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Data da publicação:

Acordão - STF

Gilmar Mendes - STF



Trabalhador avulso e contagem do prazo prescricional para ajuizamento de ações trabalhistas. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.132



29/03/2021 PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.132 DISTRITO FEDERAL

RELATOR :MIN. GILMAR MENDES

REDATOR DO ACÓRDÃO :MIN. EDSON FACHIN

REQTE.(S) :FENOP - FEDERAÇÃO NACIONAL DOS OPERADORES PORTUÁRIOS

ADV.(A/S) :SERGIO BERMUDES E OUTRO(A/S)

INTDO.(A/S) :PRESIDENTE DA REPÚBLICA

PROC.(A/S)(ES) :ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

INTDO.(A/S) :CONGRESSO NACIONAL

PROC.(A/S)(ES) :ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

AM. CURIAE. :ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS TERMINAIS DE CONTÊINERES DE USO PÚBLICO - ABRATEC

ADV.(A/S) :SANDRA APARECIDA LÓSS STOROZ E OUTRO(A/S)

AM. CURIAE. :ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS TERMINAIS PORTUÁRIOS - ABTP

ADV.(A/S) :LUIZ GUILHERME MORAES REGO MIGLIORA E OUTRO(A/S)

EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade.

2. Preliminar de ilegitimidade ativa fastada. FENOP. Associação de Associações. Precedentes.

3. Impugnação do §4º do art. 37 da Lei 12.815/2013. Novo Marco Regulatório do Setor Portuário. Termo inicial para contagem do prazo prescricional consistente no cancelamento do registro junto ao Órgão Gestor de Mão de Obra (OGMO).

4. Alegação de violação ao princípio da segurança jurídica e ao disposto no art. 7º, inciso XXIX, da CF/88.

5. A Constituição da República, ao consignar, em seu art. 7º, o direito “à ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho (inciso XXIX) e “a igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso” (inciso XXXIV), não elidiu a possibilidade de que, dentro do preceituado pelas normas constitucionais, em atenção aos princípios da valorização social do trabalho (art. 1º, IV) e de justiça social (arts. 3º, I a III; 7º a 9º, 170 e 193), fossem reguladas de modo diverso para atender às particularidades e às condições de trabalhos próprias da relação laboral avulsa.

6. Constitui o OGMO ente a que se vincula de forma estável, isto é, de forma fixa e constante, o trabalhador portuário avulso, para fins de gozo de seus direitos trabalhistas. Parece adequado, portanto, que o prazo quinquenal ou bienal seja aplicado considerando o vínculo com o órgão gestor. A solução, por sua vez, possibilita a aplicação, na prática, do prazo quinquenal, privilegiando o espírito que animou o legislador constituinte ao promover a ampliação do prazo prescricional e da proteção social conferida ao trabalhador.

7. Pedido em ação direta de inconstitucionalidade julgado improcedente.

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Virtual do Plenário de 19 a 26 de março de 2021, sob a Presidência do Senhor Ministro Luiz Fux, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por maioria de votos, em conhecer da ação direta, vencidos os Ministros Alexandre de Moraes, Dias Toffoli e Rosa Weber. Na sequência, após os votos dos Ministros Gilmar Mendes (Relator) e Cármen Lúcia, que julgavam procedente o pedido formulado na ação, declarando inconstitucional o § 4º do art. 37 da Lei 12.815/2013, sem redução de texto, excluindo de sua incidência as relações jurídicas entre o operador portuário e o trabalhador avulso, nas quais se aplica a regra constitucional do biênio, a contar do fim de cada serviço, permanecendo incólume o prazo prescricional em face do OGMO por eventuais atos praticados em descompasso com a lei federal em questão e demais diplomas normativos aplicáveis; e dos votos dos Ministros Edson Fachin, Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski e Roberto Barroso, que julgavam improcedente a ação direta, o julgamento foi suspenso. Plenário, Sessão Virtual de 18.9.2020 a 25.9.2020.

Em continuidade de julgamento, o Tribunal, por maioria, julgou improcedente a ação direta, nos termos do voto do Ministro Edson Fachin, vencidos os Ministros Gilmar Mendes (Relator) e Cármen Lúcia.

Brasília, 29 de março de 2021.

Ministro EDSON FACHIN

Redator para o acórdão

Documento assinado digitalmente

 

 

PLENÁRIO - EXTRATO DE ATA

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.132

PROCED. : DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. GILMAR MENDES

REQTE.(S) : FENOP - FEDERAÇÃO NACIONAL DOS OPERADORES PORTUÁRIOS

ADV.(A/S) : SERGIO BERMUDES (02192/A/DF, 10039/ES, 177465/MG, 17587/RJ, 64236A/RS, 33031/SP) E OUTRO(A/S)

INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA

PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

INTDO.(A/S) : CONGRESSO NACIONAL

PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS TERMINAIS DE CONTÊINERES

DE USO PÚBLICO - ABRATEC

ADV.(A/S) : SANDRA APARECIDA LÓSS STOROZ (00032050/PR) E OUTRO(A/S)

AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS TERMINAIS PORTUÁRIOS - ABTP

ADV.(A/S) : LUIZ GUILHERME MORAES REGO MIGLIORA (28975/DF, 63306/RJ, 46074A/RS, 125591/SP) E OUTRO(A/S)

Decisão: O Tribunal, por maioria, conheceu da ação direta, vencidos os Ministros Alexandre de Moraes, Dias Toffoli e Rosa Weber. Na sequência, após os votos dos Ministros Gilmar Mendes (Relator) e Cármen Lúcia, que julgavam procedente o pedido formulado na ação, declarando inconstitucional o § 4º do art. 37 da Lei nº 12.815/2013, sem redução de texto, excluindo de sua incidência as relações jurídicas entre o operador portuário e o trabalhador avulso, nas quais se aplica a regra constitucional do biênio, a contar do fim de cada serviço, permanecendo incólume o prazo prescricional em face do OGMO por eventuais atos praticados em descompasso com a lei federal em questão e demais diplomas normativos aplicáveis; e dos votos dos Ministros Edson Fachin, Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski e Roberto Barroso, que julgavam improcedente a ação direta, o julgamento foi suspenso. Falou, pela requerente, o Dr. Frederico José Ferreira. Afirmou suspeição o Ministro Luiz Fux (Presidente). Não participou deste julgamento, por motivo de licença médica, o Ministro Celso de Mello. Plenário, Sessão Virtual de 18.9.2020 a 25.9.2020.

Composição: Ministros Luiz Fux (Presidente), Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Rosa Weber, Roberto Barroso, Edson Fachin e Alexandre de Moraes.

Carmen Lilian Oliveira de Souza

Assessora-Chefe do Plenário

 

 

29/03/2021  PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.132 DISTRITO FEDERAL

RELATOR :MIN. GILMAR MENDES

REDATOR DO ACÓRDÃO :MIN. EDSON FACHIN

REQTE.(S) :FENOP - FEDERAÇÃO NACIONAL DOS OPERADORES PORTUÁRIOS

ADV.(A/S) :SERGIO BERMUDES E OUTRO(A/S)

INTDO.(A/S) :PRESIDENTE DA REPÚBLICA

PROC.(A/S)(ES) :ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

INTDO.(A/S) :CONGRESSO NACIONAL

PROC.(A/S)(ES) :ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

AM. CURIAE. :ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS TERMINAIS DE CONTÊINERES DE USO PÚBLICO - ABRATEC

ADV.(A/S) :SANDRA APARECIDA LÓSS STOROZ E OUTRO(A/S)

AM. CURIAE. :ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS TERMINAIS PORTUÁRIOS - ABTP

ADV.(A/S) :LUIZ GUILHERME MORAES REGO MIGLIORA E OUTRO(A/S)

R E L A T Ó R I O

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR): Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, com pedido de medida liminar, ajuizada pela Federação Nacional dos Operadores Portuários (FENOP), com o objetivo de impugnar o §4º do art. 37 da Lei 12.815/2013, com a seguinte redação:

“Art. 37 (…) § 4º As ações relativas aos créditos decorrentes da relação de trabalho avulso prescrevem em 5 (cinco) anos até o limite de 2 (dois) anos após o cancelamento do registro ou do cadastro no órgão gestor de mão de obra.”

Primeiramente, a requerente afirma ter legitimidade ativa para propor a presente ação, com fulcro no art. 103, inciso IX, da Constituição Federal, uma vez que, a despeito de ser nomeada federação, constitui uma associação de associações, com representatividade de âmbito nacional. Ademais, alega que, na organização sindical em apreço, não existe confederação.

No mérito, aduz que o dispositivo questionado é inconstitucional por violar o disposto no art. 7º, inciso XXIX, da Constituição. Argumenta que a norma impugnada fixa um termo inicial para contagem do prazo prescricional diferente do previsto no texto constitucional, repercutindo em um prazo maior para ajuizar ação para requerer créditos trabalhistas.

Isso porque o termo inicial para contagem do prazo prescricional previsto na Constituição é a extinção do contrato de trabalho, e o termo inicial previsto no dispositivo impugnado é o cancelamento do registro ou do cadastro no órgão gestor de mão de obra.

Os autos foram a mim distribuídos e adotei o rito previsto no art. 12 da Lei 9.868/1999 (eDOC 25).

Instada a prestar informações, a Presidência da República (eDOC 32), por intermédio da Advocacia-Geral da União, alega que o termo inicial é diferenciado no caso de trabalhador avulso portuário devido às peculiaridades da relação trabalhista (o trabalho avulso não comporta rescisão, mas extinção do registro junto a OGMO).

Já o Congresso Nacional (eDOC 35), através do Senado Federal, alega a ilegitimidade da parte para propor a ação. No mérito, afirma que a norma impugnada não viola a Constituição. Argumenta que é necessária a fixação de termo inicial distinto para a contagem do prazo prescricional, tendo em vista a natureza da atividade do trabalhador avulso portuário.

A Advocacia-Geral da União manifesta-se pelo não conhecimento da ação e, no mérito, pela improcedência do pedido. Confira-se a ementa:

“Trabalhista. Artigo 37, §4º, da Lei nº 12.815/13, que define o cancelamento do registro ou do cadastro no órgão gestor de mão de obra como termo inicial do prazo prescricional das ações relativas aos créditos decorrentes da relação de trabalho avulso. Preliminar. Ilegitimidade ativa da requerente. Mérito. Inocorrência de afronta ao disposto no artigo 7º, inciso XXIX, da Constituição. Disciplina legal que observa as peculiaridades da atividade exercida por trabalhadores avulsos, os quais não mantém contrato de trabalho típico com os tomadores de seus serviços. A norma hostilizada concretiza os princípios da igualdade da proporcionalidade ao estabelecer tratamento jurídico diferenciado aos trabalhadores avulsos. Manifestação pelo não conhecimento da ação direta e, no mérito, pela improcedência do pedido” (eDOC 41).

Da mesma forma, a Procuradoria-Geral da União opina pelo não conhecimento e, no mérito, pela improcedência da ação. Eis a ementa do parecer:

“CONSTITUCIONAL E TRABALHO. TRABALHADOR PORTUÁRIO AVULSO. TERMO INICIAL DO PRAZO PRESCRICIONAL PARA AÇÕES TRABALHISTAS. CANCELAMENTO DE REGISTRO DO TRABALHADOR EM ÓRGÃO DE GESTÃO DE MÃO DE OBRA (OGMO). ART. 37, §4º, DA LEI 12.815/2013. AUSÊNCIA DE LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. ENTIDADE NÃO QUALIFICADA COMO CONFEDERAÇÃO. NATUREZA DE ENTIDADE SINDICAL. INADMISSIBILIDADE DE AJUIZAMENTO COMO ENTIDADE DE CLASSE DE ÂMBITO NACIONAL. COMPATIBILIDADE DA NORMA LEGAL COM O ART. 7º, XXIX E XXXIV, DA CONSTITUIÇÃO. RELAÇÃO CONTÍNUA DO TRABALHADOR PORTUÁRIO AVULSO COM O OGMO.

A legitimidade ativa ad causam de entidade sindical para ação direta de inconstitucionalidade (ADI) depende de enquadramento formal e material destas no conceito legal de confederação sindical, delineado pelo art. 535 da Consolidação das Leis do Trabalho. Precedentes.

Somente confederação composta por, no mínimo, três federações sindicais e que possua registro sindical no órgão competente do Ministério do Trabalho e Emprego tem legitimidade para promover ADI.

Reconhecimento de natureza sindical de entidade exclui, peremptoriamente , sua legitimidade para instaurar controle concentrado de constitucionalidade na condição de entidade de classe de âmbito nacional. Precedentes.

Sendo composta a autora por entidades do sistema sindical, não há como invocar o precedente da ADI 3.153- AgR/DF, que reconhece legitimidade ativa para ajuizamento de ação direta às ‘associações de associações’.

