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Data da publicação:

Acordão - TRT

José Carlos Abile - TRT/Camp



1ª Câmara reconhece vínculo de motorista obrigado a comprar caminhão para trabalhar e condena empresa por dano moral e existencial



PROCESSO nº 0011635-53.2017.5.15.0126 (ROT)

RECORRENTE: ESTEVAN DE OLIVEIRA MOURA, PUJANTE TRANSPORTES LTDA, COOPERATIVA BRASIL DE TRANSPORTES RODOVIARIOS - C.B.T.R.

RECORRIDO: ESTEVAN DE OLIVEIRA MOURA, PUJANTE TRANSPORTES LTDA, COOPERATIVA BRASIL DE TRANSPORTES RODOVIARIOS - C.B.T.R.

2ª VARA DO TRABALHO DE PAULÍNIA

JUIZA SENTENCIANTE: CLAUDIA CUNHA MARCHETTI

RELATOR: JOSÉ CARLOS ABILE

Os recorrentes não se conformam com a r. sentença que julgou parcialmente procedentes os pedidos deduzidos na reclamação trabalhista. Enquanto a primeira reclamada "Pujante Transportes Ltda" discorda da r. sentença que considerou inválido o contrato de arrendamento firmado com o reclamante, bem como do reconhecimento do vínculo de emprego em data anterior anotada e opõe-se à condenação ao pagamento de horas extras e intervalo para refeição, domingos e feriados, o trabalhador não se conforma com a improcedência do pedido de pagamento do intervalo para refeição, opõe-se ao tempo de espera fixado pela Origem, pugna pela majoração do valor arbitrado a título de indenização por dano moral decorrente da fraude perpetrada e pugna pela procedência do pedido de indenização por dano moral pela prática de jornada extenuante e insurge-se contra a limitação da condenação aos valores indicados na inicial e aplicação da TR como índice de correção monetária. Já a Cooperativa, segunda reclamada, alega ilegitimidade de parte, validade do contrato de arrendamento, ausência de solidariedade e não se conforma com a condenação ao pagamento de horas extras, intervalo entre duas jornadas diárias e indenização por dano moral.

As partes ofertaram contrarrazões.

É o relatório.

V O T O

Referência ao número de folhas

A referência ao número de folhas considerou o "download" do processo pelo formato "PDF", em ordem crescente.

Questão processual

A presente ação foi ajuizada em 3 de novembro 2017, antes da entrada em vigor da Lei 13.467/2017. Sendo assim, não se aplica, no caso em análise, as regras processuais criadas ou alteradas pela referida Lei, especialmente aquelas de natureza sancionatória ou restritiva de direitos. Realmente, entendimento em sentido contrário pode configurar grave ofensa ao devido processo legal.

Conhecimento dos recursos

Recurso das reclamadas

Conheço dos recursos das rés, porque além de tempestivos foram apresentados regulares depósitos recursais, bem como o recolhimento das custas processuais (fls. 441 e 473 e 440 e 471, respectivamente).

Recurso do trabalhador

Conheço do recurso, pois presentes os pressupostos legais.

Preliminar

Ilegitimidade arguida pela Cooperativa (segunda reclamada)

Ao argumento de que "o Reclamante é associado a 2ª Reclamada desde 2016, sendo preservada a autonomia e independência do Reclamante na prestação dos serviços, os quais apenas eram administrados/geridos pela 2ª Reclamada, ora Recorrente" (fls. 458), pede a Cooperativa o reconhecimento de sua condição de parte ilegítima para figurar no polo passivo da demanda.

Em que pesem os relevantes argumentos, não tem razão a Cooperativa.

A legitimidade da parte é aferida em estado de asserção, ou seja, basta a simples indicação do réu como devedor na relação jurídica de direito material para que se configure a pertinência subjetiva da ação, ainda que por ocasião da análise do mérito a pretensão seja rejeitada.

A Cooperativa foi inserida no polo passivo da reclamação trabalhista porque, de acordo com o reclamante, participou da fraude do contrato de arrendamento de veículo, sendo ela quem realizava o fechamento mensal dos haveres do reclamante (receita dos fretes com dedução dos valores devidos a título do contrato de arrendamento). O autor ainda afirma que o Presidente da Cooperativa, Marcos Roberto, era também gerente da primeira reclamada e que, no final das contas, nada recebeu a título de frete, já que todo o valor foi absorvido pela dívida do contrato de arrendamento.

