Data da publicação:
Acordãos na integra
Raimundo Dias de Oliveira Neto - TRT - 17
UBER - Empresa de tecnologia e prestação de serviços de transporte de passageiros com uso de aplicativo. Princípio da Primazia da realidade. "Uberização" do Trabalho. Arts. 2º e 3º da CLT - presença dos elementos fático-jurídicos da relação de emprego: pessoalidade, não-eventualidade, onerosidade, subordinação e "ajenidad" (Alienidade/alheabilidade). Trabalho com uso de tecnologias disruptivas - "subordinação disruptiva". Art. 6º da CLT - comando, controle e fiscalização por meios informatizados e telemáticos. Violação de direitos constitucionais. Direito comparado. Reconhecimento do vínculo de emprego.
UBER - Empresa de tecnologia e prestação de serviços de transporte de passageiros com uso de aplicativo. Princípio da Primazia da realidade. "Uberização" do Trabalho. Arts. 2º e 3º da CLT - presença dos elementos fático-jurídicos da relação de emprego: pessoalidade, não-eventualidade, onerosidade, subordinação e "ajenidad" (Alienidade/alheabilidade). Trabalho com uso de tecnologias disruptivas - "subordinação disruptiva". Art. 6º da CLT - comando, controle e fiscalização por meios informatizados e telemáticos. Violação de direitos constitucionais. Direito comparado. Reconhecimento do vínculo de emprego.
I - RELATÓRIO
ALEXANDRE ANDRADE DE SOUSA ajuizou a presente ação contra UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA, narrando os fatos e formulando os pedidos descritos na petição inicial, juntando procuração, documentos e jurisprudências, aduzindo que prestou serviços para a empresa de 19/12/2016 a 12/09/2017, na função de motorista, pugnando pelo reconhecimento do vínculo e pagamento de suas verbas rescisórias.
Defesa da reclamada em fls. 101/170, alegando que a empresa é de tecnologia que oferece, por meio de um aplicativo, uma interação dinâmica, conectando pessoas que desejam alternativa de mobilidade confortável e eficiente, impugnando os pleitos autorais e a improcedência dos pedidos.
Os documentos anexados juntamente com a defesa de fls. 171/328 são a carteira de motorista do reclamante, notas fiscais emitidas pela Uber, prestadora de serviços em nome do Autor, termos e condições gerais dos serviços de intermediação digital, adendo de motorista aos termos e condições gerais dos serviços de intermediação digital, lista de comprovantes dos valores recebidos pelo obreiro ao utilizar o aplicativo da Uber durante todo o período de utilização do aplicativo, bem como jurisprudências.
Audiência inaugural realizada, fls. 451/452, com tentativa de conciliação infrutífera. Manifestação regular da parte autora acerca da defesa e dos documentos anexados aos autos, fls. 478/481. A Reclamada também apresenta manifestação, fls 486/489. Oitiva de testemunha realizada por Carta Precatória, fls. 526/527, e audiência de instrução, na presente Vara, com interrogatório das partes, fls. 528/530.
Razões finais em forma de memoriais apresentadas pelo reclamante, fls. 534/544. Vieram os autos conclusos para julgamento.
É o relatório.
II - FUNDAMENTAÇÃO
PRELIMINARMENTE
INCOMPETÊNCIA MATERIAL - Argui a demandada preliminar de incompetêncica absoluta da Justiça do Trabalho para apreciar a matéria no tocante ao pedido de reconhecimento de vínculo de emprego entre as partes, sob a alegação de que "o objeto da ação ser estranho a uma relação jurídica de emprego ou mesmo de trabalho, estando-se diante, na verdade, de típica relação de natureza mercantil". Sem razão. Nada mais impertinente e fora da técnica processual. Ora, a determinação da competência material da Justiça do Trabalho é fixada em decorrência da causa de pedir e dos pedidos formulados na peça de ingresso, sendo que a matéria se insere no rol da competência material da Justiça do Trabalho, nos termos do art. 114 da Constituição Federal de 1988. Sobre a alegada natureza meramente mercantil da relação contratual entre as partes, isto se insere nas questões de mérito que devem ser enfrentadas, não sendo matéria preliminar ou prejudicial. Acaso acolhida a tese de defesa, os pedidos na ação serão julgados improcedentes. Rejeito a preliminar.
INÉPCIA DA INICIAL - Suscitou a reclamada preliminar de inépcia da petição inicial com fundamento na ausência de causa de pedir relativo ao intervalo intrajornada, aduzindo na defesa que: "AUSÊNCIA DE PEDIDO RELATIVO AO INTERVALO INTRAJORNADA - Aduz o reclamante, no item 3.7 de sua fundamentação, que teria se ativado na plataforma, diariamente, das 08h às 23h, com 15 (quinze) minutos de intervalo intrajornada, pelo que, ao final, postula o pagamento de horas extras, no item 06 dos cálculos diretos finais. Não há, portanto, qualquer pedido relacionado às horas intervalares, instituto jurídico distinto das horas suplementares." Sem razão a reclamada. Os requisitos da petição inicial no processo do trabalho estão dispostos no art. 840 da CLT, primando o processo laboral pela simplicidade no tocante à forma, aplicando-se os requisitos do CPC apenas de forma subsidiária e complementar. A petição inicial encontra-se regular, narrados os fatos, deduzidos os pedidos, inclusive no tocante aos pleitos decorrentes de supostas horas extras praticadas. O argumento que fundamenta o pleito pela inépcia se refere ao mérito da causa, o que será oportunamente apreciado. Rejeito a preliminar.
DA AUSÊNCIA DE PRESSUPOSTO PROCESSUAL ESPECÍFICO PARA O TRÂMITE DA AÇÃO NO RITO ORDINÁRIO COM FUNDAMENTO NO ART. 840 DA CLT- Alega a reclamada que: "No caso, em que pese existir uma aparente liquidação dos pedidos, há pretensões desprovidas de qualquer indicação de valor (a exemplo da indenização substitutiva ao seguro-desemprego, contemplada no item 3.9 da fundamentação), além não ter sido colacionada aos autos qualquer certidão de cálculos, para a aferição dos critérios de apuração, em flagrante violação ao disposto no art. 840, parágrafo 1°, da CLT, plenamente aplicável ao processo judicial em exame, na medida em que as normas processuais passam a vigorar imediatamente, tendo em vista que o CPC/15 adotou, em seu art. 1.046, o sistema de isolamento de atos processuais, segundo o qual suas normas hão de ser aplicadas aos feitos em curso. (...). Nesses termos, propugna a expoente pela extinção do feito, sem resolução de mérito, por inobservância do correto procedimento relativo ao rito eleito, nos termos do art. 840, parágrafo 3º, da CLT". Sem razão a reclamada. A parte autora optou pelo rito ordinário quando ainda não estava em vigor a Lei 13.467/2017, de forma que não se aplica ao caso a nova redação dada ao parágrafo primeiro do art. 840 da CLT, uma vez que o ajuizamento da ação, em 26/09/2017, se deu antes da vigência da reforma trabalhista. Rejeito a preliminar.
RETIFICAÇÃO DO POLO PASSIVO DA DEMANDA - Ratifica-se a decisão exarada na audiência inaugural no tocante à retificação do polo passivo da demanda, devendo constar como parte reclamada a empresa UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA, CNPJ 17.895.646/0001-87.
SOBRE O SIGILO DE DOCUMENTOS OU SEGREDO DE JUSTIÇA - Ratifica-se a decisão de fls. 451/452, que decretou o sigilo dos documentos de fls. 207/330, acrescentando-se a estes o documento de fl. 150, visando resguardar a identidade e privacidade dos dados de usuários do serviço de transporte possibilitado a partir do aplicativo da UBER.
GRATUIDADE DA JUSTIÇA - Trabalhador(a) - Defiro ao(à) reclamante a gratuidade judiciária plena, nos termos do art. 5º, incisos XXXV e LXXIV da CF/88, dando ao comando do art. 790, §§ 3º e 4º, da CLT, interpretação conforme a Constituição Federal para conferir efetividade máxima à regra constitucional que garante ao cidadão trabalhador amplo e irrestrito acesso ao Poder Judiciário, sem necessidade de comprovar insuficiência de recursos para o pagamento das custas do processo, ressaltando-se que nem no processo comum, que rege as relações de direito privado, sem viés social, o cidadão é tratado com tamanho rigor, conforme disposto nos §§ 2º e 3º do art.99 do CPC/2015, não se amoldando a letra fria dos dispositivos celetistas reformados pela Lei 13.467/17 aos parâmetros constitucionais do amplo acesso à Justiça, assim como aos princípios da isonomia, valorização do trabalho e de proteção à dignidade da pessoa humana (art. 1º CF/88), ressaltando-se, ainda, o evidente viés discriminatório do novo comando celetista, considerando o conjunto protetivo dos jurisdicionados brasileiros (consumidor, alimentando etc), que não estão submetidos a exigências dessa ordem. Desse modo, defiro ao reclamante a gratuidade judiciária plena, dando máxima efetividade ao comando do art. do art. 5º, incisos XXXV e LXXIV da CF/88, ressaltando que a gratuidade da justiça aqui deferia isenta o(a) reclamante/trabalhador(a) do pagamento de custas, honorários periciais, honorários advocatícios de sucumbência à reclamada, inclusive sucumbência recíproca, e qualquer outra despesa processual decorrente de comando legal, reconhecida a hipossuficiência do(a) trabalhador(a), conforme lastreado no § 3º do art. 790 c/c art. 98 do NCPC.
MÉRITO
1. DAS ALEGAÇÕES DAS PARTES
O autor relata na inicial que foi empregado da demandada no período de 19/12/2016 a 12/09/2017, na função de motorista, pugnando pelo reconhecimento do vínculo de emprego.