É compatível com o art. 7º, XXIX e XXXIV, da Constituição da República, a definição do cancelamento de registro de trabalhador portuário avulso em órgão de gestão de mão de obra (OGMO) como marco inicial da contagem do prazo prescricional bienal para ações trabalhistas.

Parecer pelo não conhecimento da ação e, no mérito, pela improcedência do pedido” (eDOC 55).

Deferi os pedidos de ingresso da ABRATEC (eDOC 43) e da ABTP (eDOC 52) como amici curiae. Ambas opinam pela procedência da ação.

É o relatório.

 

 

29/03/2021 - PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.132 DISTRITO FEDERAL

V O T O

O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR): A presente ação direta de inconstitucionalidade questiona a compatibilidade do §4º do art. 37 da Lei 12.815/2013 com o disposto no art. 7º, inciso XXIX, da Constituição Federal.

A norma impugnada possui a seguinte redação:

“§4º As ações relativas aos créditos decorrentes da relação de trabalho avulso prescrevem em 5 (cinco) anos até o limite de 2 (dois) anos após o cancelamento do registro ou do cadastro no órgão gestor de mão de obra.”

Por sua vez, os incisos XXIX e XXXIV do art. 7º da Constituição Federal dispõem o seguinte:

“XXIX - ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho;

(…)

XXXIV - igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso.”

1 – Legitimidade ativa

Atendendo à representatividade adequada, a entidade de classe deve preencher os seguintes requisitos: abrangência nacional, delimitação subjetiva da requerente, pertinência temática e compatibilidade entre a abrangência da representação da requerente e o ato questionado.

Esse é o atual posicionamento do STF, o qual pode ser sintetizado no seguinte julgado:

"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGOS 8º, 9º E 10 DA LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL 125/2012, DE MINAS GERAIS. LEGITIMIDADE ATIVA DAS ENTIDADES DE CLASSE. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 42, §§ 1º E 2º, E 142, § 3º, X, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. EXIGÊNCIA DE LEI ESTADUAL ESPECÍFICA. COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA O ESTABELECIMENTO DE NORMAS GERAIS. ARTIGO 22, XXI E XXIII. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal estabelece os seguintes requisitos a serem atendidos pelas entidades de classe no ajuizamento de ação de controle concentrado: a) abrangência nacional; b) delimitação subjetiva da associação; c) pertinência temática; e d) compatibilidade entre a abrangência da representação da associação e o ato questionado. Requisitos atendidos pelas associações postulantes. Legitimidade ativa reconhecida. (…) 4. Ação direta de inconstitucionalidade conhecida e, no mérito, julgada improcedente”. (ADI 4.912, Rel. Min. Edson Fachin, Tribunal Pleno, DJe 24.5.2016) – grifei.

Sobre a questão da legitimidade ativa de entidade de classe para propositura de ação direta, tive oportunidade de registrar em sede doutrinária:

“Merece especial menção a controvérsia sobre a legitimação das confederações sindicais e das entidades de classe de âmbito nacional, tendo em vista os problemas suscitados na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

O direito de propositura das confederações sindicais e das organizações de classe de âmbito nacional prepara significativas dificuldades práticas.

A existência de diferentes organizações destinadas à representação de determinadas profissões ou atividades e a não existência de disciplina legal sobre o assunto tornam indispensável que se examine, em cada caso, a legitimação dessas diferentes organizações.

Causam dificuldade, sobretudo, ‘a definição e a identificação das chamadas entidades de classe’, uma vez que, até então, inexistia critério preciso que as diferençasse de outras organizações de defesa de diversos interesses. Por isso, está o Tribunal obrigado a verificar especificamente a qualificação dessa confederação sindical ou organização de classe instituída em âmbito nacional.

Nesse sentido, merece especial referência a controvérsia sobre a legitimação das confederações sindicais e das entidades de classe de âmbito nacional, tendo em vista os problemas suscitados, desde então, pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

Definição de entidade de classe: a noção de ‘entidade de classe’ abarca grupo amplo e diferenciado de associações, que não podem ser distinguidas de maneira simples.

Essa questão tem ocupado o Tribunal praticamente desde a promulgação da Constituição de 1988.

Em decisão de 5-4-1989 (ADIn - MC 34-DF) tentou o Tribunal definir a noção de ‘entidade de classe’ , ao explicitar que é apenas a associação de pessoas que representa o interesse comum de uma determinada categoria intrinsecamente distinta das demais. Nesse mesmo julgamento, firmou-se a tese de que os grupos formados circunstancialmente como a associação de empregados de uma empresa não poderiam ser classificados como organizações de classe, nos termos do art. 103, IX, da CF.

A ideia de um ‘interesse comum essencial de diferentes categorias’ fornece base para distinção entre a organização de classe, nos termos do art. 103, IX, da Constituição, e outras associações ou organizações sociais. Dessa forma, deixou assente o Supremo Tribunal Federal que o constituinte decidiu por uma ‘legitimação limitada’, não permitindo que se convertesse o direito de propositura dessas organizações de classe em autêntica ação popular.

Em outras decisões, o STF deu continuidade ao esforço de desdobrar a definição de ‘entidade de classe de âmbito nacional’.

Segundo a orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal, não configuraria entidade de classe de âmbito nacional, para os efeitos do art. 103, IX, organização formada por associados pertencentes a categorias diversas. Ou, tal como formulado, não se configuram como entidades de classe aquelas instituições que são integradas por membros vinculados a extratos sociais, profissionais ou econômicos diversificados, cujos objetivos, individualmente considerados, revelam-se contrastantes. Tampouco se compatibilizam com essa noção as entidades associativas de outros segmentos da sociedade civil, por exemplo a União Nacional dos Estudantes UNE.

Não se admite, igualmente, a legitimidade de pessoas jurídicas de direito privado, que reúnam, como membros integrantes, associações de natureza civil e organismos de caráter sindical, exatamente em decorrência desse hibridismo, porquanto noção conceitual (de instituições de classe) reclama a participação, nelas, dos próprios indivíduos integrantes de determinada categoria, e não apenas das entidades privadas constituídas para representá -los.

Da mesma forma, como regra geral, não se reconhece natureza de entidade de classe àquelas organizações que, congregando pessoas jurídicas, apresentam-se como verdadeiras associações de associações, uma vez que, nesse caso, faltar-lhes-ia exatamente a qualidade de entidade de classe.

(…)

Na noção de’ entidade de classe’ na jurisprudência do Tribunal não se enquadra, igualmente, a associação que reúne, como associados, órgãos públicos, sem personalidade jurídica e categorias diferenciadas de servidores públicos (v. g. , Associação Brasileira de Conselhos de Tribunal de Contas dos Municípios ABRACCOM).

Quanto ao caráter nacional da entidade, enfatiza-se que não basta simples declaração formal ou manifestação de intenção constante de seus atos constitutivos. Faz-se mister que, além de uma atuação transregional, tenha a entidade membros em pelo menos um terço das Unidades da Federação, ou seja, em 9 dessas unidades (Estados-membros e Distrito Federal) número que resulta da aplicação analógica da Lei Orgânica dos Partidos Políticos (Lei n. 9.096/95, art. 7º, § 1º)”. (MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional, 11. ed. São Paulo : Saraiva, 2016, p. 1188-1191)

In casu, a requerente (Federação Nacional dos Operadores Portuários) não é formada por associados pertencentes a categorias diversas, mas a única categoria de sindicatos de operadores portuários, consoante descreve o documento contido no eDOC 10.

Além disso, na ADI 3.153, esta Corte reviu seu posicionamento e passou a admitir a legitimidade ativa de entidade de classe de âmbito nacional que congregue associações regionais correspondentes a cada unidade da Federação, de modo a aceitar a legitimação de “associações de associações de classe”. Vale conferir:

“Ação direta de inconstitucionalidade: legitimação ativa: ‘entidade de classe de âmbito nacional’ : compreensão da ‘associação de associações’ de classe: revisão da jurisprudência do Supremo Tribunal. 1. O conceito de entidade de classe é dado pelo objetivo institucional classista, pouco importando que a eles diretamente se filiem os membros da respectiva categoria social ou agremiações que os congreguem, com a mesma finalidade, em âmbito territorial mais restrito. 2. É entidade de classe de âmbito nacional - como tal legitimada à propositura da ação direta de inconstitucionalidade (CF, art 103, IX) - aquela na qual se congregam associações regionais correspondentes a cada unidade da Federação, a fim de perseguirem, em todo o País, o mesmo objetivo institucional de defesa dos interesses de uma determinada classe. 3. Nesse sentido, altera o Supremo Tribunal sua jurisprudência, de modo a admitir a legitimação das ‘associações de associações de classe’, de âmbito nacional, para a ação direta de inconstitucionalidade”. (ADI 3.153 AgR, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Redator do acórdão Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, DJ 9.9.2005) – grifei.

A autora não é integrada por “membros vinculados a estratos sociais, profissionais ou econômicos diversificados, cujos objetivos, individualmente considerados, revelam-se contrastantes” (ADI 108/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 5.6.1992).

Observo que a “particular característica de índole espacial” [a qual] “pressupõe, além da atuação transregional da instituição, a existência de associados ou membros em pelo menos nove Estados da Federação”, descrita pelo Min. Celso de Mello, na ADI 108, Pleno, DJ 5.6.1992, está presente no caso em tela, tendo em vista que foi anexado aos autos documento de que consta relação de membros em 11 (onze) Estados (eDOC 11, p. 1).

Ultrapassada a regulação espacial de âmbito nacional em pelo menos 9 (nove) Estados-membros, não há dúvidas de que a autora, composta de sindicatos de operadores portuários, configura entidade de classe, a qual merece o reconhecimento desta condição por esta Corte, para os fins do art. 103, IX, da CF:

“Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade:

(…)

IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional”. - grifei.

É certo que a jurisprudência desta Corte tem reconhecido a legitimidade da sociedade civil organizada em sede de controle concentrado, consoante expressam as seguintes ementas:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI FEDERAL Nº 11.516/07. CRIAÇÃO DO INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE. LEGITIMIDADE DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS SERVIDORES DO IBAMA. ENTIDADE DE CLASSE DE ÂMBITO NACIONAL. VIOLAÇÃO DO ART. 62, CAPUT E § 9º, DA CONSTITUIÇÃO. NÃO EMISSÃO DE PARECER PELA COMISSÃO MISTA PARLAMENTAR. INCONSTITUCIONALIDADE DOS ARTIGOS 5º, CAPUT, E 6º, CAPUT E PARÁGRAFOS 1º E 2º, DA RESOLUÇÃO Nº 1 DE 2002 DO CONGRESSO NACIONAL. MODULAÇÃO DOS EFEITOS TEMPORAIS DA NULIDADE (ART. 27 DA LEI 9.868/99). AÇÃO DIRETA PARCIALMENTE PROCEDENTE. 1. A democracia participativa delineada pela Carta de 1988 se baseia na generalização e profusão das vias de participação dos cidadãos nos provimentos estatais, por isso que é de se conjurar uma exegese demasiadamente restritiva do conceito de entidade de classe de âmbito nacional previsto no art. 103, IX, da CRFB. 2. A participação da sociedade civil organizada nos processos de controle abstrato de constitucionalidade deve ser estimulada, como consectário de uma sociedade aberta dos intérpretes da Constituição, na percepção doutrinária de Peter Häberle, mercê de o incremento do rol dos legitimados à fiscalização abstrata das leis indicar esse novel sentimento constitucional. 3. ’ In casu’ , a entidade proponente da ação ‘ sub judice’ possuir ampla gama de associados, distribuídos por todo o território nacional, e que representam a integralidade da categoria interessada, qual seja, a dos servidores públicos federais dos órgãos de proteção ao meio ambiente. (...) 11. Ação Direta julgada improcedente, declarando-se incidentalmente a inconstitucionalidade dos artigos 5º, caput, e 6º, caput e parágrafos 1º e 2º, da Resolução nº 1 de 2002 do Congresso Nacional, postergados os efeitos da decisão, nos termos do art. 27 da Lei 9.868/99, para preservar a validade e a eficácia de todas as Medidas Provisórias convertidas em Lei até a presente data, bem como daquelas atualmente em trâmite no Legislativo.” (ADI 4.029, Rel. Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, DJe 27.6.2012) - grifei.

