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Acordãos na integra
Dora Maria da Costa - TST
Terceirização. Atividade-fim. Pedido de renúncia da ação formulado pela reclamante apenas quanto à reclamada prestadora dos serviços. Litisconsórcio passivo necessário unitário entre as reclamadas (tomadora e prestadora dos serviços). Vedação à interpretação ampliativa da renúncia. Impossibilidade de homologação. Terceirização. Instituição financeira. Call center. Atividade-fim. Licitude da terceirização em todas as etapas do processo produtivo. Entendimento consagrado pelo STF em sede de repercussão geral.
A) AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA PRIMEIRA RECLAMADA (ATENTO BRASIL). LICITUDE DA TERCEIRIZAÇÃO. RECONHECIMENTO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADPF 324 E RE 958252. REPERCUSSÃO GERAL. Ante a demonstração de possível ofensa ao artigo 5º, II, da CF, merece processamento o recurso de revista. Agravo de instrumento conhecido e provido.
B) RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA PRIMEIRA RECLAMADA, ATENTO BRASIL.
1. QUESTÃO PRELIMINAR: PEDIDO DE RENÚNCIA AO DIREITO EM QUE SE FUNDA A AÇÃO EM RELAÇÃO À PRIMEIRA RECLAMADA (ATENTO BRASIL) APRESENTADO PELA RECLAMANTE. IMPOSSIBILIDADE DE HOMOLOGAÇÃO. NATUREZA DA RELAÇÃO CONTROVERTIDA. LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO UNITÁRIO. VEDAÇÃO À INTERPRETAÇÃO AMPLIATIVA DA RENÚNCIA.
1.1. Trata-se de pedido de renúncia formulado pela reclamante ao direito em que se funda a ação exclusivamente em relação à primeira reclamada, Atento Brasil, ora recorrente, com a consequente perda do objeto do recurso e baixa imediata dos autos para o prosseguimento da execução contra o segundo reclamado.
1.2. Considerando que a pretensão gira em torno de um direito disponível, seria imperativa a mera homologação do pedido formulado pela reclamante de renúncia ao direito em que se funda a ação. 1.3. Contudo, a natureza da relação jurídica controvertida evidencia a existência de litisconsórcio necessário unitário entre os reclamados, de modo que a homologação da renúncia ao direito material em que se funda a ação aproveitaria a todos os litisconsortes, porquanto a decisão proferida nos autos deve ser uniforme em relação às referidas partes. 1.4. Dessa forma, considerando que o pedido de renúncia foi direcionado apenas à primeira reclamada e sendo vedada a interpretação ampliativa da renúncia, por força do art. 114 do Código Civil, fica inviabilizada a homologação do pedido de renúncia formulado pela reclamante. Pedido não homologado.
2. LICITUDE DA TERCEIRIZAÇÃO. RECONHECIMENTO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADPF 324 E RE 958252. REPERCUSSÃO GERAL.
2.1. O Supremo Tribunal Federal, no último dia 30/8/2018, ao julgar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n° 324 e o Recurso Extraordinário n° 958252, com repercussão geral reconhecida, decidiu que é lícita a terceirização em todas as etapas do processo produtivo, seja meio ou fim.
2.2. A tese de repercussão geral aprovada no recurso extraordinário foi a de que "é licita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante".
2.3. Como se observa, nos moldes do entendimento exarado pelo Supremo Tribunal Federal, é licita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, razão pela qual, a liberdade de contratar é conciliável com a terceirização, mormente diante da ausência de legislação que impeça as empresas de contratarem mão de obra, bem como da inexistência de dispositivo legal que defina o que é atividade fim e/ou atividade meio.
2.4. Logo, e em face dos princípios constitucionais da livre iniciativa (CF, art. 170) e da livre concorrência (CF, art. 170, IV), tem-se por lícita qualquer forma de terceirização, sobretudo porque a terceirização aquece o mercado de trabalho e gera maior produtividade.
2.5. Entretanto, não obstante a licitude da terceirização em todas as etapas do processo produtivo, seja meio ou fim, por certo que na hipótese de descumprimento das obrigações trabalhistas por parte da empresa contratada, a empresa tomadora dos serviços será responsabilizada de forma subsidiária pelo pagamento da remuneração e das demais verbas trabalhistas devidas, sendo certo, ainda, que a conclusão do Supremo Tribunal Federal de licitude da terceirização não impede que eventuais abusos decorrentes da referida terceirização sejam apreciados e decididos pelo Poder Judiciário, de modo a garantir os direitos trabalhistas dos trabalhadores terceirizados, pois o remate da licitude da terceirização não pode resultar na precarização das relações de trabalho, tampouco na desproteção do trabalhador. Recurso de revista conhecido e provido. (TST-RR-357-35.2015.5.05.0019, Dora Maria da Costa, DEJT, 28.06.19).
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-357-35.2015.5.05.0019, em que são Recorrentes e Recorridos ATENTO BRASIL S.A. e BANCO ITAUCARD S.A. e é Recorrida DAYANE MÁRCIA AGUIAR TEIXEIRA DE CARVALHO.
O Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, mediante o acórdão prolatado às fls. 1.639/1.663, complementado às fls. 1.694/1.702, deu parcial provimento aos recursos ordinários interpostos pela reclamante e pela primeira reclamada, Atento Brasil.
Inconformados, os reclamados interpuseram recursos de revista, com fulcro no art. 896 da CLT, postulando a reforma do julgado. A primeira reclamada, às fls. 1.674/1.691, se insurgindo em relação aos temas "Licitude da terceirização", "Horas extras" e "Intervalo previsto no artigo 384 da CLT". O segundo reclamado, Banco Itaucard, às fls. 1.709/1.718, pleiteando a revisão do julgado quanto ao tema "Reflexos das horas extras no RSR".
Pela decisão de fls. 1.784/1.790, foi denegado seguimento ao recurso de revista interposto pela primeira reclamada e foi recebido o recurso de revista interposto pelo segundo reclamado, por possível contrariedade à OJ nº 394 da SDI-1 do TST.
Irresignada, a primeira reclamada interpôs agravo de instrumento, às fls. 1.828/1.835, insistindo na admissibilidade da revista quanto ao tema "Licitude da terceirização".