Não se podem confundir, portanto, questões de direito processual, verificadas de forma abstrata no momento da propositura da ação, com matérias de direito material, afetas ao mérito da demanda e que com ele serão analisadas.

Rejeito a preliminar.

Matérias afins aos recursos das reclamadas

Fraude do contrato de arrendamento de veículo

Ao argumento de que "não há que se falar em nulidade do contrato de arrendamento celebrado, uma vez que conforme exaustivamente demonstrado e comprovado, (i)a Recorrente celebrou o contrato de arrendamento com o Recorrido após indicação e contato realizado pela CBTR -Cooperativa Brasil de Transportes Rodoviários-Segunda Reclamada; (ii) que em absoluto, não se pode admitir a existência de confusão patrimonial entre as Reclamadas; (iii)a Recorrida não administrava ou tinha qualquer ingerência com relação aos repasses e negociações realizadas entre Recorrido e CBTR -Cooperativa Brasil de Transportes Rodoviários; (iv) não houve prestação de serviços em favor da Recorrente anteriormente ao período registrado, o que deve ser considerado para ausência de reconhecimento de vínculo empregatício no período de 25.01.2016 a 16.03.2016" (fls. 428), a primeira reclamada, Pujante Transportes, pede a reforma da r. sentença. A Cooperativa, por sua vez, afirma que o reclamante celebrou o contrato de arrendamento do veículo por sua livre e espontânea vontade e que outros prestadores de serviço celebraram a mesma modalidade contratual e conseguiram adquirir o caminhão, o que afastaria a hipótese de fraude (fls. 459).

Na realidade, o reclamante ingressou com a presente ação trabalhista alegando que em janeiro de 2016 teria sido induzido pela primeira reclamada, Pujante Transportes, a realizar um contrato particular de arrendamento de veículo, no valor de R$164.000,00, pago por meio de uma entrada no valor de R$ 20.000,00 e o restante em 33 parcelas mensais de R$ 4.463,33. Assevera que custeou a entrada com recursos próprios, e que a primeira reclamada, Pujante Transportes, pagava-lhe apenas os valores dos fretes dos quais eram descontadas as parcelas do arrendamento e todos os gastos relativos ao veículo. Conta, ainda, que mesmo após a formalização do seu contrato de trabalho, passou a receber salário mensal, com diversos descontos, de modo que era ele mesmo quem pagava o seu salário e demais benefícios. Narra, por fim, que todo o fechamento mensal era feito pela segunda reclamada, Cooperativa Brasil de Transportes, presidida pelo sr. Marcos Roberto, que também era gerente da primeira reclamada, Pujante Transportes. Prossegue dizendo que em razão dos descontos realizados mensalmente, nunca recebeu valores a título de frete. Alega que na data de sua demissão, devolveu o caminhão à primeira reclamada, oportunidade em que esta teria prometido pagar-lhe as verbas rescisórias, no valor de R$7.991,40, acrescidas de R$ 10.000,00 em dinheiro, em parcelas de R$2.000,00, tendo recebido apenas uma parcela de R$ 2.000,00, em 16 de novembro de 2016 além das verbas rescisórias. Em decorrência pugna pela nulidade do contrato de arrendamento firmado com a primeira reclamada, Pujante Transportes, ao argumento de que referido instrumento foi firmado com o intuito de burlar a legislação trabalhista, com a transferência dos riscos do negócio ao empregado. Assevera que sobre a dívida relativa ao caminhão, financiada pela primeira reclamada, eram aplicados juros de 1,5% ao mês, além dos descontos de todas as despesas com o caminhão, num aumento geométrico do saldo devedor.

A despeito dos relevantes argumentos expendidos pelas reclamadas, não há modificação a fazer na r. sentença quanto à nulidade do contrato de arrendamento de veículo.