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTS. 20 E 21 DA LEI N. 10.406/2002 (CÓDIGO CIVIL).PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA REJEITADA. REQUISITOS LEGAIS OBSERVADOS . MÉRITO: APARENTE CONFLITO ENTRE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS: LIBERDADE DE EXPRESSÃO, DE INFORMAÇÃO, ARTÍSTICA E CULTURAL, INDEPENDENTE DE CENSURA OU AUTORIZAÇÃO PRÉVIA (ART. 5º INCS. IV, IX, XIV; 220, §§ 1º E 2º) E INVIOLABILIDADE DA INTIMIDADE, VIDA PRIVADA, HONRA E IMAGEM DAS PESSOAS (ART. 5º, INC. X). ADOÇÃO DE CRITÉRIO DA PONDERAÇÃO PARA INTERPRETAÇÃO DE PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL. PROIBIÇÃO DE CENSURA (ESTATAL OU PARTICULAR). GARANTIA CONSTITUCIONAL DE INDENIZAÇÃO E DE DIREITO DE RESPOSTA. AÇÃO DIRETA JULGADA PROCEDENTE PARA DAR INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO AOS ARTS. 20 E 21 DO CÓDIGO CIVIL, SEM REDUÇÃO DE TEXTO. 1. A Associação Nacional dos Editores de Livros - Anel congrega a classe dos editores, considerados, para fins estatutários, a pessoa natural ou jurídica à qual se atribui o direito de reprodução de obra literária, artística ou científica, podendo publicá-la e divulgá-la . A correlação entre o conteúdo da norma impugnada e os objetivos da Autora preenche o requisito de pertinência temática e a presença de seus associados em nove Estados da Federação comprova sua representação nacional, nos termos da jurisprudência deste Supremo Tribunal. Preliminar de ilegitimidade ativa rejeitada. (...) 9. Ação direta julgada procedente para dar interpretação conforme à Constituição aos arts. 20 e 21 do Código Civil, sem redução de texto, para, em consonância com os direitos fundamentais à liberdade de pensamento e de sua expressão, de criação artística, produção científica, declarar inexigível autorização de pessoa biografada relativamente a obras biográficas literárias ou audiovisuais, sendo também desnecessária autorização de pessoas retratadas como coadjuvantes (ou de seus familiares, em caso de pessoas falecidas ou ausentes)”. (ADI 4.815, Rel. Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, DJe 1º.2.2016) - grifei.

Quanto à pertinência temática, esta resta demonstrada pela natureza da requerente – entidade sindical de segundo grau de representação dos operadores portuários, aliada à finalidade de “coordenar, defender e representar, em juízo ou fora dele, as atividades econômicas e os interesses dos Operadores Portuários” (art. 1º do estatuto – eDOC 10, p. 1).

A norma questionada estipula novo marco inicial do prazo prescricional bienal, a contar do término do cadastro perante o OGMO, em vez do fim de cada prestação de serviços, frente à suposta infringência ao disposto nos incisos XXIX e XXXIV do art. 7º da Constituição Federal, restando indiscutível a compatibilidade entre a abrangência da representação da requerente e o ato questionado. Conheço da demanda.

2- Tramitação da MP 595/2002 e sua posterior conversão na Lei 12.815/2013

Preliminarmente, cabe ressaltar que a Lei 12.815/2013 é proveniente do Projeto de Lei de Conversão (PLC) 9, de 2013, que, por sua vez, é fruto da apreciação da Medida Provisória 595, de 2012.

O dispositivo impugnado não constava na redação originária da MP 595, tendo o Deputado Federal Arnaldo de Sá apresentado emenda com a seguinte justificação:

“A emenda estabelece expressamente um prazo de prescrição para estabilizar as relações jurídicas entre trabalhadores avulsos e operadores portuários avulsos.

A prestação de serviço avulso não configura relação de emprego, inexistindo extinção do contrato de trabalho na espécie. Assim, a prescrição é contada do término do último serviço prestado, observando o prazo quinquenal nos termos do art. 7º, XXXIV, da CF, garantindo-lhes todos os direitos previstos no referido dispositivo constitucional, de forma que nada mais justo e adequado do que estabelecer uma regra equivalente para ambos.

A questão do marco inicial para contagem do referido prazo foi fixada considerando a exegese da própria MP 595/2012 e Lei 9.719/98, que fornecem arcabouço legislativo de modernização dos portos no Brasil sob abrigo da Convenção nº 137 da Organização Internacional do Trabalho.

De acordo com essas leis, compete ao OGMO selecionar, registrar, promover o treinamento e a habilitação profissional, inscrever o trabalhador no cadastro, manter o cadastro e o registro do trabalhador, promover a escalação, arrecadar e repassar, aos respectivos trabalhadores escalados, os valores devidos pelos operadores portuários relativos à remuneração do trabalhador portuário avulso e aos correspondentes encargos fiscais, sociais e previdenciários, e aplicar, quando cabível, normas disciplinares, incluindo o cancelamento do registro.

Ainda que o trabalhador portuário avulso não tenha suas atividades direcionadas, de forma constante, por nenhum operador portuário, constituindo nisso a essência do trabalho avulso, certo é que, quanto ao OGMO, a relação prossegue além dos intermitentes vínculos com os operadores portuários. Eventual insatisfação deve ser dirimida observando um lapso de tempo claramente definido na lei.”

Assim, após apreciação pela Comissão Mista, a referida emenda restou aprovada com a seguinte redação:

“§4º As ações relativas aos créditos decorrentes da relação de trabalho avulso prescrevem em cinco anos até o limite de dois anos após o cancelamento do registro ou do cadastro no órgão gestor de mão de obra.”

A Câmara dos Deputados, então, apreciou as alterações e realizou somente modificações formais no texto normativo, passando a norma a conter a seguinte disposição:

“§4º As ações relativas aos créditos decorrentes da relação de trabalho avulso prescrevem em 5 (cinco) anos até o limite de 2 (dois) anos após o cancelamento do registro ou do cadastro no órgão gestor de mão de obra.”

Ato contínuo, faz-se necessário esclarecer o que consiste a relação de trabalho avulso. Depois, analisar-se-á se há incompatibilidade, pela norma impugnada, de termo inicial diferenciado para contagem da prescrição.

3 – Relação trabalhista do trabalhador avulso portuário

Segundo leciona Amauri Mascaro, o trabalho avulso portuário, prestado sem vínculo empregatício, é aquele cuja administração da mão de obra é realizada pelo Órgão Gestor de Mão de Obra (OGMO). (NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho : relações individuais e coletivas do trabalho. 26ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011).

Segundo, MARTINS, o OGMO funcionaria como intermediário entre o trabalhador avulso (prestador) e o operador portuário (tomador de serviços) e este seria responsável pela arrecadação e repasse dos valores correspondentes à mão de obra prestada. Os trabalhadores avulsos portuários podem prestar serviços para diversos tomadores. É incumbência do operador portuário (tomador de serviço) entregar ao OGMO os valores correspondentes aos serviços prestados, bem como os direitos reflexos. Geralmente, o serviço é prestado por um curto período de tempo. (MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do trabalho. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2003).

O autor ainda leciona que todos os direitos trabalhistas são garantidos ao trabalhador avulso, o que difere do trabalhador eventual. O requisito da pessoalidade da relação do emprego não existe, não sendo a relação intuitu personae, uma vez que não importa ao tomador de serviços quem realiza o trabalho.

Verifico, assim, que a controvérsia implica saber se o trabalhador avulso portuário possui relação trabalhista com o OGMO ou com o operador portuário.

Isso porque, ao considerar que a relação ocorre com o operador portuário, de fato, ao findar-se a prestação de serviço, deveria começar a correr o prazo prescricional. Caso contrário, sendo a relação estabelecida com o OGMO, o fim do cadastro neste órgão deve ser o termo inicial para a contagem do prazo prescricional.

Ressalto que a relação trabalhista consiste em relação jurídica caracterizada por obrigação de fazer consubstanciada em labor humano, o que não implica, necessariamente, o reconhecimento de vínculo empregatício.

Isso porque a relação de trabalho é gênero, incluindo a prestação de serviços do empregado, do eventual, do avulso, do funcionário público e do empresário.

De outro lado, o contrato de trabalho é gênero e engloba várias relações de trabalho, sendo o contrato de emprego uma de suas espécies.

Por óbvio que a relação de trabalho entre o operador portuário e o trabalhador eventual ou a relação jurídica entre este e o OGMO não se enquadra na conceito de emprego. Todavia é induvidoso que há relação de trabalho.

No mesmo sentido, cite-se o art. 34 da Lei 12.815/13, a saber:

“Art. 34. O exercício das atribuições previstas nos arts. 32 e 33 pelo órgão de gestão de mão de obra do trabalho portuário avulso não implica vínculo empregatício com trabalhador portuário avulso.” - grifei.

No caso, a requerente alega que a relação trabalhista ocorre com o tomador de serviços – o operador portuário. Em sentido contrário, o Congresso Nacional, a Presidência da República, a Advocacia-Geral da União e a Procuradoria-Geral da República afirmam, categoricamente, que a relação trabalhista está presente com o Órgão Gestor de Mão de Obra (OGMO), uma vez que este faz a intermediação entre os trabalhadores e os diversos tomadores de serviços e repassa aos trabalhadores os valores que lhes competem.

No entanto, entendo que a relação trabalhista se perfaz com o operador portuário, o qual apenas, por força legal, delega ao OGMO a atribuição de repasse dos valores pagos pelo tomador do serviço, bem como aos órgãos competentes pelo recolhimento do tributo.

Senão vejamos quais são as atribuições dos operadores portuários:

“Art. 26. O operador portuário responderá perante:

(...)

IV - o trabalhador portuário pela remuneração dos serviços prestados e respectivos encargos;

V - o órgão local de gestão de mão de obra do trabalho avulso pelas contribuições não recolhidas;

VI - os órgãos competentes pelo recolhimento dos tributos incidentes sobre o trabalho portuário avulso;”

Vê-se, pois, que o operador portuário é o responsável fático-jurídico pelo desembolso da remuneração do trabalhador portuário, das contribuições não recolhidas ao OGMO e pelo recolhimento dos tributos incidentes sobre a relação jurídico-trabalhista.

A lei apenas repassa ao OGMO a atribuição de receber do operador portuário e repassar os valores ao trabalhador avulso, assumindo a condição de corresponsável pelo adimplemento das quantias perante este último (§2º do art. 33 da Lei 12.815/2013).

Tal circunstância, entretanto, não desnatura a natureza jurídica da relação trabalhista existente entre o operador portuário e o trabalhador avulso.

É situação típica em que a lei atribui a corresponsabilidade a terceiro, que possui participação no fato jurígeno por intermediar a necessidade do operador de obter mão de obra rápida, específica e adequada para executar as atividades ligadas à sua atividade portuária, bem como o interesse do trabalhador avulso de obter seu sustento em contraprestação à sua mão de obra.

Mutatis mutandis, na seara tributária, o papel do OGMO seria equivalente ao do responsável tributário, que, apesar de não ser o contribuinte, assume obrigação decorrente do campo legal, na forma do art. 121, parágrafo único, II, do CTN:

“Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária.

Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se:

I - contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador;

II - responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.” - grifei.

Aliás, em relação aos tributos devidos pela relação trabalhista, o OGMO encaixa-se perfeitamente na condição de responsável tributário, de acordo com o disposto no art. 32, VII, da Lei 12.815/2013:

“Art. 32. Os operadores portuários devem constituir em cada porto organizado um órgão de gestão de mão de obra do trabalho portuário, destinado a:

(...)

VII - arrecadar e repassar aos beneficiários os valores devidos pelos operadores portuários relativos à remuneração do trabalhador portuário avulso e aos correspondentes encargos fiscais, sociais e previdenciários.”

Portanto, tal situação realça a clara percepção de ser o operador portuário o verdadeiro contribuinte, assim como, na relação trabalhista, ser ele também o verdadeiro contratante do trabalhador avulso.

Exatamente nesse sentido foi a mens legislatoris do deputado Arnaldo de Sá, ao propor emenda no curso do Projeto de Lei de Conversão (PLC) 9, de 2013 (apreciação da Medida Provisória 595, de 2012), justificando sobre a necessidade de se regular sobre prazo prescricional, in verbis:

“A emenda estabelece expressamente um prazo de prescrição para estabilizar as relações jurídicas entre trabalhadores avulsos e operadores portuários avulsos.” - grifei.

Ou seja, está claro que a intenção do legislador, ao propor a emenda, era conferir estabilidade social às relações jurídicas entre os trabalhadores avulsos e operadores portuários, de forma que se partiu desse pressuposto como vinculativo.

Além disso, não custa enaltecer que o OGMO é formado pelos operadores portuários (art. 32, caput), e não pelos trabalhadores avulsos, o que reforça que o intuito daquela entidade é exercer papel de “utilidade pública, sendo-lhe vedado ter fins lucrativos, prestar serviços a terceiros ou exercer qualquer atividade não vinculada à gestão de mão de obra” (art. 39).

