TRT 02/SP - INFORMATIVOS NOTÍCIAS e JURISPRUDÊNCIA 2022 - 01

Data da publicação:

Acordão - TST

Cláudio Mascarenhas Brandão - TST



Professor dispensado um mês antes do semestre letivo será indenizado.



RECURSO DE REVISTA DO AUTOR. LEI Nº 13.467/2017. RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR. DANOS MORAIS CAUSADOS AO EMPREGADO. CARACTERIZAÇÃO. PROFESSOR UNIVERSITÁRIO. DISPENSA PRÓXIMA AO INÍCIO DO SEMESTRE. PERDA DE UMA CHANCE. TRANSCENDÊNCIA SOCIAL CONSTATADA. A responsabilidade civil do empregador pela reparação decorrente de danos morais causados ao empregado pressupõe a existência de três requisitos, quais sejam: a conduta (culposa, em regra), o dano propriamente dito (violação aos atributos da personalidade) e o nexo causal entre esses dois elementos. O primeiro é a ação ou omissão de alguém que produz consequências às quais o sistema jurídico reconhece relevância. É certo que esse agir de modo consciente é ainda caracterizado por ser contrário ao Direito, daí falar-se que, em princípio, a responsabilidade exige a presença da conduta culposa do agente, o que significa ação inicialmente de forma ilícita e que se distancia dos padrões socialmente adequados, muito embora possa haver o dever de ressarcimento dos danos, mesmo nos casos de conduta lícita. O segundo elemento é o dano que, nas palavras de Sérgio Cavalieri Filho, consiste na "[...] subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima, como a sua honra, a imagem, a liberdade etc. Em suma, dano é lesão de um bem jurídico, tanto patrimonial como moral, vindo daí a conhecida divisão do dano em patrimonial e moral". Finalmente, o último elemento é o nexo causal, a consequência que se afirma existir e a causa que a provocou; é o encadeamento dos acontecimentos derivados da ação humana e os efeitos por ela gerados. No caso, o quadro fático registrado pelo Tribunal Regional revela ser incontroversa a dispensa do autor, professor universitário, em data próxima ao início do semestre letivo. Também é incontroverso nos autos, porquanto afirmado na inicial e não impugnado em defesa, que ao final do ano de 2017 a ré já tinha confirmado as datas e as matérias que o autor iria lecionar no primeiro semestre de 2018, o que evidencia a frustração da expectativa de manutenção do vínculo de emprego, por ato da recorrida. Isso porque o empregador tem o dever de agir com lealdade, lisura, respeito e consideração com o empregado, sobretudo ante o seu estado de necessidade econômica e a sua condição de hipossuficiente, de modo que o fomento a uma expectativa de direito ao contrato de trabalho causa prejuízos não apenas financeiros, mas também causa abalo psíquico decorrente do fato de permanecer na situação de desemprego e faz emergir o dever de reparação baseado na perda de uma chance,  na medida em que também ficou privado da possibilidade de obter nova inserção no mercado de trabalho e minimizar as perdas que certamente sofreu. A inobservância dos referidos deveres pelo contratante viola a cláusula geral de boa-fé objetiva, adotada no Código Civil (artigo 113), que estabelece o dever geral imposto a todos de se comportarem segundo padrões de probidade e de lealdade. Evidenciado o dano, assim como a conduta culposa do empregador e o nexo causal entre ambos, deve ser a reclamada condenada a indenizá-lo. Recurso de revista conhecido e provido. (TST-RR-613-78.2018.5.12.0018, Cláudio Mascarenhas Brandão, DEJT 14/02/2022)

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-613-78.2018.5.12.0018, em que é Recorrente CARLOS LANGE e Recorrido SOCIEDADE EDUCACIONAL LEONARDO DA VINCI S/S LTDA.

A parte autora, não se conformando com o acórdão do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região, interpõe o presente recurso de revista, no qual aponta violação de dispositivos de lei e da Constituição Federal, bem como indica dissenso pretoriano.

Contrarrazões ausentes.

Dispensada a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, nos termos do artigo 95, § 2º, II, do Regimento Interno do TST.

É o relatório.

V O T O

Considerando que o acórdão regional foi publicado em 23/09/2020, incidem as disposições processuais da Lei nº 13.467/2017.

1) PRESSUPOSTOS EXTRÍNSECOS

O recurso é tempestivo, a representação processual está regular e o preparo não é exigível.