Aduz o reclamante que: "Que o reclamante começou a prestar serviço para a reclamada em data de 19/12/2016. - Que o mesmo exercia a função de motorista. - Que o obreiro laborava das 08h:00min às 23h:59min de segunda à domingo. - Que o Demandante não teve a sua CTPS anotada. - Que na data de 12/09/2017 o promovente, no meio de uma corrida onde levava um(a) passageiro(a) se envolveu num pequeno acidente de trânsito (Batida), todavia, nem o autor, nem o passageiro, sofreram alguma lesão. - Que o referido infortúnio foi de pronto resolvido e comunicado à reclamada. - Que, no dia seguinte, ao se preparar para cumprir sua rotina diária de trabalho, o promovente, de forma abrupta, ficou sabendo que o seu contrato com a reclamada estava rescindido. - Que a partir daí, o reclamante tentou, por diversas vezes se comunicar com a reclamada, contudo, não obteve nenhum êxito. - Que até a presente data o demandante nada recebeu a título de direitos rescisórios pela reclamada. - Que por conta do aludido, o reclamante ajuizou a presente ação trabalhista, pleiteando a paga dos seus direitos rescisórios." (Sic!)
A reclamada admite na defesa que houve prestação de serviços de parceria mercantil, por parte do reclamante, aduzindo na defesa, fls. 101/170, que: "DADOS GERAIS DA PARCERIA COMERCIAL - O reclamante, na condição de motorista parceiro, teve sua conta ativada em 09/12/2016, após o envio eletrônico do cadastro no aplicativo, do fornecimento dos documentos e da concordância com os Termos e Condições Gerais dos Serviços de Intermediação Digital. Em 20/12/2016, foi realizada a sua primeira viagem, e, em 12/09/2017, tem-se o registro de uma última viagem."
2. INTERROGATÓRIO DAS PARTES E DE TESTEMUNHAS
Interrogatório do reclamante (fls. 528/530) : "Que o depoente trabalhou como motorista da reclamada no período de dezembro de 2016 a setembro de 2017; que no referido período não estava recebendo parcelas de seguro desemprego, e também não estava trabalhando para outra empresa; que na época dedicava-se exclusivamente ao trabalho como motorista de Uber; que o depoente já trabalhava na função de motorista antes de se cadastrar no aplicativo, pois há 19 anos trabalha na função de motorista; que o depoente costumava a prestar serviços para a reclamada das 07h às 23h, de segunda a sexta e nos sábados e domingos até meio dia e também das 18h às 06h; que era vantajoso para o depoente trabalhar nos finais de semana porque o preço das corridas fica mais elevado; que o horário de trabalho era escolhido pelo próprio depoente; que se durante uma semana o depoente recusasse cinco corridas já recebia um email ou SMS do aplicativo advertindo que se continuasse com o número excessivo de cancelamentos de corrida, poderia ser excluído do quadro de motoristas do aplicativo; que o depoente recebeu emails com este teor; que o depoente não recorda de ter visto alguma vez o documento de fls. 212/251; que normalmente o aplicativo indica o trajeto a ser percorrido na corrida e fica a critério do passageiro solicitar outro trajeto; que na época o passageiro avaliava o motorista e o motorista avaliava o passageiro; que conforme a avaliação dos usuários, a nota do motorista pode subir ou baixar e se baixasse também recebia email de advertência; que o veículo usado pelo depoente era alugado perante terceiros; que o combustível e manutenção do veículo era de responsabilidade do próprio depoente; que o histórico das viagens fica no próprio aplicativo e não havia necessidade de fazer relatórios; que não havia recomendação da reclamada para a oferta de brindes tipo balas, água, etc, o que ficava a critério do motorista; que na época o depoente não utilizava nenhum outro aplicativo de transporte, trabalhava exclusivamente para o Uber; que o depoente acredita que no período reclamado não havia concorrência com outros aplicativos, talvez o 99 estivesse iniciando." (Grifos do Juiz).
Interrogatório do preposto da empresa (fls. 528/530): "Que a depoente é empregada da reclamada, na função de consultora de relações trabalhistas, lotada na cidade de São Paulo; que para o credenciamento de motoristas junto à reclamada, basta que o motorista se cadastre no próprio aplicativo e pelo próprio aplicativo remeta documentos relativos à CNH e antecedentes criminais; que a sede da empresa em São Paulo faz análise da documentação e se tudo estiver correto o candidato obtém a resposta pelo próprio aplicativo; que o pagamento feito mediante cartão de crédito pelos usuários é creditado em uma conta da reclamada, que retém a sua parte e repassa ao motorista o valor que lhe é devido; que quando o pagamento é feito em espécie, a reclamada emite um boleto por email ao motorista, com o valor da taxa devida à reclamada, e este deve proceder o pagamento na rede bancária, ficando de já o motorista com a taxa que lhe é devida; que a emissão dos boletos se dá de forma semanal; que a taxa da reclamada é definida pela própria empresa e varia entre 20% ou 25%; que este percentual varia de acordo com o nível do veículo credenciado; que quando o motorista se credencia indica qual é o veículo a ser utilizado e a taxa devida para a empresa varia de acordo com a categoria desse veículo, mas não há avaliação direta dos veículos indicados pelos motoristas; que no site da reclamada o candidato toma conhecimento acerca das categorias aceitas pela reclamada, conforme o tipo de veículo; que as categorias são UberX e UberBlack; que UberX no são aceitos veículos a partir de 2008 e no UberBlack depende do modelo do veículo; que outros motoristas podem se credenciar junto à reclamada vinculados à conta de um determinado motorista no aplicativo; que também é possível o credenciamento de pessoa jurídica onde estejam vinculados vários motoristas àquela conta; que nos anos de 2015 a 2017 a reclamada já apresentava esta dinâmica; que é possível o aplicativo admitir vários motoristas e indicar um único veículo que será compartilhado entre os motoristas cadastrados; que quando uma corrida é direcionada para um determinado motorista credenciado, a reclamada não tem como identificar se é aquele motorista que está dirigindo o veículo é um motorista vinculado, ou não, à sua conta; que quando o motorista registra o aceite de uma corrida, a empresa tem como identificar apenas o dispositivo que está ativado, mas não o motorista do veículo, e esta é a razão da reclamada sugerir aos usuários que, ao pegar uma corrida com o motorista do aplicativo, confira se realmente é o mesmo motorista que aparece na fotografia disponibilizada aos usuários; que é possível que o credenciado junto à reclamada permaneça com o dispositivo desativado, offline por uma semana, um ano, pelo tempo que for necessário, pois a empresa não efetiva o bloqueio de motoristas credenciados nestes casos; que o motorista pode ser bloqueado pelo aplicativo em caso de reclamação de assédio, falsidade ideológica, conforme a avaliação feita pelos próprios usuários; que não há possibilidade de bloqueio de motorista em caso de acidente com o veículo; que os motoristas não recebem qualquer tipo de prêmio em razão da quantidade de viagens que realizam; que tanto a avaliação feita pelo usuário em relação ao motorista é decisiva para a manutenção de seu cadastro, assim como a avaliação do motorista em relação ao usuário; que a reclamada sugere ao usuário o valor da corrida, mas é possível que o motorista ofereça desconto ao usuário, em caso de pagamento em espécie; que a taxa cobrada pela reclamada é de 20% ou 25% sobre o valor que foi sugerido ao usuário; que não há qualquer procedimento previsto pela reclamada em caso de sinistro no trânsito durante uma corrida em favor do usuário de aplicativo." (Grifos do Juiz).
Testemunha da reclamada (fls. 526) - RODOLFO VIZEU KLAUTAU DE AMORIM. Depoimento: "que é gerente de operações e logística da reclamada desde abril/2016; não teve nenhum contato com o reclamante; os motoristas parceiros não são contratados; os motoristas fazem cadastro na plataforma, informam documentos como carteira de motorista, tipo de veículo que pretende dirigir; se o motorista passar na verificação de antecedentes e se o veículo atender os requisitos o perfil do motorista fica ativo e ele pode atender chamadas; não há cobranças do número de metas nem de números de viagens; não existe controle sobre a atividade do motorista, não existe "cliente oculto"; o motorista paga 25% do valor da viagem para a empresa para ter acesso a plataforma; não existe indicação de horário; não existe nenhum tipo de cobrança se o motorista ficar "offline"; quando o motorista está "offline" ele não recebe nenhuma chamada; não existe penalidade se o motorista ficar "offline"; não existe entrevista para utilização do aplicativo pelo motorista; ao final de cada viagem o motorista avalia o usuário e o usuário avalia o motorista; essas avaliações existem para que motoristas ou usuários que não prestem o serviço adequado ou não ajam de forma cordial sejam descontinuados da plataforma; tanto o motorista quanto o usuário pode ser bloqueado por avaliação baixa, salvo engano algo em torno de 4,65 de um máximo de 5; tanto usuário quanto motorista podem cancelar corridas; se o passageiro cancelar depois de 5 minutos paga uma taxa de cancelamento; se o motorista cancelar não há sanção; não há obrigação de fornecimento de bala, água e usar ar condicionado; há quem faça isso para obter melhor avaliação; não existe rota obrigatória, o motorista tem acesso ao google maps e waze que indicam rotas otimizadas mas não são obrigatórios." (Grifos do Juiz).
A prova oral colhida será analisada juntamente com a prova documental em cada tópico da sentença, na análise do mérito, a seguir:
3. UBER - EMPRESA DE TRANSPORTE OU DE TECNOLOGIA?
3.1 Contextualizando o problema
O emprego estável, característico do trabalho na indústria, do modelo fordista, está em crise. O Mundo do Trabalho vem passando por mudanças profundas desde a transição do fordismo ao toyotismo, entre 1970 e 2000, e deste aos processos de trabalho a partir das novas tecnologias da informática, acentuadas na segunda década deste século, com destaque para o trabalho por meio de aplicativos digitais de motoristas de transporte de passageiros e entregadores, a exemplo do que ocorre nas plataformas UBER, CAFIBY, 99POP, EASY TAXI e Lady Drive.
A partir da segunda década do século XXI, assistimos, portanto, ao surgimento do fenômeno a que se convencionou chamar de "uberização" das relações de trabalho, que, muito embora ainda se encontre em nichos específicos do mercado, tem potencial de se generalizar para todos os setores da atividade econômica. A empresa UBER, com sede na Holanda, empresta seu nome ao fenômeno por se tratar do arquétipo desse atual modelo, firmado na tentativa de autonomização dos contratos de trabalho com motoristas a partir da utilização de inovações tecnológicas, com uso de aplicativo para tablets ou smartphones. Milhões de pessoas no Brasil e no mundo trabalham para empresas de aplicativos, para quem os trabalhadores são considerados como "autônomos", clientes das empresas, não mantendo nenhum vínculo trabalhista.