E mais: por subordinação jurídica entende-se a situação que implica o poder de uma parte determinar a forma de prestação de serviço a outra. Trata-se de um dos requisitos da relação de emprego, a qual também pode estar presente em relações trabalhistas sem vínculo empregatício.

Segundo MARTINS, a subordinação jurídica é verificada na situação contratual e legal pela qual o empregado deve obedecer às ordens do empregador (…). (MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 108).

No caso, tal questão é despicienda, mormente pela especificidade e singularidade da prestação de serviço executada pelo trabalhador avulso.

Por todo o exposto, entendo que a subordinação jurídica sui generis ocorre entre o trabalhador avulso e o operador portuário, conquanto o OGMO desempenhe papel de intermediação entre ambos, exerça, em substituição ao tomador dos serviços, o poder punitivo e fiscalize as condições de trabalho.

4 – Aplicação casuística e violação à segurança jurídica conferida pelo TST

Cabe ressaltar que o Tribunal Superior do Trabalho possuía orientação jurisprudencial no sentido de que o termo inicial para a contagem da prescrição seria o encerramento da prestação de labor em cada tomador de serviço. Era o que dispunha a OJ da SDI-1 384:

“É aplicável a prescrição bienal prevista no art. 7º, XXIX, da Constituição de 1988 ao trabalhador avulso, tendo como marco inicial a cessação do trabalho ultimado para cada tomador de serviço.” - grifei.

Seguindo essa linha de posicionamento:

“RECURSO DE REVISTA - NULIDADE POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. Decisão fundamentada, emitindo juízo acerca dos temas controvertidos, em seus pontos relevantes, não padece de nulidade, porquanto faz a entrega satisfatória da prestação jurisdicional. Recurso de revista não conhecido. PRESCRIÇÃO - MOMENTO DE ARGUIÇÃO - INSTÂNCIA ORDINÁRIA. A Súmula nº 153 desta Corte prevê que a prescrição pode ser arguida na instância ordinária, assim inadmissível o processamento de recurso de revista em face da consonância da decisão recorrida com súmula do TST. Recurso de revista não conhecido. ÓRGÃO GESTOR DE MÃO-DEOBRA DO TRABALHO PORTUÁRIO AVULSO - PRESCRIÇÃO - TRABALHADOR AVULSO. Da interpretação do art. 7°, inciso XXIX, da Constituição da República, infere-se que o prazo prescricional a ser observado pelo trabalhador avulso é o bienal, contado da extinção de cada prestação de serviço executada junto à empresa que o contratou. No referido inciso atribui-se igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso. O princípio da isonomia, calcado na igualdade substancial prevista na Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso II, defende justamente a igualdade de tratamento para situações consideradas no ordenamento jurídico. Assim, há de ser observada tanto pelo trabalhador com vínculo permanente, como pelo trabalhador avulso, a contagem da prescrição com limite constitucional de dois anos após a extinção do contrato de trabalho, sendo que, na hipótese de trabalhador avulso, o contrato de trabalho deve ser considerado como aquele que decorreu da prestação dos serviços, muito embora não se desconheça a atipicidade da relação jurídica que une o avulso ao tomador do seu serviço. Com isso, a partir de cada trabalho ultimado, nasce para o titular da pretensão o direito de verificar a existência de crédito trabalhista, iniciando-se a partir daí a contagem do prazo prescricional. Recurso de revista não conhecido. (...)”. (E-RR - 124900-41.2000.5.17.0007, Relator Ministro: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, 1ª Turma, j. 13.5.2009 e DEJT 22.5.2009) – grifei.

“I - RECURSO DE REVISTA DO RECLAMADO TRABALHADOR AVULSO - PRESCRIÇÃO A C. SBDI-1, no julgamento dos E-ED-RR-87/2002-022-09-00.3, pacificou o entendimento de que a prescrição bienal também é aplicável ao trabalhador avulso. ADICIONAL NOTURNO - DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO CONFIGURADA Os julgados transcritos são provenientes do mesmo Tribunal prolator da decisão recorrida, em desatenção aos ditames do artigo 896 da CLT. Recurso de Revista conhecido parcialmente e provido. II - (…). ADICIONAL DE RISCO - TERMINAL PORTUÁRIO DE USO PRIVATIVO - ADICIONAL DE PERICULOSIDADE 1. Estando o terminal portuário de uso privativo submetido às regras de direito privado, conforme disposição do artigo 6º, § 2º, da Lei nº 8.630/93, não há falar em incidência, a essa hipótese, do artigo 14 da Lei nº 4.860/65, que estabelece o regime de trabalho nos portos organizados. Precedentes da C. SBDI-1. 2. Declarada por esta Turma a prescrição das parcelas anteriores a 27/04/2002, afasta-se a pretensão ao adicional de periculosidade, que se refere unicamente a período prescrito. Recurso de Revista conhecido parcialmente e desprovido“. ( RR - 136100-78.2004.5.12.0028, Relatora Ministra: Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, 8ª Turma, j. 29.10.2008 e DEJT 31.10.2008) – grifei.

“PRESCRIÇÃO BIENAL. TRABALHADOR AVULSO. I - A douta maioria desta 4ª Turma adota a tese de que, ‘dada a igualdade de direitos entre o empregado e o trabalhador avulso, por força da norma constitucional, não se pode negar que a prescrição aplicável, no curso do período em que o avulso presta serviços no tomador, é de 5 (cinco) anos, da mesma forma que, rompida a prestação de serviços e, portanto o contrato de trabalho atípico, o seu prazo é de 2 (dois) anos para reclamar seus direitos, sob pena de prescrição’. (...) HONORÁRIOS ADVOCATICIOS. I - Análise prejudicada em razão da manutenção da improcedência da reclamatória”. (RR - 188100-91.2003.5.09.0022, Relator Ministro: Antônio José de Barros Levenhagen, 4ª Turma, j. 10.10.2007, DJ 26.10.2007) -grifei.

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. TRABALHADOR AVULSO. OGOMO. PRESCRIÇÃO - A natureza atípica do contrato do trabalhador portuário avulso, que presta serviço a diversas empresas, tendo como intermediador o Órgão Gestor de Mão-de-Obra, OGMO, mero responsável pela arrecadação e repasse da remuneração dos trabalhadores, com os quais não mantém vínculo empregatício, faz com que o prazo prescricional da ação trabalhista se conte a partir de cada contrato e não apenas do último, de modo que a decisão que se encontra em sintonia com tal entendimento não ofende nenhum preceito constitucional. Agravo de instrumento improvido“. (AIRR – 5153240-20.2001.5.09.0322, Relator Juiz Convocado: Horácio Raymundo de Senna Pires, 2ª Turma, j. 23.11.2005 e DJ 17.2.2006) – grifei.

Posteriormente, algumas Turmas do TST passaram a entender que não seria aplicável ao trabalhador avulso a prescrição bienal prevista na parte final da norma do inciso XXIX do art. 7º da CF, mas tão somente a quinquenal, tal como expressam as seguintes ementas:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. TRABALHADOR AVULSO. PRESCRIÇÃO. O trabalhador portuário avulso não mantém contrato de trabalho típico com o tomador de serviços, mas relação jurídica com o órgão gestor de mão-de-obra, nos termos do art. 27 da Lei de nº 8.630/1993. Esse vínculo extingue-se por morte, aposentadoria ou cancelamento (§ 3º), daí não ser possível aplicar a prescrição bienal da pretensão aos créditos decorrentes de cada prestação avulsa de serviços. Aplica-se, nesse caso, tão-somente a prescrição quinquenal, por força do art. 7º, XXXIV e XXXIX, da Constituição. Precedentes da c. 3ª Turma. Agravo de Instrumento a que se nega provimento“. (AIRR - 5148440- 46.2001.5.09.0322, Relator Juiz Convocado: Ricardo Alencar Machado, 3ª Turma,j . 10.5.2006 e DJ 2.6.2006) - grifei.

“RECURSO DE REVISTA - TRABALHADOR AVULSO - PRESCRIÇÃO O prazo para o trabalhador avulso ingressar com ação na Justiça do Trabalho é de cinco anos. Entender aplicável ao trabalhador avulso a regra específica da prescrição bienal, sem atentar às peculiaridades da relação de trabalho, configura cerceamento de direitos e grave violação à garantia constitucional de igualdade com os demais trabalhadores. A disciplina do art. 7º, XXIX, da Constituição autoriza o entendimento de que, ao trabalhador avulso, aplicase, tão-somente, a prescrição quinquenal, porquanto não há falar, na hipótese, em contrato de trabalho, mas em relação de trabalho lato sensu. Recurso de Revista conhecido e desprovido“. (RR - 5174500-83.2001.5.09.0022, Rel. Min. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, 3ª Turma, j. 21.6.2006 e DJ 10.8.2006) – grifei.

Em seguida, o Pleno do TST, em decorrência dos debates realizados na denominada “Semana do TST”, no período de 10 a 14.9.2012, decidiu, por maioria, em sessão realizada em 14.9.2012, por meio da Resolução 186/12 (DJe 25, 26 e 27.9.2012), cancelar tal orientação.

Reitere-se que a modificação legislativa somente veio a ocorrer em junho de 2013, com a entrada em vigor da Lei 12.815/2013, tendo em vista que o texto original da Medida Provisória 595, de 6 de dezembro de 2012, não continha tal dispositivo.

Atualmente, o posicionamento do TST está pacificado no sentido de considerar a data do descredenciamento do obreiro no OGMO como marco inicial para a contagem do prazo prescricional bienal. Confiram-se

os seguintes precedentes:

“I - RECURSO DE REVISTA DA TECON RIO GRANDE S.A. - TRABALHADOR PORTUÁRIO AVULSO - PRESCRIÇÃO O Eg. TST, após o cancelamento da Orientação Jurisprudencial nº 384 da SBDI-1, passou a entender que a prescrição bienal é contada a partir da data do descredenciamento do trabalhador no OGMO. Não havendo notícias nos autos do cancelamento do registro, a prescrição incidente é a quinquenal. Precedentes. (…)”. (ARR - 1406- 31.2012.5.04.0121, Rel. Min. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, 8ª Turma, DeJT 20.11.2015) – grifei.

“I. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. PRESCRIÇÃO BIENAL. TRABALHADOR PORTUÁRIO AVULSO. Em razão de possível violação do art.7º, XXXIV, da Constituição Federal, dou provimento ao agravo de instrumento. Agravo de instrumento conhecido e provido. II. RECURSO DE REVISTA. PRESCRIÇÃO BIENAL. TRABALHADOR PORTUÁRIO AVULSO. Caso em que o Tribunal Regional afastou a prescrição quinquenal, com fundamento na Orientação Jurisprudencial 384 da SBDI-1/TST. Esta Corte, no entanto, cancelou a referida Orientação Jurisprudencial e, a partir de então, a jurisprudência se firma no sentido de que se aplica a prescrição quinquenal ao trabalhador avulso portuário, em função da igualdade de direitos com o trabalhador com vínculo de emprego, estabelecida pelo art. 7º, XXXIV, da Constituição Federal. A prescrição bienal somente terá incidência a partir do cancelamento do registro do trabalhador avulso no órgão gestor de mão de obra, e não da cessação do trabalho para cada tomador. Recurso de revista conhecido e provido”. (RR - 932-35.2010.5.01.0082, Rel. Min. Douglas Alencar Rodrigues, 7ª Turma, DeJT 20.11.2015) – grifei.

Entretanto, o cancelamento da antiga orientação jurisprudencial ocorreu de forma totalmente dissociada de alteração legislativa que a justificasse, o que acabou produzindo insegurança jurídica, pois apenas no campo supostamente acadêmico, a Corte Trabalhista reviu sua jurisprudência consolidada, ao desamparo de qualquer justificativa legal para reverter sua posição jurídica.

Rememorando: 1) houve a pacificação no TST, por meio da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SBDI-1), no julgamento dos EED- RR-87/2002-022-09-00.3, do entendimento de que a prescrição bienal também é aplicável ao trabalhador avulso, partindo do pressuposto de que a relação trabalhista ocorreria entre o avulso e o operador portuário; 2) posteriormente, passou-se a entender que inexistia prazo bienal, mas tão somente o quinquenal, mantendo a relação jurídica incólume; 3) e, por último, o TST, alterando completamente sua jurisprudência, não obstante sequer tenha ocorrido alteração legislativa, desnaturou aquele elo jurídico, passando a entender que a relação trabalhista ocorreria entre o OGMO e o avulso.

Deduzir-se o pretendido pela Justiça Trabalhista poderia configurar verdadeira fraude hermenêutica, destinada apenas a extrair-se de onde não há interpretação que a auxilie a fundamentar o que deseja.

