordão - TRT

Benedito Valentini - TRT/SP



Integrante de grupo familiar é mantida no polo passivo da demanda por fazer parte do núcleo da prestação do serviço doméstico. Proc. 1000033-79.2021.5.02.0446



PROCESSO TRT/SP PJe Nº 1000033-79.2021.5.02.0446

RECURSO ORDINÁRIO DA 06ª VT DE SANTOS

RECORRENTE: ADRIANA RODRIGUES FIGUEREDO MASCARENHAS

RECORRIDOS:

1. JOSEFA MARIA DA SILVA

2. MARIA RODRIGUES NEGRO

RELATOR: DES. BENEDITO VALENTINI

EMENTA

RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA. RELAÇÃO DE EMPREGO DOMÉSTICO. DEFINIÇÃO DO EMPREGADOR. A inclusão da família como ente empregador decorre das peculiaridades das atividades do empregado doméstico, sendo certo que a direção da prestação pessoal de serviços não é oriunda de uma única pessoa, mas de diversas, em conformidade com o caso concreto. Ademais, a residência do empregador, para efeitos da relação de emprego doméstico, não compreende apenas o lugar onde mora, mas também suas extensões, onde quer que se faça necessária a prestação de serviços em benefício das pessoas integrantes de seu núcleo familiar, o que se coaduna com a hipótese analisada nos autos. Recurso ordinário da ré ao qual se nega provimento em relação ao aspecto.

RELATÓRIO

Inconformada com a r. sentença registrada sob ID nº 1fe4e33, cujo relatório adoto, e que julgou PROCEDENTES EM PARTE os pedidos formulados na presente reclamação trabalhista, dela recorre ordinariamente a reclamada Adriana Rodrigues Figueredo Mascarenhas, pelas razões registradas sob ID nº 79115f8.

Invoca a recorrente, em síntese, preliminar de ilegitimidade passiva ad causam, sob a alegação de que a verdadeira empregadora da reclamante era a Sra. Maria Rodrigues Negro, não possuindo qualquer responsabilidade pelos créditos reconhecidos na presente reclamação. No mérito, pugna a recorrente pela reforma da sentença em relação aos seguintes aspectos; 1) improcedência de todos os pedidos formulados na prefacial, considerando que, desde sua peça contestatória, negou veementemente a prestação de serviços em seu favor, não se desvencilhando a obreira do encargo de demonstrar a existência dos requisitos da relação de emprego, em face de sua pessoa. Faz ampla exposição para corroborar sua tese, concluindo, ao final, que a Sra. Maria Rodrigues Negro foi a única beneficiária de sua força de trabalho; 2) manutenção da justa causa aplicada à reclamante, em razão da quebra de confiança existente entre as partes, além de inexistir qualquer conduta capaz de justificar sua condenação por danos morais; 3) exclusão de sua condenação nas verbas rescisórias e multas previstas nos artigos 467 e 477, da CLT, considerando que jamais foi a empregadora da reclamante; 4) não cabimento dos recolhimentos previdenciários e fiscais, já que a autora era cadastrada no eSocial; e, por fim, 5) condenação da obreira nas penalidades por litigância de má-fé, pelo fato de ter indicado pessoa totalmente estranha ao seu contrato de trabalho.

Recorrente dispensada do preparo, por ser beneficiária da justiça gratuita.

Recurso tempestivo e subscrito por advogada com procuração nos autos.

Sem contrarrazões da reclamante.

É o relatório.

FUNDAMENTAÇÃO

V O T O

1. DO CONHECIMENTO

Conheço da presente medida recursal interposta pela reclamada (Adriana Rodrigues Figueredo Mascarenhas), pois preenchidos os seus pressupostos de admissibilidade.

2. DA PRELIMINAR

Da ilegitimidade passiva ad causam

Conforme acima relatado, invoca a recorrente preliminar de ilegitimidade passiva ad causam, sob a alegação de que a verdadeira empregadora da reclamante era a Sra. Maria Rodrigues Negro, não possuindo qualquer responsabilidade pelos créditos reconhecidos na presente reclamação.

No entanto, deve ser repelida a preliminar em análise, na medida em que a legitimidade passiva ad causam decorre do fato de ser a recorrente uma das pessoas indicadas para suportar os efeitos oriundos da sentença, na hipótese de procedência dos pedidos.