Os trabalhadores que prestam serviços nesta modalidade têm pleiteado, no Brasil e pelo mundo, a sua inclusão no sistema jurídico protetivo das relações de trabalho, no que se inclui a luta pelo reconhecimento do vínculo de emprego, exigindo dos operadores do direito um olhar atento à nova realidade que se impõe no mundo do trabalho.
Em recente artigo publicado sobre o tema, JOSÉ EDUARDO RESENDE CHAVES JUNIOR nos exorta no sentido de que: "O Direito do Trabalho, do ponto de vista conceitual, demanda uma certa update doutrinária para lidar, de uma forma mais operacional e consistente, com as relações contemporâneas de trabalho regidas pelas plataformas e aplicativos eletrônicos, pela inteligência artificial e pelo Big Data produtivo." (DIREITO DO TRABALHO 4.0: "CONTROLE" E "ALIENIDADE" COMO OPERADORES CONCEITUAIS PARA A IDENTIFICAÇÃO DA RELAÇÃO DE EMPREGO NO CONTEXTO DOS APLICATIVOS DE TRABALHO. Revista do Tribunal do Trabalho da 2a Região/Brasil, n.° 22/2019, Edição Eletrônica. São Paulo: TRT/SP, 2019, p. 36. Consulta: https://ww2.trtsp.jus.br/bases-juridicas/publicacoes/revista-do-tribunal/).
O primeiro desafio é saber se a reclamada é apenas uma empresa de fomento de tecnologia ou se também se caracteriza como prestadora de serviços de transporte de passageiros. É o que veremos a seguir, como pressuposto para analisar o vínculo empregatício perseguido pelo autor.
3.2 UBER - Empresa de Serviço de Transporte de passageiro
Necessário analisar quais são os fins da empresa, para que existe o empreendimento.
A reclamada alega na defesa que não é uma empresa de transporte e que o reclamante não foi seu empregado, mas trabalhador autônomo. Impõe-se inicialmente enfrentar a alegação da reclamada de que não é uma empresa de transporte e que, por esta razão, não poderia ser empregadora do autor, uma vez que este alega que era empregado na qualidade de motorista de transporte de passageiros.
Aduz a empresa, na contestação, que: "A Uber é uma empresa de tecnologia, uma plataforma digital. A Uber não transportaninguém. Apenas conecta as pessoas por meio de um aplicativo que viabiliza uma interação dinâmica de mútuo proveito entre pessoas capazes de dispor de recursos próprios para auxiliar outras pessoas que desejam uma alternativa de mobilidade confortável e eficiente. Especificamente, a Uber coloca em contato os motoristas autônomos que desejam prestar o serviço de transporte individual privado e os usuários que desejam contratar referido serviço, através de uma plataforma digital."
A tese principal da UBER é de que não é esta quem contrata os motoristas ou "parceiros", mas estes é quem contratam a empresa para utilizarem o aplicativo com o fim de prestarem o serviço aos "usuários". Alega que o contrato firmado com os motoristas é de "parceria mercantil" (TERMOS E CONDIÇÕES GERAIS DOS SERVIÇOS DE INTERMEDIAÇÃO DIGITAL),fls. 183/199, e que estes têm ampla liberdade no exercício do trabalho, pois dirigem o seu próprio veículo, fazem seus próprios horários, podem trabalhar para outras empresas etc.
A questão pode ser esclarecida pela invocação do princípio da primazia da realidade sobre a forma, segundo o qual "em caso de discordância entre o que ocorre na prática e o que emerge de documentos ou acordos, deve-se dar preferência ao primeiro, isto é, ao que sucede no terreno dos fatos" (AMÉRICO PLÁ RODRIGUEZ - Princípios do Direito do Trabalho).
Assim é que, não obstante conste no cadastro nacional de pessoa jurídica, fls. 82, e no contrato social da UBER, fls. 83/97, que a reclamada é empresa que explora plataforma tecnológica, não é essa a conclusão a que se chega ao se examinar, de forma acurada, a dinâmica dos serviços prestados, conforme se verá ao longo de toda a nossa análise na sentença.
O Código Civil Brasileiro regulamenta o contrato de transporte de passageiros nos arts. 730 a 742. O art. 730 dispõe que: "Pelo contrato de transporte alguém se obriga, mediante retribuição, a transportar, de um lugar para outro, pessoas ou coisas". O transporte de passageiros é, portanto, um serviço de utilidade pública e está disponível aos consumidores. Note-se que esse é exatamente o contrato firmado entre o usuário e a demandada quando uma viagem é solicitada no aplicativo. A reclamada define o preço a ser cobrado e escolhe unilateralmente o condutor responsável e o veículo a ser utilizado, sendo, por conseguinte, a fornecedora do serviço de transporte.
O próprio regramento e procedimentos estabelecidos no documento denominado pela empresa de "TERMOS E CONDIÇÕES GERAIS DOS SERVIÇOS DE INTERMEDIAÇÃO DIGITAL",fls. 183/199, demonstram a dinâmica própria da prestação de serviços de transportes de passageiros, ainda que adaptada ao uso da tecnologia por meio do aplicativo desenvolvido pela empresa.
Ora, se o serviço de transporte de passageiro fosse realmente prestado exclusivamente pelo motorista, os clientes, ou usuários, pagariam o valor do serviço diretamente ao motorista, inclusive por meio de cartão de crédito. Se a reclamada fosse uma mera empresa de fomento de tecnologia, caberia ao reclamante, ou qualquer motorista, fazer o pagamento à empresa pelo uso do aplicativo, numa espécie de aluguel ou cessão de uso. O que ocorre é que a UBER presta o serviço de transporte de passageiro aos clientes, recebe o pagamento destes e estabelece um repasse ao motorista, considerado "parceiro".
Não há dúvidas de que, ainda que a ré atue também no desenvolvimento de tecnologias como meio de operacionalização de seu negócio, esta condição não afasta o fato de ser ela, sobretudo, uma empresa de transporte.
A UBER, na modalidade atual, não existiria sem os motoristas na ponta do processo de prestação de serviços. Motorista e passageiro são elementos indispensáveis à realização do fim a que a empresa se propõe, pois é esta quem cadastra o motorista, fornece o aplicativo, capta o cliente, define a rota, estabelece preços dinâmicos, concede promoções aos usuários, recebe os valores pelo pagamento dos serviços, registra reclamações dos usuários e é quem paga aos motoristas o percentual unilateral e previamente estabelecido pela empresa.
Realidade diversa seria se a empresa se limitasse somente a fornecer o aplicativo aos motoristas, e estes pagassem à UBER, de forma periódica, pelo uso da referida ferramenta tecnológica. Aí sim, a reclamada seria realmente apenas uma empresa de fornecimento de tecnologia. Não é o que acontece na prática, pois a UBER tem como finalidade real o transporte do passageiro, sendo este o seu verdadeiro cliente, captado pela oferta do serviço por meio do aplicativo, recebendo a empresa, em seu favor, o valor pelo serviço prestado.
Veja-se, por exemplo, o teor da chamada no site oficial da UBER, no tocante à campanha de captação de passageiros, verbis: "Tranquilidade onde quer que você vá. A segurança faz parte da tecnologia do nosso app. Para você chegar em casa com mais tranquilidade. Para seus familiares e amigos poderem acompanhar as suas viagens. E para que você possa pedir ajuda às autoridades, se algo acontecer." (Fonte: https://www.uber.com/br/pt-br/safety/, em consulta feita por este Juiz às 20h20min do dia 14/10/2019, quando da finalização desta sentença).
O usuário do transporte não é cliente do motorista, mas da empresa. Não é o motorista quem oferece o serviço, mas a empresa. O motorista, portanto, não é cliente da empresa do aplicativo de transporte, mas prestador de serviços desta, na qualidade de trabalhador.
Para FAUSTO SIQUEIRA GAIA, Juiz do Trabalho do TRT-17ª Região, em recente estudo publicado como fruto de sua tese de doutorado na PUC/SP, "É importante ressaltar que, mesmo que o objeto social da UBER esteja formalmente associado à tecnologia, a sua realização não será possível sem a presença obrigatória do motorista em uma das pontas da cadeia produtiva. Como vimos no capitulo segundo, o direito do trabalho é constituído por uma serie de princípios informadores, que funcionam, dentre outras funções, como vetores interpretativos das relações jurídicas de trabalho. Um dos princípios regentes deste ramo especializado do direito é o da primazia da realidade. O enquadramento jurídico da empresa de aplicativos de passageiros, bem como a fixação da relação jurídica mantida pela empresa e seus motoristas são estabelecidos em razão de sua atividade real preponderante, mesmo que o instrumento societário consigne formalmente outras áreas de atuação da empresa." (Uberização do Trabalho. São Paulo, SP: Lumen Juris, 2019, p. 217).
A UBER já vem sendo condenada, entre nós, no Juizo cível, a indenizar usuários por danos causados na prestação do serviços de transporte de passageiros. Na decisão prolatada pelo Juiz do Trabalho MÁRCIO TOLEDO GONÇALVES, do TRT Mineiro, nos autos do proc. nº 0011359-34.2016.5.03.0112, fls. 21/65, destacou o Magistrado que:
"Tanto é que já há julgados responsabilizando a empresa por vícios na prestação de serviços decorrentes de erros do motorista na condução do veículo, podendo ser citado à guisa de exemplo o processo 0801635-32.2016.8.10.0013 tramitado no 8º Juizado Especial Cível e das Relações de Consumo de São Luís/MA. Não poderia ser diferente diante da nítida relação de consumo entre ela e os usuários do aplicativo. É importante registrar aqui, porque reveladora de sua real atividade, que a ré recebe quantia percentual (entre 20 a 25%) do preço de cada corrida. Caso fosse mesmo apenas uma empresa de tecnologia a tendência era a cobrança de uma quantia fixa pela utilização do aplicativo, deixando a cargo dos motoristas o ônus e bônus da captação de clientes."