2) TRANSCENDÊNCIA DA CAUSA

Nos termos do artigo 896-A da CLT, com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 13.467/2017, antes de adentrar o exame dos pressupostos intrínsecos do recurso de revista, é necessário verificar se a causa oferece transcendência.

Primeiramente, destaco que o rol de critérios de transcendência previsto no mencionado preceito é taxativo, porém, os indicadores de cada um desses critérios, elencados no § 1º, são meramente exemplificativos. É o que se conclui da expressão "entre outros", utilizada pelo legislador.

Pois bem.                       

A parte pretende a reforma do acórdão regional quanto ao tema: RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR - DANOS MORAIS CAUSADOS AO EMPREGADO – CARACTERIZAÇÃO – PROFESSOR UNIVERSITÁRIO - DISPENSA PRÓXIMA AO INÍCIO DO SEMESTRE - PERDA DE UMA CHANCE.

A transcendência social aplica-se apenas aos recursos do empregado. Na hipótese vertente, o autor postula reparação por danos morais, direito assegurado constitucionalmente, de maneira que se reconhece sua transcendência social a justificar que se prossiga no exame do apelo.

RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR - DANOS MORAIS CAUSADOS AO EMPREGADO – CARACTERIZAÇÃO – PROFESSOR UNIVERSITÁRIO - DISPENSA NO INÍCIO DO SEMESTRE - PERDA DE UMA CHANCE

CONHECIMENTO

O autor alega que a sua dispensa imotivada no início do semestre letivo representa a perda de uma chance, porquanto violadora da boa-fé contratual e impeditiva de sua recolocação em posto laboral, numa outra Instituição de Ensino. Aponta violação dos artigos 5º, V e X, da Constituição Federal; 186, 187, e 927, do Código Civil. Transcreve arestos para o confronto de teses.

Observados os requisitos do artigo 896, § 1º-A, I, II, e III, eis a decisão recorrida:

"1. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - PERDA DE CHANCE

[...]

Sem razão.

Entendo que deve ser demonstrado o abuso do poder diretivo do empregador para dar lugar à reparação civil decorrente da perda de uma chance. Em regra, a dispensa sem justa causa não compreende, por si só, um ato ilícito do empregador, devendo restar evidenciada a real expectativa de manutenção do vínculo e o resultado positivo que teria sido obstado pela conduta do ofensor. No presente caso, o autor foi dispensado em 17/01/2018, antes que o ano letivo se iniciasse, o que ocorreu em 17/02/2018, situação que não revela abuso de direito por parte da ré.

Ademais, não obstante as razões recursais, adota-se posicionamento de ser direito potestativo do empregador rescindir o contrato de trabalho dos seus empregados e, no caso dos professores, o art. 322, § 3º, da CLT apenas dispõe sobre a garantia dos salários no período do recesso escolar, inexistindo óbice à dispensa dos professores a qualquer tempo.

Dessarte (sic), nego provimento ao apelo." (fls. 571/572 – destaquei)

Examino.

A responsabilidade civil do empregador pela reparação decorrente de danos morais causados ao empregado pressupõe a existência de três requisitos, quais sejam: a conduta (culposa, em regra), o dano propriamente dito (violação aos atributos da personalidade) e o nexo causal entre esses dois elementos.

O primeiro é a ação ou omissão de alguém que produz consequências às quais o sistema jurídico reconhece relevância. Representa, na lição de Sérgio Cavalieri Filho, "o comportamento humano voluntário que se exterioriza através de uma ação ou omissão, produzindo consequências jurídicas" (Programa de responsabilidade civil. 6ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 49). É o aspecto físico, objetivo, da conduta e a vontade de assim agir o elemento psicológico, subjetivo.

Alia-se à imputabilidade, definida pelo mencionado autor como "[...] o conjunto de condições pessoais que dão ao agente capacidade para poder responder pelas consequências de uma conduta contrária ao dever; imputável é aquele que podia e devia ter agido de outro modo" (obra citada, p. 50).

É certo que esse agir de modo consciente é ainda caracterizado por ser contrário ao Direito, daí falar-se que, em princípio, a responsabilidade exige a presença da conduta culposa do agente, o que significa ação inicialmente de forma ilícita e que se distancia dos padrões socialmente adequados (obra e autor citados, p. 53), muito embora possa haver o dever de ressarcimento dos danos, mesmo nos casos de conduta lícita.