Trata-se de autêntica “jurisprudência sentimental”, seguida em moldes semelhantes à adotada pelo bom juiz Magnaud. Magistrado do Tribunal de primeira instância de Château-Thierry, na França, no qual atuou de 1889-1904, ele passou a ser conhecido como o ”bom juiz”por amparar mulheres e menores, por atacar privilégios, por proteger plebeus, ao interpretar a lei de acordo com classe, mentalidade religiosa ou política das partes.

Em suas decisões, o bom juiz Magnaud não jogava com a Hermenêutica, da qual nem sequer falava. Tomava atitudes de tribuno; usava de linguagem de orador ou panfletário; empregava apenas argumentos humanos sociais, e concluía do alto, dando razão a este ou àquele sem se preocupar com os textos. (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 68).

A ideia de que cada decisão judicial é atividade criadora de Direito, não apenas aplicação de norma pronta, teve diversos adeptos na Europa no final do século XIX.

O chamado Movimento do Direito Livre, do qual é considerado precursor o escrito “Gesetz und Richteramt”, de Oskar Bülow, publicado em 1885, seguia o princípio de que haveria pluralidade de significados para a aplicação de determinado texto de lei, cabendo ao juiz ponderar o que acreditava ser a mais justa, em verdadeira livre investigação do direito. O magistrado não teria limites no momento de decidir litígios. (LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 78).

É esse ativismo sem precedentes que o Tribunal Superior do Trabalho parece pretender seguir.

E mais: a Justiça do Trabalho não pode perder de vista a realidade e, a partir de visões próprias do mundo, focada a atingir determinado fim que entende nobre, atuar como o bom juiz Magnaud. Há limites que precisam ser observados no Estado democrático de Direito e dos quais não se pode deliberadamente se afastar para favorecer grupo específico.

Em crítica à interpretação que, desde seu nascedouro, está voltada a obter determinado fim, Carlos Maximiliano pondera:

“Cumpre evitar, não só o demasiado apego à letra dos dispositivos, como também o excesso contrário, o de ‘forçar a exegese’ e deste modo encaixar na regra escrita, graças à fantasia do hermeneuta, as teses pelas quais este se apaixonou, de sorte que vislumbra no texto ideias apenas existentes no próprio cérebro, ou no sentir individual, desvairado por ojerizas e pendores, entusiasmos e preconceitos” (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 84, grifos nossos).

Por conseguinte, não cabe ao Tribunal Superior do Trabalho agir desvairadamente e, para chegar a determinado objetivo, interpretar norma constitucional de forma arbitrária.

É no mínimo exótico, portanto, que um tema que à época não tenha sido objeto de análise pelo Poder Legislativo (a alteração legal é posterior à mudança de orientação jurisprudencial do TST), surja no cenário jurídico por meio de simples reunião interna de membros do Tribunal Superior do Trabalho.

A Corte trabalhista, em sessão para definir quais súmulas e orientações suas deveriam ser alteradas ou atualizadas, conseguiu a façanha de interpretar arbitrariamente norma constitucional, de modo a dela extrair o almejado elastecimento do prazo bienal do final de cada relação trabalhista com o operador portuário para o encerramento do cadastro junto ao OGMO.

Ou seja, houve a transmudação da titularidade da relação trabalhista do tomador do serviço – o que prevalecia até os idos de 2011 – para o OGMO, sem qualquer alteração normativa sensível que justificasse tal posicionamento.

Além disso, o fato de ter havido cancelamento da orientação jurisprudencial não instaura automaticamente novo posicionamento, tal como se fosse prevalecente e há muito consolidado.

No mesmo sentido, transcreva-se trecho do voto-vista do Min. Ives Gandra Martins Filho nos autos do ED-RR 2033-66.2013.09.0022, a saber:

“(...) Cabe ressaltar que a matéria se encontrava disciplinada na Orientação Jurisprudencial 384 da SBDI-1 do TST, verbis:

‘TRABALHADOR AVULSO. PRESCRIÇÃO BIENAL. TERMO INICIAL. (DEJT divulgado em 19, 20 e 22.04.2010) É aplicável a prescrição bienal prevista no art. 7º, XXIX, da Constituição de 1988 ao trabalhador avulso, tendo como marco inicial a cessação do trabalho ultimado para cada tomador de serviço’ (grifei).

Com a edição da referida orientação jurisprudencial, o Tribunal Superior do Trabalho transmitiu claro posicionamento no sentido de que as entidades gestoras deveriam provisionar o seu passivo trabalhista considerando-se a prescrição bienal, a contar de cada engajamento, não vinculando a contagem do prazo prescricional ao cancelamento do registro ou do cadastro no Órgão Gestor de Mão-de-Obra.

Todavia, o Tribunal Pleno desta Corte, em decorrência dos debates realizados na denominada ‘Semana do TST’, no período de 10 a 14/9/12, decidiu, por maioria, em sessão realizada em 14/09/12, por meio da Resolução 186/12 (DJe de 25, 26 e 27/09/12), cancelar a citada orientação jurisprudencial.

Não se pode perder de vista que o cancelamento de eventual súmula ou orientação jurisprudencial visa deixar a jurisprudência livre, para que ela trilhe o seu próprio caminho, sem ficar jungida àquela hipótese, antes prevista no verbete sumular ou na orientação jurisprudencial.

Não é demais lembrar que, na mesma ‘Semana do TST’, citada alhures, foi alterada a sinalização da Súmula 277 do TST, que trata da ultratividade de cláusulas de acordos e convenções coletivas, adotando-se entendimento diametralmente contrário ao exposto em sua redação original.

Em outras palavras, quando esta Corte Superior realmente quer dizer o contrário do que dispõe um enunciado sumular, muda-se a diretriz da súmula. Quando se quer deixar livre a jurisprudência, cancela-se e, depois, forma-se um novo entendimento, com precedentes específicos.

Nessa senda, o cancelamento da Orientação Jurisprudencial 384 da SBDI-1 do TST apenas deixou em aberto a discussão para que a jurisprudência se sedimentasse em um sentido ou noutro, mas não significou a inversão automática de sinal.

(...)” - grifei.

Vê-se, pois, que não apenas o princípio da legalidade e da segurança jurídica, mas também o da separação dos poderes parece ser atingido com essa atuação indevida do TST antes da edição da Lei 12.815/13. Valho-me das palavras do Min. Ives no sentido de que “o cancelamento da Orientação Jurisprudencial 384 da SBDI-1 do TST apenas deixou em aberto a discussão para que a jurisprudência se sedimentasse em um sentido ou noutro, mas não significou a inversão automática de sinal”.

Ao avocar para si a função legiferante, a Corte trabalhista afastou o debate público e todos os trâmites e garantias típicas do processo legislativo, passando, por conta própria, a ditar não apenas norma, mas os limites da alteração que criou. Tomou para si o poder de ponderação acerca de eventuais consequências desastrosas e, mais, ao aplicar entendimento que ela mesmo estabeleceu, também o poder de arbitrariamente selecionar quem por ele seria atingido.

A alteração de entendimento sumular sem a existência de precedentes que a justifiquem é proeza digna de figurar no livro do Guiness, tamanho o grau de ineditismo da aberração que a justiça trabalhista pretendeu criar.

5 - Incompatibilidade material do §4º do art. 37 da Lei 12.815/2013 frente ao tomador de serviço (operador portuário)

De pronto, entendo que o §4º do art. 37 da Lei 12.815/2013 viola o texto constitucional no que se refere à relação trabalhista entre o tomador do serviço e o avulso, tendo em vista que institui termo inicial diferenciado da contagem do prazo prescricional em divergência com aquele comando normativo.

Rememore-se que o art. 7º, inciso XXXIV, da Constituição Federal garante aos trabalhadores avulsos igualdade de direitos em relação àqueles que possuem vínculo empregatício. Trata-se, portanto, de uma das matrizes do princípio geral da isonomia, de forma que, encerrada a relação de trabalho com o operador portuário, deve iniciar o cômputo daquele prazo bienal.

Não há discrímen que justifique o critério adotado pelo legislador, o qual não pode conflitar com os valores e interesses acolhidos pela ordem constitucional, bem como a correlação entre o tratamento diferenciado, naquilo que existir diferença com as demais relações trabalhistas.

No caso, não faz sentido conferir ao sujeito contratado da relação jurídica (trabalhador avulso portuário) tratamento jurídico diferenciado para o termo inicial para contagem do prazo prescricional das demais ações trabalhistas, o que acaba conflitando com o prescrito no art. 7º, inciso XXIX, da Lei Maior.

Relembre-se que o OGMO organiza e mantém o registro dos trabalhadores avulsos portuários, na forma do art. 41 da Lei 12.815/13, in litteris:

“Art. 41. O órgão de gestão de mão de obra:

I - organizará e manterá cadastro de trabalhadores portuários habilitados ao desempenho das atividades referidas no § 1º do art. 40; e

II - organizará e manterá o registro dos trabalhadores portuários avulsos.

§ 1º A inscrição no cadastro do trabalhador portuário dependerá exclusivamente de prévia habilitação profissional do trabalhador interessado, mediante treinamento realizado em entidade indicada pelo órgão de gestão de mão de obra.

§ 2º O ingresso no registro do trabalhador portuário avulso depende de prévia seleção e inscrição no cadastro de que trata o inciso I do caput, obedecidas a disponibilidade de vagas e a ordem cronológica de inscrição no cadastro.” - grifei.

O fim do cadastro pode ocorrer por morte ou cancelamento, na forma do § 3º do art. 41 da mesma legislação federal:

“§ 3º A inscrição no cadastro e o registro do trabalhador portuário extinguem-se por morte ou cancelamento.”

Quanto ao cancelamento, ele pode ocorrer a pedido ou como penalidade pelo descumprimento de alguma norma disciplinar, calhando transcrever a alínea “c” do inciso I do art. 33 da lei questionada:

“Art. 33. Compete ao órgão de gestão de mão de obra do trabalho portuário avulso:

I - aplicar, quando couber, normas disciplinares previstas em lei, contrato, convenção ou acordo coletivo de trabalho, no caso de transgressão disciplinar, as seguintes penalidades:

(...)

c) cancelamento do registro;”- grifei.

Ora, como a relação trabalhista é entre o tomador do serviço (operador portuário) e o trabalhador avulso portuário, é desarrazoado conferir nova regra elastecendo o biênio constitucional para o fim do cadastro entre este e o OGMO, que é totalmente dissociado daquela relação jurídica.

Em consideração a essas especificidades, o constituinte estabeleceu, no art. 7º, XXXIV, igualdade de direitos entre trabalhadores com vínculo empregatício e os avulsos. Em outras palavras, ordena que o legislador garanta aos avulsos os mesmos direitos assegurados aos trabalhadores com vínculo empregatício, considerando, para tanto, as diferenças entre os dois regimes.

É de se entender, portanto, que as peculiaridades das relações do trabalhador avulso portuário não justificam o tratamento jurídico diferenciado conferido pela Lei 12.815/2013, o que acaba por violar a segurança jurídica e a isonomia, sendo, por conseguinte, inconstitucional.

Corroborando tal posicionamento, cite-se trecho do voto-vista do Min. Ives Gandra Martins Filho nos autos do ED-RR 2033-66.2013.09.0022, a saber:

“O art. 7º, XXXIV, da CF concedeu ao trabalhador avulso todos os direitos conferidos aos trabalhadores urbanos e rurais com vínculo empregatício reconhecido.

No rol do art. 7º se encontra o inciso XXIX, que trata do prazo prescricional (unificado o critério para trabalhadores urbanos e rurais a partir da Emenda Constitucional 28/00), sendo bienal a partir da extinção do contrato e quinquenal a contar da data da lesão, quando esta ocorrer no curso do contrato.

Assim, a primeira conclusão a que se chega é a de que a prescrição bienal não pode, em tese, ser descartada em relação ao trabalhador avulso, por imperativo constitucional.

Na verdade, o que se questiona é o marco inicial da prescrição, quando se tratar de trabalhador avulso, dada a natureza especial do trabalho que desempenha.

Com efeito, o trabalhador avulso portuário presta serviços sob a modalidade de engajamento nos navios que aportam, com a intermediação do Órgão Gestor de Mão-de-Obra - OGMO (que substituiu, nesse mister, os sindicatos obreiros, conforme a Lei 8.630/93).

Nessa linha, duas são as teses de consideração do marco prescricional: a data do encerramento de cada engajamento, considerado como um contrato a prazo determinado com o navio, ou a baixa do registro no OGMO, assimilado, por analogia, o OGMO ao empregador (já que recebe as verbas salariais e as repassa ao trabalhador).

