TRT 02/SP - BOLETIM DE JURISPRUDÊNCIA - 2022 0005 - 19/05/2022

Data da publicação:

Acordão - TRT

Anneth Konesuke - TRT/SP



Cessão de Crédito



PROCESSO TRT/SP Nº 1000513-87.2020.5.02.0027

AGRAVO DE PETIÇÃO

AGRAVANTES: LOURIVAL EDUARDO FERNANDES PIMENTA e NELY ROSA ARAÚJO PIMENTA

AGRAVADOS: MAURÍLIO OLIVEIRA DE LACERDA e HANNA INCORPORAÇÕES E VENDAS LTDA

ORIGEM: 27ª VARA DO TRABALHO DE SÃO PAULO/SP

RELATORA: ANNETH KONESUKE

EMENTA

Com a cessão do crédito trabalhista, a qualidade de credor da dívida foi transferida a outrem, passando o cessionário à qualidade de detentor do direito que se busca satisfazer através do procedimento executório. Portanto, o devedor (que permanece nessa qualidade) deve saldar a dívida não mais ao exequente da ação originária (que já recebeu pelo crédito cedido), mas sim, ao cessionário, que assumiu a qualidade de credor. Dessa forma, o crédito cedido não mais se reveste das prerrogativas inerentes ao procedimento executório trabalhista, já que o exequente não mais detém o direito de cobrar esta dívida na Justiça do Trabalho. Isto porque, ainda que o crédito tenha sido constituído a partir de uma relação trabalhista, a natureza do negócio jurídico celebrado entre o exequente e um terceiro alheio ao universo processual trabalhista é eminentemente civil. Assim, a relação formada entre devedor e cessionário refoge à competência desta Justiça Especializada (art. 114 da Constituição Federal). (Proc. 1000513-87.2020.5.02.0027 -17ª Turma - AP - Rel. Anneth Konesuke - DeJT 18/03/2022).

RELATÓRIO

Inconformados com a r. sentença de fls. 599/601, complementada pela decisão aclaratória de fls. 610/611, que julgou improcedentes os embargos de terceiro, agravam de petição, através das razões de fls. 614/677, Lourival Eduardo Fernandes Pimenta e Nely Rosa Araújo Pimenta, atuais proprietários do imóvel objeto da constrição levada a efeito nos autos da ação principal (Processo nº 0304600-12.1992.5.02.0027) em que são partes: Maurílio Oliveira de Lacerda e Manaus Atacadão Ltda (fls. 236 e seguintes).

Tempestividade observada.

Contraminuta apresentada às fls. 682/742.

É o relatório.

FUNDAMENTAÇÃO

1. Consideração inicial

Recebidos estes autos da 9ª Turma por prevenção deste órgão fracionário, conforme decisão de fls. 757/758 da Exma. Juíza Convocada Valéria Pedroso de Moraes.

O presente feito foi distribuído por dependência ao processo principal nº 0304600-12.1992.5.02.0027, em que são partes: Maurílio Oliveira de Lacerda e Manaus Atacadão Ltda (fls. 236 e seguintes).

Em consulta aos autos principais, verifica-se que em 13/08/2012 foram opostos embargos de terceiro por OPTR2 Empreendimentos Ltda, os quais foram autuados sob nº 0001136-52.2012.5.02.0027 e julgados improcedentes pelo MM. Juízo da 27ª VT de São Paulo/SP. Posteriormente, foi oposto agravo de petição pelo terceiro embargante, distribuído e julgado por esta 17ª Turma, de relatoria da Exma. Desembargadora Susete Mendes Barbosa de Azevedo (cadeira 3) em 13/03/2014.

Ainda, compulsando-se os autos principais, verifica-se que em 18/05/2020 foram opostos dois embargos de terceiro, os quais foram autuados sob nº 1000512-05.2020.5.02.0027 e 1000513-87.2020.5.02.0027.

O processo nº 1000512-05.2020.5.02.0027 foi julgado e, posteriormente, remetido a esta Corte com agravo de petição, distribuído à 9ª Turma (cadeira 2), restando devidamente julgado por aquele órgão fracionário, o que acarretou a distribuição destes autos (Processo nº 1000513-87.2020.5.02.0027) àquela Turma.

Assim, não obstante o julgamento do Processo conexo nº 1000513-87.2020.5.02.0027 pela 9ª Turma, em razão do conhecimento do primeiro recurso interposto no processo conexo nº 0001136-52.2012.5.02.0027, evidenciada a prevenção desta 17ª Turma.

2. Juízo de admissibilidade

Presentes os pressupostos legais de admissibilidade, conheço do agravo de petição.

3. Juízo de mérito

Insurgem-se os agravantes contra a r. sentença de fls. 599/601, complementada pela decisão de embargos de declaração de fls. 610/611, que julgou improcedentes os embargos de terceiro.

Alegam, em preliminar, a incompetência dessa Justiça Especializada em face da cessão de crédito ocorrida em 30/04/2007 e, no mérito, afirmam, em síntese, serem terceiros adquirentes de boa-fé, não concorrendo para qualquer tipo de fraude contra credores. Pugnam pelo acolhimento do apelo.

Quanto à questão prejudicial arguida, tem razão os agravantes.

