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Acordãos na integra
Paulo Eduardo Vieira de Oliveira - TRT/SP
Empregado do Município de Mairiporã contratado por concurso público não pode ser dispensado sem motivação
PROCESSO nº 1000199-62.2019.5.02.0291
RECURSO ORDINÁRIO DA 1ª V. T. DE FRANCO DA ROCHA
RECORRENTE: DINALVA RODRIGUES DA SILVA DE SA
RECORRIDO: MUNICÍPIO DE MAIRIPORA
RELATOR: PAULO EDUARDO VIEIRA DE OLIVEIRA
MUNICÍPIO DE MAIRIPORÁ. DISPENSA SEM JUSTA CAUSA. AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO DO ATO. IMPOSSIBILIDADE. Considerando que o art. 37 da Constituição Federal, em seu inciso II prevê a indispensabilidade de realização de concurso público para a investidura em cargo ou emprego público dos entes da administração pública direta e indireta, e estando o reclamado sujeito à observância desses princípios, há de se concluir que também não pode ser irrestrito o direito potestativo de desligamento do empregado público, ainda que o mesmo não disponha da garantia de estabilidade prevista no art. 41 da Carta Magna. Nesse cenário, não há como admitir que o Município diante da particularidade da condição jurídica que ostenta em nosso ordenamento jurídico, possa admitir pessoal, ainda que regido pela CLT, por concurso público e, posteriormente, por ato potestativo, dispensá-lo sem a necessidade de qualquer motivação. Recurso a que se dá provimento para declarar a nulidade da dispensa e determinar a reintegração da reclamante.
A r. sentença de fls. 162/166, cujo relatório adoto, julgou improcedentes os pedidos formulados.
Recorre a reclamante, consoante razões de fls. 177/181, pretendendo, em síntese, a reintegração ao emprego.
Subscritor legitimado à fl. 14.
Dispensando o preparo, eis que concedidos os benefícios da Justiça gratuita.
Contrarrazões às fls. 199/203.
Parecer do Ministério Público do Trabalho à fl. 206, pelo prosseguimento do feito.
É o relatório.
V O T O
1. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE
Conheço do recurso, eis que presentes os pressupostos de admissibilidade.
2. MÉRITO
Alega a reclamante que foi admitida pela reclamada em 11/03/2015, via processo seletivo, para ocupar o cargo de agente comunitário de saúde, por tempo indeterminado, sendo imotivadamente dispensada em 05/12/2018. Afirma que a dispensa é ilegal e arbitrária, uma vez que não se enquadra em nenhuma das hipóteses elencadas no artigo 10 da Lei 11.350/2006, pelo que pleiteia sua reintegração ao emprego, com pagamento de indenização correspondente aos salários e demais consectários legais, além de indenização por danos morais.
Com razão.
É inequívoco que a reclamante ostenta a condição de empregada celetista da administração pública direta municipal, investida em emprego público (agente comunitário de saúde) mediante aprovação prévia em procedimento seletivo similar ao concurso público, na forma prevista nos artigos 37, II, e 198, § 4º, da Constituição e segundo os termos da Lei nº 11.350/2006 e da Lei Complementar Municipal nº 340/2010, tendo sido dispensada sem justa causa em 05/12/2018.
Destaque-se que o processo seletivo simplificado ao qual a reclamante foi submetida se equipara, in casu, ao concurso público, pois no edital do certame consta que a Municipalidade torna público processo seletivo para a contratação de pessoal, por tempo indeterminado, para o emprego de agente comunitário de saúde, regido pela CLT (fls. 21/23), situação não regulada por típico processo seletivo simplificado, que abarca, apenas, contratações temporárias, precárias.
Sob esta ótica, considerando ainda que o art. 37 da Constituição Federal, em seu inciso II, prevê a indispensabilidade de realização de concurso público para a investidura em cargo ou emprego público dos entes da administração pública direta e indireta, e estando o reclamado sujeito à observância desses princípios, há de se concluir que também não pode ser irrestrito o direito potestativo de desligamento do empregado público, ainda que o mesmo não disponha da garantia de estabilidade prevista no art. 41 da Carta Magna.
Nesse cenário, não há como admitir que o reclamado, diante da particularidade da condição jurídica que ostenta em nosso ordenamento jurídico, possa admitir pessoal, ainda que regido pela CLT, por concurso público e, posteriormente, por ato potestativo, dispensá-lo sem a necessidade de qualquer motivação.