O regime de contratação do trabalhador avulso é distinto daquele do trabalhador comum, já que sua contratação é sempre ad hoc, a curtíssimo prazo, sendo certo que o Órgão de Gestão de Mão-de-Obra tem por finalidade administrar o fornecimento desta, além de gerir a arrecadação e o repasse da remuneração aos trabalhadores. Na realidade, o vínculo contratual se dá diretamente entre o trabalhador avulso e a empresa tomadora de serviços, de maneira que, a cada contratação, exsurge uma nova relação independente da anterior.

Por conseguinte, não há como afastar a conclusão de que o marco extintivo se aplica a cada engajamento concreto, para postular os direitos dele decorrentes.

Assimilar o OGMO ao empregador seria o mesmo que pretender, no regime anterior à lei dos portos, que os sindicatos fossem empregadores, quando eram eles que intermediavam o fornecimento de mão de obra.

(…)

Ademais, não se ignora que a Lei 12.815, de 5 de junho de 2013, abraçou o entendimento contrário ao aqui defendido, ao prever, no art. 37, § 4º, que ‘as ações relativas aos créditos decorrentes da relação de trabalho avulso prescrevem em 5 (cinco) anos até o limite de 2 (dois) anos após o cancelamento do registro ou do cadastro no órgão gestor de mão de obra’.

Todavia, o art. 37, § 4º, da Lei 12.815/13, ao definir o cancelamento de registro ou cadastro no OGMO como marco para contagem do prazo prescricional de ações relativas a créditos decorrentes de relação de trabalho avulso, padece de inconstitucionalidade, por violar o art. 7º, XXIX, da CF, máxime porque o dispositivo toma como elemento desencadeante do prazo de prescrição marco diferente do que a norma constitucional estipula, e adota fato arbitrário, por ser desvinculado da relação jurídica a que a prescrição se aplica. E o constituinte foi claro ao estabelecer que o rol dos direitos trabalhistas do art. 7º da Carta Magna se aplica integralmente ao trabalhador avulso (inciso XXXIV).

Cumpre alertar, inclusive, que o art. 37, § 4º, da Lei 12.815/13, transcrito acima, é alvo no STF da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.132/DF, ajuizada pela Federação Nacional dos Operadores Portuários – FENOP, de Relatoria do Min. Gilmar Mendes, pendente de julgamento.

Assim, em que pese o cancelamento da Orientação Jurisprudencial 384 da SBDI-1 desta Corte, conclui-se que é aplicável ao trabalhador portuário avulso o prazo prescricional de dois anos (bienal), tendo como marco inicial o término do contrato firmado com cada um dos tomadores de serviço.

Imprescindível considerar que eventual vinculação do prazo prescricional ao cancelamento do registro dos trabalhadores avulsos no OGMO promoverá substancial majoração dos passivos trabalhistas, com consequências irreparáveis à maioria das entidades gestoras de mão de obra, esfacelando o sistema de gestão imposto pela Lei 8.630/93 e mantido pela Lei 12.815/13, o que também causa extrema preocupação.”

Por conseguinte, sob a minha ótica, a diferença de tratamento jurídico entre o trabalhador avulso e o empregado há de conduzir à inconstitucionalidade daquela disposição, por ofensa aos postulados constitucionais da isonomia e da segurança jurídica.

6 - Prazo prescricional das demandas entre o trabalhador eventual e o OGMO

É induvidoso que, do ponto de vista legal, existe relação jurídica (não trabalhista) entre o trabalhador avulso e o órgão gestor de mão de obra (OGMO), tendo em vista a responsabilidade deste pelo repasse dos valores adimplidos pelos tomadores dos serviços tanto àquele quanto aos órgãos públicos, conforme visto acima, no art. 32, VII, da Lei 12.815/2013.

Podem, então, acontecer situações que o trabalhador avulso necessite ingressar judicialmente em face do OGMO por ato praticado exclusivamente por este, v.g., ao não depositar a quantia referente ao FGTS na conta do trabalhador avulso, a despeito de ter sido pago corretamente pelo tomador do serviço (operador portuário).

Visto que se necessita de prazo para regular as relações entre os avulsos e o OGMO, naquilo que exceder à prescrição bienal decorrente da relação trabalhista com o operador portuário, nada obsta que legislação federal em tela disponha de forma diversa da responsabilidade civil, ao estabelecer a quinquenal, desde que observado o prazo bienal após o término da relação existente com tal entidade de utilidade pública.

A justificativa apresentada pelo deputado Arnaldo de Sá está consolidada no sentido que:

“A prestação de serviço avulso não configura relação de emprego, inexistindo extinção do contrato de trabalho na espécie. Assim, a prescrição é contada do término do último serviço prestado, observando o prazo quinquenal nos termos do art. 7º, XXXIV, da CF, garantindo-lhes todos os direitos previstos no referido dispositivo constitucional, de forma que nada mais justo e adequado do que estabelecer uma regra equivalente para ambos.”

E, ao final, conclui:

“Ainda que o trabalhador portuário avulso não tenha suas atividades direcionadas, de forma constante, por nenhum operador portuário, constituindo nisso a essência do trabalho avulso, certo é que, quanto ao OGMO, a relação prossegue além dos intermitentes vínculos com os operadores portuários. Eventual insatisfação deve ser dirimida observando um lapso de tempo claramente definido na lei”.

Desse modo, percebe-se que, a despeito do início da justificativa de sua proposta não ser condizente com o texto constitucional, sua intenção também era estabelecer prazo prescricional entre o OGMO e o trabalhador avulso.

Por conseguinte, entendo não há qualquer inconstitucionalidade na fixação de prazo prescricional diverso daquele fixado na legislação civil, de forma que devem permanecer incólumes os prazos prescricionais previstos na legislação em regência em desfavor do OGMO.

Assim, na esteira do antigo entendimento do TST, consubstanciado na OJ 384 da SBDI-1 do TST, entendo que o dispositivo impugnado viola o texto constitucional (XXXIV, do art. 7º, da Constituição Federal) no que se refere à relação trabalhista, razão pela qual é caso de se declarar inconstitucional o §4º do art. 37 da Lei 12.815/2013, sem redução de texto, excluindo de sua incidência as relações jurídicas entre o operador portuário e o trabalhador avulso, nas quais se aplica a regra constitucional do biênio, a contar do fim de cada serviço.

Por outro lado, permanece incólume sua responsabilidade e, portanto, aplicável o prazo prescricional em face do OGMO por eventuais atos praticados em descompasso com os repasses efetuados pelo operador portuário ou demais atos que exsurjam dessa relação.

7- Dispositivo

Ante o exposto, julgo procedente a presente ação direta de inconstitucionalidade, declarando inconstitucional o §4º do art. 37 da Lei 12.815/2013, sem redução de texto, excluindo de sua incidência as relações jurídicas entre o operador portuário e o trabalhador avulso, nas quais se aplica a regra constitucional do biênio, a contar do fim de cada serviço, permanecendo incólume o prazo prescricional em face do OGMO por eventuais atos praticados em descompasso com a lei federal em questão e demais diplomas normativos aplicáveis.

É como voto.

 

 

29/03/2021 - PLENÁRIO

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.132 DISTRITO FEDERAL

RELATOR :MIN. GILMAR MENDES

REDATOR DO ACÓRDÃO :MIN. EDSON FACHIN

REQTE.(S) :FENOP - FEDERAÇÃO NACIONAL DOS OPERADORES PORTUÁRIOS

ADV.(A/S) :SERGIO BERMUDES E OUTRO(A/S)

INTDO.(A/S) :PRESIDENTE DA REPÚBLICA

PROC.(A/S)(ES) :ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

INTDO.(A/S) :CONGRESSO NACIONAL

PROC.(A/S)(ES) :ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

AM. CURIAE. :ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS TERMINAIS DE CONTÊINERES DE USO PÚBLICO - ABRATEC

ADV.(A/S) :SANDRA APARECIDA LÓSS STOROZ E OUTRO(A/S)

AM. CURIAE. :ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS TERMINAIS PORTUÁRIOS - ABTP

ADV.(A/S) :LUIZ GUILHERME MORAES REGO MIGLIORA E OUTRO(A/S)

V O T O

O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN: Preliminarmente, acompanho o e. Relator no tocante à legitimidade da requerente.

Há vários precedentes na jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal acerca da ilegitimidade das entidades sindicais de segundo grau como é o caso (eDOC 10) (ADI 5853 AgR, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 29/06/2020; ADI 4656 AgR, Relator(a): CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 01/08/2014; ADI 4440 AgR, Relator(a): ROSA WEBER, Tribunal Pleno, julgado em 07/05/2015). Segundo essas decisões, a referência na Constituição à legitimidade da “confederação sindical” e da “entidade de classe de âmbito nacional” (art. 103, IX) não é aleatória, de modo que as federações sindicais por estarem contidas naquelas não podem atuar como estas.

Porém, como argumenta o requerente na sua sustentação oral, não há confederação que a abranja. Nesses casos, deve mesmo haver a distinção sugerida pelo e. Ministro Marco Aurélio na ADI n. 5.853 e ora adotada pelo e. relator de que a Federação atua como entidade de classe de âmbito nacional.

Trata-se de interpretação que vai ao encontro da desejada ampliação do debate democrático no âmbito da jurisdição constitucional de modo que reconheço a legitimidade da entidade autora.

No mérito, no entanto, pedindo vênia ao e. Relator para divergir, assento que não assiste razão jurídica à parte autora.

Ao meu ver, a Constituição da República, ao consignar, em seu art. 7º, o direito “à ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho (inciso XXIX) e “a igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso” (inciso XXXIV), não elidiu a possibilidade de que, dentro do preceituado pelas normas constitucionais, em atenção aos princípios da valorização social do trabalho (art. 1º, IV) e de justiça social (arts. 3º, I a III; 7º a 9º, 170 e 193), fossem reguladas de modo diverso para atender às particularidades e às condições de trabalhos próprias da relação laboral avulsa.

O ilustre professor José Afonso da Silva explica que a natureza do trabalho avulso não é eventual.

Embora o tomador de serviços varie, o trabalhador está vinculado a um posto fixo de trabalho, à espera de ser destacado para sua realização, segundo rodízio controlado.

Quer dizer, caracteriza-se a constância ou até a permanência da relação laboral avulsa, no sentido de não ser temporária ou esporádica, em virtude de sua fixação a uma fonte de trabalho constante. Veja-se:

A natureza de seu trabalho não é eventual, mas constante, ainda que o tomador de serviço varie. Tem, pois, o avulso uma relação de trabalho constante, e até, permanente, no sentido de que não é um trabalho temporário, esporádico, de que o trabalhador o presta e deve deslocar-se para outros lugares, na busca de nova e aleatória oportunidade. O trabalhador que busca trabalho aqui e ali é eventual, não o avulso, que é fixo no seu posto de trabalho, esperando apenas ser destacado pelo seu sindicato para realizar o trabalho, segundo, segundo rodízio controlado. O trabalho eventual caracteriza-se por ser de curta duração, passageiro, um acontecimento isolado (um evento), que se extingue por sua temporariedade, por sua natureza contingente. Por isso é que a relação jurídica que o vincula a terceiros se caracteriza pela descontinuidade, pela impossibilidade de fixação jurídica a uma fonte de trabalho e pela curta duração. Não é ao prestador de trabalho dessa natureza que a norma constitucional se dirige, mas àquele outro que tem constância no tempo, ocupa sua posição por tempo indefinido, com sua presença permanente no posto de trabalho, ou seja, no lugar onde existe o trabalho que requer sua força, sua fixação a uma fonte de trabalho constante, sendo por isso registrado como força de trabalho permanente junto a essa fonte de trabalho. (SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 196-1967).

O trabalhador avulso, diferentemente do empregado comum, que mantém relação de trabalho de forma direta e contínua com a empresa beneficiária de sua mão de obra, oferece a prestação de seus serviços, por um curto período de tempo, a diversos tomadores, sem se fixar a nenhum deles[1].

Com efeito, diferencia-se por atuar intermediado por um órgão gestor, ente responsável por realizar a interposição da força de trabalho avulsa em face dos distintos tomadores de serviço e por arrecadar os valores correspondentes à prestação de serviços e satisfazer o respectivo pagamento do trabalhador avulso.

Nesse sentido, prescreve a Lei 12.815/2013, nos arts. 32 e 33, serem atribuições do Órgão Gestor de Mão de Obra (OGMO), entre outras funções, selecionar e registrar o trabalhador portuário avulso, treinar e habilitar profissionalmente, aplicar normas disciplinares, administrar o fornecimento de mão de obra, arrecadar e repassar os valores devidos pelos tomadores relativos à remuneração e aos correspondentes encargos fiscais, sociais e previdenciários, contribuir para o incentivo à aposentadoria voluntária, zelar pelas normas de saúde, higiene e segurança do trabalho, etc.