A reclamação trabalhista nº 0304600-12.1992.5.02.0027 foi ajuizada em 10/12/1992 e, após o trânsito em julgado, o reclamante cedeu os direitos de seu crédito trabalhista à empresa Hanna Incorporações e Vendas Ltda através da escritura pública de cessão de crédito de fls. 240/241, firmada em 30/10/2007, recebendo da cessionária a importância de R$180.000,00.

Depreende-se dos autos que, tanto o reclamante quanto a empresa Hanna Incorporações e Vendas Ltda, admitem a celebração do negócio jurídico, não havendo, ademais, qualquer questionamento do cedente e da cessionária em relação à validade e à eficácia da cessão.

Além disso, verifica-se que a cessão de crédito foi realizada de forma válida, possuindo plena eficácia em relação a terceiros, eis que devidamente registrada perante o Cartório de Títulos e Documentos, nos termos do art. 221 e 288 do Código Civil e do art. 129, §9° da Lei de Registros Públicos nº 6.015/1973.

Assim, muito embora não se discuta nestes autos a validade da cessão do crédito trabalhista a terceiro alheio à relação obrigacional originária, verifica-se que a qualidade de credor da dívida foi transferida a outrem, passando o cessionário à qualidade de detentor do direito que se busca satisfazer através do procedimento executório. Portanto, o devedor (que permanece nessa qualidade) deve saldar a dívida não mais ao exequente da ação originária (que já recebeu pelo crédito cedido), mas sim, ao cessionário, que assumiu a qualidade de credor.

Dessa forma, o crédito cedido não mais se reveste das prerrogativas inerentes ao procedimento executório trabalhista, já que o exequente não mais detém o direito de cobrar esta dívida na Justiça do Trabalho, repriso, porque já foi paga pelo cessionário. Isto porque, ainda que o crédito tenha sido constituído a partir de uma relação trabalhista, a natureza do negócio jurídico celebrado entre o exequente e um terceiro alheio ao universo processual trabalhista é eminentemente civil.

De se concluir, portanto, que a relação formada entre devedor e cessionário refoge à competência desta Justiça Especializada (art. 114 da Constituição Federal), eis que o reclamante, titular e cedente do crédito trabalhista, não mais participa da execução do título e o cessionário, por sua vez, não pode assumir essa condição já que é pessoa estranha à lide trabalhista e não teve com o devedor relação de trabalho alguma.

Assim, forçoso reconhecer a incompetência dessa Justiça Especializada em prosseguir com o procedimento executório.

No mesmo sentido já se pronunciou o E. Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Conflito de Competência nº 162.902, de relatoria do Ministro Marco Aurélio Belizze (Publicado no DJe de 24/04/2020), em caso idêntico formado pelos mesmos atores processuais, José de Alencar Hilário Rego (reclamante e cedente), Hanna Incorporações e Vendas Ltda (cessionária) e Manaus Atacadão Ltda (devedor). Confira-se:

"CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 162.902 - SP (2018/0336290-8)

DECISÃO

Cuida-se de conflito de competência negativo instaurado entre Juízo de Direito da 37ª Vara Cível de São Paulo/SP, como suscitante, e Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, como suscitado, no bojo de cumprimento de sentença promovida, inicialmente, por José de Alencar Hilário Rego, sucedido, por Hanna Incorporações e Vendas Ltda, cessionária de crédito trabalhista, contra Manaus Atacadão Ltda.

Extrai-se dos autos que, no bojo do cumprimento de sentença trabalhista promovida por José de Alencar Hilário Rego contra Manaus Atacadão Ltda, foi noticiado nos autos, a cessão do crédito trabalhista, em favor de Hanna Incorporações e Vendas Ltda, que requereu a correlata substituição no polo ativo da execução.

O Juízo da 61ª Vara do Trabalho de São Paulo indeferiu o pleito e declinou da competência para o processamento da execução para uma das Varas Cíveis da Capital, o que ensejou a interposição de agravo de petição. O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região negou provimento ao recurso, nos termos da seguinte fundamentação (e-STJ, fls. 20-25):

"A competência da Justiça do Trabalho está sedimentada no art. 114, da Constituição Federal, e alcança apenas as ações decorrentes da relação de trabalho. É certo que a presente reclamação foi proposta no intuito de satisfazer obrigação trabalhista da reclamada Manaus Atacadão perante o trabalhador José de Alencar Hilário Rego e houve o trânsito em julgado da sentença, encontrando-se o processo em fase de execução.

Não obstante, veio aos autos documento que comprova a cessão dos créditos constituídos nesta reclamação em favor de Hanna Incorporações e Vendas Ltda, ocorrida em 19/12/2007. Neste aspecto, em que pese ser discutível a validade do negócio jurídico referido, dada a natureza alimentícia dos créditos trabalhistas, é fato que a agravante, frise-se, de forma legítima, busca adimplemento de dívida reconhecida em contrato de cessão de crédito.

Com efeito, esse negócio jurídico entre trabalhador e terceiro que não está em nenhum dos polos da relação processual trabalhista, está previsto no art. 286, do Código Civil, e é juridicamente possível.

Ocorre que, mesmo que o crédito cedido tenha sido constituído em demanda trabalhista, a natureza da relação entre as partes ora integrantes dos polos desta reclamação se pereira de contornos cíveis; nem de longe se busca a concretização do direito material postulado inicialmente.