Desde logo, evidencia-se, no mínimo curioso o fato de o Sr. Marcos Venâncio ser presidente da Cooperativa Brasil Transportes Rodoviários e também administrador da logística da primeira reclamada, Pujante Transportes Ltda, como alegado na petição inicial e pelo preposto da Cooperativa, o próprio Sr. Marcos, que assim declarou nos autos do processo nº 0011076-19.2017.5.15.0087 (fls. 378):

"que o depoente se chama Marcos Roberto dos Anjos Venâncio, presidente da cooperativa; o depoente presta serviços para a primeira reclamada administrando a parte de logística, que abrange a designação de fretes; que 90% dos motoristas que arrendaram caminhão da primeira ré eram cooperados e aqueles que já tinham CNPJ não se cooperavam; o registro em carteira de motorista cooperados era uma exigência da Petrobrás, mas nem todos que tinham registro com a primeira reclamada eram cooperados; eram descontados dos fretes pagos pela cooperativa, os salários, demais encargos trabalhistas e outras despesas dos motoristas, como pedágio, óleo diesel, manutenção, rastreamento, etc."

A testemunha Carlos Henrique Alves de Oliveira, arrolada pela reclamada, muito pouco soube dizer sobre a rotina de trabalho do reclamante, já que "tinha contatos esporádicos com o reclamante" e "não tinha acesso aos acertos" (fls. 366/367).

De relevante, disse "que a Cooperativa, 2ª reclamado(a) indicou o reclamante para prestar serviços para a 1ª reclamado(a) através da 2ª reclamado(a)mediante arrendamento de um caminhão de propriedade da 1ª reclamado(a) (...) que a 2ª reclamado(a)indicava os motoristas candidatos a arrendatário" (fls. 366/367).

Curiosamente, embora a testemunha Romeu Gomes tenha afirmado que "ficou por 5 anos pagando o caminhão e o caminhão já foi transferido para o depoente" e que o mesmo teria ocorrido com outros empregados, nenhum dos contratos de arrendamento citados foram anexados no processo, além do que seu depoimento foi marcado por inconsistências, já que afirmou que ele mesmo fazia frete nos retornos da viagem e que teria presenciado o reclamante fazendo o mesmo, quando o próprio contrato de arrendamento previa cláusula de exclusividade.

As planilhas encartadas pela Cooperativa demonstram que a despeito de o contrato de arrendamento de veículo ter sido firmado com a primeira reclamada (fls. 193/203), Pujante Transportes, as despesas relativas ao aluguel da Carreta eram descontadas no valor de R$2.000 (fls. 263/274) em benefício do Sr. Marcos Venâncio.

Observe-se que referido valor era pago, a título de aluguel, ao Sr. Marcos Roberto dos Anjos Venâncio antes mesmo da existência do contrato de cessão de direitos e obrigações invocado pela Cooperativa (fls. 254/255).

Na verdade, tal contrato foi firmado em 6 de outubro de 2016 entre o então cedente Estevam de Oliveira Moura (reclamante) e o cessionário Marcos Roberto dos Anjos Venâncio (presidente da Cooperativa e administrador da logística da primeira reclamada Pujante Transportes), fls. 254/255.

Porém, desde março de 2016 (fls. 263) referido valor era pago em favor do Sr. Marcos. Até abril de 2016 as planilhas faziam referência apenas ao primeiro nome "Marcos", sendo que a partir de maio passaram a constar os três primeiros nomes do beneficiário do valor do aluguel (Marcos Roberto dos Anjos..., fls. 265), não deixando dúvida sobre o destino do referido valor.

Ainda na planilha de maio de 2016, constam como despesas os valores a título de "rateio" da cooperativa de R$1800,75, e de R$4.030,00 como financiamento junto a Pujante Transportes.

Na planilha relativa ao mês de agosto de 2016, contudo, o valor do aluguel foi lançado em benefício da Pujante Transportes, evidenciando nítida confusão patrimonial entre o Sr. Marcos Roberto dos Anjos Venâncio (presidente da Cooperativa) e a primeira reclamada Pujante Transportes.

Afinal, a quem realmente pertencia o veículo e quem com ele lucrava?

O Sr. Marcos, ao contrário do que querem fazer crer as reclamadas está longe de ser um terceiro sem qualquer relevância jurídica. Ao contrário, é sua relação de confusão patrimonial e funcional que revela a verdadeira relação jurídica entre as reclamadas, que se uniram para lesar direitos trabalhistas, em inequívoca fraude, nos termos do art. 9º da CLT.