Não é sem razão que a UBER passou a contratar seguro aos usuários, contra acidentes e os danos daí decorrentes, assumindo explicitamente os riscos do empreendimento pelo transporte de passageiros, em cumprimento ao disposto no art. 734 do Código Civil, contrato de transporte de passageiro: "Art. 734, caput. O transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade."
Conforme propaganda que se verifica no site na empresa, verbis: "Seguro em todas as viagens Com uma apólice de seguros da Chubb, a Uber protege você em todas as suas viagens. A cobertura inclui despesas médicas hospitalares em caso de acidente, ou, em um caso mais grave, cobertura de invalidez permanente, entre outras coberturas, que garantem sua proteção". (Fonte: https://www.uber.com/br/pt-br/safety/, em consulta feita por este Juiz às 20h20min do dia 14/10/2019, quando da finalização desta sentença).
O direito comparado tem reconhecido que a UBER se caracteriza como empresa de serviço de transporte de passageiros:
ESTADOS UNIDOS: "A California Labor Comission Appeal, da Corte Superior da Califórnia, no condado de São Francisco, analisou o processo nº CGC-15-546378, envolvendo, de um lado, a motorista por aplicativos de transporte de passageiros Barbara Berwick e, de outro, as empresas Uber Technologies, Inc. e A. Dalaware Corporation. (...). Outro aspecto que merece ser destacado na decisão da California Labor Comission Appeal diz respeito que a Corte fixou a natureza da atividade desenvolvida pela plataforma tecnológica. Na decisão, restou consignado de forma categórica que os fins do empreendimento da empresa UBER são relacionadas ao transporte de passageiros e não apenas a atividades tecnológicas de aproximações de condutores e passageiros. Em sendo assim, concluiu a Corte de Apelação que, sem o trabalho desenvolvido pelos motoristas, tal como aquele prestado pela autora da ação, o negocio da plataforma tecnológica sucumbiria. (FAUSTO GAIA, Ob. Cit. p. 249, 253). (Grifo nosso).
INGLATERRA: "O Tribunal do Trabalho da cidade de Londres realizou, em outubro de 2016, o julgamento do processo nº 220255/2015, em que litigavam, do lado dos requerentes, os senhores Y. Aslam, J. Farrar e outros motoristas, e, no lado dos requeridos, compunham o polo passivo as empresas Uber B. V, Uber London Ltd e Uber Britannia Ltd. (...). Para os julgadores, é irreal negar a constatação de que a UBER funciona como empresa fornecedora de serviços de transporte, diante da gama de produtos comercializados por esta empresa no mercado. O Juiz A. M. Snelson afirma que as campanhas de publicidade realizadas pela plataforma de aplicativos não tem como objetivo promover qualquer motorista individualmente, mas sim a própria UBER. Além disso, seria, conforme expressão consignada na decisão, "ridículo" reconhecer que a UBER na cidade de Londres seria constituída por um mosaico de 30.000 pequenos empreendedores individuais e autônomos." (Id. Ibid., p. 254/255). (Grifos nossos).
Tudo, portanto, leva à conclusão de que este tipo de empresa presta serviços de transporte, cujos clientes são os usuários e beneficiários dos serviços. O motorista não é cliente da empresa, mas prestador de serviços, na qualidade de trabalhador, cuja natureza jurídica do vínculo será analisada no tópico a seguir.
Outros fundamentos de que a UBER se caracteriza também como empresa de prestação de serviços de transporte de passageiros se desvelarão ao longo da fundamentação nesta sentença, com a análise dos elementos fático-jurídicos da relação de emprego.
Em frente!
4. ELEMENTOS FÁTICO-JURÍDICOS DA RELAÇÃO DE EMPREGO
A pergunta fundamental diz respeito a saber se, a análise da prova e do modo como os motoristas executam o seu labor por meio do aplicativo de transporte de passageiros disponibilizado pela Uber, bem como da forma como os motoristas são arregimentados e controlados no trabalho, leva ao convencimento de que o autor realmente era empregado da reclamada.
A análise deste juízo prestigiará o princípio da primazia da realidade, que informa o direito do trabalho; os direitos fundamentais, de cunho social, previstos na Constituição Federal/1988; assim como o enfoque especial às novas dinâmicas do trabalho desempenhado a partir das tecnologias disruptivas, rompendo com o matiz tradicional na análise da relação de emprego.
Nosso posicionamento é no sentido de que, enquanto não houver legislação específica regulamentando este tipo de trabalho, deve-se aplicar as normas da CLT para dirimir os litígios acerca da existência, ou não, do vínculo de emprego entre os motoristas e a demandada, notadamente os comandos expressos nos arts. 2º, 3º e 6º da CLT, que dispõem:
Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço. (...).
Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário. (...).
Art. 6o Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego. Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio.
Com se sabe, os quatro elementos fático-jurídicos exigidos no caput do Art. 3º da CLT para a configuração da relação de emprego são: pessoalidade, não-eventualidade, subordinação e onerosidade. A estes, nesta nova realidade do trabalho exercido por meio de aplicativo de transporte de passageiros, acrescentamos um quinto elemento como critério de análise, o que a doutrina pátria, bebendo na fonte do direito comparado, vem consagrando como "alienidade" (ou "alheabilidade").
Reconhecido acima que a UBER se enquadra como empresa de tecnologia e transporte de passageiros, passemos a analisar se o autor da presente ação, motorista que transportava passageiros em favor da reclamada, era realmente um trabalhador "autônomo", independente, "parceiro mercantil", ou se houve entre as partes típica relação de emprego, com base na legislação pátria.
Avante!
4.1 Pessoalidade
Afirma a reclamada, quanto ao cadastro do reclamante, que: "Um singelo exame dos documentos anexos permite concluir que não se trata de um processo de contratação pela Uber, senão um mero processo cadastral online realizado pelo próprio interessado. Na verdade, basta a pessoa física (ou jurídica) realizar o cadastro no aplicativo e encaminhar a documentação correspondente para utilizar o aplicativo, (...), sem que tenha feito qualquer entrevista, teste psicológico, avaliação prévia ou afim, o que desconstitui as falsas alegações obreiras quanto à natureza da relação jurídica outrora havida entre as partes, pois não há contratação pela Uber, mas sim contratação, pelo reclamante, dos serviços de aplicativo de smartphone operacionalizados pela Uber. (...). O cadastro é realizado por iniciativa do próprio parceiro e pode ser feito pelo site, por App ou no Centro de Atendimento (Greenlight), sendo que o motorista pode ter vários carros cadastrados em sua conta, como também deixar outros motoristas também a ela vinculados."
Alega ainda a UBER que não havia pessoalidade sob o argumento de que vários motoristas podem dirigir o mesmo veículo, sendo que um motorista específico também pode ter contas de outros motoristas agregadas à sua, aduzindo que não tem como controlar se é realmente um motorista específico quem está conduzindo o veículo indicado no aplicativo.
Viu-se pela prova documental e oral produzida que a reclamada exige prévio cadastro pessoal de cada um dos pretensos motoristas, mesmo os que têm contas agregadas a outros motoristas. No ato do cadastramento, o motorista encaminha para a empresa diversos documentos pessoais necessários para aprovação em seu quadro, tais como certificado de habilitação para exercer a função de condutor remunerado, atestados de bons antecedentes e certidões "nada consta". Vide depoimento da preposta da empresa, acima transcrito.
O depoimento da testemunha da reclamada, fls. 526, acima transcrito, evidencia que havia verdadeiro processo de seleção, sendo que o cadastro do motorista na plataforma da UBER é apenas o primeiro passo, verbis: "os motoristas fazem cadastro na plataforma, informam documentos como carteira de motorista, tipo de veículo que pretende dirigir; se o motorista passar na verificação de antecedentes e se o veículo atender os requisitos o perfil do motorista fica ativo e ele pode atender chamadas".
Em consulta ao site da UBER, podemos constatar anúncio para captação de clientes de transportes de passageiros com o seguinte teor: "Recursos de segurança para os usuários. Nossa plataforma possibilita milhões de viagens: todas são registradas por GPS e são protegidas por um seguro APP para acidentes pessoais. Todos os motoristas parceiros passam por uma checagem de antecedentes criminais, nos termos da lei, realizada por empresa especializada." (Fonte: https://www.uber.com/br/pt-br/safety/, em consulta feita por este Juiz às 20h20min do dia 14/10/2019, quando da finalização desta sentença).
Ora, o fato de um veículo poder ser compartilhado com vários motoristas não lhes tira a condição personalíssima na prestação dos serviços, uma vez que o veículo registrado por cada motorista em sua conta é apenas uma ferramenta de trabalho, e que não tem o condão de impedir o reconhecimento do vínculo de emprego, pois se trata simplesmente do modo como a empresa organiza a prestação dos serviços, estando cada motorista cadastrado de forma pessoal, com login e senha própria, cada um recebendo o repasse do seu valor, sendo avaliado pelos usuários, sujeito cada um a advertência e descredenciamento, havendo vínculo personalíssimo da empresa com cada motorista que utiliza sua plataforma para o serviço de transporte ofertado pela companhia.
O próprio contrato apresentado pela empresa ao reclamante, após o cadastro, denominado "TERMOS E CONDIÇÕES GERAIS DOS SERVIÇOS DE INTERMEDIAÇÃO DIGITAL",fls. 183/199, traz os elementos que caracterizam a pessoalidade da prestação dos serviços por cada motorista, inclusive o reclamante, verbis:
"3. Motoristas e Veículos 3.1. Requisitos do(a) Motorista. O(A) Cliente reconhece e concorda que cada Motorista sempre deverá: (a) possuir e manter (i) uma carteira de motorista válida com o nível adequado de certificação para operar o Veículo designado para tal Motorista, e (ii) todas as licenças, permissões, aprovações e autorizações aplicáveis ao(à) Cliente e/ou Motorista requeridas para a prestação dos Serviços de Transporte de passageiros a terceiros(as) no Território; (b) possuir um nível de formação, treinamento e conhecimento apropriado e atualizado para prestar Serviços de Transporte de forma profissional com a devida competência, zelo e diligência; e (c) manter padrões elevados de profissionalismo, serviço e cortesia. O(A) Cliente reconhece e concorda que cada Motorista poderá ser submetido(a) a determinadas verificações de segurança e histórico de direção, de tempos em tempos, para que esse(a) Motorista esteja elegível a prestar, e permaneça elegível a prestar, Serviço de Transporte. O(A) Cliente reconhece e concorda que a Uber reserva o direito de, a qualquer momento e a seu exclusivo critério, desativar ou ainda restringir um(a) Motorista de acessar ou utilizar o Aplicativo de Motorista ou os Serviços da Uber caso o(a) Cliente ou referido Motorista deixe de cumprir os requisitos fixados no presente Contrato ou no Adendo de Motorista."(Grifos do Juiz).