No particular, porém, merece destaque o posicionamento adotado por Rodolfo Pamplona Filho e Pablo Stolze Gagliano que, apesar de reconhecerem, como regra geral, a presença da antijuridicidade como elemento que acompanha a conduta humana, ressaltam que nem sempre ambos se encontram atrelados:

"Sem ignorarmos que a antijuridicidade, como regra geral, acompanha a ação humana desencadeadora da responsabilidade, entendemos que a imposição do dever de indenizar poderá existir mesmo quando o sujeito atua licitamente. Em outras palavras: poderá haver dever responsabilidade civil sem necessariamente haver antijuridicidade, ainda que excepcionalmente, por força de norma legal" (Novo curso de direito civil – responsabilidade civil. V. III. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 36).

O segundo elemento é o dano que consiste na "[...] subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima, como a sua honra, a imagem, a liberdade etc. Em suma, dano é lesão de um bem jurídico, tanto patrimonial como moral, vindo daí a conhecida divisão do dano em patrimonial e moral" (obra e autor citados, p. 96).

Para o jurista português Antunes Varela, há que se distinguir o dano real do dano patrimonial, em face de peculiaridades que os caracterizam:

"é a perda in natura que o lesado sofreu, em consequência de certo facto, nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar. É a lesão causada no interesse juridicamente tutelado, que reveste as mais das vezes a forma de uma destruição, subtracção ou deterioração de certa coisa, material ou incorpórea. É a morte ou são os ferimentos causados à vítima; é a perda ou afecção do seu bom nome ou reputação; são os estragos causados no veículo, as fendas abertas no edifício pela explosão; a destruição ou apropriação de coisa alheia.

Ao lado do dano assim definido, há o dano patrimonial – que é o reflexo do dano real sobre a situação patrimonial do lesado. Trata-se, em princípio, de realidades diferentes, de grandezas distintas, embora estreitamente relacionadas entre si. Uma coisa é a morte da vítima, as fracturas, as lesões que ela sofreu (dano real); outra, as despesas com os médicos, com o internamento, com o funeral, os lucros que o sinistrado deixou de obter em virtude da doença ou da incapacidade, os prejuízos que a falta da vítima causou ao seus parentes (dano patrimonial)." (Das obrigações em geral. v. I. 10ª ed. Coimbra: Almedina, 2000. p. 598).

Portanto, caracterizada a lesão a bem jurídico integrante do patrimônio de outrem, material ou imaterial, haverá dano a ser indenizado.

Finalmente, o último elemento é o nexo causal, cuja compreensão não está afeta ao campo jurídico, em virtude de representar "o vínculo, a ligação ou relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado" (obra e autor citados, p. 71). É a relação imprescindível entre a consequência que se afirma existir e a causa que a provocou; é o encadeamento dos acontecimentos derivados da ação humana e os efeitos por ela gerados.

Caio Mário da Silva Pereira, com apoio em vasta doutrina, sintetiza:

"Assim, não basta que uma pessoa tenha contravindo a certas regras; é preciso que sem esta contravenção, o dano não ocorreria. [...] Não basta, [...] que um dano tenha coincidido com a existência de uma culpa ou de um risco para estabelecer uma responsabilidade. ‘Coincidência não implica em causalidade’ [...] Para que se concretize a reponsabilidade é indispensável que se estabeleça uma interligação entre a ofensa à norma e o prejuízo sofrido, de tal modo que se possa afirmar ter havido o dano ‘porque’ o agente procedeu contra direito". (Responsabilidade civil. 9ª ed. Rio de Janeiro; Forense, 2002. p. 75).

No caso específico do dano moral, pode-se falar na lesão ao que se denomina "dignidade constitucional", representada pelos atributos inerentes à pessoa humana que encontram proteção no art. 5º, X, da Constituição Federal, nele exemplificativamente enumerados.

Essa correlação foi identificada por Xisto Tiago de Medeiros Neto que, após percorrer doutrina civil-constitucional, assinala:

"o dano moral ou extrapatrimonial consiste na lesão injusta e relevante ocasionada a determinados interesses não materiais, sem equipolência econômica, porém concebidos pelo ordenamento como valores e bens jurídicos protegidos, integrantes do leque de projeção interna (como a intimidade, a liberdade, a privacidade, o bem-estar, o equilíbrio psíquico e a paz) ou externa (como o nome, a reputação e a consideração social) inerente à personalidade do ser humano, abrangendo todas as áreas de extensão e tutela de sua dignidade, podendo também alcançar os valores e bens extrapatrimoniais reconhecidos à pessoa jurídica ou a uma coletividade de pessoas" (Dano moral coletivo. 3ª ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 64).