A reclamante apresentou contrarrazões e contraminuta, respectivamente, às fls. 1.794/1.820 e 1.842/1.846.
Por meio do despacho de seq. 6, foi determinado o sobrestamento do feito, pelo fato de o tema veiculado no recurso de revista estar suspenso para o exame do Tribunal Pleno desta Corte.
A reclamante apresentou, à seq. 8, pedido de renúncia à pretensão de majoração do RSR pela integração das horas extras e repercussão nas demais parcelas, o qual foi homologado pela decisão de seq. 10, sendo determinado o regular prosseguimento do feito.
Dispensada a remessa dos autos à Procuradoria-Geral do Trabalho, nos termos do art. 95 do RITST.
Consoante a certidão de julgamento acostada à seq. 24, em sessão extraordinária realizada no dia 20/11/2018, foi dado provimento ao agravo de instrumento interposto pela primeira reclamada, Atento Brasil, a fim de determinar o processamento do recurso de revista.
A reclamante, ora recorrida, por meio da petição apresentada à seq. 25, reiterou o pedido de renúncia ao pedido de pagamento de diferenças de repouso semanal remunerado veiculado no recurso de revista interposto pelo segundo reclamado, Banco Itaucard, e formulou pedido de renúncia ao direito em que se funda a ação em relação à primeira reclamada, Atento Brasil, com a consequente perda do objeto dos recursos de revista e a certificação do trânsito em julgado com a baixa imediata dos autos.
Pelo despacho de seq. 34, foi concedida vista à parte contrária, a fim de se resguardar o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa.
Os reclamados, por meio das petições apresentadas às seqs. 36 e 39, impugnaram o pedido de renúncia na forma apresentada, ressaltando a subsistência do interesse recursal no tocante à licitude do contrato por eles celebrados e requerendo a condenação da reclamante em litigância de má-fé.
É o relatório.
V O T O
A) AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA PRIMEIRA RECLAMADA (ATENTO BRASIL)
I - CONHECIMENTO
Preenchidos os pressupostos de admissibilidade recursal, conheço do agravo de instrumento.
II - MÉRITO
Ab initio, conforme relatado, a agravante impugnou a decisão denegatória do recurso de revista apenas em relação ao tema "Licitude da terceirização"; razão pela qual os demais temas articulados na revista não serão apreciados, tendo em vista o princípio da adstringência recursal e a preclusão da matéria.
LICITUDE DA TERCEIRIZAÇÃO
Quanto ao tema, o Tribunal Regional assim decidiu:
"ILICITUDE DA CONTRATAÇÃO. RECONHECIMENTO DE VÍNCULO DIRETO COM O TOMADOR. APLICABILIDADE DAS NORMAS COLETIVAS DE BANCÁRIOS - ENQUADRAMENTO SINDICAL. RETIFICAÇÃO DA CTPS
A reclamante busca a reforma da sentença que afastou a tese de ilicitude na terceirização e indeferiu o pedido de reconhecimento de vínculo empregatício do reclamante direto com a 2ª reclamada. Sustenta, em suma, sua condição de bancário e a subordinação estrutural e pessoal em relação ao tomador, pleiteando, consequentemente, a nulidade contratual devido a terceirização ilícita, e consequentemente o reconhecimento do vinculo empregatício com o tomador de serviço, a aplicação das normas coletivas dos bancários, retificação da sua CTPS e pedidos conexos (auxílio refeição, auxílio cesta alimentação, gratificação semestral, participação nos lucros, diferença de salário em razão do piso da categoria (e seus reflexos no 13º salário, férias mais 1/3, FGTS mais 40%, aviso prévio, RSR) e multa normativa, ante a previsão expressa nas normas coletivas de trabalho dos bancários, itens "b", "c","d", "e", "k", "l", "n" e "o"). Aduz que o d. Juízo de origem não agiu em consonância com as provas carreadas aos autos, bem assim com a orientação doutrinária e jurisprudencial aplicáveis à espécie. Requer, para fins de prequestionamento, manifestação expressa acerca da vulneração da Súmula 331 do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - vulneração do art. 5º, caput, e artigo 7º, xxxii, da CF/88 C/C art. 9° da CLT, C/C 942 do Código Civil, art. 3º da CLT, invocação analógica do artigo 12, "a", da Lei 6.019/74.
Examino.
Consta da inicial que a reclamante foi admitida pela 1ª reclamada, Atento, em 03/09/2013, para trabalhar na função de teleoperadora, prestando "todos os serviços EXCLUSIVAMENTE ao BANCO ITAUCARD S/A", por meio de um contrato de terceirização ilícita de mão de obra, tendo sido desligado, por justa causa, em 09/02/2015. Alega que "apesar de ter sido contratado pela 1ª Reclamada, desde sua admissão até o rompimento do contrato de trabalho, o Reclamante sempre prestou serviços diretamente ligados à atividade fim da Segunda Reclamada".
A primeira reclamada, em defesa, nega veementemente o narrado na exordial, sustentando, em suma, ausência de subordinação de reclamante ao 2º reclamado. Alega que a reclamante "sempre esteve subordinada aos empregados supervisores e de gestão da Atento. Não havia subordinação nem pessoalidade para com empregados do Banco Itaucard S/A, não existindo qualquer tipo de gestão da 2ª Reclamada para com os empregados da Atento, sendo este mero cliente e a ATENTO prestadora de serviços". Aduz, ainda, que os equipamentos de trabalho e de utilização pessoal são fornecidos pela 1ª Reclamada, razão pela qual não há o que se falar em subordinação estrutural. Por fim, afirma que os serviços prestados pelo reclamante não se inserem no conceito de atividade bancária.
O Banco Itaucard S.A, por sua vez, em defesa, sustenta que as atividades do reclamante consistiam em serviços de teleatendimento, jamais tendo realizado qualquer atividade típica de bancária.