O motorista não pode se fazer substituir por outro na condução do veículo, uma vez que a empresa envia ao usuário solicitante do serviço de transporte dados sobre o veículo e o motorista, com o nome e a sua foto, havendo inclusive a recomendação de que o usuário verifique a foto para constatar se realmente se trata do motorista indicado, o que foi confirmado no depoimento da preposta da empresa, fls. 528/530, verbis: "sugerir aos usuários que, ao pegar uma corrida com o motorista do aplicativo, confira se realmente é o mesmo motorista que aparece na fotografia disponibilizada aos usuários".
Sem fundamento a alegação da defesa no sentido da ausência da pessoalidade pelo motivo de que o aplicativo aciona o motorista mais próximo para atender à demanda do usuário, sem possibilidade de escolha do profissional que irá realizar a prestação do serviço. O fato é que a relação do motorista é com a empresa, e não com o usuário, ficando o trabalhador no aguardo do chamado pelo aplicativo, pouco importando a ordem do chamado, pois é a empresa quem indica ao usuário qual motorista irá atender o serviço.
Cópia da CTPS do autor, fls. 458/476, comprova que o obreiro não estava registrado por outra empresa, nem recebendo seguro-desemprego no período em que esteve trabalhando para a reclamada, e ainda que tivesse contrato registrado com outra empresa, isto, por si somente, não seria impeditivo ao reconhecimento do liame empregatício, uma vez que a exclusividade não se constitui elemento fundante do vínculo empregatício.
4.2 Não-eventualidade
No tocante à não-eventualidade, alega a demandada na defesa que: "A não-eventualidade, também elemento característico da relação de emprego, não se encontra inserida na relação havida entre as partes. Os parceiros escolhem livremente a frequência da utilização do aplicativo, podendo ser uma vez por dia, semana, mês ou ano, dando continuidade a ela quando bem lhe aprouver e sem qualquer efeito jurídico no contrato, é porque de "não-eventualidade" (ou de vínculo empregatício) não cuida essa espécie contratual."
Conforme acima aludido, não se mostra razoável analisar os elementos fático-jurídicos da relação de emprego no trabalho externo, exercido por meio de tecnologias remotas, sob a mesma ótica que se analisa o labor em que o trabalhador tem de comparecer diariamente, em horários definidos, ao mesmo local de trabalho, a exemplo do que ocorre na indústria, nas lojas, na construção civil etc.
O modelo disciplinar adotado nas relações de trabalho vem sendo, em alguns setores, substituído pelo modelo do "controle", conforme preconizado, na redação de 2011, do parágrafo único do art. 6º da CLT, verbis: "Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio".
Este é exatamente o caso dos autos, uma vez que os motoristas de transportes por aplicativo exercem suas atividades totalmente descolados da empresa, sem uma disciplina ordenada, horários fixos, chefia determinada etc.
O reclamante, na qualidade de motorista a serviço da UBER, nem mesmo conhecia alguém da empresa, não mantinha qualquer contato presencial com ninguém da reclamada. A dinâmica é outra, e sobre esta nova face do trabalho com empregado anônimo, contratado e controlado remotamente, nos ensina CHAVES JUNIOR que: "O Direito do Trabalho tradicional foi construído tendo em consideração uma sociedade disciplinar (Foucault), da fábrica, do capitalismo industrial, em que havia a necessidade da disciplina individual do corpo do trabalhador. A linha de produção necessitava de uma disciplina horária para não ser interrompida. Essa disciplina haveria de ser individualizada, pois os postos de trabalho eram individualizados e específicos. A busca pela produtividade linear impunha esse tipo de organização disciplinar do trabalho. Mas não já podemos mais pensar a regulação do trabalho humano a partir dessa perspectiva do inicio do século passado. Já estamos em transição para a sociedade do controle (Deleuze), do empreendimento em rede, na qual dispensa-se a especificação individual do trabalho. É necessário apenas o controle coletivo e estatístico dos trabalhadores, para ajustar a oferta à demanda de bens e serviços".(Ibid, p. 38/39).
Nesta perspectiva, levando em conta a teoria do evento, caem por terra as alegações da Uber de que o labor era exercido de forma eventual. Na prática, o caso não se amolda à teoria do evento, que "considera como eventual o trabalhador admitido na empresa em virtude de um determinado e específico fato, acontecimento ou evento, ensejador de certa obra ou serviço. Seu trabalho para o tomador terá a duração do evento esporádico ocorrido". (DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho,18ª Edição. São Paulo: LTr, 2019, p. 343).
Os relatórios de viagens, fls. 207/328, conforme chamadas recebidas pelo autor no período reconhecido pela empresa para a prestação dos serviços, demonstram que o reclamante trabalhou de forma ostensiva, continuada, diária. O autor se cadastrou em 09/12/2016 e foi descredenciado em 12/09/2017, tendo neste período trabalhado de forma não eventual, em favor da reclamada. A atividade do reclamante em favor da empresa não era imprevisível, esporádica, mas totalmente previsível, programada e controlada, uma vez que o autor estava cadastrado no aplicativo, e de forma contínua prestava serviços de transporte de passageiros em favor da empresa.
Os e-mails de fls. 13/19 demonstram que o autor estava em constante contato com a empresa reclamada por meio telemático, art. 6º da CLT.
A não-eventualidade, neste caso, assim como os demais elementos fático-jurídicos, deve ser analisada também sob a ótica da teoria dos fins do empreendimento, que considera não-eventual o trabalhador que desenvolve suas atividades dentro da estrutura montada para levar a cabo os fins do empreendimento.
Trazemos à colação as lições de RENATO SARAIVA, que diz: "Várias teorias surgiram para determinar o real sentido de trabalho não eventual, prevalecendo a Teoria dos Fins do Empreendimento, considerando como trabalho não eventual aquele prestado em caráter contínuo, duradouro, permanente, em que o empregado, em regra, se integra aos fins sociais desenvolvidos pela empresa. A prestação do serviço com habitualidade, de forma contínua e permanente, na qual o obreiro passa a fazer parte integrante da cadeia produtiva da empresa, mesmo que desempenhando uma atividade-meio, caracteriza o trabalho não eventual." (Direito do Trabalho, São Paulo: Editora Juspodim, 20ª edição, p. 47).
É o que ocorreu com o reclamante, que exercia a função de motorista, de forma contínua, atendendo aos fins do empreendimento da UBER, no tocante à prestação de serviços de transporte de passageiros com captação de clientes pela própria empresa por meio de aplicativo.
DELGADO, citando Délio Maranhão, nos ensina, acerca da teoria dos fins do empreendimento, que: "A teoria dos fins do empreendimento (ou fins da empresa) é talvez a formulação teórica mais prestigiada entre as quatro aqui enfocadas. Informa tal teorização que eventual será o trabalhador chamado a realizar tarefa não inserida nos fins normais da empresa - tarefas que, por essa mesma razão, serão esporádicas e de estreita duração. Délio Maranhão adere a tal teoria, sustentando que: "Circunstâncias transitórias, porém, exigirão algumas vezes admita-se o trabalho de alguém que se destina a atender a uma necessidade, que se apresenta com caráter de exceção dentro do quadro das necessidades normais do empreendimento. Os serviços prestados serão de natureza eventual e aquele que os prestar - trabalhador eventual - não será empregado" (Op. Cit. p. 343).
Na mesma direção, a respeito desses novos modelos de trabalho na era cibernética, indispensável mencionar o Relatório Conclusivo do Grupo de Estudos "GE UBER", do MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, constando ali que:
"No novo regime, a organização do trabalho - e consequentemente o seu controle - apresenta-se de forma diferente: é a programação por comandos. Restitui-se ao trabalhador certa esfera de autonomia na realização da prestação. Esta é a direção por objetivos. A partir da programação, da estipulação de regras e comandos preordenados e mutáveis pelo seu programador, ao trabalhador é incumbida a capacidade de reagir em tempo real aos sinais que lhe são emitidos para realizar os objetivos assinalados pelo programa. Os trabalhadores, nesse novo modelo, devem estar mobilizados e disponíveis à realização dos objetivos que lhe são consignados.
(...)
A ideia é da mobilização total: os trabalhadores devem estar disponíveis a todo momento. Essa mobilização, diferentemente do fordismo-taylorismo, visa dominar não o corpo dos trabalhadores, mas seus espíritos, cedendo a obediência mecânica em prol da busca pelos trabalhadores do atingimento dos objetivos traçados pela empresa, a partir da esfera de autonomia concedida, que implica que o trabalhador seja sempre transparente aos olhos do empregador, que a todo momento tem o poder de mensurar e avaliar seu funcionamento." (OITAVEN, Juliana Carreiro Corbal; CARELLI, Rodrigo de Lacerda; CASAGRANDE, Cassio Luis. Empresas de Transporte, plataformas digitais e a relação de emprego: um estudo do trabalho subordinado sob aplicativos. Brasília, DF: Pub. Ministério Público do Trabalho, 2018, p.28-34).
Vimos acima que a UBER se caracteriza como típica empresa de transportes. Note-se que, nesta perspectiva, sem o motorista, a UBER não existiria enquanto prestadora de serviços de transportes por aplicativos. Retirem-se os motoristas, e a UBER, no formato atual, terá que traçar novos fins ao seu empreendimento.
Ainda que o reclamante, um dia ou outro, não pudesse se logar no aplicativo para receber chamadas, isto, por si só, não descaracteriza a não-eventualidade, uma vez que tanto a empresa, quanto o próprio trabalhador, sabem que a atividade se repetirá, conforme de fato ocorria no caso do autor, vide relatórios de fls. 207/328.