Em tal contexto, a existência ou não da obrigação vindicada, ou de sua eventual responsabilização pelos créditos deferidos na Origem, em virtude do contrato de trabalho existente com a reclamante, encerra matéria de mérito, tornando indiscutível que a constatação da legitimidade passiva requer o enfrentamento da questão de fundo.

Rejeito a preliminar invocada, portanto.

3. DO MÉRITO

3.1 Do alegado equívoco na composição do polo passivo da presente reclamação

No mérito, insiste a recorrente que os pedidos formulados na presente reclamação deverão ser julgados totalmente improcedentes, sob o argumento de que, desde sua peça contestatória, negou veementemente a prestação de serviços em seu favor, não se desvencilhando a obreira do encargo de demonstrar a existência dos requisitos da relação de emprego, em face de sua pessoa. Faz ampla exposição para corroborar sua tese, concluindo, ao final, que a Sra. Maria Rodrigues Negro foi a única beneficiária de sua força de trabalho.

No entanto, razão não assiste à recorrente.

Isso porque, a inclusão da família como ente empregador decorre das peculiaridades das atividades do empregado doméstico, sendo certo que a direção da prestação pessoal de serviços não é oriunda de uma única pessoa, mas de diversas, em conformidade com o caso concreto.

E, na hipótese em discussão, restou evidenciado que as atividades desempenhadas pela demandante voltavam-se exclusivamente ao auxílio destinado à pessoa idosa integrante do núcleo familiar da recorrente, de forma contínua e sem qualquer finalidade lucrativa, e o que é mais relevante, com a presença dos elementos fático-jurídicos característicos da relação de emprego doméstico.

Nesse sentido, a própria recorrente admitiu, em seu depoimento pessoal, que era a responsável direta pela parte burocrática do contrato de trabalho existente com a reclamante, fazendo as anotações de sua CTPS, além de ter sido a única pessoa da família a receber a doação de seu imóvel, no qual passou a residir, após o falecimento da Sra. Maria Rodrigues Negro. Nos termos consignados pela reclamada em Juízo:

"(...) 1. que a depoente mora atualmente na Praça de Independência, que foi casa da Dona Maria, tia-avó da depoente (...) 8. que Dona Maria doou o apartamento à depoente em 2018; 9. que a depoente não tinha herdeiros necessários; 10. que a Dona Maria não deixou bens, somente dívidas (...) 12. que a reclamante trabalhava para Dona Maria no apartamento da Praça da Independência; 13. que não se recorda se foi a depoente quem preencheu o contrato de trabalho na CTPS da reclamante; 14. que as vezes fazia serviços de advocacia à família; 15. que poderia ter sido a depoente quem preencheu a CTPS da reclamante (...) (grifei)

Infere-se, assim, que a obreira prestava serviços em prol de sua família, ainda que voltados à assistência de sua tia-avó idosa.

Mas não é só. Chamo atenção, por oportuno e relevante, que o local da prestação dos serviços em nada favorece a tese formulada pela defesa, na medida em que a residência do empregador, para efeitos da relação de emprego doméstico, não compreende apenas o lugar onde mora, mas também suas extensões, onde quer que se faça necessária a prestação de serviços em benefício das pessoas integrantes de seu núcleo familiar, o que se coaduna com a hipótese analisada no feito.

Por fim, refoge da razoabilidade e do bom senso admitir que a tia-avó da reclamada, Sra. Maria Rodrigues Negro, em razão de sua idade avançada, bem como pelo fato de ser cadeirante (vide doc. ID nº e97d0b2), possuísse o pleno discernimento e liberdade para gerenciar o contrato de trabalho de sua empregada doméstica, dar ordens quanto à organização da casa, estabelecer os horários de alimentação, dentre outras atribuições de uma residência, circunstância esta que, mais uma vez, reforça a conclusão de que a recorrente era a legítima empregadora da demandante, dirigindo a prestação pessoal de serviços da obreira.

Assim sendo, nada a modificar em relação à inclusão da reclamada no polo passivo da presente demanda.

3.2 Da justa causa e indenização por danos morais

Pugna a ré pela manutenção da justa causa aplicada à reclamante, em razão da quebra de confiança existente entre as partes, além de não ter sido caracterizada qualquer conduta capaz de justificar sua condenação por danos morais.

Analisando todo processado, razão parcial assiste à recorrente, no que tange aos danos morais.