Portanto, fica evidente que constitui o OGMO ente a que se vincula de forma estável, isto é, de forma fixa e constante, o trabalhador portuário avulso, para fins de gozo de seus direitos trabalhistas.

Em conformidade com o que elucida o ilustre Professor José Afonso da Silva, a constância na prestação de trabalho pelo trabalhador avulso se dá por meio do órgão gestor, diferenciando-o do trabalhador eventual, ao mesmo tempo em que o aproxima do trabalhador empregado.

Nesse sentido, por tudo o que já exposto, na medida em que a relação laboral avulsa caracteriza-se pelo liame estabelecido com o órgão gestor, devem as normas que lhe são aplicáveis orientar-se de acordo com a distinção do modelo relacional, a exemplo das atribuições inerentes à entidade intermediadora para fins de gozo de direitos trabalhistas.

Verifico que foi fundamentado nessa distinção que sedimentou o Tribunal Superior do Trabalho – superando, como anotou o e. relator, entendimento anterior – compreensão no sentido de que se aplica a prescrição bienal na hipótese de cancelamento de cadastro ou registro no OGMO, em interpretação análoga à expressão “extinção do contrato de trabalho” a que se refere o inciso XXIX do art. 7º da Constituição.

Veja-se:

“AGRAVO REGIMENTAL EM EMBARGOS REGIDOS PELA LEI Nº 13.015/2014. TRABALHADOR PORTUÁRIO AVULSO. PRESCRIÇÃO BIENAL. CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL A PARTIR DA DATA DO DESCREDENCIAMENTO DO TRABALHADOR AVULSO DO ÓRGÃO GESTOR DE MÃO DE OBRA (OGMO). CANCELAMENTO DA ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL Nº 384 DA SBDI-1. O Tribunal Pleno desta Corte, em decorrência dos debates realizados na denominada "Semana do TST", no período de 10 a 14/9/2012, decidiu, em sessão realizada em 14/9/2012, por meio da Resolução 186/2012 (DJE de 25, 26 e 27/9/2012), cancelar a Orientação Jurisprudencial nº 384 da SbDI-1. Assim, não mais prevalece, nesta Corte superior, o entendimento consagrado no verbete jurisprudencial cancelado, de que, nos processos envolvendo os trabalhadores avulsos, a prescrição bienal prevista no artigo 7º, inciso XXIX, da Constituição Federal de 1988 conta-se da data do término de cada prestação de serviços aos seus tomadores, uma vez que o trabalhador avulso não mantém contrato de trabalho típico com os tomadores. Prevalece agora o entendimento de que, no caso de trabalhador avulso portuário, a prescrição bienal será contada a partir da data do seu descredenciamento do Órgão Gestor de Mão de Obra - OGMO. Isso se explica pela circunstância de que o Órgão Gestor de Mão de Obra - OGMO (ao qual permanecem ligados, de forma direta, sucessiva e contínua, os trabalhadores) faz a intermediação entre os trabalhadores e os vários e sucessivos tomadores dos seus serviços e repassa àqueles os valores pagos por esses últimos. Por outro lado, com a adoção desse novo entendimento, não se está violando o artigo 7º, inciso XXIX, da Constituição Federal, sem dúvida também aplicável aos trabalhadores avulsos, por força do inciso XXXIV do mesmo dispositivo constitucional. (...)” (AgR-E-ED-RR - 22-30.2014.5.09.0022 , Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 05/04/2018, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 13/04/2018, grifei)

Entendo que, em consonância com o entendimento pacificado pelo Tribunal Superior do Trabalho, a prescrição do art. 37, § 4º, da Lei 12.815, de 05 de junho de 2013, é a que mais bem se harmoniza aos ditames da Constituição da República de valorização social do trabalho (art. 1º, IV), de justiça social (arts. 3º, I a III, 170 e 193) e de isonomia, que reivindica tratamento jurídico nos limites das (des)igualdades fáticas.

Como alhures já assentado, a disposição quanto ao termo inicial do prazo prescricional a que submetido o trabalhador avulso deve se dar em atenção às peculiaridades e às condições de trabalho próprias da relação de trabalho avulsa.

Antes da Constituição da República de 1988, o prazo prescricional era de dois anos, consoante disposição da redação original do art. 11 da CLT, sem referência ao curso durante a vigência do vínculo de emprego[2].

Além disso, foi reconhecido, no art. 75 da Lei 4.214 de 1963 e, após, no art. 10 da Lei 5.889/1973, o direito do trabalhador rural de não ter contada a prescrição no curso da relação de emprego, não estendida aos trabalhadores urbanos, conforme compreensão jurisprudencial à época.

O prazo prescricional previsto no art. 7º, XXIX, da Constituição da República de 1988 resultou do embate de interesses conflitantes levados à Assembleia Nacional Constituinte.

Foram muitos os projetos discutidos, alguns pretendendo estender aos trabalhadores urbanos as regras quanto ao prazo prescricional então aplicado aos trabalhadores rurais e outros em sentido contrário pretendendo a aplicação do prazo bienal a todos os trabalhadores[3].

Entendeu por bem o Constituinte, considerando-se a exiguidade do prazo prescricional de dois anos, assim como a necessidade de segurança social, ampliá-lo para cinco anos para os trabalhadores urbanos durante a vigência do contrato, estendida posteriormente aos trabalhadores rurais pela Emenda Constitucional 28/2000.

Haja vista que a subordinação que decorre da relação empregatícia envolve restrições ao livre exercício do trabalhador para demandar seus direitos em juízo, a ampliação do prazo prescricional no curso da vigência da relação laboral constitui-se, por certo, em ampliação da proteção social a ele conferida.

Foi justamente esta a intenção do Senhor Constituinte Paulo Paim ao apresentar emenda popular à redação original do texto constitucional, que não compreendia menção à prescrição de créditos trabalhistas:

“O nosso destaque, na verdade, visa a resgatar uma dívida com o conjunto da classe trabalhadora. Explico: No longo da história os trabalhadores, embora assegurem os seus direitos, até mesmo na Constituição, quando eles entram na justiça, de imediato, começam a ser penalizados por uma série de formas, desde pressão interna, à demissão. E por isso, Srs. Constituintes, a nossa posição, neste momento, é assegurar, como nessa tribuna na primeira votação que houve nesta Casa foi aprovado por 92 votos contra 1, que os trabalhadores rurais tenham os mesmos direitos que os urbanos. Neste momento, estou pleiteando que os trabalhadores urbanos tenham os mesmos direitos que os 'trabalhadores rurais. A atual legislação já diz que o direito dos trabalhadores rurais não prescreverão durante o contrato de trabalho, mesmo dois anos após a cessação. Entendo, Srs. Constituintes, que essa emenda popular, que chegou a esta Casa com mais de 1 milhão de assinaturas, que é apoiada por todas as Centrais Sindicais, apoiada pela Contag, e por mais de 100 sindicalistas que assinaram essa emenda, deverá, no meu entendimento, até por uma questão de coerência desta Comissão, também ser aprovada praticamente por unanimidade.”[4]  (p. 469)

No caso dos trabalhadores portuários avulsos, entender no sentido de que deve ser contado o prazo bienal da cessação do trabalho prestado ao tomador de serviços termina por, na prática, negar que aplicado o prazo quinquenal, porquanto, a cada prestação de trabalho, em regra, permanece o trabalhador a serviço do tomador por um curto período de tempo.

Além de que, como outrora já consignado, a solução desconsidera o vínculo jurídico do trabalhador avulso com a entidade intermediária, que, administrando a mão de obra e os encargos trabalhistas e previdenciários equivalentes a cada prestação de trabalho, atua como espécie de preposta dos beneficiários diretos dos serviços.

Repisa-se, assim, que é o liame estabelecido com o órgão gestor, e não com o tomador de serviços, que caracteriza a relação laboral avulsa, diferenciando-a dos demais vínculos de trabalho e que, nessa lógica, as normas que lhe são aplicáveis devem estar norteadas na forma relacional que lhe é própria.

Parece adequado, portanto, que o prazo quinquenal ou bienal seja aplicado considerando o vínculo com o órgão gestor. A solução, por sua vez, possibilita a aplicação, na prática, do prazo quinquenal, privilegiando o espírito que animou o legislador constituinte ao promover a ampliação do prazo prescricional e da proteção social conferida ao trabalhador.

Desse modo, interpretação diversa que resulta na inaplicabilidade do prazo quinquenal constante do art. 7º, XXIX, da Constituição importa negar o espírito da norma, a pretexto de aplicá-la em sua literalidade[5]. As peculiaridades da relação de trabalho e da prescrição trabalhista no curso de sua vigência, com fim de conferir maior proteção social frente aos atos discriminatórios e inibidores do efetivo acesso à Justiça, não podem, pois, ser descuradas da aplicação da norma constitucional.

Ainda, em face de dúvida e incerteza quanto ao sentido da norma constitucional predita, deve ser prestigiada a interpretação comprometida com a maior efetividade dos direitos sociais trabalhistas.

A noção que sobrevém da convergência de inúmeros preceitosconstitucionais, a exemplo, entre outros, dos princípios da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), da valorização social do trabalho (art. 1º, IV) e da justiça social (arts. 3º, I a III; 7º a 9º, 170 e 193), conduz à necessidade de máxima proteção da relação de emprego, com vistas à concretização do direito fundamental ao trabalho (art. 5º, XII) e à promoção dos direitos fundamentais sociais trabalhistas (arts. 7º a 11).

Aliás, está a interpretação constitucional com propósito de conferir a maior efetividade possível aos direitos sociais fundamentais amparada na Convenção Americana de Direitos Humanos, ratificada pelo Brasil no ano de 1992.

Assume o País, segundo o art. 26 do Diploma, o compromisso de potencializar progressivamente os direitos sociais, econômicos e culturais, de forma a garantir sua plena efetividade, por via legislativa ou por outro meio considerado apropriado.

O instituto jurídico da prescrição, ainda que reconhecendo a parte como titular do direito pleiteado, o torna inexigível. Restringe, portanto, as possibilidades de concretização das normas sociais instituídas, o que só se justifica como exceção à regra geral de que devida sua observância.

À vista disso, na medida em que o prazo prescricional constante no art. 7º, XXIX, da Constituição consolida situação de supressão de direitos sociais decorrentes da relação laboral, não pode ser a norma interpretada no sentido de viabilizar que facilitada sua consumação.

De outro modo, deve ser presumida a interpretação com objetivo de resguardar a possibilidade do exercício do direito à tutela jurisdicional e o gozo dos direitos incidentes da relação empregatícia, de modo a limitarse ao máximo o âmbito de incidência do prazo de prescrição, sob pena de esvaziar o conteúdo inscrito nas normas da Constituição de que dimana a proteção deferida à relação de emprego.

Confira-se lição doutrinária nesse sentido:

“A prescrição no campo das relações de trabalho constitui uma restrição ao direito fundamental de exercer pretensão. Como restrição, precisa ser compreendida e aplicada de modo restritivo. Isso porque retira do trabalhador a possibilidade (que se revela única em um sistema de monopólio da jurisdição) de fazer valer a ordem constitucional vigente. Isso significa que sua aplicação se submete, de uma parte, à aplicação (integral) de todos os direitos ali garantidos e, de outra, à uma análise que busque sempre reduzir ao máximo seu âmbito de incidência” (Severo, Valdete Souto. Crítica à prescrição trabalhista: entre a realização do Estado Social e a proteção ao capital. Revista Acadêmica dos Estudantes de Direito do Recife, v. 89, nº 1, jan-junho. 2017. p. 114)

Por todo o exposto, a solução do art. 37, § 4º, da Lei 12.815/2013 em nada ofende a Constituição, senão o contrário, valorizando os ditames da Constituição da República de valorização social do trabalho (art. 1º, IV) e de justiça social (arts. 3º, I a III, 170 e 193).

Voto, com as vênias do e. Relator, pela improcedência da ação direta.

 


[1] DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho: obra revista e atualizada conforme a lei da reforma trabalhista e inovações normativas e jurisprudenciais

posteriores – Maurício Godinho Delgado. - 18. ed. - São Paulo: LTR, 2019.

[2] SEVERO, Valdete Souto. Crítica à prescrição trabalhista: entre a realização do Estado Social e a proteção ao capital. Revista Acadêmica dos Estudantes de Direito do Recife, v. 89, nº 1, jan-junho. 2017. p. 108.

[3] LORENZETTI, Ari Pedro. A prescrição trabalhista e a sucessão de contratos. Anamatra 18. Disponível em: http://www.amatra18.org.br/site/publicacao-174

[5] Ibidem.