Permitir que o cessionário figure no polo ativo da presente execução apenas em razão de um contrato de natureza civil, gozando da proteção e garantias inerentes ao hipossuficiente, não se se coaduna com os fundamentos essenciais da Justiça do Trabalho.

Portanto, a efetivação do negócio jurídico nesta Especializada se apresenta impraticável, de modo que a competência para dirimir o conflito passa a ser da Justiça Comum, perante a qual a parte deve apresentar a documentação apropriada e postular o direito."

Remetidos os autos ao Juízo de Direito da 37ª Vara Cível de São Paulo/SP, este, por sua vez, entendeu não ser, de igual modo, competente para julgar a lide, já que é da Justiça do Trabalho processar e julgar a execução de seus julgados, sendo irrelevante, a esse propósito, a alteração da titularidade do crédito trabalhista.

Por oportuno, transcrevem-se os fundamentos adotados (e-STJ, fls. 1-3):

"Em que pese o respeitável entendimento esposado pelos MM Juízo da 61ª Vara do Trabalho de São Paulo, confirmado pela E. Primeira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, entendo que o juízo desta 37ª Vara Cível do Foro da Comarca da Capital não é competente para dar continuidade ao processamento ao incidente de cumprimento de sentença.

Trata-se, originariamente, de reclamação trabalhista com sentença proferida pela E. 61ª Vara do Trabalho de São Paulo, que, salvo melhor juízo, continua competente para processar o cumprimento de sentença, independentemente de quem seja o titular do crédito, conforme determina, expressamente, o artigo 516, I, do Código de Processo Civil, regra de competência funcional, de caráter absoluto e improrrogável.

Outrossim, embora o parágrafo 1º do art. 516 do mesmo diploma legal, preveja a possibilidade de deslocamento da execução a requerimento do exequente, não é o caso dos autos, já que o próprio exequente se opôs à decisão, mediante interposição de recurso pleiteando a continuidade do processamento do feito perante a Justiça do Trabalho (fls. 1112-1114).

Ademais, é certo que se deve observância ao princípio da perpetuatio jurisdictiones, que, no caso concreto, tem por consequência a manutenção da competência do E. Juízo da 61ª Vara do Trabalho desta Capital para a execução do título executivo judicial, independentemente de sua cessão a terceiro.

(...) Anote-se, inclusive, que o fato de o crédito ter sido cedido à empresa, não desnatura a natureza trabalhista do crédito, conforme entendimento do E. Tribunal Superior do Trabalho: (...) (ROMS-37975/1993, de 28.02.1994, acórdão n. 159 da Turma de Dissídio Individual do TST);

III. Conclusão.

Ante o exposto, suscito o presente conflito negativo de competência em relação ao processamento do incidente de cumprimento de sentença, com fulcro no artigo 516, inciso II, do Código de Processo Civil e demais fundamentos expostos acima, e, com o devido acatamento, submeto a pendência à elevada apreciação superior, juntando cópias das principais peças dos autos, antes referidas."

O Ministério Público Federal ofertou parecer pelo conhecimento do conflito negativo, declarando-se a competência da Justiça comum cível, que foi sintetizado na seguinte ementa (e-STJ, fl. 58):

- Conflito negativo de competência.

- A diretriz jurisprudencial firmada nessa colenda Superior Casa de Justiça é no sentido de que "Compete à Justiça Comum Estadual o julgamento de ação na qual se pretende indenização por danos morais e materiais se a natureza da relação jurídica estabelecida entre as partes não é de trabalho", ainda que o crédito tenha se originado de demanda trabalhista, 'visto que o cessionário, além de não haver figurado como parte na lide trabalhista, não mantém relação de trabalho com o réu'. Precedentes do STJ.

- Parecer, preliminarmente, pelo conhecimento do conflito negativo de competência, para que, no mérito, seja declarado competente o MM. Juízo de Direito da 37ª Vara Cível de São Paulo - SP.

Brevemente relatado, decido.

Nos termos relatados, os Juízos suscitante e suscitado divergem entre si quanto à competência para processar e julgar cumprimento de sentença trabalhista, cujo crédito foi cedido a empresa Hanna Incorporações e Vendas Ltda, se da Justiça laboral ou se da Justiça comum.

De plano, assinala-se que a fixação da competência em razão da matéria decorre da análise da natureza jurídica da questão controvertida, delimitada pelo pedido e pela causa de pedir. No caso em exame, uma vez operada a cessão de crédito trabalhista, a execução passa a ter por base obrigação civil; sendo indiferente, para definir o juízo competente, a origem do direito objeto da cessão, porquanto a empresa cessionária, além de não haver figurado como parte na lide trabalhista, por óbvio, não mantém relação de trabalho com o réu.

Veja-se que, na esteira da jurisprudência formada no âmbito da Segunda Seção do STJ, uma vez operada a cessão do crédito trabalhista, reconhecida em sentença transitada em julgado, a correlata ação de cobrança não poderia ser processada pela Justiça Trabalhista. O mesmo raciocínio há de se aplicar na execução do título executivo judicial, cujo crédito ali reconhecido foi objeto de cessão a terceiro, absolutamente alheio à relação trabalhista.