O fato do obreiro também ter a faculdade de se logar nos horários de sua conveniência, conforme destacado na defesa, também não caracteriza eventualidade na prestação dos serviços, posto que não se pode confundir não-eventualidade com descontinuidade ou intermitência.
Acerca destes detalhes na atividade que era desempenhada pelo reclamante, calha bem a lição sempre prestigiada de GODINHO DELGADO, verbis: "A eventualidade, para fins celetistas, não traduz intermitência; só o traduz para a teoria da descontinuidade - rejeitada, porém, pela CLT, relativamente à caracterização da relação empregatícia. Desse modo, se a prestação é descontínua, mas permanente, deixa de haver eventualidade. É que a jornada contratual pode ser inferior à jornada legal, inclusive no que concerne aos dias laborados na semana. Nesse quadro, fi ca bem claro que o novo tipo de contrato instituído pela Lei da Reforma Trabalhista (n. 13.467/2017), denominado contrato de trabalho intermitente (art. 443, caput, em sua nova redação, e seu novo § 3º; novo art. 452-A, caput e §§ 1º até 9º, todos da CLT), trata, sem dúvida, de trabalho não eventual. (Op. Cit. p. 344).
4.3. Onerosidade
A reclamada alega na defesa que: 'Nasce, então, entre as partes, uma autêntica relação de parceria comercial, cujo faturamento do negócio - proporcionado pelo usuário - é dividido geralmente da seguinte forma: 75% (setenta e cinco por cento) para o motorista parceiro; 25% (vinte e cinco por cento) para a Uber4 (Percentual pode variar entre 20% a 25%, dependendo exclusivamente da modalidade em que o parceiro se insere: UberBlack ouUberX, respectivamente)."
A tese da empresa de que era o reclamante, enquanto contratante e "parceiro mercantil", quem a remunerava pela utilização da plataforma digital não pode prosperar.
No tocante à alegada liberdade do motorista de contratar a UBER, ressaltamos a lição de FAUSTO GAIA no sentido de que: "No âmbito específico do trabalho por meio dos aplicativos de transporte de passageiros, exsurge a preocupação com a tutela do trabalhador informalizado. Daí é possível falar em dignidade da pessoa do obreiro, enquanto sujeito de direitos. A visão patrimonialista e liberal da liberdade deve ser, no aspecto da autodeterminação, conformada à luz do princípio da dignidade da pessoa humana, de modo a assegurar ao trabalhador uma tutela mínima, garantindo em último aspecto a subsistência com dignidade." (Op. Cit. p. 106-107).
A prova dos autos, seja oral ou documental, evidencia que é a empresa quem conduz, de forma unilateral, toda a política de preços e pagamento pelo serviço de transporte ofertado aos seus clientes, usuários, estabelecendo preços dinâmicos, conforme o horário, distância e disponibilização de veículos, assim como promoções aos clientes usuários, controlando também a forma de pagamento. Não era dada ao reclamante, motorista, a menor possibilidade de gerência do negócio.
Observa-se nas regras estabelecidas pela empresa que a reclamada também remunera seus motoristas mesmo quando a viagem seja gratuita ao usuário, por promoção feita pela própria empresa. Assim, mesmo quando o cliente da UBER, usuário do serviço do transporte ofertado pela empresa, recebe promoção e não paga pelo serviço, a reclamada faz pagamento ao motorista, evidenciando também este aspecto o elemento fático-jurídico da onerosidade.
O e-mail de fl. 19 dos autos demonstra a dinâmica da forma de pagamento pela UBER. Os demonstrativos de pagamento feitos pela UBER ao reclamante, pelos serviços de motorista, fls. 173/182 e 206, revelam que o pagamento pelo serviço prestado era feito pelo cliente, usuário, diretamente à empresa, por cartão de crédito, e que esta fazia a retenção do seu percentual e repassava o valor que era devido ao autor, de forma semanal. Isto demonstra que a reclamada não apenas faz a intermediação dos negócios entre passageiros e condutores, mas, ao contrário, recebe por cada serviço realizado e, posteriormente, paga o trabalhador. Os depoimentos da preposta e da testemunha de defesa, acima transcritos, confirmam os procedimentos quanto ao pagamento.
Não se diga que eventualmente o pagamento feito em dinheiro pelo usuário, diretamente ao motorista, descaracteriza a onerosidade, uma vez que o controle do pagamento é feito pela empresa, pois, no caso específico, o motorista tem que fazer depósito bancário em seu favor, ou tem o valor devido à UBER descontado quando do repasse ao motorista dos valores pagos por meio de cartão de crédito.
Sem razoabilidade a alegação da UBER de que a remuneração do motorista em 75% do valor do serviço pago pelo cliente à empresa descaracteriza a onerosidade própria da relação de emprego.Ocorre que a empresa transferiu para o reclamante, motorista, a maior parte do custo da prestação dos serviços de transporte, pois a UBER disponibiliza este serviço ao usuário sem possuir pátios e frotas de veículos, sem custos operacionais com a compra e manutenção dos automóveis, sem empregados na atividade fim do empreendimento e sem pagar os impostos e/ou encargos trabalhistas devidos, recebendo o valor de 25% do suor do trabalhador sem grandes custos operacionais, sendo certo que, o percentual que recebe se constitui lucro quase totalmente líquido, e que não pode se comparar ao percentual do trabalhador, insuficiente para remunerar os custos operacionais com os quais mantém o negócio patronal e ainda a paga pelas horas de trabalho despendidas.
Contrato de parceria - A alegação de contrato de parceria, fls. 183/199, para afastar o pressuposto da onerosidade não tem qualquer amparo fático. A realidade não condiz com a forma. A prestação de serviço se constitui como relação onerosa, em que o autor ativava-se na expectativa de contraprestação de índole econômica, aspecto da onerosidade subjetiva, e o trabalho desenvolvido era devidamente remunerado pela ré, caracterizando a onerosidade objetiva.
Notas fiscais - As notas fiscais de serviço, fls. 173/182, são documentos que apenas comprovam a tentativa da reclamada de burlar a legislação em não reconhecer o vínculo de emprego com o autor, uma vez que a alegada prestação de serviços autônomos, de parceria mercantil, conforme consta no contrato firmado por adesão, fls. 183/199, não se materializada na vida real.
4.4 Subordinação
Impõe-se saber acerca dos limites da liberdade de contratar, se esta liberdade é real ou aparente, implicando, por parte desta nova face do Capitalismo, um verdadeiro controle sobre o trabalhador e sobre o modo de como este exerce o seu trabalho. Já vimos que o contrato de "parceria" proposto pela UBER não se materializada na prática, colidindo com o princípio da primazia da realidade que informa o direito do trabalho.
Na hipótese dos autos, temos que a relação havida entre as partes comportava o elemento fático-jurídico relativo à subordinação em suas mais variadas vertentes, notadamente: a objetiva, a estrutural e a "disruptiva".
A subordinação objetiva encontra-se naturalmente presente no caso, por tudo quanto acima já analisado nesta sentença, uma vez que a UBER, tomadora dos serviços, é absolutamente dependente do uso da força de trabalho dos motoristas. "Ela atua sobre o modo de realização da prestação e não sobre a pessoa do trabalhador." (M. GODINHO DELGADO, Op.Cit, p. 349/350).
A subordinação estrutural é aquela que se expressa "pela inserção do trabalhador na dinâmica do tomador de seus serviços, independentemente de receber (ou não) suas ordens diretas, mas acolhendo, estruturalmente, sua dinâmica de organização e funcionamento". Nesta dimensão da subordinação, não importa que o trabalhador se harmonize (ou não) aos objetivos do empreendimento, nem que receba ordens diretas das específicas chefias deste: o fundamental é que esteja estruturalmente vinculado à dinâmica operativa da atividade do tomador de serviços." (M. GODINHO DELGADO, Op.Cit, p. 352/353).
No caso, o trabalho do motorista é totalmente controlado pela empresa de aplicativo e transporte. Não é pelo fato de trabalhar externamente, de forma remota, em contato com a empresa somente pelo aplicativo ou meios telemáticos (mensagens e emails) que o motorista deixa de ser controlado pela Companhia.
O motorista fica submisso às regras sobre o modo de como deve desenvolver a prestação dos serviços, estando sujeito a controles contínuos. A empresa sabe quando e por quanto tempo fica desconectado, sabendo e controlando quando está conectado ao aplicativo, o trajeto feito em cada viagem; controla também o motorista por meio do contato com os clientes (usuários), aplicando sanções disciplinares caso incida em comportamentos que a ré julgue inadequados; estabelece o padrão dos veículos, recomenda modos de tratamento e vestimentas etc.
Os motoristas são monitorados o tempo todo, conforme se constata pelo anúncio do site da empresa, no tocante aos antecedentes criminais e atualização de fotografia, verbis: "Checagem de antecedentes criminais - Todos os motoristas parceiros passam por uma checagem de antecedentes criminais, nos termos da lei, feita por empresa especializada antes mesmo de começar a dirigir. De tempos em tempos, o app pede, aleatoriamente, para que eles tirem uma selfie antes de aceitar uma viagem ou de ficar on-line." (Fonte: https://www.uber.com/br/pt-br/safety/, em consulta feita por este Juiz às 20h20min do dia 14/10/2019, quando da finalização desta sentença).
As modalidades tradicionais de controle, fora do ambiente da empresa e que utiliza a tecnologia como ferramenta para a prestação de serviços, sofreram alterações, tornando-se complexas ou fluidas. Não é pelo fato de trabalhar externamente que o motorista deixa de ser controlado pela Companhia, pois esta detém os relatórios de login e logout, bem como das horas trabalhadas.
Os trabalhadores precisam justificar, por mensagens, quando interrompem um chamado, e se passam certo tempo sem se logarem são descredenciados do aplicativo, são descartados pela empresa, não importando se estão doentes, se o veículo esta quebrado, se houve acidente no trabalho, se não há dinheiro para colocar gasolina, se o filho está doente etc.