Não se pode olvidar que uma Cooperativa existe para melhorar a condição de trabalho dos cooperados e não para explorá-los e retirar deles mais direitos, conforme prevê a Lei nº 5.764/71 (art. 3º e 4º, X).

Aliás, o contrato denominado de "arrendamento de veículo" firmado entre a Pujante Transportes e o trabalhador, é, na realidade, um contrato de leasing com promessa de venda ao final, que assegura ao arrendante a faculdade de requerer a rescisão contratual a qualquer momento, com o pagamento de apenas 50% do valor até então pago pelo arrendatário, nos termos da cláusula 3.3 do instrumento contratual (fls. 197).

Contra a tese das próprias reclamadas, o contrato firmado entre a reclamada Pujante Transportes e o reclamante não deixa dúvida sobre a tentativa de transferir os riscos do negócio ao trabalhador, que prestava serviços com exclusividade para a primeira reclamada (cláusulas "3.3", "4.1" e "5.1")

Não bastasse, a precarização chegava ao seu limite quando os valores relativos às despesas vínculo de emprego - cesta básica, vale alimentação e despesas com o veículo - eram debitados da receita do caminhão, fazendo com que o trabalhador estivesse sempre com uma dívida crescente (fls. 264).

A analogia feita pela MM. Juíza de Origem é bastante elucidativa quando afirma que o contrato do trabalhador assemelha-se "àqueles contratos celebrados entre trabalhadores rurais e fazendeiros, em que o valor devido ao armazém é sempre superior àquele que o empregado teria direito em receber (trabalho escravo contemporâneo praticado no meio rural), tanto é assim, que o contrato de cessão de direitos e obrigações firmado com o sr. Marcos Roberto dos Anjos Venâncio que, diga-se, era o verdadeiro proprietário do caminhão, revela que ao final do contrato de trabalho o autor teria, ainda, uma dívida de R$ 66.000,00 com a 1ª reclamada, em face dos autos juros aplicados pela 1ª reclamada ao contrato firmado" (fls. 394).

Por fim, o fato de o reclamante ter mantido vínculo de emprego anterior com a primeira reclamada, como admitido pela ré, apenas reforça a tese da fraude operada contra os direitos do trabalhador, que passou a trabalhar para pagar suas dívidas junto às reclamadas.

De tal modo, não há alteração a fazer na r. sentença que declarou a nulidade do contrato de arrendamento de veículo firmado com a primeira reclamada, Pujante Transportes, e reconheceu a existência de vínculo empregatício entre ela o autor e desde 25/01/2016, além de deferir os valores por ele quitados a título de reforma do veículo (conforme boletos encartados), transferindo para a liquidação a apuração dos valores devidos, que deve se limitar ao importe indicado na inicial.

Neste caso, trata-se de valor objetivo, indicado desde logo na inicial como sendo a importância paga a título de entrada para dar cumprimento ao contrato.

Corretamente, foi deferido o abatimento dos valores depositados pelo Sr. Marcos Venâncio (fls. 256/260), bem como deduzidos os valores confessadamente recebidos pelo autor.

Nego provimento.

Jornada de trabalho

As reclamadas não se conformam com a condenação ao pagamento de horas extras e intervalo entre duas jornadas diárias. Alegam que devem ser considerados os controles de jornada anexados e que os horários de trabalho reconhecidos na r. sentença são inverossímeis. Em decorrência, pedem a reforma da r. decisão de primeiro grau para que os pedidos de horas extras e intervalo entre duas jornadas diário sejam julgados improcedentes.

A despeito de relevantes, os argumentos das reclamadas não podem ser acolhidos.

A relação de emprego, desde o início, estava submetida aos ditames da Lei nº 12.619/12, que encerrou a controvérsia acerca da possibilidade do controle de jornada do motorista, estatuindo como direito desse profissional que a jornada de trabalho e o tempo de direção sejam controlados de maneira fidedigna pelo empregador.

Observo que o direito dos motoristas ao controle da jornada foi reforçado pela "Nova Lei do Motorista", Lei 13.103, de 2 de março de 2015, conforme disposto em seu art. 2º, V, "b":

Art. 2º São direitos dos motoristas profissionais de que trata esta Lei, sem prejuízo de outros previstos em leis específicas:

V - se empregados:

b) ter jornada de trabalho controlada e registrada de maneira fidedigna mediante anotação em diário de bordo, papeleta ou ficha de trabalho externo, ou sistema e meios eletrônicos instalados nos veículos, a critério do empregador; (...).