Confiram-se, nesse sentido, os seguintes julgados:

"Processo civil. Conflito de competência. Justiça do Trabalho e Justiça Comum. Ação de cobrança. Cessão de crédito trabalhista.

- Compete à Justiça Comum processar e julgar ação de cobrança de débito oriundo de cessão de direitos trabalhistas.

- Irrelevante para definir a competência a origem do direito objeto da cessão.

Conflito conhecido para declarar competente o juízo suscitado." (CC 20.148/SC, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, Rel. p/ Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 24/11/2004, DJ 08/06/2005 p. 146)

"Competência. Conflito negativo. Justiça Comum Estadual e Justiça Trabalhista. Ação de indenização. Ausência de relação de trabalho. Competência da Justiça Comum Estadual.

- Compete à Justiça Comum Estadual o julgamento de ação na qual se pretende indenização por danos morais e materiais se a natureza da relação jurídica estabelecida entre as partes não é de trabalho.

- Conflito de competência conhecido para declarar competente o Juízo suscitado." (CC 57.048/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 28/06/2006, DJ 15/08/2006 p. 195)

No mesmo sentido, confiram-se ainda: CC 64.652, Relator Ministro Cesar Asfor Rocha, data da publicação 05/09/2006; CC 91.238, Relator Ministro Aldir Passarinho Junior, data da publicação 09/11/2007; CC 68.218, Relator Ministro Paulo Furtado (Desembargador convocado do TJ/BA), data da publicação 06/03/2009.

Em arremate, na esteira dos fundamentos acima delineados, declaro a competência do Juízo de Direito da 37ª Vara Cível de São Paulo/SP para conhecer e julgar a subjacente execução.

Publique-se.

EMENTA CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CESSÃO DO CRÉDITO TRABALHISTA, RECONHECIDO EM SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO, EM FAVOR DE TERCEIRO ALHEIO À RELAÇÃO DE TRABALHISTA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM. PRECEDENTE ESPECÍFICO DA SEGUNDA SEÇÃO DO STJ. OBSERVÂNCIA.

Brasília, 17 de abril de 2020.

MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Relator" (sem destaques no texto original)

Diante de todo o exposto, dá-se parcial provimento ao agravo de petição para reconhecer a incompetência da Justiça do Trabalho para prosseguir com a execução e, por conseguinte, levantar a penhora que recai sobre parte do imóvel matriculado sob nº 127.202 perante o 3º Ofício Imobiliário de São Paulo, cuja matrícula original (nº 79.972) foi objeto de desdobro dando origem às matrículas nº 127.201 e 127.202.

Prejudicada a apreciação das demais questões debatidas no apelo.

Acórdão

Ante o exposto, ACORDAM os Magistrados da 17ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região em: CONHECER do Agravo de Petição interposto e, no mérito, por maioria de votos, DAR-LHE PARCIAL PROVIMENTO para reconhecer a incompetência da Justiça do Trabalho para prosseguir com a execução e, por conseguinte, levantar a penhora que recai sobre parte do imóvel matriculado sob nº 127.202 perante o 3º Ofício Imobiliário de São Paulo, nos termos da fundamentação do voto da Relatora, vencida a Exmª Des. Maria de Lourdes Antonio que negava provimento ao recurso e manteria a competência da Justiça do Trabalho, devendo retornar à Relatora para análise do mérito.

Presidiu o julgamento o Exmo. Sr. Desembargador ALVARO ALVES NÔGA.

Tomaram parte no julgamento os Exmos. Srs. ANNETH KONESUKE (relatora), MARIA DE LOURDES ANTONIO  (revisora) e ALVARO ALVES NÔGA (3º votante).

Presente o ilustre representante do Ministério Público do Trabalho.

ANNETH KONESUKE

Juíza Relatora

lfc/ak

VOTOS

Voto do(a) Des(a). MARIA DE LOURDES ANTONIO / 17ª Turma - Cadeira 2

17ª TURMA

PROCESSO TRT/SP Nº 1000513-87.2020.5.02.0027

AGRAVO DE PETIÇÃO

AGRAVANTES: LOURIVAL EDUARDO FERNANDES PIMENTA e NELY ROSA ARAÚJO PIMENTA

AGRAVADOS: MAURÍLIO OLIVEIRA DE LACERDA e HANNA INCORPORAÇÕES E VENDAS LTDA.

ORIGEM: 27ª VARA DO TRABALHO DE SÃO PAULO/SP

RELATORA: ANNETH KONESUKE

DECLARAÇÃO DE VOTO VENCIDO

A Senhora Desembargadora Maria de Lourdes Antonio: Adoto o relatório da Exma. Juíza Relatora Anneth Konesuke.

Cessão de crédito trabalhista e competência da Justiça do Trabalho.

Divirjo da Exma. Relatora, para negar provimento ao recurso e manter a competência da Justiça do Trabalho.

Primeiro, esclareça-se que a cessão de crédito "pode ser conceituada como um negócio jurídico bilateral ou sinalagmático, gratuito ou oneroso, pelo qual o credor, sujeito ativo de uma obrigação, transfere a outrem, no todo ou em parte, a sua posição na relação obrigacional. Aquele que realiza a cessão a outrem é denominado cedente. A pessoa que recebe o direito do credor é o cessionário, enquanto o devedor é denominado cedido." (TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. v. único., 3ª ed., Rio de Janeiro: Forense. 2013. p. 385).