Ressalte-se a mitigação que o art. 62 da CLT faz com relação ao controle dos empregados que laboram em atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho, os que exercem cargos de gestão e aqueles em regime de teletrabalho. Há mitigação do controle também quanto aos trabalhadores intermitentes, art. 452-A da CLT, convocados para laborar conforme a demanda. De qualquer forma, todos permanecem subordinados ao empregador e ao modo de como a empresa conduz o empreendimento. As condições de trabalho dos motoristas de empresas de aplicativo e transporte de passageiros, a exemplo do reclamante, não são muito diversas.
O autor estava totalmente integrado na dinâmica dos serviços prestados pela reclamada.
Subordinação "disruptiva" - Controle do trabalho e do trabalhador
Há que se compreender este fenômeno social do mundo do trabalho segundo os traços da contemporaneidade que marcam a utilização das tecnologias disruptivas no desdobramento da relação capital-trabalho. "Disrupção" quer dizer "interrupção normal de um processo", ou quebra de padrões no tocante ao modelo das relações de trabalho e do modo de como as pessoas interagem com as empresas.
O modelo tradicional do trabalho na fábrica, presencial, da folha ou registro de ponto, foi quebrado pelas novas dinâmicas trazidas pela tecnologia, devendo o direito e seus operadores se adaptarem para uma nova hermenêutica. Neste sentido, as lições do professor FAUSTO GAIA, verbis: "A alteração nas formas de prestação de serviços por meio de implantação de novas tecnologias representa o que se denomina de "inovações disruptivas". O termo "disrupção" foi cunhado por Joseph L. Bower e Clayton M. Christensen e representa a transformação ou mesmo a ruptura na forma tradicional de produção de um bem ou realização de uma atividade, em razão do emprego da tecnologia. O estímulo ao desenvolvimento de modelos de negócios disruptivos é decorrente tanto de fatores externos, como a crise financeira e a ampliação do número de desempregados, quanto fatores internos da própria sociedade, como a acumulação de bens de baixa utilização e os avanços de novas tecnologias." (GAIA, Fausto Siqueira. Uberização do Trabalho. São Paulo, SP: Lumen Juris, 2019, p. 217).
O ilustre Juiz do TRT capixaba desenvolveu o conceito de "subordinação disruptiva" como característica do trabalho realizado a partir do uso de aplicativos e plataformas digitais, verbis: "A subordinação jurídica disruptiva, portanto, é o liame jurídico, oriundo do uso de aparatos tecnológicos no processo produtivo, que vincula o empregado ao empregador, por meio do qual este, em razão da dependência funcional do uso da força de trabalho para o desenvolvimento da atividade produtiva, exerce a gestão, o controle e o poder disciplinar sobre a força de trabalho contratada". E Completa: "É disruptiva porque rompe com as construções tradicionais apresentadas para o conceito de subordinação jurídica, ora vinculado apenas aos aspectos subjetivos da relação entre empregado e empregador ora associado apenas aos aspectos objetivas da atividade desenvolvida."(GAIA, Op. Cit, p. 280). (Grifos do Juiz da 9ª VT/Fortaleza).
Na mesma direção, destaca-se mais uma vez o Relatório Conclusivo do Grupo de Estudos "GE UBER", do MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO, constando ali que:
"O modelo organizacional da cibernética - e, portanto, da governança -, tenta bagunçar essa montagem jurídica, pois trata o ser humano como uma máquina inteligente. O trabalho não se apresenta mais como uma coisa, mas sim como uma fonte de energia do homem, energia que é sua propriedade, e que se pode ser por ele alugada. Um novo tipo de sujeito surge: o "sujeito objetivo", movido pelo cálculo, capaz de se adaptar em tempo real às variações do ambiente para atingir os objetivos que lhe são assinalados. Nesse contexto apresenta-se o "trabalhador flexível". Desenha-se, assim, um novo tipo de liame de direito que, à diferença do contrato, não tem por objeto uma quantidade de trabalho, mas a própria pessoa do trabalhador.
Temos que lembrar sempre, por outro lado, que cibernética vem de direção, controle, governo. O controle da massa de trabalhadores para a realização de atividade econômica sempre vai ser necessário, alterando-se somente a forma.
Também é essencial na direção por objetivos o crescimento da influência da empresa na vida pessoal do trabalhador. É próprio do trabalho assalariado a reificação da pessoa que é, ao mesmo tempo, objeto e sujeito do contrato de trabalho, sendo que, de maneira recíproca, é reconhecida sua condição de pessoa. A desestabilização dos quadros espaços-temporais de execução do trabalho e a autonomia programada conduzem não a uma redução, mas a um aumento do engajamento da pessoa do trabalhador. Assim, o controle por programação ou comandos (ou por algoritmo) é a faceta moderna da organização do trabalho. Passa-se da ficção do trabalhador-mercadoria para a ficção do trabalhador-livre, em aliança neofeudal com a empresa." (Ibid., p. 28/29).
Ressalte-se que o legislador pátrio, preocupado com os meios de controle do trabalho à distância, alterou a redação do art. 6º da CLT pela Lei 12.551/2011, verbis: "Art. 6o Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego. Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio. (Grifos do Juiz).
O motorista de aplicativo trabalha remotamente, obedecendo a "comando" do aplicativo. A empresa exige o cadastro do trabalhador e o controla pelo sistema de login e logout - o "controle". A UBER exige regularidade na prestação dos serviços, estabelece a rota e avalia o trabalhador por meio dos clientes usuários do serviço - a "fiscalização", tudo conforme disposto no art. 6º, § único, da CLT. A empresa, portanto, estabelece comando, controle e fiscalização sobre o trabalho do motorista, de forma que o trabalho do motorista/autor não pode ser considerado eventual.
É o que se comprova pelo teor dos "TERMOS E CONDIÇÕES GERAIS DOS SERVIÇOS DE INTERMEDIAÇÃO DIGITAL",fls. 183/199, apresentado ao reclamante como "termo de parceria mercantil", mas que traz elementos que caracterizam o controle exercido pela UBER sobre o trabalho que era exercido pelo autor, no tocante às viagens e sua localização, verbis:
"2.8. Serviços Baseados em Localização. O(A) Cliente reconhece e concorda que todas as informações de geolocalização do(a) Motorista devem ser fornecidas aos Serviços da Uber através de um Dispositivo para a prestação dos Serviços de Transporte. O(A) Cliente reconhece e concorda, e deverá informar e obter o consentimento de cada Motorista (quando aplicável), que: (a) As informações de geolocalização do(a) Motorista serão monitoradas e acompanhadas pelos Serviços da Uber quando o(a) Motorista estiver conectado(a) ao Aplicativo de Motorista e disponível para receber solicitações de Serviços de Transporte, ou quando o(a) Motorista estiver prestando Serviços de Transporte; e (b) a localização aproximada do Veículo de Motorista será exibida para o(a) Usuário(a) antes e durante a prestação de Serviços de Transporte para esse(a) Usuário(a). Além disso, a Uber pode monitorar, acompanhar e compartilhar as informações de geolocalização do(a) Motorista obtidas pelo Aplicativo de Motorista e pelo Dispositivo por razões de segurança, técnicas, de marketing e comerciais, inclusive para disponibilizar e aprimorar produtos e serviços da Uber."
Vê-se que o teor do parágrafo único do referido artigo celetista se amolda perfeitamente à forma de controle exercido pela Uber quanto ao trabalho do autor da presente ação, assim como dos demais motoristas que lhes servem na condição de empregados não registrados.
Nesta esteira, nos indica ainda FAUSTO GAIA que: "A programação de algoritmos, que dita e distribui os locais de atuação dos motoristas por meio de aplicativos, que informa à plataforma tecnológica em tempo real se e que com qual frequência o trabalhador vem recusando serviços, e que serve de canal para a avaliação e para a punição do trabalhador, substituiu a atuação pessoal e presencial do empregador e seus prepostos no exercício dos poderes de gestão, de organização e disciplinar. O aspecto subjetivo da subordinação jurídica passa a sofrer, nesses novos modelos de negócios envolvendo tecnologias, um processo de disrupção, o que implicou modificações sobre as formas tradicionais pelas quais eram manifestados os poderes de gestão e controle do empregador sobre o empregado." (Op. Cit, p. 279). (Grifos do Juiz da 9ª VT/Fortaleza).
Chega-se à conclusão, à luz do comando do art. 6º da CLT, que contempla os conceitos de subordinação objetiva, estrutural e disruptiva, de que havia controle ostensivo da empresa sobre o motorista/autor, na qualidade de empregado, e o modo como este executava o seu labor, e que a liberdade de trabalho alegada pela demandada na defesa não se materializa de fato, ante a presença, por todos os matizes analisados, do elemento fático-jurídico relativo à subordinação, o que se reconhece nesta sentença.
4.5 "Ajenidad" (Alienidade, ou alheabilidade)
O termo vem da palavra "ajenidad", da doutrina clássica espanhola, e conforme lição de CHAVES JUNIOR: "Do ponto de vista jurídico, tal vocábulo transita na esfera da alienação, da transferência, mas da transferência do resultado do trabalho daquele que produz - afetando em certa medida a aquisição natural, como reconhecem os liberais clássicos como Adam Smith, Ricardo ou Locke - para pessoa, física ou jurídica, alheia." (Op. Cit. p. 44). (Grifos do Juiz da 9ª VT/Fortaleza).
Destaca ainda CHAVES JUNIOR, no referido artigo, que a doutrina espanhola consagra três correntes acerca da alienidade: "A primeira e mais tradicional, é a de Olea, em que a alienidade é encarada a partir da alienação dos frutos do trabalho (ajenidad en los frutos). Uma segunda, na qual a alienidade é aferida em função da não-assunção dos riscos da atividade econômica, defendida por Bayón Chacón e Perez Botija20 (ajenidad en los riscos) e uma terceira, da alienidade em razão da desvinculação da pessoa do trabalhador da utilidade patrimonial do trabalho (ajenidad en la utilidad patrimonial), apresentada por Montoya Melgar." (Op. Cit, p. 45). (Grifos nossos).