Na expressão de Rodolfo Pamplona Filho, em clássica obra sobre o tema, "[...] consiste no prejuízo ou lesão de interesses e bens, cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro. Em outras palavras, podemos afirmar que o dano moral é aquele que lesiona a esfera personalíssima da pessoa, violando sua intimidade, vida privada, honra e imagem, bens jurídicos tutelados constitucionalmente" (O dano moral na relação de emprego. São Paulo: LTr, 1998. p. 37).

Não é outro o pensamento de Sérgio Cavalieri Filho, após ressaltar a necessidade de revisão do conceito e estrutura principiológica, a partir do advento da Constituição de 1988:

"À luz da Constituição, podemos conceituar dano moral por dois aspectos distintos. Em sentido estrito, dano moral é a violação do direito à dignidade. [...]

Nessa perspectiva, o dano moral não está necessariamente vinculado a alguma reação psíquica da vítima. Pode haver ofensa à dignidade da pessoa humana sem dor, vexame, sofrimento, assim como pode haver dor, vexame e sofrimento sem violação à dignidade. Dor, vexame, sofrimento e humilhação podem ser consequências, não causas.

[...]

Os direitos da personalidade, entretanto, englobam outros aspectos da pessoa humana que não estão diretamente vinculados à sua dignidade. Nessa categoria incluem-se também os chamados novos direitos da personalidade: a imagem, o bom nome, a reputação, sentimentos, relações afetivas, aspirações, hábitos, gostos, convicções políticas, religiosas, filosóficas, direitos autorais. Em suma, os direitos da personalidade podem ser realizados em diferentes dimensões e também podem ser violados em diferentes níveis. Resulta daí que o dano moral, em sentido amplo, envolve esses diversos graus de violação dos direitos da personalidade, abrange todas as ofensas à pessoa, considerada esta em suas dimensões individual e social, ainda que sua dignidade não seja arranhada." (obra citada, p. 101-102).

Em síntese merecedora de destaque, afirma Maria Celina Bodin de Moraes, de forma categórica:

Recentemente, afirmou-se que o ‘dano moral, à luz da Constituição vigente, nada mais é do que violação do direito à dignidade’. Se não se está de acordo, todavia, com a criação de um ‘direito subjetivo à dignidade’, com foi sugerido, é efetivamente o princípio da dignidade humana, princípio fundante do nosso Estado Democrático de Direito, que institui e encima, como foi visto, a cláusula de tutela da personalidade humana, segundo a qual as situações jurídicas subjetivas não-patrimoniais merecem proteção especial no ordenamento nacional, seja através de prevenção, seja mediante reparação, a mais ampla possível, dos danos a elas causados. A reparação do dano moral transforma-se, então, na contrapartida do princípio da dignidade humana: é o reverso da medalha." (Danos à pessoa humana: uma leitura civil-constitucional dos danos morais. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 131-132).

Para a sua configuração, é necessário tão somente que sejam identificados os elementos que o caracterizam; não se há de exigir a prova da dor e do sofrimento suportados pela vítima.

Em consagrada expressão da doutrina, afirma-se ser in re ipsa ou, em outras palavras, o direito à reparação se origina da própria ação violadora, cuja demonstração há de ser feita; o dano mostra-se presente a partir da constatação da conduta que atinge os direitos da personalidade.

Mais uma vez, recorro à doutrina de Sérgio Cavalieri Filho, na obra já mencionada (p. 108):

"Neste ponto a razão se coloca ao lado daqueles que entendem que o dano moral está ínsito à própria ofensa, decorre da gravidade do ilícito em si. Se a ofensa é grave e de repercussão, por si só justifica a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado. Em outras palavras, o dano moral existe in re ipsa; deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipso facto está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, uma presunção hominis ou facti, que decorre das regras de experiência comum." (obra citada, p. 108).