Sobre a matéria, oportunos os ensinamentos de Maria Sylvia Zanella Di Pietro para quem:
"O princípio da motivação exige que a administração pública indique os fundamentos de fato e de direito de suas decisões. Ele está consagrado pela doutrina e pela jurisprudência, não havendo mais espaço para as velhas doutrinas que discutiam se a sua obrigatoriedade alcançava só os atos vinculados ou só os atos discricionário, ou se estava presente em ambas as categorias. A sua obrigatoriedade se justifica em qualquer tipo de ato, porque se trata de formalidade necessária para permitir o controle de legalidade dos atos administrativos. Na Constituição Federal a exigência de motivação consta expressamente apenas para as decisões administrativas do Tribunais (art. 93, X), não havendo menção a ela no artigo 37, que trata da Administração Pública, provavelmente pelo fato dela já ser amplamente reconhecida pela doutrina e jurisprudência. Na Constituição Paulista, o art. 111 inclui expressamente a motivação entre os princípios da Administração Pública.[1]"
No aspecto, aplica-se por analogia o entendimento consagrado no item II da Orientação Jurisprudencial n. 247, "in verbis":
"247. SERVIDOR PÚBLICO. CELETISTA CONCURSADO. DESPEDIDA IMOTIVADA. EMPRESA PÚBLICA OU SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. POSSIBILIDADE. (...) II - A validade do ato de despedida do empregado da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) está condicionada à motivação, por gozar a empresa do mesmo tratamento destinado à Fazenda Pública em relação à imunidade tributária e à execução por precatório, além das prerrogativas de foro, prazos e custas processuais."
Neste sentido também a Tese Jurídica Prevalecente nº 25 deste Regional:
25 - Empresa pública e sociedade de economia mista. Dispensa imotivada. Impossibilidade. Necessidade de motivação.(Res. TP nº 02/2017 - DOEletrônico 19/04/2017)
Dessa forma, estando a validade da contratação do empregado público do reclamado sujeita à prévia realização de concurso público, igualmente deve sua dispensa estar fundada em uma motivação, em uma causa de interesse público demonstrável que a legitime, sendo aplicável, in casu, por analogia, o disposto no artigo 3º da Lei nº 9.962/2000, que disciplina o regime de emprego público do pessoal da administração federal direta, autárquica e fundacional.
Inadmissível, assim, o ato demissional pelo critério da exclusiva vontade do administrador público, porquanto importa em ofensa aos princípios constitucionais da impessoalidade, moralidade e legalidade, além de sujeitar o servidor a decisões movidas por critérios políticos ou de cunho subjetivo, sem qualquer chance ao contraditório e ampla defesa previstos no inciso LV do artigo 5º da Constituição Federal, sendo plenamente aplicável à Municipalidade o entendimento proferido pelo STF no RE 589.998.
O ato de despedimento deve ser fundamentado, não apenas para o resguardo do interesse individual e imediato do empregado público atingido pelo ato, proporcionando-lhe defesa, mas, sobretudo, do interesse mediato de toda a coletividade, de forma a se evitar abusos, desvios e arbitrariedades.
Repita-se, os servidores públicos celetistas da administração direta não podem ser despedidos sem justa causa, sem motivação, sem prévio processo, ainda que simplificado, em que lhes seja assegurada ampla defesa. Entendimento diverso acarretaria a inocuidade da exigência de processo seletivo público, porque o administrador poderia, arbitrariamente, demitir por mera perseguição, ou em benefício de outrem , seu apaniguado, que, embora tenha obtido inferior classificação no concurso, seria investido no emprego público diante da vaga aberta com o despedimento do empregado anterior.
A alegada dispensa em virtude de opção política em se formar um novo Quadro Efetivo de Servidores com vínculo estatutário, aprovada através de lei específica, não é justificativa bastante suficiente a sustentar a dispensa sem justa causa da reclamante, pois, nos termos da Lei Complementar Municipal nº 340/2010, aplicável à recorrente, somente as causas elencadas no seu artigo 7º justificariam, em tese, seu desligamento.
Desta forma, a dispensa da reclamante foi ilegal e não pode ser mantida.
Dou provimento ao recurso para declarar a nulidade da dispensa imotivada e determinar a reintegração da reclamante ao emprego, com o pagamento dos salários e demais verbas inerentes ao contrato de trabalho (13º salário, férias + 1/3, depósitos do FGTS) do período compreendido entre a dispensa e a efetiva reintegração.
- Das demais matérias
Diante da reforma do julgado, passa-se à análise das demais matérias necessárias à liquidação de sentença.
Os valores serão acrescidos de juros de mora desde o ajuizamento da ação (CLT, art. 883) e atualizados monetariamente até o efetivo pagamento, observando-se como época própria o mês subsequente ao da prestação de serviços, consoante Súmula 381 do C. TST.
