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Acordão - TST

Luiz Philippe Vieira de Mello Filho - TST



Testemunha de advogado que foi sua cliente é suspeita Confiança, consideração e reconhecimento



RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA RECLAMADA SOB A ÉGIDE DO CPC/1973 E DA LEI Nº 13.015/2014 – CONTRADITA DE TESTEMUNHA – RECLAMANTE PATRONO DA TESTEMUNHA EM RECLAMAÇÃO TRABALHISTA ANTERIORMENTE AJUIZADA POR ESTA CONTRA O MESMO RECLAMADO – SUSPEIÇÃO CONFIGURADA.

1. É incontroverso nos autos que a testemunha contraditada – Srª Rosana Alves - nomeou o reclamante como seu advogado em reclamação trabalhista por ela ajuizada contra o mesmo reclamado (autos de nº 0026600-33.2012.5.17.0004).

2. Para além da relação obrigacional existente entre Srª Rosana Alves (devedora de honorários advocatícios) e o reclamante (credor) – o que já seria motivo suficiente para tisnar a neutralidade que se exige de uma testemunha – há entre eles uma relação de confiança, altamente diferenciada que é aquela constituída entre o representado e o seu advogado. Confiança, consideração e reconhecimento que se exteriorizam ainda na escolha do advogado pelo cliente e que se mantém ao longo da representação processual e mesmo após o seu término. É óbvio que haverá uma predisposição da Srª Rosana Alves em confirmar os fatos e as teses jurídicas que favorecem o autor da presente ação, uma vez que recebera orientação e aconselhamento técnico-jurídico por parte deste, ao tratar da sua ação judicial em face do mesmo empregador.

Nessa perspectiva, se o reclamante pretendia ajuizar reclamação trabalhista contra a reclamada e considerava relevante o testemunho da Srª Rosana Alves, não deveria ter aceito o patrocínio da demanda trabalhista desta em face do mesmo empregador (ambas ações foram propostas no mesmo ano!). A situação delineada obviamente macula a isenção de ânimo da Srª Rosana Alves, ouvida nestes autos como testemunha, configurando-se, desse modo, a suspeição arguida pela reclamada, conforme hipótese prevista no art. 405, § 3º, IV, do CPC/1973.

Recurso de revista conhecido e provido.

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO RECLAMANTE SOB A ÉGIDE DO CPC/1973 E DA LEI Nº 13.015/2014. Julgado procedente o recurso de revista da reclamada, cuja consequência é a anulação dos atos decisórios praticados nos autos desde a oitiva de testemunhas, resulta prejudicado o exame do apelo do reclamante. (TST-ARR-59800-34.2012.5.17.0003, Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, DEJT 01.07.19).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista com Agravo n° TST-ARR-59800-34.2012.5.17.0003, em que é Agravante e Recorrido WILER COELHO DIAS e Agravada e Recorrente EMPRESA BRASILEIRA DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO S.A. - EMBRAE e Agravada e Recorrida UNIÃO (PGF).

O 17º Tribunal Regional do Trabalho, a fls. 1201-1231, deu parcial provimento ao recurso ordinário interposto pela reclamada e negou provimento ao apelo ordinário do reclamante.

Inconformados, o reclamante e a reclamada interpõem recurso de revista, respectivamente a fls. 1313-1339 e 1530-1548.

O 17º Tribunal Regional admitiu o recurso de revista da reclamada e negou seguimento ao recurso de revista do reclamante, conforme decisão de fls. 1550-1566.

Foram apresentadas contrarrazões pela reclamante a fls. 769-777.

Dispensado o parecer do Ministério Público do Trabalho, na forma do art. 95 do RITST.

É o relatório.

V O T O

I – RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA

1 – CONHECIMENTO

Presentes os pressupostos recursais extrínsecos concernentes à tempestividade (fls. 1306 e 1529), à representação processual (fls. 247) e ao preparo (fls. 931, 1039, 1041, 1043 e 1548), passo ao exame dos pressupostos específicos de admissibilidade.