O d. Juízo de origem entendeu que a autora não desempenhou atividades bancárias e, sim, meramente atividades de telemarketing de oferta de produtos com operações vinculadas a um sistema de computador que parametrizava todas as operações, não reconhecendo o vínculo com o tomador, in verbis: "Ao contrário das alegações da inicial, infere-se da vasta prova produzida, seja a documental como a testemunhal, que o Contrato de Prestação de Serviços firmado entre o BANCO ITAUCARD S/A e ATENTO BRASIL S/A, se trata de contrato perfeitamente admissível no nosso sistema jurídico, firmado entre empresas legalmente constituídas com plena capacidade para realizar negócios jurídicos, inclusive firmar Contrato de Prestação de Serviços Especializados. A hipótese dos autos não é de contratação de atividades fim da tomadora dos serviços, como pretende fazer crer a inicial. Tem-se dos autos que a reclamante como Teleoperadora, realizava serviços típicos de tele atendimento de serviços fornecidos pelo Banco, nos termos do Contrato firmado entre as empresas. Registre-se que, em nenhum momento as atividades se confundem suas atividades com as atividades típicas dos Bancários. Ao contrário, serviços ligados à atividade fim da sua empregadora, ou seja, telemarketing. Não há que se falar em contrato fraudulento capaz de autorizar a nulidade. A tudo se acrescente, que não restou nos autos qualquer prova de que a autora exercia atividades típicas do bancário, tampouco era diretamente subordinada a prepostos do BANCO ITAUCARD S/A para autorizar a nulidade da terceirização dos serviços para reconhecimento de vinculo empregatício diretamente com o Banco reclamado (...) considero perfeitamente licita a terceirização dos serviços firmados entre as duas empresas reclamadas (...) a empresa que firmou contrato de trabalho com a reclamante e que efetuava o pagamento do seu salário e, não havendo demonstrado o preenchimento dos requisitos estabelecidos para o reconhecimento de vinculo empregatício diretamente com o Banco reclamado, na forma como estabelecem as regras estabelecidas nas normas consolidadas, indefiro o pedido de reconhecimento de vinculo empregatício entre a reclamante e o BANCO ITAUCARD S/A ". (grifei)
Nesses termos, indeferiu, consequentemente, os pedidos formulados com fundamento nas normas coletivas dos Bancários.
Discordo, venia concessa, do entendimento do d. juízo sentenciante.
Registro, de início, que a Súmula n. 331 do TST, incisos I e III dispõe que:
"I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se vínculo diretamente com o tomador de serviços, salvo no caso de trabalho temporário. III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei 7.102, de 20.06.83) e de conservação e limpeza, bem como os serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta."
Da análise dos autos, verifico que o reclamante prestava serviços necessários ao Banco Itaucard diretamente vinculados à sua atividade-fim, restando evidenciada, portanto, a fraude na terceirização dos serviços.
Ademais, o contrato travado entre as demandadas apresenta o objeto do contrato, descrevendo atividades eminentemente de cunho bancário, ligadas as instituições financeiras, atividades fins destes estabelecimentos, consoante se observa da CLÁUSULA PRIMEIRA - OBJETO: "Constitui objeto do presente contrato a prestação de serviços pela contratada, dos serviços de oferecimento, recepção e encaminhamento(serviços), para pessoas físicas e ou jurídicas de : A) Proposta da emissão de cartão de crédito administrados e/ou de propriedade do ITAUCARD, doravante denominados de "PROPOSTAS". B) Solicitação de cartão adicionais e/ou outros produtos vinculados aos cartões de crédito, doravante denominados "OUTROS PRODUTOS"". (id. 1667231 - Pág. 2)
Nesse mesmo sentido, da análise do "Extrato da Ata da Assembleia Geral Extraordinária de 8.4.2005", verifico que consta o "Estatuto Social" do Banco Itaucard S.A (id. 5a0f4cb - Pág. 1), onde fica claro que se trata de um banco múltiplo que explora a administração de cartão de crédito, quando, no art. 2º, dispõe que: "OBJETO - A sociedade tem por objeto atividade bancária e, na modalidade autorizadas para banco múltiplo, com carteiras de clientes de investimento, de crédito, financiamento e investimento e de arrendamento mercantil, bem como a emissão e administração de cartões de crédito, próprios ou de terceiros, e a administração de carteira de valores mobiliários".
Ainda, o contrato de prestação de serviços firmado entre as reclamadas (id. af5ba6d), traz claramente que: "Constitui objeto do presente contrato a prestação de serviços pela contratada, dos serviços de oferecimento, recepção e encaminhamento(serviços), para pessoas físicas e ou jurídicas de : A) Proposta da emissão de cartão de crédito administrados e/ou de propriedade do ITAUCARD, doravante denominados de "PROPOSTAS". B) Solicitação de cartão adicionais e/ou outros produtos vinculados aos cartões de crédito, doravante denominados "OUTROS PRODUTOS"".
Compulsando os autos, verifico que o preposto da Atento, em audiência, disse que: "a reclamante prestou serviços apenas para a ITAUCARD; que o telefone que tem no verso do cartão de credito é da central ITAUCARD". (id. 28ade1c - Pág. 2)
Ainda, da análise da Ata de Audiência do (id. 28ade1c - Pág. 2), verifico que a preposta do Itaucard afirmou que "a ITAUCARD não tem agência no Brasil; que a empresa tem empregados (..) que nenhum desses empregados fazem tele-atendimento como Operador para cartão de credito; que a empresa não tem atendimento presencial; que ao serviços básicos desse pessoal são: filiação dos lojistas com as maquinetas; contratos com as bandeiras, parceiras e demais empresas, ou seja, todas as atividades relacionadas com o cartão de credito, como análise do perfil dos clientes para credito; que a reclamada faz devolução de credito através de DOC e TED, no entanto, não disponibiliza serviço diretamente ao cliente; que não é necessário que o cliente seja correntista do Banco Itaú para ter cartão de credito ITAUCARD; que as pendências dos cartões são resolvidas pela Internet, aplicativos em aparelhos telefônicos, auto-atendimento e por telefone, seja de forma eletrônica ou terceirizada; que a empresa trabalha com várias terceirizadas no Brasil".
Nesses termos, assim como demonstrado em outras demandas semelhantes, que envolvem os mesmos reclamados, incontroverso que os serviços prestados ao cliente do Banco Itaucard são prestados pela empresa atento via teleatendimento, que a administração de cartão de credito é atividade fim do Banco Itaucard, que não existem funcionários e nem agencia do Banco Itaucard em Salvador, e que os clientes só resolvem seus problemas por teleatendimento, que o Banco Itaucard não oferece serviços de conta corrente e que bloqueio/ desbloqueio de cartão de crédito, parcelamento de faturas e aumento de limite do cartão são exemplo de atividades do Banco Itaucard.