Tratando-se de condenação imposta à Fazenda Pública, aplicam-se juros de mora diferenciados (0,5% ao mês), nos termos da Lei nº 9.494/1997.
Autorizam-se as retenções previdenciárias e fiscais do crédito do reclamante, cujos recolhimentos deverão ser comprovados nos autos sob pena de execução das contribuições ao INSS e expedição de ofício à Receita Federal do Brasil em relação ao imposto de renda.
Os encargos fiscais não indiciarão sobre os juros de mora, na forma da Orientação Jurisprudencial nº 400 da SDI-I do C. TST e serão calculados mês a mês, conforme previsão da Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil nº 1.127, publicada no Diário Oficial da União de 08/02/2011.
As contribuições previdenciárias também serão calculadas mês a mês, na forma da Súmula 368 do C. TST.
- Do índice para atualização monetária
Os critérios para correção de valores perante a Justiça do Trabalho eram regidos pela Lei 8.117/91 e posteriormente pela Lei 8.660/93, em consonância, ainda, com o entendimento da OJ 300 da SDI-1 do C. TST.
Ocorre que o Supremo Tribunal Federal, desde meados de 2013, passou a decidir, sobretudo pelo julgamento das ADIs 4.357, 4.372, 4.440, 4.425, Ação Cautelar 3.764, RE 870,947, que o índice de correção monetária viola o direito de propriedade, impedindo, assim, a correção dos precatórios por índices da caderneta de poupança.
Neste sentido, o Pleno do Tribunal Superior do Trabalho, em 04.08.2015, no julgamento do processo ArgInc-479-60.2011.5.04.0231, declarou a inconstitucionalidade 'por arrastamento' do art. 39 da Lei 8.177/91 e, em consequência, determinou a adoção do IPCA-E para atualização dos créditos trabalhistas, em substituição à TRD, fixando a modulação da seguinte forma: aplicação do índice TRD para os débitos trabalhistas devidos até 24.03.2015 e após, a partir do dia 25.03.2015, aplicável o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E), conforme ementa da decisão:
RECURSO DE REVISTA REGIDO PELA LEI 13.015/2014 1 - EXECUÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA. ATUALIZAÇÃO. ÍNDICE APLICÁVEL. 1. O Pleno do TST, no julgamento do processo ArgInc-479-60.2011.5.04.0231, DEJT 14/8/2015, declarou a inconstitucionalidade do art. 39 da Lei 8.177/1991 e, em consequência, determinou a adoção do IPCA-E para atualização dos créditos trabalhistas, em substituição à TRD. 2. Ao analisar os embargos de declaração que se seguiram (ED-ArgInc - 479- 60.2011.5.04.0231, DEJT 30/6/2017), o Tribunal Superior do Trabalho decidiu fixar novos parâmetros para a modulação dos efeitos da decisão, definindo o dia 25/3/2015 como o marco inicial para a aplicação da variação do Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E) como fator de atualização. 3. Em suma, nos termos da decisão proferida pelo Pleno do TST no julgamento do processo ArgInc-479-60.2011.5.04.0231, deve ser mantida a aplicação do índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança (TRD) para os débitos trabalhistas devidos até o dia 24/3/2015, e, após, a partir do dia 25/3/2015, a correção deve ser realizada pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E). Recurso de revista conhecido e provido". (TST-RR-0000007-17.2016.5.04.0641, Rel. Min. Delaíde Miranda Arantes, 2ª turma, DEJT 25/05/2018)
Todavia, o Supremo Tribunal Federal, na Reclamação 22.012/RS, concedeu liminar em 14.10.2015 suspendendo a eficácia de decisão plenária do C. TST. Nada obstante, com a apreciação do mérito pela 2ª Turma, a Reclamação foi julgada improcedente sob o fundamento de estar "em consonância com a ratio decidendi da orientação jurisprudencial desta Suprema Corte", transitando em julgado em 15.08.18.
Em 27.06.2020, na apreciação da ADC 58 (em tramitação conjunta com a ADC 59 e ADIs 5.867 e 6.021), o relator Min. Gilmar Mendes concedeu liminar, referendada pelo Plenário, estabelecendo:
a suspensão do julgamento de todos os processos em curso na Justiça do Trabalho que envolvam a aplicação dos artigos arts. 879, §7, e 899, § 4º, da CLT e o art. 39, caput e § 1º, da Lei 8.177/91, sob o fundamento de que "as decisões da justiça do trabalho que afastam a aplicação dos arts. 879 e 899 da CLT, com a redação dada pela Reforma Trabalhista de 2017, além de não se amoldarem às decisões proferidas pelo STF nas ADIs 4425 e 4357, tampouco se adequam ao Tema 810 da sistemática de Repercussão Geral, no âmbito do qual se reconheceu a existência de questão constitucional quanto à aplicação da Lei 11.960/09 para correção monetária das condenações contra a Fazenda Pública antes da expedição de precatório. (g.n.)