O crédito reconhecido em título judicial, inclusive trabalhista, tem natureza patrimonial e há interesse social e econômico em sua transmissão, que pode ocorrer em razão da morte ou de ato negocial do credor.

No sentido da possibilidade de cessão do crédito trabalhista se posiciona o Exmo. Des. Sérgio Pinto Martins, in verbis:

"Nada impede que os salários sejam cedidos, pois são impenhoráveis, mas não inalienáveis. Vedada seria a cessão de situações pessoais, como a estabilidade, pois diz respeito apenas à pessoa do trabalhador." (MARTINS, Sérgio Pinto. Direito Processual do Trabalho. 36ª ed., p. 778, São Paulo: Atlas. 2015).

O art.83, §4º, da Lei 11.101/2005 (Lei de Recuperação Judicial, Extrajudicial e Falência) dispunha expressamente sobre a possibilidade de cessão de créditos trabalhistas a terceiros, embora transformando-os em quirografários, in verbis:

Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem:

...

§ 4º Os créditos trabalhistas cedidos a terceiros serão considerados quirografários.

A alteração da prerrogativa do crédito, de trabalhista para quirografário, fora questionada na ADIn 3.424, em conjunto com a ADPF 312, sendo que nesta última questionava-se a recepção do art.75, §3º, da Lei 4.728/1965 (Lei do Mercado de Capitais) pela Constituição da República de 1988. O relator originário das referidas ações de controle concentrado era o Exmo. Min. Edson Fachin, mas ficou designado como Redator do acórdão o Exmo. Min. Gilmar Mendes.

Isso porque, no curso do julgamento da ADI 3.424 e da ADPF 312, após já ter sido proferido o voto do Relator, o Exmo. Min. Edson Fachin, foi promulgada a Lei 14.112, de 24 de dezembro de 2020, que alterou diversos dispositivos da Lei de Recuperação Judicial e Falências (Lei 11.101/2005) e revogou expressamente a norma do §4º do art.83 supramencionada, que alterava a prerrogativa do crédito trabalhista cedido a terceiro, incluindo um novo §5º ao mesmo dispositivo, estatuindo expressamente que os créditos cedidos manterão sua natureza e classificação, in verbis:

§ 5º Para os fins do disposto nesta Lei, os créditos cedidos a qualquer título manterão sua natureza e classificação. (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020)

O Plenário do E. STF, na Sessão Virtual de 09/04/2021 a 16/04/2021, ao apreciar a ADIn 3.424 (em conjunto com a ADPF 312), acabou por reconhecer a perda superveniente do objeto da referida ação direta de inconstitucionalidade em relação ao §4º do art.83 da Lei 11.101/2005, tendo ficado como Redator para o acórdão o Exmo. Min. Gilmar Mendes, sob o fundamento de que o referido dispositivo foi revogado pela Lei 14.112/2020. O acórdão da ADI 3.424 recebeu a seguinte ementa:

"Ação Direta de Inconstitucionalidade e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental julgadas em conjunto. 2. Legitimidade. Entidade sindical de grau superior. Pertinência temática. Conhecimento. 3. Superveniência da Lei Federal 14.112, de 24 de dezembro de 2020. Alteração normativa da Lei 11.101/2005. Perda de objeto unicamente quanto ao § 4o do art. 83 da Lei 11.101/2005. 4. Art. 83, I e VI, "c". Saldo dos créditos derivados da legislação do trabalho que excederem o limite estabelecido em lei (cento e cinquenta salários mínimos). Modificação da qualificação de créditos preferenciais para quirografários. Reafirmação do que decidido na ADI 3.934, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, DJe 6.11.2009. 5. Art. 84, I-E e V (dispositivos correlatos à norma original do art. 84, V). Continuidade normativa. Concurso de créditos. Situações excepcionais nas quais há a qualificação como créditos extraconcursais a serem pagos com precedência sobre os demais, voltados à tentativa de preservação da empresa. Justiça social da tributação. Discrímen justificado. 6. Art. 75, § 3o, da Lei 4.728/1965 e art. 86, II, da Lei 11.101/2005. Antecipação de contrato de câmbio referente a exportações. Restituição em dinheiro de valor adiantado ao devedor-falido. Matéria regulada pelo Banco Central. Importância para o fomento das exportações. RE 627.815, Rel. Min. Rosa Weber, Pleno, DJe 1o.10.2013. 7. Ações julgadas improcedentes." (STF-Pleno, ADI 3.424, Redator do acórdão: MIN. GILMAR MENDES, Data de publicação DJE 30/06/2021 - Ata nº 113/2021. DJE nº 128, divulgado em 29/06/2021).

Portanto, embora não se tenha uma decisão vinculante a respeito da norma do §4º do art.83 da Lei 11.101/2005, sobre a alteração do privilégio do crédito trabalhista após a cessão, o fato insofismável é que não há inconstitucionalidade na previsão de cessão de créditos trabalhistas, que atualmente se encontra expressamente prevista no disposto no §5º do art.83 da Lei 11.101/2005, incluído pela Lei 14.112/2020.