No caso, o quadro fático registrado pelo Tribunal Regional revela ser incontroversa a dispensa do autor, professor universitário, em data próxima ao início do semestre letivo. Também é incontroverso nos autos, porquanto afirmado na inicial e não impugnado em defesa, que ao final do ano de 2017 a ré já tinha confirmado as datas e as matérias que o autor iria lecionar no primeiro semestre de 2018, o que evidencia a frustração da expectativa de manutenção do vínculo de emprego, por ato da recorrida.

Desde as negociações preliminares vigora o princípio da boa-fé no dever de conduta dos sujeitos, conforme dispõe o art. 422 do Código Civil:

"Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como na sua execução, os princípios da probidade e da boa-fé."

O empregador tem o dever de agir com lealdade, lisura, respeito e consideração com o empregado, sobretudo ante o seu estado de necessidade econômica e a sua condição de hipossuficiente, de modo que o fomento a uma expectativa de direito ao contrato de trabalho causa prejuízos não apenas financeiros, mas também causa abalo psíquico decorrente do fato de permanecer na situação de desemprego e faz emergir o dever de reparação baseado na perda de uma chance na medida em que também ficou privado da possibilidade de obter nova inserção no mercado de trabalho e minimizar as perdas que certamente sofreu.

Veja-se, a propósito, a lição de Mario de La Cueva, citado por Americo Plá Rodriguez:

A existência de uma relação de trabalho depende, em conseqüência, não do que as partes tiverem pactuado, mas da situação real em que o trabalhador se ache colocado, porque [...] a aplicação do Direito do Trabalho depende cada vez menos de uma relação jurídica subjetiva do que de uma situação objetiva, cuja existência é independente do ato que condiciona seu nascimento. Donde resulta errôneo pretender julgar a natureza de uma relação de acordo com o que as partes tiverem pactuado, uma vez que, se as estipulações consignadas no contrato não correspondem à realidade, carecerão de qualquer valor.

Em razão do exposto é que o contrato de trabalho foi denominado contrato-realidade, posto que existe não no acordo abstrato de vontades, mas na realidade da prestação do serviço, e que é esta e não aquele acordo o que determina sua existência. (CUEVA, Mario de La, apud RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho. São Paulo:  LTr. 4ª ed. 1996. p 218).

Não há que se pretender que seja demonstrada a redução em seu patrimônio, em virtude do desemprego, ante a impossibilidade de se provar fato constitutivo negativo. Ao contrário, depreende-se de várias circunstâncias: pelo fato de manter o trabalhador fora do mercado de trabalho; impedi-lo de executar as tarefas que, até então e em virtude de sua qualificação, estaria apto a realizá-las; impingir sofrimento relacionado com a própria expectativa criada no âmbito familiar na contratação; produzir o sentimento de inutilidade; acarretar o sentimento de frustração quanto às expectativas naturais da vida, ceifadas ou reduzidas em virtude da ausência da fonte de sustento financeiro e da saúde mental que o trabalho propicia a todos, indistintamente.

Na esfera dispensa de docentes no início das atividades letivas, há julgados que se coadunam com a tese ora esposada:

"RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA. LEI 13.015/2014. DISPENSA IMOTIVADA DOIS DIAS ANTES DO INÍCIO DO SEMESTRE LETIVO. DANOS MORAIS. CARACTERIZAÇÃO. 1. Hipótese em que o e. Tribunal regional entendeu que "o autor foi dispensado quando faltavam apenas dois dias para o início do ano letivo, razão pela qual entendo devida a indenização por danos morais". 2. Conquanto ausente norma heterônoma específica que assegure direito subjetivo à continuidade do vínculo com o empregador até o término do ano letivo, havendo previsão, tão somente, do direito à remuneração relativa ao lapso entre dois períodos letivos, na hipótese de dispensa sem justa causa ao término do ano letivo ou no curso das férias escolares (art. 322, § 2º, da CLT e Súmula 10/TST), vem se firmando nesta Corte o entendimento de que o poder diretivo do empregador não é absoluto e ilimitado, tendo em vista que o exercício da atividade empresarial deve cumprir com a sua função social, sobretudo pautada na preservação da dignidade da pessoa humana, na valorização do trabalho (arts. 5º, XXIII, 1º III e IV, e 170 e incisos todos da CF/88) e, também, na boa-fé objetiva (arts. 113 e 422 do CCB). 3. Ademais, destaque-se, no caso, de perda de emprego, que o dano moral causado à pessoa humana prescinde de prova, porquanto não se concretiza no plano externo, mas no seu interior. Assim, suficiente a demonstração da conduta ofensiva a direito decorrente da personalidade - delineada no caso. 4. Violações não demonstradas. Aresto inespecífico. Recurso de revista não conhecido, no tema. [...]."(RR - 1411-52.2013.5.04.0304, Relator Ministro: Hugo Carlos Scheuermann, Data de Julgamento: 09/11/2016, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 11/11/2016);