Ato contínuo, o Ministro, ao apreciar, em sede cautelar, o agravo regimental nos autos da ADC 58, decidiu que:
Em situações como a ora colocada, resta claro que a matéria controvertida - o índice de correção monetária aplicável aos débitos trabalhistas - é matéria passível de apreciação pelo juiz tanto na fase de conhecimento quanto na fase de execução.
Todavia, a preservação da utilidade real do julgamento de mérito desta ADC de modo algum exige a paralisação de todo e qualquer processo trabalhista que possa vir a ensejar a prolação de sentença condenatória. O que se obsta é a prática de atos judiciais tendentes a fazer incidir o índice IPCA-E como fator de correção monetária aplicável em substituição à aplicação da TR, contrariando o disposto nos arts. 879, § 7º, e 899, § 4º, da CLT, com a redação dada pela Lei nº 13.467/2017.
Por todo o exposto, rejeito o pedido de medida cautelar no Agravo Regimental, mantendo in totum a decisão recorrida pelos seus próprios fundamentos.
Para que não paire dúvidas sobre a extensão dos efeitos da decisão recorrida, esclareço mais uma vez que a suspensão nacional determinada não impede o regular andamento de processos judiciais, tampouco a produção de atos de execução, adjudicação e transferência patrimonial no que diz respeito à parcela do valor das condenações que se afigura incontroversa pela aplicação de qualquer dos dois índices de correção. (g.n.)
Portanto, diante deste cenário e tendo em vista a inviabilidade de se desmembrar a apreciação dos processos - sobrestando-se a matéria atinente ao índice aplicável e prosseguindo em face das demais questões - bem como as enormes dificuldades operacionais geradas nesta Turma pelo sobrestamento de todo processo que discuta a matéria, a observância à garantia constitucional da razoável duração do processo e, não menos importante, o caráter alimentar do crédito trabalhista, determino o prosseguimento da demanda, com liquidação e execução definitiva dos créditos, tendo por base o índice TR, por incontroverso, sobrestando-se a discussão sobre a aplicabilidade do IPCA-E até a decisão definitiva pelo STF, com efeito vinculante, resguardando-se o direito do credor a eventuais diferenças de índice aplicável, a depender da conclusão pela Corte.
- Dos honorários sucumbenciais
Nos termos do art. 791-A da CLT, a reclamante faz jus aos honorários sucumbenciais, ora arbitrados em 5% (cinco por cento) sobre o valor da condenação.
Deverá ser observada a previsão da OJ nº 348 da SDI-I do C. TST.
- Das custas
Nos termos do art. 790-A, o reclamado está dispensado do recolhimento das custas processuais.
Do exposto,
ACORDAM os Magistrados da 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região em conhecer e, por maioria de votos, vencida a Desembargadora Rosana de Almeida Buono (dispensa imotivada), DAR PROVIMENTO ao recurso interposto pela reclamante para julgar a ação PARCIALMENTE PROCEDENTE e : a) declarar a nulidade da dispensa sem justa causa e determinar a reintegração da trabalhadora e o pagamento dos salários e demais verbas inerentes ao contrato do trabalho entre o período da dispensa até a efetiva reintegração; b) condenar o reclamado ao pagamento de honorários sucumbenciais. Os valores serão apurados em liquidação de sentença e sofrerão incidência de juros de mora e atualização monetária até o efetivo pagamento. Quanto à atualização monetária, determinar-se a aplicação do índice TR por incontroverso, ficando resguardado o direito da parte de pleitear diferenças após decisão da matéria pelo STF. Ficam autorizados os descontos previdenciários e fiscais do crédito da reclamante. tudo de acordo com os termos e parâmetros traçados na fundamentação do voto do Relator, sendo o voto da Desembargadora Kyong Mi Lee com ressalva de fundamento quanto à nulidade da dispensa imotivada. Arbitra-se a condenação em R$ 20.000,00, com custas no importe de R$ 400,00 pelo reclamado (isentas).
Presidiu o julgamento a Exma. Desembargadora Mércia Tomazinho.
Tomaram parte no julgamento: o Exmo. Juiz Paulo Eduardo Vieira de Oliveira, a Exma. Desembargadora Rosana de Almeida Buono e a Exma. Desembargadora Kyong Mi Lee.
PAULO EDUARDO VIEIRA DE OLIVEIRA
JUIZ RELATOR
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