Esclareça-se que o voto originário do Relator da ADI 3.424, o Exmo. Min. Edson Fachin, foi no sentido de que a alteração da natureza do crédito trabalhista cedido a terceiro "tolhe a disponibilidade do crédito do trabalhador" e que, retirando-se a previsão normativa acerca da alteração da natureza do crédito, "o trabalhador poderá cedê-lo de forma menos prejudicial, mantendo-se, assim, o valor do seu bem, a sua livre disposição e a função social de satisfazer, preferencialmente, ainda que pela via da cessão, o credor trabalhista, o qual tem valor qualificado pela Constituição (CR, art. 170)".

Assim, a cessão de créditos trabalhistas está expressamente prevista em nosso ordenamento jurídico, tratando-se de faculdade do trabalhador, que pode ser vantajosa ante o risco de inadimplemento. Trata-se de hipótese que se faz cumprir a valorização do crédito trabalhista, dentro de sua livre disposição, o que cumpre a sua função social de satisfazer, ainda que pela via da cessão, o credor trabalhista.

Portanto, os créditos trabalhistas cedidos a terceiro mantêm a sua natureza de crédito alimentar e trabalhista.

Desconsiderar tal fato significaria violar o princípio da legalidade (art. 5º, II, CRFB/88), bem como a competência privativa da União para legislar sobre direito civil, comercial, processual e do trabalho (art. 22, I, CRFB/88).

Colocadas essas premissas, surge a questão relacionada aos efeitos jurídicos da cessão de crédito e sua eventual repercussão na competência da Justiça do Trabalho.

Na fase de conhecimento a questão está regida pela norma do artigo 109 do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), in verbis:

Art. 109. A alienação da coisa ou do direito litigioso por ato entre vivos, a título particular, não altera a legitimidade das partes.

§ 1º O adquirente ou cessionário não poderá ingressar em juízo, sucedendo o alienante ou cedente, sem que o consinta a parte contrária.

§ 2º O adquirente ou cessionário poderá intervir no processo como assistente litisconsorcial do alienante ou cedente.

§ 3º Estendem-se os efeitos da sentença proferida entre as partes originárias ao adquirente ou cessionário.

Assim, na fase de conhecimento a cessão ou alienação do direito litigioso não altera a legitimidade das partes, sendo que o adquirente ou cessionário não pode ingressar em juízo, SUCEDENDO o alienante ou cedente, sem que exista o consentimento da parte contrária.

na fase de execução ou de cumprimento de sentença, a norma do art. 778, §§ 1º e 2º, do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015) estatui expressamente, in verbis:

Art. 778. Pode promover a execução forçada o credor a quem a lei confere título executivo.

§ 1º Podem promover a execução forçada OU NELA PROSSEGUIR, EM SUCESSÃO AO EXEQUENTE ORIGINÁRIO:

I - o Ministério Público, nos casos previstos em lei;

II - o espólio, os herdeiros ou os sucessores do credor, sempre que, por morte deste, lhes for transmitido o direito resultante do título executivo;

III - O CESSIONÁRIO, quando o direito resultante do título executivo lhe for transferido por ato entre vivos;

IV - o sub-rogado, nos casos de sub-rogação legal ou convencional.

§ 2º A sucessão prevista no § 1º INDEPENDE DE CONSENTIMENTO DO EXECUTADO.

Os incisos II a IV do § 1º do art. 778 do CPC estatuem as hipóteses de legitimidade ordinária superveniente (ou derivada) decorrente de lei, pois é uma legitimação surgida após a formação do título executivo, em que esses legitimados poderão promover a execução ou nela prosseguir, quando já proposta pelo credor originário.

A respeito da regra específica do processo de execução, em que há sucessão pelo cessionário, sem a necessidade de anuência do devedor (§ 2º do art. 778 do CPC), já era pacífica a jurisprudência do STJ e do STF sobre o tema, antes mesmo do advento do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015). Nesse sentido:

" 'Em havendo regra específica aplicável ao processo de execução (art. 567, II, do CPC), que prevê expressamente a possibilidade de prosseguimento pelo cessionário, não há falar em incidência, na execução, de regra que se aplica somente ao processo de conhecimento no sentido da necessidade de anuência do adversário para o ingresso do cessionário no processo (arts. 41 e 42 do CPC)' (STJ-Corte Especial, REsp 1.091.443, Min. Maria Thereza, j. 2.5.12, DJ 29.5.12). No mesmo sentido: STF-Pleno, RE 97.461-0-AgRg, Min. Aldir Passarinho, j. 20.8.86, DJU 19.9.86; RT 878/203 (TJSP, AI 807.179-5/8-00), JTA 39/118, Lex-JTA 157/42, RJTAMG 28/139, RP 157/329.

'Pode ser dispensada a anuência do devedor quando formulado pedido de substituição do polo ativo do processo de execução, pois este ato processual não interfere na existência, validade ou eficácia da obrigação' (STJ-3ª T., REsp 588.321, Min. Nancy Andrighi, j. 4.8.05, DJU 5.9.05)." (in tópico da nota "9" ao art. 778, do Novo Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, Theotonio Negrão, José Roberto F. Gouvêa, Luis Guilherme A. Bondioli e João Francisco N. da Fonseca, p. 708, 48ª edição, 2017, Ed. Saraiva)

Também se colhe da jurisprudência do E. STJ:

"RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. PROCESSO CIVIL. CESSÃO DE CRÉDITO. EXECUÇÃO. PRECATÓRIO. SUCESSÃO PELO CESSIONÁRIO. INEXISTÊNCIA DE OPOSIÇÃO DO CEDENTE. ANUÊNCIA DO DEVEDOR. DESNECESSIDADE. APLICAÇÃO DO DISPOSTO NO ART. 567, II, DO CPC. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 62/2009.