Primeiramente, cumpre-me esclarecer que a justa causa, como pena máxima que autoriza a rescisão do contrato de trabalho, sem ônus ao empregador, há de ser exaustivamente provada, de modo a deixar induvidoso o ato ilícito do empregado, no que diz respeito à violação de alguma obrigação legal e/ou contratual. E, na hipótese em análise, o fato é que nem mesmo a reclamada soube explicar os motivos que levaram à aplicação da referida penalidade à autora, apenas invocando a lavratura de um boletim de ocorrência, segundo o qual teria ocorrido um desentendimento entre a Sra. Maria Rodrigues Negro e a autora. E nada mais.

Por essa forma, não há mesmo como se concluir, de forma inequívoca e segura, que tenha ocorrido alguma das situações previstas no artigo 482, da CLT, ou seja, revestidas de gravidade suficiente a ensejar a rescisão contratual por justa causa. Por consequência, correta a r. sentença originária, ao concluir que a rescisão contratual da autora ocorreu de forma imotivada.

No mais, é certo que a pena máxima aplicada a qualquer trabalhador poderá se revelar extremamente prejudicial à vida profissional e até mesmo pessoal. Contudo, o reconhecimento judicial de que a dispensa não poderia ter sido levada a efeito sob tal modalidade é dado suficiente para retirar eventual mácula a manchar o caráter, a imagem e a dignidade da demandante. A dispensa por justa causa, isoladamente considerada, não pode ser considerada motivo suficiente a autorizar a condenação da ré no pagamento da indenização postulada.

Acrescento, também, que os supostos danos sofridos pela reclamante, uma vez configurados nos autos, serão devidamente reparados, com base na legislação vigente, sendo certo que a reversão judicial da dispensa motivada, em princípio, constitui via relevante a retirar eventual mácula aos aspectos subjetivos qualificadores de seu caráter prejudicial.

Não vislumbro, pois, a existência de prejuízo moral, com perda de autoestima e abalo da imagem pessoal junto a familiares e pessoas de seu relacionamento, a ensejar qualquer indenização a título de danos morais, assim como alegado pela defesa.

Logo, dou provimento ao recurso da ré, para afastar sua condenação na indenização por danos morais postulada.

3.3 Das verbas rescisórias e multas previstas nos artigos 467 e 477, da CLT

Insiste a recorrente na exclusão de sua condenação nas verbas rescisórias e multas previstas nos artigos 467 e 477, da CLT, na medida em que jamais foi a empregadora da reclamante.

Primeiramente, a teor do que restou decidido no item 3.1 acima, uma vez mantida a responsabilização da recorrente pelo contrato de trabalho existente com a autora, diante da inclusão da família como ente empregador, resta evidente que esta deverá arcar com o pagamento das verbas rescisórias, em decorrência da reversão da justa casa aplicada.

Entretanto, diante da controvérsia instaurada em torno da modalidade de extinção contratual da autora, e considerando o entendimento cristalizado na Súmula nº 33, item I, desta E. Corte, bem como os limites do pedido, revela-se mesmo incabível a aplicação da multa prevista no artigo 477, da CLT.

Cabe considerar, aqui, que a indigitada penalidade somente é devida quando não observado o prazo para pagamento das verbas rescisórias, do modo previsto no § 6º, do artigo 477, da CLT, não tendo as parcelas sub judice o condão de ensejar a mora da empresa.

Do mesmo modo, a incidência da multa prevista no artigo 467, da CLT, requer, inexoravelmente, a constatação de que se trate de parcela de natureza rescisória incontroversa, o que, efetivamente, não se observa no caso vertente. É que não houve o reconhecimento, em sede de audiência e de defesa escrita, de verbas rescisórias, sem o devido pagamento.

Provejo parcialmente, portanto, para excluir da condenação as multas previstas nos artigos 467 e 477, da CLT.

3.4 Dos recolhimentos previdenciários e fiscais

Defende a recorrente que são incabíveis os recolhimentos previdenciários e fiscais determinados na sentença, já que a autora era cadastrada perante o eSocial.

No entanto, a teor do que restou decidido nos itens precedentes, considerando que as parcelas postuladas pela obreira foram reconhecidas tão-somente com a propositura da presente reclamação trabalhista, resta evidente que são devidos os recolhimentos previdenciários e fiscais pertinentes, na forma da lei, observando-se o entendimento pacificado na Súmula nº 368, item III, do C. TST.