Diante do exposto, forçoso reconhecer que o reclamante prestava serviços necessários ao BANCO ITAUCARD, diretamente vinculado à sua atividade-fim, restando evidenciada, portanto, a fraude na terceirização dos serviços.
Ademais, o fato de haver limites para as operações do reclamante não impede o reconhecimento da sua atuação em prol das reclamadas, na sua atividade fim, até porque situação semelhante se dá com os bancários.
O instrumento da terceirização tem sido utilizado em larga escala em nosso país, sendo uma realidade nas relações empresariais. Empresas buscam em fornecedores de serviços o apoio técnico e especializado para realizar tarefas em áreas que não fazem parte diretamente da sua natureza, enquanto concentram esforços no aperfeiçoamento das suas atividades-fim. Dentre as atividades-meio que podem ser objeto de terceirizações lícitas, destacamos as áreas de limpeza e vigilância.
Todavia, deve esta Justiça Especializada zelar atentamente para evitar que o instituto seja utilizado para fraudar as normas trabalhistas e, para isso, o c. TST forneceu respaldo jurídico a guiar a apreciação da matéria através da inteligência da Súmula nº 331, verbis:
"CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) - Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011
I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).
III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
VI - A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral".
No estudo da licitude da contratação via terceirização, alguns são os aspectos que separam o ato lícito da intermediação de mão de obra fraudulenta, sendo eles: pessoalidade, subordinação e a especialidade dos serviços contratados.
In casu, restou provado que as atividades desempenhadas pelo autor fazem parte da atividade-fim das tomadoras, caracterizando o equívoco do juízo de primeiro grau.
Diante do caderno probatório constante dos autos restou cabalmente provado que o autor realizava atividades laborais estritamente necessárias a atividade-fim do 2º reclamado.
Ressalte-se que este Regional, em outros processos envolvendo situações semelhantes ao presente caso, reconheceu a existência de fraude na terceirização, conforme se pode observar das ementas transcritas abaixo:
"INTERMEDIAÇÃO FRAUDULENTA. TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. RECONHECIMENTO DO VÍNCULO DIRETO COM O TOMADOR. Se a empregada terceirizada desempenha tarefas inerentes à atividade-fim do tomador de serviços, tal resulta em verdadeira intermediação fraudulenta de mão de obra, através de empresa interposta, aplicando-se o entendimento expresso no item I da Súmula 331 do C.TST, o qual justifica o reconhecimento do vínculo empregatício diretamente com aquele. Recurso a que se dá provimento parcial". (Processo 0000488-77.2014.5.05.0008, Origem PJE, Relator Desembargador NORBERTO FRERICHS, 5ª. TURMA, DJ 23/09/2016).
"TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. NULIDADE CONTRATO DE TRABALHO. RECONHECIMENTO DO VINCULO COM O TOMADOR. ENQUADRAMENTO DA RECLAMANTE COMO BANCÁRIA. Labor da reclamante, longe de representar atividades periféricas ao plexo central da dinâmica empresarial do tomador dos serviços, representou, ao contrário, atividades que se ajustam ao seu núcleo, o que demonstra a ilicitude da terceirização, e com isso, atraindo a aplicação dos ditames da Súmula nº 331, inciso I, editada pelo c. Tribunal Superior do Trabalho, segundo o qual, a contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços". (Processo 0000612-69.2014.5.05.0005, Origem PJE, Relator Desembargador ESEQUIAS DE OLIVEIRA, 5ª. TURMA, DJ 06/09/2016).
"TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. RECONHECIMENTO DO VÍNCULO DIRETAMENTE COM O TOMADOR DOS SERVIÇOS. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA 331, I, DO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. A terceirização entre os reclamados não se insere num contexto típico e puro da prática contemporânea de administração e gestão empresarial de atividades mediante contratação de serviços especializados ligados a sua atividade-meio do tomador dos serviços. Trata-se de mera transferência para interposta empresa comercial dos serviços finalísticos do Banco. A prestadora dos serviços passou a ser utilizada apenas para admitir e manter empregados para a execução da atividade-fim de venda de produtos que pressupõe relacionamento direto da empresa tomadora com clientes ou prováveis clientes. Nesse contexto, a autora prestava serviços em atividade diretamente vinculada à finalidade precípua do suposto tomador. Dessa forma, está evidenciada a ilicitude da terceirização havida, uma vez que patente o intuito de fraudar a legislação trabalhista mediante a contratação de trabalhadora por empresa interposta. Prevalece no direito laboral o princípio da realidade, razão pela qual deve ser mantida a sentença que reconheceu a relação de emprego direta com o Banco". (Processo 0001479-11.2014.5.05.0022, Origem PJE, Relator Desembargador JEFERSON MURICY, 5ª. TURMA, DJ 19/07/2016).
"TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. VÍNCULO DE EMPREGO COM O TOMADOR DOS SERVIÇOS. A terceirização de serviços atinentes à atividade-fim do tomador constitui fraude à legislação trabalhista, impondo o reconhecimento do vínculo empregatício diretamente com o beneficiário da força de trabalho do prestador (art. 9º da CLT c/c o inciso I da Súmula 331 do TST)".(Processo 0000815-59.2014.5.05.0028, Origem PJe, Relatora Desembargadora VÂNIA J. T. CHAVES, 3ª. TURMA, DJ 28/04/2016).
"TERCEIRIZAÇÃO. ATIVIDADE-FIM DO TOMADOR. VÍNCULO DIRETO COM O CLIENTE. À luz do ordenamento jurídico vigente, não se admite a terceirização em atividade essencial do pretenso tomador dos serviços (Súmula 331, I, do c. TST). Com efeito, salvo situações expressamente previstas na Lei nº 6.019/73, o instituto da terceirização não pode alcançar atividade indispensável ao empreendimento econômico, porque desvirtua a aplicação da lei trabalhista (art. 9º). Nesta situação, a relação de emprego forma-se diretamente com o tomador dos serviços". (Processo 0000031-69.2015.5.05.0021, Origem PJe, Relator Desembargador HUMBERTO JORGE LIMA MACHADO, 3ª. TURMA, DJ 15/04/2016).