Assim, nos termos da Lei 12.619/12 e da Súmula nº 338 do E. TST, é ônus do empregador que conta com mais de 10 (dez) empregados o registro da jornada de trabalho, na forma do artigo 74, § 2º, da CLT, sendo que a não-apresentação injustificada dos controles de frequência gera presunção relativa de veracidade da jornada de trabalho alegada na inicial, a qual pode ser elidida por prova em contrário.

Na hipótese, a primeira reclamada juntou aos autos apenas os relatórios de rastreamento (fls. 219/231) e nada mais.

Contudo, os relatórios de rastreamento indicam a possibilidade de fiscalização da jornada, mas não possuem aptidão para comprovar o efetivo horário de trabalho do trabalhador, uma vez que não demonstram de forma clara o início e o término da jornada. Além disso, deles não consta o nome do motorista, não valendo sequer para prova da frequência ao trabalho. Ainda que assim não fosse, a própria Cooperativa confessa que o reclamante também dirigia outro caminhão (9 eixos), não havendo qualquer registro de relatórios do referido veículo nos autos.

Não bastasse, a testemunha Marcos Roberto Martins, ouvida a pedido do autor, e que realizava os mesmos destinos de viagem do autor, afirmou que "tinham controle de jornada através de diário de bordo manual" e "que não tinham acesso aos relatórios de jornada de fls. 219" (fls. 287/288, grifos nossos). Afirmou, ainda, que era possível o caminhão rodar até às 22 horas.

Todavia, os diários de bordo não foram apresentados pela reclamada.

Quanto à testemunha Romeu Gomes (fls. 288), seu depoimento fala apenas de sua rotina de trabalho, nada esclarecendo sobre os horários trabalhados pelo autor.

A testemunha Carlos Henrique Alves de Oliveira, embora nunca tenha trabalhado com o reclamante, disse que "quem trabalhava com o caminhão Vanderleia podia rodar até às 22h" (fls. 367).

Vale registrar que os relatórios anexados pela primeira reclamada, ainda que não possam ser considerados registro fiel da jornada, são aptos a demonstrar que por diversas vezes o reclamante dirigiu por mais de 12, 13, 14 horas, como indica, por exemplo, o relatório do dia 4 de maio de 2016, oportunidade em que o autor teria dirigido por 14 horas e 29 minutos (fls. 229).

De tal maneira, de acordo com as regras de distribuição do ônus da prova, não tendo a reclamada Pujante Transportes apresentado os controles fidedignos de jornada que lhe cabiam, e à luz da prova testemunhal, que confirmou os horários declinados na inicial, deve ser mantida a r. decisão de primeiro grau que reconheceu o trabalho realizado das 5 às 22h, com uma hora de intervalo, com 25 dias de trabalho e 4 folgas ao mês, deferindo ao autor as horas excedentes a 8ª diária ou 44ª semanal e reflexos, além das diferenças relativas à violação ao intervalo entre duas jornadas diárias e reflexos (art. 66 da CLT, Súmula 110, do E. TST e OJ 355, da SDI-1, do E. TST), e dos domingos e feriados trabalhados no período e suas repercussões.

Por fim, cabe registrar que embora realmente absurda e agressiva à saúde do trabalhador, a extensa jornada de trabalho reconhecida está longe de ser inverossímil. Na verdade, ao contrário, o número cada vez maior de motoristas que se arriscam em jornadas extensas como a ora reconhecida tem sido a causa de inúmeros adoecimentos de trabalhadores e acidentes nas rodovias do país (in "Metologia de Avaliação de Programas Governamentais Preventivos aos Acidentes de Transporte Rodoviário Envolvendo Motoristas de Cargas", de Adriana Modesto de Sousa, UnB - tese doutorado).

Recurso comum a todos os recorrentes

Indenização por dano moral decorrente da fraude do contrato de arrendamento/valor arbitrado

Enquanto as reclamadas discordam da condenação ao pagamento de indenização por dano moral decorrente da alegada fraude do contrato de arrendamento, o reclamante pugna pela majoração da indenização a tal título, arbitradas pelo MM. Juízo de primeiro grau em R$5.000,00.