1. Em havendo regra específica aplicável ao processo de execução (art. 567, II, do CPC), que prevê expressamente a possibilidade de prosseguimento da execução pelo cessionário, não há falar em incidência, na execução, de regra que se aplica somente ao processo de conhecimento no sentido da necessidade de anuência do adversário para o ingresso do cessionário no processo (arts. 41 e 42 do CPC).

2. "Acerca do prosseguimento na execução pelo cessionário, cujo direito resulta de título executivo transferido por ato entre vivos - art. 567, inciso II do Código de Processo Civil -, esta Corte já se manifestou, no sentido de que a norma inserta no referido dispositivo deve ser aplicada independentemente do prescrito pelo art. 42, § 1º do mesmo CPC, porquanto as regras do processo de conhecimento somente podem ser aplicadas ao processo de execução quando não há norma específica regulando o assunto" (AgRg nos EREsp 354569/DF, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, CORTE ESPECIAL, DJe 13/08/2010).

3. Com o advento da Emenda Constitucional nº 62, de 9 de dezembro de 2009, todas as cessões de precatórios anteriores à nova redação do artigo 100 da Constituição Federal foram convalidadas independentemente da anuência do ente político devedor do precatório, seja comum ou alimentício, sendo necessária apenas a comunicação ao tribunal de origem responsável pela expedição do precatório e à respectiva entidade.

4. Recurso especial provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ 08/2008." (STJ-Corte Especial, REsp 1.091.443 - SP, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, j. 02/05/2012, DJe: 29/05/2012)

O CPC de 2015 apenas positivou o entendimento do STF e do STJ e demais tribunais, de modo que se pode concluir que, na fase de execução, o cessionário PROSSEGUE nos atos executivos, como SUCESSOR do exequente originário, por força de lei, e independentemente do consentimento do executado.

Não há, pois, extinção do processo de execução, porque o que se transferiu com a cessão de crédito - repita-se, firmada por escritura pública pela exequente com a assistência de seu advogado - é apenas a posição jurídica de credor (exequente) na relação obrigacional decorrente do título executivo judicial, que continua válida, eficaz e ainda não quitada.

O art. 778, §1º, inciso III, do CPC estatui expressamente que podem prosseguir na execução, em sucessão ao exequente originário, o cessionário, quando o direito resultante do título executivo lhe for transferido por ato entre vivos.

Na interpretação de normas jurídicas não se pode dizer qualquer coisa sobre qualquer coisa, pois "(...) Os textos que integram o Direito positivo contêm a norma: são textos jurídicos e não contábeis, nem litúrgicos. Não se chegaria à norma sem o texto dela, nem com outro que não fosse jurídico. A distinção entre as palavras do texto e o conteúdo da norma não pode levar a uma negação da relação entre ambas as coisas. Esse parece ser o equívoco mais constante cometido pela comunidade jurídica. (...)" (in trecho da "Diferença ontológica", do DICIONÁRIO DE HERMENÊUTICA - Quarenta temas fundamentais da Teoria do Direito à luz da Crítica Hermenêutica do Direito, Lenio Luiz Streck, p. 51, Casa do Direito - Ed. Letramento, 2017).

De acordo com a norma do art. 15 do CPC, na ausência de normas que regulamentem o processo trabalhista, as normas do Código de Processo Civil são aplicadas supletiva e subsidiariamente, sendo plenamente compatível a previsão contida na norma do art. 778 do CPC. Aliás, ninguém nega que, no caso de morte do reclamante/exequente, seus sucessores podem assumir a execução, também como sucessores, tal como previsto no inciso II do §1º do art. 778 do CPC.

De ver-se que o que se está a executar não é o contrato de cessão de crédito, mas O PRÓPRIO CRÉDITO SUCEDIDO, seja a que título for. O contrato de cessão de crédito não é o título executivo; o título executivo (sentença trabalhista transitada em julgado) foi unicamente objeto de transferência de titularidade, para fins de prosseguimento na execução em curso.

Deve ser destacado que a obrigação eventualmente inadimplida, que se poderia executar do contrato de cessão de crédito, seria apenas o pagamento acordado com o cedente.

Pergunta-se: se o contrato de cessão do crédito trabalhista for desfeito ou anulado em razão de eventual vício do negócio jurídico, poderia se afirmar que o reclamante não poderia reassumir o polo ativo da execução? E como ficaria a anterior declaração de encerramento da execução trabalhista por uma dívida que não se quitou, mas apenas se transferiu a titularidade, mormente frente a eventual transcurso do prazo de prescrição intercorrente no interregno? E os efeitos subjetivos da coisa julgada (art. 506 do CPC) frente às normas processuais que regulam a sucessão na execução?

Há mais. Não decorre do contrato de cessão de crédito um novo título executivo da cessionária (Hanna Incorporações) em face dos cedidos (executados no processo), mormente porque eles não participaram do negócio jurídico.