1.1 – CONTRADITA DE TESTEMUNHA – RECLAMANTE PATRONO DA TESTEMUNHA EM RECLAMAÇÃO TRABALHISTA ANTERIORMENTE AJUIZADA POR ESTA CONTRA O MESMO RECLAMADO – SUSPEIÇÃO CONFIGURADA

O Colegiado a quo manteve a sentença que afastou a contradita da testemunha Srª Rosana Alves, arguida pela reclamada, conforme os seguintes fundamentos prequestionados nas razões de revista, a fls. 1536 dos autos digitais:

Alega, ainda, que na demanda ajuizada pela testemunha (processo nº 0026600-33.2012.5.17.0004) houve pedido de reconhecimento de vínculo de emprego relativo ao período de junho/2003 a julho/2005, no qual, segunda narra a inicial daquela ação, a depoente já estaria trabalhando como coordenadora do curso de medicina.

[...]

Finalmente, o fato de a depoente ter afirmado em seu depoimento ter iniciado as funções de coordenadora de curso em agosto/2005, em contradição à peça inicial daquela demanda, não é suficiente para demonstrar o interesse da depoente em favor do autor, uma vez que, na época do depoimento, já havia sido proferida sentença e publicado acórdão negando o pedido e acolhendo a tese da empresa de que as funções de coordenadora se iniciaram apenas em agosto/2005, quando o curso de Medicina foi aprovado na instituição.

Opostos embargos de declaração pela reclamada, foram eles rejeitados nos seguintes termos prequestionados nas razões de revista, a fls. 1536 dos autos digitais:

Alega a reclamada que restou por omisso o v. acórdão, uma vez que não observou que a testemunha, Rosana Alves, arrolada pelo autor, era suspeita, por ser o reclamante seu credor de honorários advocatícios.

Sem razão.

O acórdão foi claro, às fls. 1073v/1074, no sentido de que não restou provado o interesse da testemunha no litígio, até mesmo porque foi o reclamante que atuou como advogado da testemunha, e não o contrário.

Ademais, se o reclamante, efetivamente, é credor de honorários, não há como presumir o interesse da testemunha, sendo certo que tal interesse existiria se o advogado atuasse como testemunha da parte que já representou.

Logo, pelo acima exposto, não há falar em omissão.

A reclamada sustenta, nas razões de revista, que a Srª Rosana Alves ajuizou reclamação trabalhista contra ela tendo nomeado o reclamante como patrono, o que evidencia a sua suspeição para ser ouvida como testemunha nos presentes autos.

Reforçou que "o v. acórdão, desta forma, permitiu que o reclamante, advogado, utilizasse como sua única testemunha sua cliente, uma pessoa que lhe deve honorários advocatícios. Com isso, o v. acórdão recorrido violou expressamente o artigo 405, § 3°, IV, do CPC, na medida em que permitiu que a testemunha chave para o processo fosse justamente uma cliente do reclamante, que no caso, é advogado. Observe-se que se permitiu que a testemunha, que possui relação ‘cliente x advogado’ com o reclamante, prestasse depoimento cheio de inconsistências, sendo tais fatos relatados pelo v. acórdão recorrido" (fls. 1537)

Pontuou, ainda, o seguinte: "Constou expressamente no v. acórdão (demonstrando não haver necessidade de revolvimento de fatos e provas) que a testemunha afirmou um fato em sua reclamação trabalhista (que era coordenadora desde junho/2003), e nesta ação, para ajudar o seu advogado (reclamante) afirmou outro, qual seja, o de que somente, passou a ser coordenadora em agosto/2005. Ora, a verdadeira versão dos fatos não pode variar de processo para processo: ou ela era coordenadora já em 2003 para o seu processo próprio, ou era prestadora de serviços autônoma para o presente processo ajuizado pelo reclamante, seu advogado. As duas situações, data venta, não é possível. E a relevância deste fato para o processo é imensa, pois se a testemunha tivesse mantido a versão dos fatos da sua inicial, o reclamante (lembre-se, seu advogado) teria mais de 2 anos de diferença na função de coordenador adjunto, impedindo automaticamente &pedido de equiparação salarial. Por tal razão, pelos próprios trechos do v. acórdão que se transcreveu acima, ficou evidenciado que a testemunha demonstrou claro interesse no processo, de forma a alterar a sua versão dos fatos para permitir o sucesso do pleito do reclamante, seu advogado" (fls. 1537-1538).