Na realidade, há comprovação de prejuízo moral advindo diretamente da inscrição do trabalhador no SPC/Serasa, não havendo dúvida de que a conduta ilícita das reclamadas causou grave constrangimento ao trabalhador, já que diante dela, não pode o reclamante arcar com todos os seus compromissos financeiros.

Assim presentes os pressupostos da responsabilidade subjetiva dos réus, correta a r. sentença que determinou o pagamento de indenização por dano moral.

Quanto ao valor da indenização, a lei ao tempo da ofensa era omissa acerca dos critérios que devem ser adotados na fixação de uma importância justa para a reparação por danos morais, o exige o prudente arbítrio do julgador, diante de cada caso concreto, seguindo-se os ditames da razoabilidade e da moderação. É preciso considerar que, além da função de punir, a condenação tem função pedagógica, visando inibir a repetição de eventos semelhantes, convencendo o agente a não reiterar sua falta.

O valor indenizatório fixado em R$5.000,00 se mostra razoável, levando-se em consideração o dano extrapatrimonial sofrido, o tempo de prestação de serviços e bem como as condições da empregadora, valendo lembrar que os danos materiais já foram devidamente analisados em item próprio.

Assim sendo, não há que se falar em redução ou majoração do montante arbitrado, que se mostra plausível para fins de punição do infrator e compensação da dor da vítima, com efeitos pedagógicos, psicológicos e econômicos.

Recurso do trabalhador

Intervalo para refeição

O reclamante discorda da improcedência do pedido de pagamento do intervalo para refeição e pede a revisão do julgado, no particular.

Em que pesem os relevantes argumentos, não tem razão o trabalhador.

Na realidade, a testemunha ouvida a rogo do próprio trabalhador afirmou que a regra era a fruição do intervalo para refeição de forma integral, in verbis: "que em todas as viagens havia intervalo de 1 hora de refeição; que dependendo a urgência da viagem, não faziam o intervalo; que em média, na semana, 3 a 4 vezes faziam o intervalo de 1 hora" (fls. 287).

Em nenhum momento a referida testemunha esclareceu o porquê de não cumprir o intervalo em três dias da semana, nada mencionando sobre metas ou qualquer outra razão que assim justificasse.

Tratando-se de jornada tão extensa e realizada externamente e sem controle formal quanto à duração do intervalo, não se pode reconhecer o desrespeito a esse descanso mínimo.

Assim, nego provimento ao recurso, no particular.

Tempo de espera/dias trabalhados

O reclamante pede que o tempo de espera seja limitado a 4 horas por mês, alegando que "se uma viagem durava em torno de 20 a 30 dias, considerando ida e volta, não pode haver tempo de espera para carregamento e descarregamento diário" (fls. 448).

A despeito de relevantes, não há modificação a fazer na fixação do tempo de espera.

Na realidade, a r. decisão de primeiro grau fixou tempo razoável para fins de "tempo de espera", sobretudo considerando a longa jornada reconhecida (5 às 22h, com 1 hora de intervalo), não tendo o autor demonstrado que a realidade por ele vivenciada era outra.

Vale destacar que, quanto à frequência ao trabalho, foi acolhida a média indicada na inicial.

Nego provimento.

Dano existencial

O reclamante busca a reforma da r. sentença para que lhe seja garantida a indenização por dano existencial diante da longa e estafante jornada de trabalho a que esteve submetido.

O reclamante tem razão neste aspecto, apesar das relevantes razões que conduziram a MM. Magistrada de Origem a julgar improcedente o pedido.

Na realidade, não há como negar que a que a jornada de trabalho praticada pelo autor, das 5 às 22h, era abusiva, pois desrespeitava constantemente os limites constitucionais, evidenciando os prejuízos de ordem moral, diante da subtração do tempo que poderia ter dedicado ao lazer, nele compreendido o convívio familiar e social, bem como a atividade ou inatividade por escolha própria.

Na verdade, o lazer é direito social (e, portanto, fundamental) constitucionalmente assegurado a todos (art. 6º da CF); aos trabalhadores, até com mais razão.