Estando dentre as atribuições principais do 2º reclamado as atividades de oferecer e vender produtos e serviços (principalmente cartões de crédito), atividades estas que eram exatamente aquelas desempenhadas pela autora, então não há como deixar de se concluir que a reclamante executava atividade-fim do Banco Itaucard S/A.
Não é demais lembrar que sendo o 2º reclamado uma administradora de cartões, então toda e qualquer atividade ligada a tal produto deve ser encarada como inserida no seu objeto social, notadamente aquela atividade inicial de arregimentar clientes.
Assim, ao terceirizar atividade-fim, agiram os 1ª e 2ª reclamados de maneira ilegal, afrontando a regra entabulada na Súmula 331, I, do TST, motivo pelo qual declaro nulas as relações travadas entre as partes, com arrimo no art. 9º da CLT, e reformo a sentença para deferir o pedido de reconhecimento de que o autor manteve vínculo empregatício direto com o 2º reclamado, durante todo o liame empregatício.
Ademais, as provas materiais constantes dos autos, inclusive com foto, demonstram a existência de subordinação jurídica entre a 2a. Reclamada e o Reclamante, pois o Recorrente recebia diariamente ordens, tanto dos supervisores da Atento, quanto dos coordenadores do banco Itaucard, que ficam lotados em sala específica nas dependências da Atento, fiscalizando o trabalho dos operadores. Além disso, ministravam treinamentos e cobravam metas.
Desse modo, entendo que a terceirização ocorrida no caso dos presentes autos, é ilícita, declarando-se a nulidade do contrato celebrado com a prestadora, e formando-se o vínculo de emprego diretamente com o tomador dos serviços, primeiro reclamado.
Em face disso, são aplicáveis à relação formada todos os direitos inerentes aos empregados do banco acionado, inclusive os instrumentos coletivos acostados aos autos pelo reclamante, devendo ser procedida a devida retificação na CTPS da autora.
Reformo a sentença, nestes termos, para declarar a nulidade do contrato celebrado com a prestadora, e formando-se o vínculo de emprego diretamente com o tomador dos serviços, segundo reclamado, Banco Itaucard, com a devida retificação na CTPS
Uma vez reconhecido o vínculo de emprego diretamente com o Banco Itaucard S/A, a reclamante faz jus ao pagamento de todas as vantagens relativas à categoria bancária, inclusive aquelas previstas em normas coletivas da categoria bancária, nos termos do artigo 511 da CLT.
Assim, são devidas à reclamante as parcelas de ajuda alimentação, ajuda cesta alimentação, participação nos lucros e gratificação semestral, diferença de salário em razão do piso da categoria (e seus reflexos no 13º salário, férias mais 1/3, FGTS mais 40%, aviso prévio, RSR) e multa normativa, pois previstas nas normas coletivas de trabalho dos bancários.
Todavia, a ajuda alimentação e a ajuda cesta alimentação, nos termos das cláusulas normativas que instituíram tais vantagens, não integram a remuneração da empregada para nenhum efeito, não gerando as repercussões postuladas na inicial.
Por outro lado, a título elucidativo, é indevida a gratificação de caixa, tendo em vista que nos termos das normas coletivas juntada aos autos apenas fazem jus ao referido benefício os empregados que laboraram na função de caixa ou tesoureiro, o que não é a situação dos autos." (fls. 1.640/1.647 – seq. 03 – grifos no original)
Nas razões do recurso de revista, às fls. 1.675/1.686, a primeira reclamada se insurge contra a declaração de ilicitude da terceirização e o reconhecimento do vínculo de emprego com o tomador dos serviços. Postula, inicialmente, o sobrestamento do feito em razão da repercussão geral da matéria reconhecida pelo STF no ARE 713.211. Sustenta, em síntese, a licitude da terceirização, porquanto as tarefas desenvolvidas pela reclamante não se inserem na atividade fim do banco tomador dos serviços, tampouco restaram evidenciados os requisitos caracterizadores da relação de emprego. Sucessivamente, impugna a condenação acessória decorrente do enquadramento da reclamante na categoria dos bancários. Indica violação dos arts. 5º, II, da CF e 3º da CLT, bem como contrariedade à Súmula nº 331, I e III, do TST e divergência jurisprudencial.
Ao exame.
O Supremo Tribunal Federal, no último dia 30/8/2018, ao julgar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n° 324 e o Recurso Extraordinário n° 958252, com repercussão geral reconhecida, decidiu que é lícita a terceirização em todas as etapas do processo produtivo, seja meio ou fim. As respectivas decisões foram publicadas no DJe de 10/9/2018.
A tese de repercussão geral aprovada no recurso extraordinário foi a de que "é licita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante".
Com efeito, a Corte Suprema entendeu que, nos moldes exarados pelo Relator do Recurso Extraordinário, o Ministro Luiz Fux, a Súmula n° 331 desta Corte Superior Trabalhista consistia numa intervenção imotivada da liberdade jurídica de contratar sem restrição.
Segundo o referido Ministro, a Constituição Federal, no art. 1°, IV, lista a valorização social do trabalho e a livre iniciativa como fundamentos do Estado Democrático de Direito, e os referidos princípios fundamentais estão intrinsecamente conectados, de modo a impedir a maximização de um deles, razão pela qual "é essencial para o progresso dos trabalhadores brasileiros a liberdade de organização produtiva dos cidadãos", motivo por que as intervenções do poder regulatório na dinâmica da economia devem se limitar ao mínimo possível.
Por sua vez, o Relator da ADPF, Ministro Luís Roberto Barroso, salientou não haver lei que proíba a terceirização, de modo que "não se pode violar a livre iniciativa e a livre concorrência. Tais princípios asseguram às empresas liberdade em busca de melhores resultados e maior competitividade. A Constituição Federal não impõe a adoção de um modelo específico de produção. A Constituição Federal não veda a terceirização".