"RECURSO DE REVISTA. DANOS MORAIS E MATERIAIS. DISPENSA DE PROFESSOR NO INÍCIO DO SEGUNDO SEMESTRE LETIVO. DIFICULDADE DE RECOLOCAÇÃO NO MERCADO DE TRABALHO. PERDA DE UMA CHANCE. INDENIZAÇÃO DEVIDA. Trata-se de pedido de indenização por danos morais e materiais, em razão da dispensa do autor, na condição de professor, após o início do segundo semestre letivo, com base na teoria da perda de uma chance. A pretensão autoral está fundamentada na alegação de que a dispensa imotivada de professor no início do semestre letivo configura ato abusivo do empregador, uma vez que frustra a expectativa de continuidade do vínculo empregatício e dificulta a sua recolocação no mercado de trabalho. Segundo o Regional, o reclamante foi dispensado imotivadamente do emprego em 18/7/2016, logo após o início do segundo semestre letivo. Em respeito ao artigo 422 do Código Civil, necessário verificar, preliminarmente, se houve, realmente, ato ilícito pela quebra da boa-fé objetiva. Ressalta-se, ainda, que a indenização pela perda de uma chance demanda a existência de um dano real, atual e certo, a partir de um juízo de probabilidade. O Tribunal a quo concluiu que a dispensa sem justa causa do professor, após o início do semestre letivo, por si só, não configura abuso de direito, estando inserido no âmbito do poder diretivo do empregador, de natureza potestativa. O Regional considerou que seriam devidas tão somente as verbas decorrentes da rescisão contratual imotivada. Todavia, esta Corte especializada vem entendendo que a dispensa imotivada do professor, logo após o início do semestre letivo, consiste em abuso do poder diretivo do empregador, na medida em que, além de frustrar as expectativas quanto à continuidade do vínculo empregatício, inviabiliza a recolocação do profissional no mercado de trabalho. Precedentes. Desse modo, a despeito das peculiaridades inerentes à atividade de professor, a instituição de ensino reclamada, ao dispensá-lo, sem justa causa, após o início do segundo semestre letivo de 2016, incorreu em abuso de direito, porquanto desrespeitados os princípios da boa-fé objetiva e do valor social do trabalho, previstos respectivamente, nos artigos 422 do Código Civil, e 1º, inciso IV, da Constituição da República. Ao contrário do entendimento adotado pela Corte Regional, uma vez iniciado o semestre letivo, a probabilidade de recolocação do professor em outra instituição de ensino é bastante prejudicada, na medida em que presume-se estarem preenchidos os demais postos de trabalho de professor. Assim, tendo em vista que o rompimento imotivado do professor após início das atividades letivas dificulta a sua recolocação no mercado de trabalho, constata-se que o procedimento adotado pela instituição de ensino reclamada ultrapassou os limites do poder diretivo, sendo o pagamento de indenização por danos morais e materiais medida que se impõe, porquanto configurada a perda de uma chance, consoante o disposto no artigo 927 do Código Civil. Recurso conhecido e provido." (RR - 1789-71.2016.5.10.0001, Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 17/06/2020, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 28/08/2020);

"[...] II - AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE. RECURSO INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PERDA DE UMA CHANCE. PROFESSOR UNIVERSITÁRIO. DISPENSA NO INÍCIO DO SEMESTRE LETIVO. O agravo merece provimento para melhor análise de violação do artigo 187 do Código Civil. Agravo conhecido e provido. III - AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE. RECURSO INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PERDA DE UMA CHANCE. PROFESSOR UNIVERSITÁRIO. DISPENSA NO INÍCIO DO SEMESTRE LETIVO. O agravo de instrumento merece provimento para melhor análise de violação do artigo 187 do Código Civil. Agravo de instrumento conhecido e provido. IV - RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE. RECURSO INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. [...] INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PERDA DE UMA CHANCE. PROFESSOR UNIVERSITÁRIO. DISPENSA NO INÍCIO DO SEMESTRE LETIVO. A jurisprudência deste Tribunal segue no sentido de reconhecer que adispensa imotivada do professor no início do semestre letivo impossibilita a sua recolocação no mercado de trabalho, configurando o dano moral. Dito isso, a Corte Regional, ao indeferir a indenização perseguida, violou o artigo 187 do Código Civil já que a dispensa do Reclamante no segundo dia do semestre letivo gerou expectativa justa e real de continuar como professor da instituição de ensino reclamada lecionando a matéria e evidencia o abuso do poder diretivo do empregador. Recurso de revista conhecido e provido." (Ag-RR - 12061-14.2016.5.03.0036, Relator Ministro: Alexandre de Souza Agra Belmonte, Data de Julgamento: 03/02/2021, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 12/02/2021);