Justamente em razão desses fatos é que a matéria veio regulamentada na lei processual estatuindo que há uma simples sucessão na execução, podendo a cessionária prosseguir independentemente do consentimento do executado, ou seja, uma sucessão processual que se opera ope legis, conforme estatui expressamente a norma do art. 778, §§ 1º e 2º, do CPC.

Entendimento em sentido contrário, além da afronta direta e literal à norma legal, viola frontalmente o princípio da legalidade (art. 5º, II, CRFB/88) e a competência privativa da União para legislar sobre direito civil, comercial, processual e do trabalho (art. 22, I, CRFB/88).

Portanto, a cessão de crédito não acarretou a extinção da obrigação emanada do título executivo judicial, mas apenas a sua transferência para terceiro (HANNA INCORPORAÇÕES E VENDAS LTDA.), que sucede ao exequente (MAURÍLIO OLIVEIRA DE LACERDA, reclamante originário), por força de expressa previsão legal - ex vi legis, para prosseguir nos atos executivos, independentemente do consentimento dos executados.

Reafirme-se que o E. STF nem sequer reconheceria a inconstitucionalidade da cessão dos créditos trabalhistas em si, mas apenas e eventualmente a inconstitucionalidade da disposição normativa que altera a natureza privilegiada do crédito cedido a terceiro, sendo que, por força da norma do §5º do art.83 da Lei 11.101/2005, "os créditos cedidos a qualquer título manterão sua natureza e classificação".

Nos termos do art. 877 da CLT, "É competente para a execução das decisões o Juiz ou Presidente do Tribunal que tiver conciliado ou julgado originariamente o dissídio.".

Portanto, data venia dos entendimentos em sentido contrário, é competente para a execução das decisões emanadas da Justiça do Trabalho, o juízo que originariamente conciliou ou julgou a causa, de modo que não há que se falar em extinção da execução, tampouco transferência da competência para a Justiça Comum Estadual apenas por ter havido cessão de crédito que, repita-se, acarretou apenas e tão somente sucessão do polo ativo da execução, por força de lei.

Também há violação à competência constitucional da Justiça do Trabalho (art. 114 da CRFB/88), já que não houve qualquer alteração da natureza trabalhista do crédito cedido, tampouco a sua extinção, sendo que ele está fundamentado em um título executivo judicial transitado em julgado, repita-se, emanado da Justiça do Trabalho.

Também há violação ao primado da coisa julgada (art. 5º, XXXVI, CRFB/88), pois se está a declarar o encerramento da execução sem a quitação do crédito trabalhista e sem que tenha transcorrido o prazo da prescrição intercorrente.

Viola-se também o princípio do devido processo legal (art. 5º, LIV, CRFB/88), pois a norma processual estatui expressamente que o cessionário pode prosseguir na execução em curso sem o consentimento do executado (art. 778, §§ 1º e 2º, do CPC).

Ainda, em última análise, ao se afastar a norma do art. 778, §§ 1º e 2º, do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), por decisão deste órgão fracionário, sem que a matéria seja submetida ao Tribunal Pleno deste Tribunal Regional, também se está a violar a cláusula de reserva de plenário (art. 97 da CRFB/88) e o enunciado da Súmula Vinculante nº 10 do E. STF, sendo passível de cassação (art. 988, III, c.c. art. 992 do CPC), verbis:

10. Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de Tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.

Verifica-se pelos fundamentos supramencionados que, a partir da cessão de crédito, o reclamante MAURÍLIO OLIVEIRA DE LACERCA (cedente) apenas deixou de ter legitimidade ativa para prosseguir nos atos executivos. A transferência do título executivo (sentença trabalhista transitada em julgado) à cessionária, HANNA INCORPORAÇÕES E VENDAS LTDA., retirou do primitivo credor (MAURÍLIO) a legitimidade para promover a execução forçada, pois não mais subsiste, em seu patrimônio jurídico, qualquer direito que possa ser exercido em face dos executados nos presentes autos. Legitimado ativo é apenas o novo credor (cessionário), que se tornou sucessor do exequente por força de lei e independentemente do consentimento dos executados (art. 778, §§ 1º e 2º, do CPC), como também seria no caso de morte do exequente e habilitação dos herdeiros.

A Justiça Comum não tem competência para executar o título executivo judicial transitado em julgado emanado pela Justiça do Trabalho.

Assim, Hanna Incorporações e Vendas Ltda., deve se habilitar nos autos principais como sucessora e pode prosseguir na execução do título executivo judicial transitado em julgado, na qualidade de sucessora (art. 778, §1º, inciso III, do CPC), não se cogitando da incompetência da Justiça do Trabalho nos termos do art. 877 da CLT.

Posto isso, nego provimento ao recurso no ponto e mantenho a competência da Justiça do Trabalho.

DISPOSITIVO

Posto isso, NEGO PROVIMENTO ao agravo de petição, para manter a competência da justiça do trabalho, para que o cessionário possa prosseguir na execução do crédito trabalhista cedido (art. 778, §§ 1º e 2º, do CPC).

MARIA DE LOURDES ANTONIO

Desembargadora do Trabalho

    ---VOTO VENCIDO---

 

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