Salientou, além disso, que "se não houver desenvolvimento econômico, se não houver sucesso empresarial das empresas, não haverá emprego, renda ou qualquer outro direito para os trabalhadores". Concluiu que "as amplas restrições à terceirização, previstas no conjunto de decisões da Justiça do Trabalho sobre o tema violam os princípios da livre iniciativa, da livre concorrência e da segurança jurídica, além de não terem respaldo legal".
Como se observa, nos moldes do entendimento exarado pelo Supremo Tribunal Federal, é licita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, razão pela qual, a liberdade de contratar é conciliável com a terceirização, mormente diante da ausência de legislação que impeça as empresas de contratarem mão de obra, bem como da inexistência de dispositivo legal que defina o que é atividade fim e/ou atividade meio.
Assim, o STF deixou clara a constitucionalidade do modelo, a autorizar a terceirização irrestrita, a qual tem papel estratégico no processo produtivo, gerando oportunidade de empreendedorismo e inovação.
Logo, e em face dos princípios constitucionais da livre iniciativa (CF, art. 170) e da livre concorrência (CF, art. 170, IV), tem-se por lícita qualquer forma de terceirização, sobretudo porque a terceirização aquece o mercado de trabalho e gera maior produtividade.
Entretanto, não obstante a licitude da terceirização em todas as etapas do processo produtivo, seja meio ou fim, por certo que na hipótese de descumprimento das obrigações trabalhistas por parte da empresa contratada, a empresa tomadora dos serviços será responsabilizada de forma subsidiária pelo pagamento da remuneração e das demais verbas trabalhistas devidas, a fim de preservar a imperatividade das normas trabalhistas, a indisponibilidade dos direitos dos trabalhadores e a intangibilidade salarial.
Ademais, a conclusão do Supremo Tribunal Federal de licitude da terceirização não impede que eventuais abusos decorrentes da referida terceirização e da livre negociação entre empregados e empregadores sejam apreciados e decididos pelo Poder Judiciário, de modo a garantir os direitos trabalhistas dos terceirizados, pois o remate no sentido da licitude da terceirização não pode resultar na precarização das relações de trabalho, tampouco na desproteção do trabalhador.
Dentro deste contexto, considerando a conclusão do STF, nos autos da ADPF n° 324, de que a respectiva decisão somente não tem aplicabilidade aos processos em que tenha havido coisa julgada, não há falar em impossibilidade de terceirização das atividades fins, tampouco em inconstitucionalidade e/ou ilegalidade da terceirização havida, a rechaçar o pedido de reconhecimento de vínculo com a empresa tomadora dos serviços, a qual apenas continuará responsável subsidiariamente em caso de condenação, sendo esta a hipótese dos autos.
Logo, não cabe mais discutir acerca da licitude ou ilicitude da terceirização havida, haja vista que a aprovação de tese de repercussão geral tem como principal objetivo a uniformização da interpretação de determinada matéria por parte do STF e deve ser observada pelos demais órgãos do Poder Judiciário, especialmente para a garantia da segurança jurídica, razão pela qual, tem-se que o Regional, ao concluir pela ilicitude da terceirização, violou o art. 5º, II, da CF.
Pelo exposto, demonstrada a possível ofensa ao art. 5º, II, da CF, dou provimento ao agravo de instrumento a fim de determinar o processamento do recurso de revista, a ser julgado na segunda sessão ordinária subsequente à publicação da certidão de julgamento do presente agravo de instrumento.
B) RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA PRIMEIRA RECLAMADA (ATENTO BRASIL)
I - CONHECIMENTO
Preenchidos os pressupostos comuns de admissibilidade recursal, passo ao exame dos específicos do recurso de revista.
1. QUESTÃO PRELIMINAR: PEDIDO DE RENÚNCIA APRESENTADO PELA RECLAMANTE
Depois da sessão de julgamento em que foi dado provimento ao agravo de instrumento interposto pela primeira reclamada (Atento Brasil), conforme relatado, a reclamante formulou pedido de renúncia ao direito em que se funda a ação em relação à referida empresa, por meio da petição apresentada à seq. 25, requerendo a homologação do pedido e consequente extinção do feito com julgamento do mérito, nos moldes do art. 487, III, "c", do CPC/2015, bem como a certificação do trânsito em julgado com a baixa imediata dos autos, em razão da perda do interesse recursal.
Os reclamados impugnaram o pedido de renúncia, por meio das petições apresentadas às seqs. 36 e 39. Sustentam, em síntese, que a renúncia só pode ser homologada se abranger o direito material atinente à licitude da terceirização, com efeito erga omnes, e que não é admissível a renúncia em face de apenas um dos litisconsortes necessários. Ressaltam que subsiste o interesse recursal de ambos os reclamados no tocante ao reconhecimento da licitude do contrato de terceirização de serviços por elas celebrado, conforme entendimento sufragado pelo STF no julgamento da ADPF nº 324 e do RE nº 958.252. Por fim, alegam que o pedido de renúncia formulado depois do aludido julgamento implica em ofensa à boa-fé processual, requerendo a condenação da reclamante em litigância de má-fé.
Ao exame.
Ab initio, após melhor análise e reflexão sobre a questão, reformulei o entendimento outrora sufragado, conforme decisões monocráticas, de minha lavra, proferidas nos autos dos processos nº TST-ARR-10165-51.2015.5.03.0009 e TST-RR-10590-02.2016.5.03.0023, as quais foram disponibilizadas no DEJT de 6/5/2019, cujo posicionamento passo a expor.
É cediço que o pedido de renúncia, em se tratando de direito disponível, pode ser formulado a qualquer tempo e grau de jurisdição, inclusive após o trânsito em julgado, na medida em que envolve ato unilateral e volitivo do titular do direito material, resultando na resolução do mérito, nos moldes do art. 487, III, "c", do CPC/15, razão pela qual independe de anuência da parte contrária.
Dessa forma, "o juiz está vinculado ao ato da parte, tendo simplesmente de homologá-lo por sentença", conforme leciona Marinoni et al. (Novo Código de Processo Civil comentado, 2.ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: RT, 2016, p. 574).
Logo, seria imperativa a mera homologação do pedido formulado pela reclamante de renúncia ao direito em que se funda a ação.
Contudo, fica inviabilizada a homologação pretendida, tendo em vista a natureza da relação controvertida e a impossibilidade de interpretação ampliativa da renúncia, por força da expressa dicção do art. 114 do Código Civil.