 

 

 

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.132 DISTRITO FEDERAL

RELATOR :MIN. GILMAR MENDES

REQTE.(S) :FENOP - FEDERAÇÃO NACIONAL DOS OPERADORES PORTUÁRIOS

ADV.(A/S) :SERGIO BERMUDES E OUTRO(A/S)

INTDO.(A/S) :PRESIDENTE DA REPÚBLICA

PROC.(A/S)(ES) :ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

INTDO.(A/S) :CONGRESSO NACIONAL

PROC.(A/S)(ES) :ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

AM. CURIAE. :ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS TERMINAIS DE CONTÊINERES DE USO PÚBLICO - ABRATEC

ADV.(A/S) :SANDRA APARECIDA LÓSS STOROZ E OUTRO(A/S)

AM. CURIAE. :ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS TERMINAIS PORTUÁRIOS - ABTP

ADV.(A/S) :LUIZ GUILHERME MORAES REGO MIGLIORA E OUTRO(A/S)

V O T O

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – A Federação Nacional dos Operadores Portuários ajuizou ação direta buscando ver declarada a incompatibilidade, com a Constituição Federal, do artigo 37, § 4º, da Lei nº 12.815/2013. Eis o teor:

Art. 37. Deve ser constituída, no âmbito do órgão de gestão de mão de obra, comissão paritária para solucionar litígios decorrentes da aplicação do disposto nos arts. 32, 33 e 35.

[...]

§ 4º As ações relativas aos créditos decorrentes da relação de trabalho avulso prescrevem em 5 (cinco) anos até o limite de 2 (dois) anos após o cancelamento do registro ou do cadastro no órgão gestor de mão de obra.

Constata-se a legitimidade ativa, no que sinalizada pertinência temática, ou seja, elo do conteúdo da norma impugnada com os objetivos institucionais contidos no Estatuto da requerente. Parto do pressuposto de que, inexistindo confederação, veio a atuar a Federação. Não é dado implementar interpretação estrita à autorização para deflagrar processo revelador do controle abstrato de constitucionalidade.

O ato impugnado prevê, como marco inicial do prazo prescricional bienal, consideradas ações envolvendo crédito decorrente de relação trabalhista, o cancelamento do registro ou cadastro de trabalhador avulso portuário.

O que nos vem da Constituição Federal? Igualdade de direitos relativamente a trabalhadores com vínculo e avulsos.

A teor dos artigos 32 e 33 da Lei nº 12.815/2013 – Lei de Portos –, a contratação do referido trabalhador ocorre por intermédio do Órgão Gestor de Mão de Obra – OGMO, cabendo-lhe registro, arrecadação e repasse de valores alusivos à remuneração, cumprimento de normas disciplinares, de saúde e segurança.

Cumpre definir se há, ou não, relação trabalhista com o operador portuário, levando em conta cada prestação de serviço, ou com o Órgão Gestor.

Conforme lição de José Afonso da Silva, a natureza do serviço avulso é constante, ainda que o tomador varie, e, até, permanente, porque fixo o trabalhador no posto de trabalho:

O trabalhador que busca trabalho aqui e ali é eventual, não o avulso, que é fixo no seu posto de trabalho, esperando apenas ser destacado pelo seu sindicato para realizar o trabalho, segundo, segundo rodízio controlado. O trabalho eventual caracteriza-se por ser de curta duração, passageiro, um acontecimento isolado (um evento), que se extingue por sua temporariedade, por sua natureza contingente. Por isso é que a relação jurídica que o vincula a terceiros se caracteriza pela descontinuidade, pela impossibilidade de fixação jurídica a uma fonte de trabalho e pela curta duração. Não é ao prestador de trabalho dessa natureza que a norma constitucional se dirige, mas àquele outro que tem constância no tempo, ocupa sua posição por tempo indefinido, com sua presença permanente no posto de trabalho, ou seja, no lugar onde existe o trabalho que requer sua força, sua fixação a uma fonte de trabalho constante, sendo por isso registrado como força de trabalho permanente junto a essa fonte de trabalho. Não se confunde ele também com o trabalhador autônomo, que trabalha quando quer, para quem quer, onde quer – características que não existem em relação ao trabalhador avulso, que fica disponível e, em princípio, não pode recursar o trabalho, quando destacado para prestá-lo. (SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 196-197.)

A intermediação, pelo Órgão Gestor, da mão de obra, não se dá com qualquer profissional, fazendo-se necessária a formação de relação jurídica mediante cadastro e, posteriormente, registro. São esclarecedoras as informações prestadas pela Assessoria Jurídica da Secretaria de Portos:

10. Dessa forma, uma das desigualdades é que o trabalho avulso, por sua própria natureza, não comporta “rescisão”, pois não depende do elemento continuidade.

11. No caso do avulso, não existe dispensa, mas extinção do registro junto ao OGMO no caso de morte ou cancelamento, este decorrente da vontade do trabalhador ou de sua aposentadoria voluntária, a teor do disposto no art. 33, inciso III, da Lei nº 12.815, de 2013, ou, ainda, da aplicação da sanção estabelecida no artigo 33, inciso I, alínea c, do mesmo diploma legal.

12. Perceba-se, pois, que o vínculo do trabalhador avulso é com o OGMO, competindo a este organizar e manter o registro de tais trabalhadores, sendo reputado de utilidade pública, a despeito de não compor a estrutura da Administração, consoante disposição constante dos artigos 39 e 41, inciso II, da Lei nº 12.815, de 2013.

13. Assim, há que se ter em mente que o trabalho avulso se caracteriza pela natureza voluntária da prestação laboral. O trabalhador oferece sua força de trabalho, optando ou não pelo serviço ofertado nas escalas. Ao aceitar a oferta, recebe a remuneração o trabalhador escalado em efetivo serviço, nos termos do art. 6º, caput e parágrafo único, da Lei nº 9.719, de 27 de novembro de 1998, incumbindo ao OGMO a escalação do avulso, em sistema de rodízio, nos termos do art. 5º da referida Lei.

Ofertada a força de trabalho, mediante entidade intermediária, a distintos tomadores de serviço, considerado certo mercado, surge impertinente estabelecer prazo prescricional a partir de cada prestação. A norma impugnada confere segurança jurídica às relações com o avulso, porquanto fixado marco inicial certo e uniforme visando a contagem do prazo prescricional bienal para ações decorrentes dessas relações trabalhistas. Colhe-se do parecer da Procuradoria-Geral da República:

A intermediação do OGMO é, portanto, essencial para a prestação dos serviços portuários. Suas atribuições evidenciam vínculo permanente e contínuo entre o órgão e os trabalhadores avulsos, de maneira que é razoável e lógico a fixação do cancelamento do registro do trabalhador como termo inicial da contagem do prazo de prescrição bienal, para ações de cobrança de créditos decorrentes da relação de trabalho. Não poderia ser diferente, pois o OGMO é responsável solidário pela remuneração devida ao trabalhador portuário avulso e pelas indenizações decorrentes de acidente de trabalho.

A ressaltar essa óptica, o Tribunal Superior do Trabalho, ao editar a Resolução nº 186 de 2012, a partir da Sessão Extraordinária do Pleno realizada em 14 de setembro daquele ano, cancelou a Orientação Jurisprudencial nº 384 da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, por meio da qual assentada, ao trabalhador avulso, a prescrição bienal tendo como marco inicial a cessação do trabalho ultimado para cada tomador de serviço. Evoluiu, concluindo pela incidência da prescrição a contar da extinção da inscrição no cadastro ou do registro do trabalhador perante o Órgão Gestor.

Divirjo do Relator, para julgar improcedente o pedido formulado.

 

 

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.132 DISTRITO FEDERAL

RELATOR :MIN. GILMAR MENDES

REQTE.(S) :FENOP - FEDERAÇÃO NACIONAL DOS OPERADORES PORTUÁRIOS

ADV.(A/S) :SERGIO BERMUDES E OUTRO(A/S)

INTDO.(A/S) :PRESIDENTE DA REPÚBLICA

PROC.(A/S)(ES) :ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

INTDO.(A/S) :CONGRESSO NACIONAL

PROC.(A/S)(ES) :ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

AM. CURIAE. :ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS TERMINAIS DE CONTÊINERES DE USO PÚBLICO - ABRATEC

ADV.(A/S) :SANDRA APARECIDA LÓSS STOROZ E OUTRO(A/S)

AM. CURIAE. :ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS TERMINAIS PORTUÁRIOS - ABTP

ADV.(A/S) :LUIZ GUILHERME MORAES REGO MIGLIORA E OUTRO(A/S)

V O T O

O Senhor Ministro Ricardo Lewandowski (Vogal): Bem examinados os autos, peço vênia ao Eminente Relator para acompanhar a divergência inaugurada pelo Ministro Edson Fachin.

Com efeito, penso que a atividade prestada pelo trabalhador portuário, em que pese a garantia dos mesmos direitos do trabalhador com vínculo empregatício (art. 7°, XXXIV, da Constituição Federal), possui peculiaridades que autorizariam o tratamento diferenciado. Não foi por outra razão que esta Suprema Corte já assentou que “a regulação da atividade portuária por meio de legislação específica ocorreu para garantir aos trabalhadores que prestam serviços nas instalações portuárias direitos inerentes ao exercício das atividades que lhe são notoriamente peculiares” (RE 597.124/PR, Rel. Min. Edson Fachin).

Assim, entendo que o ato normativo questionado, antes de violar, prestigia o art. 7°, XXIX, da CF, já que promove a necessária adequação do comando constitucional às peculiaridades dos trabalhadores portuários.

Por isso, compreendo que o art. 37, § 4°, da Lei 12.815/2013, ao estabelecer termo inicial diferenciado da contagem prescricional das ações relativas aos créditos decorrentes da relação de trabalho avulso, não viola o texto constitucional.

Isso posto, voto pela improcedência da presente ação direta de inconstitucionalidade.

 

 

PLENÁRIO EXTRATO DE ATA

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 5.132

PROCED. : DISTRITO FEDERAL

RELATOR : MIN. GILMAR MENDES

REDATOR DO ACÓRDÃO : MIN. EDSON FACHIN

REQTE.(S) : FENOP - FEDERAÇÃO NACIONAL DOS OPERADORES PORTUÁRIOS

ADV.(A/S) : SERGIO BERMUDES (02192/A/DF, 10039/ES, 177465/MG, 017587/RJ, 64236A/RS, 33031/SP) E OUTRO(A/S)

INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA

PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

INTDO.(A/S) : CONGRESSO NACIONAL

PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS TERMINAIS DE CONTÊINERES

DE USO PÚBLICO - ABRATEC

ADV.(A/S) : SANDRA APARECIDA LÓSS STOROZ (00032050/PR) E OUTRO(A/S)

AM. CURIAE. : ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS TERMINAIS PORTUÁRIOS - ABTP

ADV.(A/S) : LUIZ GUILHERME MORAES REGO MIGLIORA (28975/DF, 63306/RJ, 46074A/RS, 125591/SP) E OUTRO(A/S)

Decisão: O Tribunal, por maioria, conheceu da ação direta, vencidos os Ministros Alexandre de Moraes, Dias Toffoli e Rosa Weber. Na sequência, após os votos dos Ministros Gilmar Mendes (Relator) e Cármen Lúcia, que julgavam procedente o pedido formulado na ação, declarando inconstitucional o § 4º do art. 37 da Lei nº 12.815/2013, sem redução de texto, excluindo de sua incidência as relações jurídicas entre o operador portuário e o trabalhador avulso, nas quais se aplica a regra constitucional do biênio, a contar do fim de cada serviço, permanecendo incólume o prazo prescricional em face do OGMO por eventuais atos praticados em descompasso com a lei federal em questão e demais diplomas normativos aplicáveis; e dos votos dos Ministros Edson Fachin, Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski e Roberto Barroso, que julgavam improcedente a ação direta, o julgamento foi suspenso. Falou, pela requerente, o Dr. Frederico José Ferreira. Afirmou suspeição o Ministro Luiz Fux (Presidente). Não participou deste julgamento, por motivo de licença médica, o Ministro Celso de Mello. Plenário, Sessão Virtual de 18.9.2020 a 25.9.2020.

Decisão: Em continuidade de julgamento, o Tribunal, por maioria, julgou improcedente a ação direta, nos termos do voto do Ministro Edson Fachin, Redator para acórdão, vencidos os Ministros Gilmar Mendes (Relator) e Cármen Lúcia. Afirmou suspeição o Ministro Luiz Fux (Presidente). Plenário, Sessão Virtual de 19.3.2021 a 26.3.2021.

Composição: Ministros Luiz Fux (Presidente), Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Rosa Weber, Roberto Barroso, Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Nunes Marques.

Carmen Lilian Oliveira de Souza

Assessora-Chefe do Plenário

 

 

 

 

 

 

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