Indica violação dos arts. 405, § 3º, IV, do CPC/1973 e 818 da CLT. Aponta contrariedade à Súmula nº 357 do TST. Transcreve, ainda, arestos paradigmas para o confronto de teses.

É incontroverso nos autos que a testemunha contraditada nomeou o reclamante como seu advogado em reclamação trabalhista por ela ajuizada contra o mesmo reclamado.

Para além da relação obrigacional existente entre testemunha (devedora de honorários advocatícios) e o reclamante (credor) – o que já seria motivo suficiente para tisnar a neutralidade que se exige de uma testemunha – há entre eles uma relação de confiança, altamente diferenciada que é aquela constituída entre o representado e o seu advogado. Confiança, consideração e reconhecimento que se exteriorizam ainda na escolha do advogado pelo cliente e que se mantém ao longo da representação processual e mesmo após o seu término.

Registre-se que, como é cediço, o advogado tem liberdade para orientar e aconselhar seu cliente no que diz respeito às questões jurídicas, aos fatos e provas e à estratégia processual a ser adotada.

Nesse passo, convém mencionar o art. 10 do Código de Ética da OAB que, explicitamente, reconhece o valor que anima o vínculo formado entre advogado e cliente, verbis (grifos acrescidos):

Art. 10. As relações entre advogado e cliente baseiam-se na confiança recíproca. Sentindo o advogado que essa confiança lhe falta, é recomendável que externe ao cliente sua impressão e, não se dissipando as dúvidas existentes, promova, em seguida, o substabelecimento do mandato ou a ele renuncie.

Outros dispositivos do Código de Ética da OAB são reveladores do caráter especial da relação aqui tratada, podemos citar como exemplos os seguintes:

Art. 11. O advogado, no exercício do mandato, atua como patrono da parte, cumprindo-lhe, por isso, imprimir à causa orientação que lhe pareça mais adequada, sem se subordinar a intenções contrárias do cliente, mas, antes, procurando esclarecê-lo quanto à estratégia traçada.

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Art. 20. Sobrevindo conflito de interesses entre seus constituintes e não conseguindo o advogado harmonizá-los, caber-lhe-á optar, com prudência e discrição, por um dos mandatos, renunciando aos demais, resguardado sempre o sigilo profissional.

Art. 21. O advogado, ao postular em nome de terceiros, contra ex-cliente ou exempregador, judicial e extrajudicialmente, deve resguardar o sigilo profissional.

Art. 22. Ao advogado cumpre abster-se de patrocinar causa contrária à validade ou legitimidade de ato jurídico em cuja formação haja colaborado ou intervindo de qualquer maneira; da mesma forma, deve declinar seu impedimento ou o da sociedade que integre quando houver conflito de interesses motivado por intervenção anterior no trato de assunto que se prenda ao patrocínio solicitado.

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Art. 25. É defeso ao advogado funcionar no mesmo processo, simultaneamente, como patrono e preposto do empregador ou cliente.

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Art. 35. O advogado tem o dever de guardar sigilo dos fatos de que tome conhecimento no exercício da profissão. Parágrafo único. O sigilo profissional abrange os fatos de que o advogado tenha tido conhecimento em virtude de funções desempenhadas na Ordem dos Advogados do Brasil.

Art. 36. O sigilo profissional é de ordem pública, independendo de solicitação de reserva que lhe seja feita pelo cliente.

§ 1º Presumem-se confidenciais as comunicações de qualquer natureza entre advogado e cliente.

§ 2º O advogado, quando no exercício das funções de mediador, conciliador e árbitro, se submete às regras de sigilo profissional.

Art. 37. O sigilo profissional cederá em face de circunstâncias excepcionais que configurem justa causa, como nos casos de grave ameaça ao direito à vida e à honra ou que envolvam defesa própria.

Art. 38. O advogado não é obrigado a depor, em processo ou procedimento judicial, administrativo ou arbitral, sobre fatos a cujo respeito deva guardar sigilo profissional.