No caso, a renúncia formulada pela reclamante foi direcionada exclusivamente à primeira reclamada (Atento Brasil). Não obstante, é impossível limitar os efeitos da homologação da renúncia ao direito apenas em relação a uma das empresas.
Consoante se infere da petição inicial, a pretensão veiculada foi de reconhecimento da ilicitude da terceirização da atividade fim e consequente formação do vínculo de emprego com a empresa tomadora dos serviços e deferimento dos direitos decorrentes.
Indene de dúvidas, portanto, que a relação jurídica controvertida nestes autos envolve, necessariamente, todas as empresas que firmaram o contrato de terceirização, ou seja, a empregadora formal (prestadora dos serviços) e a tomadora dos serviços, com quem a reclamante busca o reconhecimento do vínculo de emprego, na medida em que o acolhimento desta pretensão depende da prévia declaração da ilicitude da terceirização e reconhecimento da fraude, cuja consequência será a nulidade do contrato de trabalho firmado entre a reclamante e a sua empregadora formal, bem como a nulidade do contrato de prestação de serviços celebrado entre as empresas, atingindo a esfera jurídico-patrimonial de todas elas.
Logo, a decisão proferida deve ser uniforme em relação a todas as partes envolvidas na relação jurídica controvertida.
Segundo a dicção do art. 114 do CPC/15, há formação de litisconsórcio necessário "por disposição de lei ou quando, pela natureza da relação jurídica controvertida, a eficácia da sentença depender da citação de todos que devam ser litisconsortes".
Já o art. 116 do CPC/15 dispõe que "o litisconsórcio será unitário quando, pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir o mérito de modo uniforme para todos os litisconsortes".
Conforme leciona Tereza Arruda Alvim Wanbier [et al.], além da hipótese prevista em lei, "Há também, o litisconsórcio necessário que decorre do fato de ser unitário. [...] Esta última classificação decorre de critério ligado à sorte que terão os litigantes no direito material. Quando o juiz não pode decidir de modo diferente para os litisconsortes, porque se trata de uma única relação jurídica, o litisconsórcio é unitário. Assim, por exemplo, anulado o contrato, esta anulação atingiria do mesmo modo, inexoravelmente, todos os contratantes (e por isso o litisconsórcio é unitário) que, ipso facto, deverão todos ser provocados para estar no processo (e por isso o litisconsórcio é necessário). Este exemplo revela com clareza o que é o litisconsórcio necessário porque unitário: pela natureza da relação jurídica controvertida." (in Primeiros comentários ao novo código de processo civil: artigo por artigo. 2. ed. rev., atual e ampl. – São Paulo: RT, 2016, p. 233 – grifos no original).
Outrossim, segundo ensinamentos de Pontes de Miranda, quando há litisconsórcio unitário "A extinção do processo quanto a um dos litisconsortes opera quanto aos outros" (Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo II, 4. ed., rev. e aum. / atualização legislativa de Sérgio Bermudes. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 109).
Na mesma linha, as lições de Marinoni et al. não deixam dúvidas de que, "Sendo o litisconsórcio unitário, os litisconsortes devem ser considerados como uma unidade, como um bloco unitário frente ao outro polo do processo. Essa exigência decorre da obrigatoriedade de prolatar-se decisão uniforme a respeito da relação jurídica incindível afirmada pelas partes no processo. A regra no regime especial é que os atos benéficos praticados por um dos litisconsortes aproveitam aos demais [...]. No regime especial, há estreita interdependência entre os litisconsortes." (Novo Código de Processo Civil comentado. 2. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: RT, 2016, p. 255).
Nesse contexto, a homologação da renúncia ao direito material em que se funda a ação aproveitaria a todos os litisconsortes, na medida em que se está diante de um litisconsórcio passivo necessário unitário e, assim, a decisão deverá ser uniforme em relação a todos os envolvidos na relação jurídica controvertida.
Nessa mesma linha, o seguinte precedente:
"A) AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO SEGUNDO RECLAMADO (ITAÚ UNIBANCO S.A.). ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014 e ANTERIORMENTE À LEI Nº 13.467/2017 1.PEDIDO DE RENÚNCIA FORMULADO POR PARTE DA RECLAMANTE. HOMOLOGAÇÃO. INVIABILIDADE. RELAÇÃO JURÍDICA DAS PARTES QUE INTEGRAM O POLO PASSIVO. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. NATUREZA INCINDÍVEL. I) A renúncia ocorre no momento em que, de forma expressa, o autor abre mão da pretensão de direito material que manifestou quando da dedução da causa em juízo (art. 487, inciso III, alínea "c" do CPC de 2015). Além do mais, a renúncia não depende de anuência da parte contrária, bem como pode ser requerida a qualquer tempo e grau de jurisdição até o trânsito em julgado da sentença. II) Inviável, todavia, a homologação do ato se o direito material não admitir renúncia em razão da natureza jurídica da relação processual existente entre as partes que integram o polo passivo da demanda. III) Ação trabalhista em que a parte objetiva a declaração da ilicitude da terceirização de serviços torna imprescindível a formação de um litisconsórcio passivo necessário. A uma, porque a reclamação trabalhista em que se discute a acenada ilicitude da terceirização da prestação de serviços não pode ser ajuizada apenas contra uma das Reclamadas, mas, sim, com a presença das empresas tomadora e prestadora de serviços. A duas, em face da relação comercial/contratual mantida entre as empresas, que prevê a responsabilidade da prestadora de serviços de pagamento integral de toda e qualquer condenação judicial trabalhista. IV) A configuração de litisconsórcio passivo necessário impede, no particular, a renúncia do direito material em que se funda a ação em relação a apenas uma das partes integrantes do polo passivo da lide. [...]" (AIRR-11725-03.2016.5.03.0006, Rel. Min. Alexandre Luiz Ramos, 4ª Turma, DEJT 26/4/2019)
Peço vênia, ainda, ao Ministro Douglas Alencar Rodrigues, para citar a fundamentação adotada em decisão monocrática proferida nos autos do processo nº TST-Ag-AIRR-10647-65.2016.5.03.0008, in verbis:
"[...]