"RECURSO DE REVISTA [...] 2. COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. PERDA DE UMA CHANCE. NÃO CONHECIMENTO. O egrégio Tribunal Regional deixou expresso que o reclamante foi dispensado no início do segundo semestre letivo, o que lhe acarretou evidente prejuízo, pois perdeu a chance de recolocação em outros estabelecimentos de ensino. Firmou entendimento de que ficou comprovada a ilicitude da conduta patronal, porque a reclamada tem ciência das dificuldades de reinserção no mercado em tal período, quando já formado o corpo docente das instituições de ensino. Verifica-se que não houve debate acerca da correta distribuição do ônus da prova, mas, sim, decisão firmada a partir dos fatos comprovados nos autos, com conclusão contrária aos interesses da parte, o que não enseja a alegada ofensa aos artigos 818 da CLT e 373, I, do NCPC (333, I, do CPC/73). Recurso de revista de que não se conhece. [...]." (RR - 1058-47.2011.5.05.0015, Relator Ministro: Guilherme Augusto Caputo Bastos, Data de Julgamento: 13/06/2018, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 22/06/2018);

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.467/2017 - ÓBICE DO ART. 896, § 1º-A, DA CLT AFASTADO Ultrapassado o obstáculo apontado pelo despacho denegatório. Aplicação da Orientação Jurisprudencial nº 282 da SBDI-1. PROFESSORA - DISPENSA NO INÍCIO DO SEMESTRE LETIVO - PERDA DE UMA CHANCE - DANOS MORAIS Este Eg. Tribunal coleciona julgados no sentido de que a dispensa de professor no início do semestre letivo, quando já tem a expectativa de continuar como professor da instituição de ensino, configura abuso do poder diretivo do empregador, pois é notória a dificuldade de o docente conseguir vaga em outra instituição de ensino após o início das aulas. Agravo de Instrumento a que se nega provimento." (AIRR - 21548-53.2016.5.04.0012, Relatora Ministra: Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, Data de Julgamento: 29/05/2019, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 31/05/2019).

Assim, evidenciado o dano, assim como a conduta culposa do empregador e o nexo causal entre ambos, deve ser conhecido o recurso de revista, por violação do artigo 5º, X, da Constituição Federal.

MÉRITO

Como consequência lógica do conhecimento do apelo, por violação do artigo 5º, X, da Constituição Federal, dou-lhe provimento para deferir o pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00. A reparação do dano moral corresponde e se limita à extensão do dano sofrido (artigo 944, caput, do Código Civil) e tem por objetivo recompor o status quo do ofendido, independentemente de qualquer juízo de valor acerca da conduta do responsável pela lesão. Além disso, o julgador deve observar os elementos atinentes às particulares características da vítima (aspectos existenciais, não econômicos) para, então, compor a efetiva extensão dos prejuízos sofridos, sempre norteado, frise-se, pelos Princípios da Reparação Integral e da Dignidade Humana - epicentro da proteção constitucional.

Assim o faço levando em consideração o período contratual (13/02/2006 a 18/01/2018), os limites do pedido (quantia correspondente a 20 vezes o último salário do autor) e a lesividade da conduta praticada pela reclamada.

Juros e correção monetária na forma da lei e da Súmula nº 439 do TST.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de revista, por violação do artigo 5º, X, da Constituição Federal, e, no mérito, dar-lhe provimento para deferir o pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 10.000,00. Juros e correção monetária na forma da lei e da Súmula nº 439 do TST. Eleva-se o valor da condenação em R$ 10.000,00, para fins processuais.

Brasília, 1 de dezembro de 2021.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

CLÁUDIO BRANDÃO

Ministro Relator

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