Nessa perspectiva, se o reclamante pretendia ajuizar reclamação trabalhista contra a reclamada e considerava relevante o testemunho da Srª Rosana Alves, não deveria ter aceito o patrocínio da demanda trabalhista desta em face do mesmo empregador (as ações foram propostas no mesmo ano!).

É óbvio que haverá uma predisposição da Srª Rosana Alves em confirmar os fatos e as teses jurídicas que favorecem o autor da presente ação, uma vez que recebera orientação e aconselhamento técnico-jurídico por parte deste, ao tratar da sua ação judicial em face do mesmo empregador.

A situação delineada obviamente macula a isenção de ânimo da Srª Rosana Alves, ouvida nestes autos como testemunha, configurando-se, desse modo, a sua suspeição, conforme hipótese prevista no art. 405, § 3º, IV, do CPC/1973, verbis:

Art. 405. Podem depor como testemunhas todas as pessoas, exceto as incapazes, impedidas ou suspeitas. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)

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§ 3º São suspeitos: (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)

I - o condenado por crime de falso testemunho, havendo transitado em julgado a sentença; (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)

II - o que, por seus costumes, não for digno de fé; (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)

III - o inimigo capital da parte, ou o seu amigo íntimo; (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)

IV - o que tiver interesse no litígio.    

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Não se alegue que a Súmula nº 357 do TST conteria previsão no sentido de afastar a suspeição revelada nos autos, pois, no caso, a testemunha, além de litigar contra o mesmo reclamado, nomeou o reclamante como seu advogado.

Tampouco se confunde o caso dos autos com a hipótese de testemunhos cruzados, na qual autor e testemunha invertem os papéis nas distintas ações ajuizadas por eles contra o mesmo empregador, diante da inexistência de uma conexão especial entre os personagens envolvidos, que não aquele possível relacionamento advindo do contato mantido no ambiente de trabalho, que, a princípio, não é capaz de denunciar sentimentos de amizade profunda ou de cumplicidade, a ensejar a suspeição dos testemunhos prestados nas respectivas ações ajuizadas pelo autor e pela testemunha.

Ante o exposto, conheço do recurso de revista, por violação do art. 405, § 3º, IV, do CPC/1973.

2 - MÉRITO

2.1 – CONTRADITA DE TESTEMUNHA – RECLAMANTE PATRONO DA TESTEMUNHA EM RECLAMAÇÃO TRABALHISTA ANTERIORMENTE AJUIZADA POR ESTA CONTRA O MESMO RECLAMADO – SUSPEIÇÃO CONFIGURADA

Com base nos motivos expendidos supra, na violação do art. 405, § 3º, IV, do CPC/1973, dou provimento ao recurso de revista da reclamada para, acolhida a contradita da Srª Rosana Alves, declarar a nulidade de todos os atos decisórios praticados nos autos desde a oitiva das testemunhas, determinando o retorno dos autos à Vara do Trabalho de origem para que, reaberta a instrução processual, prossiga na análise da demanda como entender de direito. Resulta prejudicado o exame das demais controvérsias apresentadas pela reclamada no apelo de revista.

II - AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO RECLAMANTE SOB A ÉGIDE DO CPC/1973 E DA LEI Nº 13.015/2014

Julgado procedente o recurso de revista da reclamada, cuja consequência é a anulação dos atos decisórios praticados nos autos desde a oitiva de testemunhas, resulta prejudicado o exame do apelo do reclamante.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da 7ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de revista, por violação do art. 405, § 3º, IV, do CPC/1973, e, no mérito, dar-lhe provimento para, acolhida a contradita da Srª Rosana Alves, declarar a nulidade de todos os atos decisórios praticados nos autos desde a oitiva das testemunhas, determinando o retorno dos autos à Vara do Trabalho de origem para que, reaberta a instrução processual, prossiga na análise da demanda como entender de direito. Resulta prejudicado o exame das demais controvérsias apresentadas pela reclamada no apelo de revista. Julgado procedente o recurso de revista da reclamada, cuja consequência é a anulação dos atos decisórios praticados nos autos desde a oitiva de testemunhas, resulta prejudicado o exame do apelo do reclamante.

Brasília, 26 de junho de 2019.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

Ministro Vieira de Mello Filho

Relator

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