Desprovejo, portanto.

3.5 Das penalidades por litigância de má-fé

No mais, afirma a reclamada que a obreira deverá ser condenada nas penalidades por litigância de má-fé, pelo fato de ter indicado pessoa totalmente estranha ao seu contrato de trabalho.

No entanto, a teor do que restou decidido no item 3.1 acima, infere-se que a reclamante não cometeu qualquer arbitrariedade ao indicar a recorrente como responsável pelo seu contrato de trabalho, não subsistindo, assim, os fundamentos invocados em seu apelo, com vistas ao deferimento das penalidades por litigância de má-fé.

Como se não bastasse, o fato é que a demandante apenas exercitou o direito constitucional à ampla defesa de seus direitos, sendo a controvérsia existente nos autos suficiente para afastar as penalidades em análise.

Logo, nego provimento ao apelo.

4. QUESTÃO DE ORDEM PÚBLICA

4.1 Da atualização dos créditos

Considerando que os juros de mora e a correção monetária constituem matéria de ordem pública, e que a r. sentença originária não adotou expressamente a decisão proferida pelo E. STF nas ADC's nº(s) 58 e 59, a qual possui efeito vinculante, imperioso que se ajuste os consectários legais da condenação ao julgado e, assim, evitar maiores celeumas jurídicas na execução, como eventual alegação futura de inexigibilidade de título judicial fundado em interpretação contrária ao posicionamento do E. STF, com fulcro no artigo 525, §§ 12 e 14.

Por essa forma, considerando a decisão proferida pelo Plenário do E. STF, nas ADC's nº(s) 58 e 59 e ADI's nº(s) 5.867 e 6.021, a qual detém eficácia erga omnes e efeito vinculante, por força das disposições contidas na Lei nº 9.868/1999 (artigo 28, parágrafo único), a atualização dos créditos deverá observar, até que sobrevenha solução legislativa, a incidência do IPCA-E, na fase pré-judicial, e, a partir do ajuizamento da ação, a taxa SELIC, nos termos decididos.

4.2 Dos honorários advocatícios sucumbenciais a cargo da reclamada Adriana Rodrigues Figueredo Mascarenhas

Finalmente, o artigo 791-A, caput, da CLT, determina a responsabilização das partes, no Processo do Trabalho, por honorários advocatícios sucumbenciais. Referido comando legal não foi declarado inconstitucional na recente e pública decisão proferida pelo E. STF, no bojo da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 5766/DF, ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Entretanto, a exigibilidade da obrigação, na hipótese de a parte ser beneficiária da justiça gratuita, ficou condicionada à cessação das condições que levaram à concessão da gratuidade da justiça.

Por essa forma, considerando que a reclamada é beneficiária da justiça gratuita, conforme constou da r. sentença de embargos declaratórios, os honorários somente poderão ser exigidos dela caso os respectivos credores demonstrem ter deixado de existir a situação de hipossuficiência econômica que ensejou a concessão da gratuidade, nos termos da decisão vinculante do E. STF, na ADI nº 5766/DF.

Presidiu o julgamento a Excelentíssima Senhora Desembargadora Maria Elizabeth Mostardo Nunes.

 Tomaram parte no julgamento os Excelentíssimos Senhores Magistrados Federais do Trabalho Benedito Valentini (Relator), Jorge Eduardo Assad (Revisor) e Paulo Kim Barbosa.

 Votação: Unânime.

ACORDAM os Magistrados da 12ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região em: conhecer da presente medida recursal interposta pela reclamada Adriana Rodrigues Figueredo Mascarenhas e, no mérito, dar-lhe parcial provimento, para (a) afastar as multas previstas nos artigos 467 e 477, da CLT; e, por fim, (b) excluir sua condenação por danos morais, tudo, nos termos da fundamentação do voto de Relator. Os honorários advocatícios sucumbenciais devidos pela reclamada somente poderão ser exigidos dela caso os respectivos credores demonstrem ter deixado de existir a situação de hipossuficiência econômica que ensejou a concessão da gratuidade processual, nos termos da decisão vinculante do E. STF, na ADI nº 5766/DF. A atualização dos créditos deverá observar, até que sobrevenha solução legislativa, a incidência do IPCA-E, na fase pré-judicial, e, a partir do ajuizamento da ação, a taxa SELIC, nos termos decididos. Custas processuais mantidas.

Des. Benedito Valentini

Relator

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