Nos autos da presente ação trabalhista, discute-se a ilicitude da relação jurídica de terceirização havida entre as Reclamadas, figurando no polo passivo da lide, além do tomador dos serviços (instituição bancária), a empresa de prestação de serviços terceirizados que formalmente figura como empregadora, cuja esfera jurídica sofrerá os impactos da resolução judicial da presente controvérsia.
Dispõe o art. 113 do CPC que -Duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo processo, em conjunto, ativa ou passivamente, quando: I - entre elas houver comunhão de direitos ou de obrigações relativamente à lide (...).-. Já o subsequente art. 114 reza que -O litisconsórcio será necessário por disposição de lei ou quando, pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir o mérito de modo uniforme para todos os litisconsortes.-
Postos nesses termos o regime legal do litisconsórcio que interesse ao exame da pretensão processual deduzida, observo que nas situações em que se discute a nulidade do contrato de prestação de serviços terceirizados, por aparentemente envolver objeto ilícito (CC, art. 104, II) -- qual seja, a atividade intrínseca ao objeto social da empresa contratante, a denominada atividade-fim --, coloca-se em questão não apenas a higidez dos contratos de trabalho firmados pela empresa prestadora, como a própria regularidade de seu objeto social ou da atividade econômica explorada. De fato, o decreto da ilegalidade da relação de terceirização, nos exatos limites considerados nos autos, impacta a esfera jurídico-patrimonial da empresa de terceirização, cujo âmbito de atuação empresarial pode sofrer clara e discutível restrição (CF, art. 1º, IV e 5º, II), do que decorre seu inequívoco interesse jurídico, a impor a formação necessária do litisconsórcio (CPC, art. 114).
Afinal, seria ilógico e antijurídico admitir que um dos entes jurídicos envolvidos na relação contratual de terceirização fosse alijado do debate judicial a propósito da licitude daquele negócio, sendo inadmissível que o contrato de emprego seja considerado válido em relação à empresa de prestação de serviços terceirizados (não convocada a integrar a lide) e igualmente reconhecido e declarado em relação à empresa contratante dos serviços terceirizados (sem que aquela fosse convocada à lide). A decisão judicial, sob essa perspectiva, há de ser única para todos, ou seja, não poderá o Poder Judiciário admitir ou constituir realidades jurídicas distintas para cada qual dessas empresas, com base no mesmo negócio jurídico celebrado (CPC, art. 116).
[...]" (DEJT: 7/2/2019)
Dessa forma, considerando que o pedido de renúncia ao direito foi direcionado exclusivamente a uma das litisconsortes, que a relação jurídica em debate envolve a formação de litisconsórcio necessário unitário e que é vedada a interpretação ampliativa da renúncia, por força da dicção do art. 114 do Código Civil, fica inviabilizada a homologação da renúncia.
Outrossim, não reputo configurada a litigância de má-fé, porquanto a renúncia encerra direito volitivo da parte e o indeferimento da homologação não inviabilizou o prosseguimento da análise do mérito do recurso pendente de julgamento, não causando nenhum prejuízo aos litigantes.
Por todo o exposto, deixo de homologar o pedido formulado pela reclamante, ora recorrida, de renúncia ao direito em que se funda a ação exclusivamente em relação à primeira reclamada (Atento Brasil).
2. LICITUDE DA TERCEIRIZAÇÃO
Conforme consignado por ocasião da análise do agravo de instrumento, o recurso de revista tem trânsito garantido ante a demonstração de ofensa ao art. 5º, II, da CF, razão pela qual dele conheço.
II - MÉRITO
LICITUDE DA TERCEIRIZAÇÃO
Como consequência lógica do conhecimento do recurso de revista por ofensa ao art. 5º, II, da CF, dou-lhe provimento para reformar o acórdão regional a fim de declarar a licitude da terceirização e afastar o reconhecimento do vínculo de emprego com o segundo reclamado, Banco Itaucard, excluindo da condenação as obrigações e parcelas decorrentes, bem como a responsabilidade solidária atribuída aos reclamados, com o restabelecimento da sentença, no particular. Dessa forma, fica mantida a responsabilidade subsidiária do segundo reclamado quanto às parcelas remanescentes da condenação (horas extras, dobra dos feriados e intervalo previsto no artigo 384 da CLT), conforme a fundamentação adotada.
C) RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO SEGUNDO RECLAMADO (BANCO ITAUCARD)
CONHECIMENTO
Tendo em vista a homologação do pedido de renúncia da pretensão de majoração do RSR pela integração das horas extras e repercussão nas demais parcelas pela decisão exarada à seq. 10, fica obstado o conhecimento do recurso de revista interposto pelo segundo reclamado, por versar exclusivamente sobre o referido tema, ante a superveniente perda do objeto e do interesse recursal.
Assim, não conheço do recurso de revista.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Oitava Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade: a) conhecer do agravo de instrumento interposto pela primeira reclamada (Atento Brasil) e, no mérito, dar-lhe provimento para determinar o processamento do recurso de revista, a ser julgado na segunda sessão ordinária subsequente à publicação da certidão de julgamento do presente agravo de instrumento; b) preliminarmente, não homologar o pedido formulado pela reclamante, ora recorrida, de renúncia ao direito em que se funda a ação exclusivamente em relação à primeira reclamada (Atento Brasil); conhecer do recurso de revista interposto pela primeira reclamada por ofensa ao art. 5º, II, da CF, e, no mérito, dar-lhe provimento para reformar o acórdão regional a fim de declarar a licitude da terceirização e afastar o reconhecimento do vínculo de emprego com o segundo reclamado, Banco Itaucard, excluindo da condenação as obrigações e parcelas decorrentes, bem como a responsabilidade solidária atribuída aos reclamados, com o restabelecimento da sentença, no particular. Dessa forma, fica mantida a responsabilidade subsidiária do segundo reclamado quanto às parcelas remanescentes da condenação (horas extras, dobra dos feriados e intervalo previsto no artigo 384 da CLT), conforme a fundamentação adotada; e c) não conhecer do recurso de revista interposto pelo segundo reclamado (Banco Itaucard).
Brasília, 22 de maio de 2019.
Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)
Dora Maria da Costa
Ministra Relatora
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