A supressão do lazer, por força do trabalho, sobretudo prolongada no tempo, fatalmente afeta a saúde e o bem-estar físico e psíquico do indivíduo. Pode, ainda, desequilibrar seus relacionamentos afetivos e sua conduta social. Produz o que alguns chamam de "dano existencial". Outros veem simplesmente a violação ao "direito ao lazer" ou "direito à desconexão com o trabalho". Trata-se, na verdade, de uma mesma problemática enfrentada sob mais de uma perspectiva, mas com uma conclusão convergente: o abuso do direito do empregador de exigir a prestação de serviços provoca a eliminação irrecuperável das horas de "não-trabalho" que ao empregado cabe gozar como bem entender. O dano decorrente pertence à esfera extrapatrimonial do indivíduo. Logo, enquadra-se como autêntico dano moral.

Dessa forma, estando presente o tripé da responsabilidade civil (dano, nexo causal e culpa), pela disciplina legal (arts. 186, 187, 927, todos do CC), as empregadoras devem indenizar o empregado.

Com respeito ao valor compensatório, deve-se considerar a gravidade e intensidade da ofensa, o sofrimento da vítima, as suas condições pessoais, o grau de culpabilidade do agente, a repercussão do fato danoso e, ainda, o caráter pedagógico ou educativo da punição. O valor da referida reparação, todavia, não pode ser causa de enriquecimento injustificável da vítima.

Sopesando todos esses fatores, e considerando que o contrato teve duração de quase um ano, dou provimento parcial ao recurso do autor e arbitro à indenização por dano existencial o valor de R$1.500,00, por ser proporcional ao dano e compatível com os valores arbitrados por esta E. Câmara em casos semelhantes.

Por tais motivos, dou provimento parcial ao recurso do autor para acrescer à condenação a indenização por dano existencial no valor de R$1.500,00, observando-se os termos da Súmula 439 do E. TST.

Limitação da condenação aos valores fixados na inicial

O reclamante tem razão ao pretender a dissociação entre os valores indicados e os valores que serão apurados em regular liquidação de sentença.

Embora conste na petição inicial a indicação do valor correspondente de alguns pedidos, tais valores destinam-se tão-somente a estabelecer uma estimativa, sobretudo, para fins de definição do rito processual a ser seguido.

Consoante art. 840, §1º, da CLT, com redação atribuída pela Lei n. 13.467/17, os pedidos devem ser certos e determinados, com indicação do respectivo valor. Na realidade, a norma tem por objetivo apenas atribuir estimativa quanto ao valor pecuniário da demanda e não limita o valor final do título executivo que eventualmente venha a ser constituído.

Assim como no procedimento sumaríssimo, em que os pedidos sempre precisaram ser líquidos, o entendimento prevalecente é de que o valor devido deve ser adequadamente apurado em fase de liquidação, estando esta vinculada apenas ao título exequendo, e não aos montantes indicados na inicial.

Desse modo, dou provimento ao recurso do trabalhador para excluir a limitação determinada na r. sentença.

Correção monetária aplicável

Não se conforma o trabalhador com a aplicação do art. 879, § 7º da CLT e pede seja considerado o IPCA-e para fins de correção monetária.

Pois bem.

Após intensa discussão sobre o índice aplicável, o E. STF, por maioria, decidiu a questão nos autos da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 58, ajuizada pela Confederação Nacional do Sistema Financeiro - CONSIF, da seguinte forma (grifos acrescidos):

"O Tribunal, por maioria, julgou parcialmente procedente a ação para conferir interpretação conforme à Constituição ao art. 879, § 7º, e ao art. 899, § 4º, da CLT, na redação dada pela Lei 13.467 de 2017, no sentido de considerar que à atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial e à correção dos depósitos recursais em contas judiciais na Justiça do Trabalho deverão ser aplicados, até que sobrevenha solução legislativa, os mesmos índices de correção monetária e de juros que vigentes para as condenações cíveis em geral, quais sejam a incidência do IPCA-E na fase pré-judicial e, a partir da citação, a incidência da taxa SELIC (art. 406 do Código Civil), nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio. Por fim, por maioria, modulou os efeitos da decisão, ao entendimento de que (i) são reputados válidos e não ensejarão qualquer rediscussão (na ação em curso ou em nova demanda, incluindo ação rescisória) todos os pagamentos realizados utilizando a TR (IPCA-E ou qualquer outro índice), no tempo e modo oportunos (de forma extrajudicial ou judicial, inclusive depósitos judiciais) e os juros de mora de 1% ao mês, assim como devem ser mantidas e executadas as sentenças transitadas em julgado que expressamente adotaram, na sua fundamentação ou no dispositivo, a TR (ou o IPCA-E) e os juros de mora de 1% ao mês; (ii) os processos em curso que estejam sobrestados na fase de conhecimento (independentemente de estarem com ou sem sentença, inclusive na fase recursal) devem ter aplicação, de forma retroativa, da taxa Selic (juros e correção monetária), sob pena de alegação futura de inexigibilidade de título judicial fundado em interpretação contrária ao posicionamento do STF (art. 525, §§ 12 e 14, ou art. 535, §§ 5º e 7º, do CPC) e (iii) igualmente, ao acórdão formalizado pelo Supremo sobre a questão dever-se-á aplicar eficácia erga omnes e efeito vinculante, no sentido de atingir aqueles feitos já transitados em julgado desde que sem qualquer manifestação expressa quanto aos índices de correção monetária e taxa de juros (omissão expressa ou simples consideração de seguir os critérios legais)"

Aplica-se, portanto, de ofício, ao caso, a taxa Selic para fins de cálculo de atualização monetária, nos termos da Excelsa decisão retrotranscrita.

Recurso da Cooperativa

Responsabilidade solidária

Diante da análise relativa ao contrato de arrendamento de veículo firmado com o reclamante, que detectou a confusão patrimonial entre o Presidente da Cooperativa Brasil de Transportes Rodoviários, Sr. Marcos Venâncio, e a primeira reclamada, Pujante Transportes, deve ser mantida a condenação solidária das reclamadas, que atuaram em fraude à legislação trabalhista, nos termos do art. 9º da CLT e art. 942 do Código Civil, sem qualquer benefício de ordem.

Nego provimento.

Prequestionamento

Para fins de prequestionamento, fica expressamente consignado que a presente decisão não afronta qualquer dispositivo legal, inclusive de âmbito constitucional, especialmente os referidos pelos litigantes, nem contraria Súmulas e Orientações das Cortes Superiores, sendo desnecessário, portanto, a interposição de Embargos de Declaração para tal finalidade.

Diante do exposto, decido conhecer dos recursos ordinários de PUJANTE TRANSPORTES LTDA COOPERATIVA BRASIL DE TRANSPORTES RODOVIÁRIOS - C.B.T.R, rejeitar a preliminar arguida por esta última e, no mérito, os DESPROVER, bem como conhecer do recurso ordinário de ESTEVAN DE OLIVEIRA MOURA e o PROVER EM PARTE para afastar a limitação dos valores da condenação aos indicados na inicial, acrescer à condenação a indenização por dano existencial no valor de R$1.500,00 e, de ofício, determinar a aplicação da taxa SELIC para fins de cálculo de atualização monetária, nos termos da fundamentação. 

Em sessão realizada em 20 de julho de 2021, a 1ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região julgou o presente processo.

Presidiu o julgamento o Exmo. Sr. Desembargador do Trabalho José Carlos Ábile.

Tomaram parte no julgamento os(as) Srs. Magistrados:

Desembargador do Trabalho José Carlos Ábile (relator)

Desembargador do Trabalho Fábio Bueno de Aguiar

Juiz do Trabalho Paulo Augusto Ferreira

Julgamento realizado em Sessão Telepresencial por videoconferência, conforme os termos da Portaria Conjunta GP-VPA-VPJ-CR nº 004/2020 deste E. Regional.

RESULTADO:

ACORDAM os Magistrados da 1ª Câmara - Primeira Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Décima Quinta Região em julgar o processo nos termos do voto proposto pelo (a) Exmo (a). Sr (a). Relator (a).

Votação unânime, com ressalva de entendimento pessoal do(a) Exmo(a). Desembargador do Trabalho Fábio Bueno de Aguiar, nos seguintes termos: "Ressalva de entendimentopelo diferimento da definição do índice de correção monetária para a execução."

Procurador ciente.

JOSÉ CARLOS ABILE

Desembargador Relator

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