Na análise da relação de trabalho entre as partes, tomando-se como parâmetro a alienidade, verifica-se que o resultado do trabalho pertence a pessoa diversa de quem o produziu, concretamente à empresa, não sendo o obreiro reconhecido como o possuidor direto dos frutos do seu trabalho. O empregador se apropria dos frutos do trabalho alheio ao vender no mercado um serviço que somente com intervenção direta do motorista/autor pode ser efetivamente prestado, embolsando pelo serviço diretamente realizado pelo trabalhador. A empresa não vende no mercado o aplicativo, vende serviço de transporte realizado por trabalhador/motorista utilizando como ferramenta tecnológica o seu aplicativo.
Vimos acima a análise do art. Art. 6º da CLT ao caso concreto do autos, cabendo destacar que o conceito de alienidade está ali sutilmente referido nos termos "comando", "fiscalização" e "controle", como desdobramento da disposição legal insculpida no caputdo art. 2º da CLT, referente ao empregador, que "dirige a prestação pessoal de serviços".
Sob o prisma da alienidade, fica mais fácil compreender o aspecto da subordinação, mesmo que levando em conta o fato do obreiro exercer o seu trabalho com veículo próprio, ou alugado junto a terceiro. Os fins do empreendimento, no caso da UBER, se materializam no fato da transferência ao trabalhador da propriedade ou responsabilidade pelos instrumentos de trabalho, que no caso é o veículo e os insumos necessários (gasolina, manutenção, reposição de peças, seguro, impostos etc) - "alienidade em razão da desvinculação da pessoa do trabalhador da utilidade patrimonial do trabalho"( CHAVES JUNIOR, Op. Cit. p. 45).
Assim, igualmente não pode prosperar a alegação da empresa de que não havia onerosidade e subordinação pelo fato do autor usar o seu próprio veículo e ser o responsável pela prestação dos serviços
Ocorre que estes novos modos de produção capitalista buscam a redução de custos e provocam o fenômeno da "empresa vazia", com poucos empregados, desencadeando um processo de desemprego estrutural e utilização de trabalhadores sem quaisquer direitos ou garantias, classificando-os como autônomos ou independentes, em que "A utilização de plataformas de transporte privado de passageiros é um exemplo dessa iniciativa. Esse modelo de negócio é concebido a partir de uma visão onde o capitalista é apenas o proprietário do aplicativo de transporte, ao passo que os demais meios de produção e matérias-primas necessárias para a consecução do negócio, tais como os custos envolvidos com a aquisição de automóveis, combustível, contratação de seguros, dentre outros são transferidos para a responsabilidade do próprio executante do serviço. Para o capital, o enxugamento de sua estrutura produtiva representa uma forma a mais de ampliar a produção de mais-valia" (FAUSTO GAIA, Op. Cit. p. 73-74).
Nesta perspectiva, a subordinação se mostra velada, envolvendo o trabalhador nos fins sociais e econômicos da empresa. Não é pelo fato de ser detentor de algumas ferramentas de trabalho, a exemplo do veículo, no caso do motorista de aplicativo, que também é o caso dos autos, que o trabalhador deixa de colocar a sua força de trabalho em favor do empregador.
Ressalta o ilustre Magistrado do TRT capixaba, sobre o uso do próprio veículo pelos motoristas de aplicativo, que: "A concepção tradicional de que o proletariado é aquele trabalhador despido dos meios produtivos é superada diante das novas relações de trabalho decorrentes do desenvolvimento tecnológico. As novas tecnologias permitiram que o trabalho pudesse ser desenvolvido fora do local da empresa e com a utilização de ferramentas e meios de trabalho do próprio executor do serviço ou atividade." (Op. Cit. p. 67).
É certo que a responsabilidade pelos riscos do empreendimento encontra-se no eixo entre a empresa e seus clientes, e não da empresa com os empregados ou prestadores de serviços. O fato de usar o próprio veículo para exercer o trabalho não descaracteriza o vínculo de emprego, uma vez que os riscos do empreendimento estão relacionados à realização do objeto social da empresa.
Ora, a casuística demonstra que há inúmeras atividades em que os trabalhadores utilizam seus próprios instrumentos de trabalho, a exemplo de motoboys, vendedores motorizados, motoqueiros entregadores, empregados em teletrabalho etc, não se mostrando incompatível com o vínculo de emprego o fato do autor, ou qualquer outro motorista de aplicativo, laborar usando o seu próprio veículo. Não é o fato de ter veículo próprio que o caracteriza como empregado ou autônomo, mas a dinâmica do seu trabalho, principalmente no tocante ao "comando", "controle" e "fiscalização" (art. 6º da CLT) exercidos pela empresa sobre o trabalhador e o modo como este exerce o seu trabalho.
Diga-se ainda, conforme vem reconhecendo o direito comparado, que o principal instrumento de trabalho do motorista é o aplicativo da UBER, e não o seu veículo. "O aplicativo instalado nos smartphones e tablets funciona como um dos instrumentos de controle, de gestão e de exercício do poder disciplinar que a plataforma tecnológica mantém sobre a força de trabalho. A atividade do trabalhador é indispensável para a operação regular da atividade empreendida pela UBER." (FAUSTO GAIA, Op. Cit., p.290).
A ausência da alienidade se configuraria se o motorista pudesse negociar livremente o preço e as condições do serviço prestado, o que nem de longe ocorreu no caso do reclamante, conforme exaustivamente já se analisou acima.
Assim, por todos os prismas que se analise o vínculo entre as partes, encontra-se presente a alienidade, ou o trabalho do reclamante exercido por conta alheia, com dispêndio de energia e tempo em favor da UBER, que se apropriou dos frutos do seu labor quando vendeu no mercado serviço de transporte somente realizável mediante a contratação de motorista, a exemplo do autor, pouco importando se com veículo próprio ou não.
5. RECONHECIMENTO DO VÍNCULO DE EMPREGO
Totalmente nulas as disposições contidas no contrato de "parceria mercantil" invocado pela UBER, materializado no instrumento denominado pela empresa de "TERMOS E CONDIÇÕES GERAIS DOS SERVIÇOS DE INTERMEDIAÇÃO DIGITAL",fls. 183/199dos autos, que considera o reclamante como "parceiro mercantil", cliente da reclamada, prestador de serviços autônomos, contratante dos serviços da empresa, prestador autônomo de serviços de transporte, apenas cliente da empresa de tecnologia UBER; que aponta o obreiro como responsável pela cobrança do preço diretamente dos usuários, dispondo que o reclamante não é controlado em sua jornada e modo de exercer as atividades; que tenta transferir ao autor os riscos da atividade de transporte de passageiro; e em todas as demais disposições ali contidas que procura classificar o motorista, o reclamante, como trabalhador autônomo e não empregado da empresa.
Ressalto que os termos do documento de fls. 183/199 foram analisados na fundamentação referente ao tópico em que se reconhece que a UBER é uma empresa de tecnologia e serviço de transporte de passageiros, assim como na análise atinente à existência dos elementos fático-jurídicos da relação de emprego no vínculo estabelecido entre as partes, em cotejo com as demais provas juntadas aos autos.
Todas as referidas disposições contidas no documento de fls. 183/199 são nulas de pleno direito, nos termos previstos no art. 9º da CLT, verbis: Art. 9º - Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.
As disposições do referido documento comprovam que a dinâmica do trabalho e da prestação dos serviços pelo autor se dava em favor da reclamada, empresa de tecnologia e transporte de passageiros, conforme os elementos fático- jurídicos da relação de emprego, nos termos acima já analisado e fundamentado. É que no Direito do Trabalho, a realidade se sobrepõe à forma - Princípio da Primazia da Realidade.
Os depoimentos colhidos nos autos, fls. 526 e 528/530, assim como aqueles colhidos em processos de terceiros, com atas de audiência juntadas pela reclamada, fls. 329/450, demonstraram que a dinâmica do trabalho dos motoristas de aplicativo de transportes de passageiros, dentre os quais se situa o reclamante, comprova a integração do motorista de aplicativo à estrutura organizacional da empresa no tocante à prestação dos serviços, o controle exercido sobre o seu trabalho e demais motoristas da UBER, tudo a confirmar que realmente o autor era seu empregado.
Desta forma, por tudo quanto acima analisado e fundamentado, invocando o princípio da primazia da realidade e os comandos insculpidos no art. 730 do Código Civil Brasileiro c/c nos arts. 2º, 3º, 6º e 9º da CLT, declaro por sentença a nulidade do contrato de adesão de "parceria mercantil' proposto pela UBER ao reclamante, fls. 183/199; reconheço e declaro por sentença que a empresa reclamada presta serviços de transporte de passageiros, cujos clientes são os usuários e beneficiários dos serviços, captados por meio de aplicativo; reconhecendo que o reclamante foi seu empregado no período de 09/12/2016 a 20/09/2017, na função de motorista,estando presentes na relação de trabalho havida entre as partes todos os elementos fático-jurídicos da relação de emprego, a saber: pessoalidade, não-eventualidade, onerosidade, subordinação e alienidade (alheabilidade).
6. VIOLAÇÃO A DIREITOS CONSTITUCIONAIS
Imperativo frisar que, ao reconhecer o vínculo de emprego entre as partes, este Juízo confere máxima efetividade aos comandos constitucionais acerca do trabalho humano, uma vez que, nos incisos III e IV do art. 1º da Carta Magna, estão estampados como fundamentos da República Federativa do Brasil, a "dignidade da pessoa humana" e "os valores sociais do trabalho". O art. 3º, I e III, consagra como objetivos da República "construir uma sociedade livre, justa e solidária" e "erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais", e o art. 4º,II, destaca como princípio republicano a "prevalência dos direitos humanos".
Dispõe ainda o Art. 6º da CF/88 que: "São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição".
Destaca este Juízo que a conduta da empresa UBER, reclamada, em forjar contrato de "parceria mercantil" para camuflar autêntica relação de emprego, viola a Constituição da República, nos dispositivos acima indicados, e mais quanto ao rol de direitos sociais previstos nos seguintes incisos do art. 7º, verbis:
"Art. 7º -"São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;
II - seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário;
III - fundo de garantia do tempo de serviço;
IV - salário mínimo , fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;
V - piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho;
VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;
VII - garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável;
VIII - décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria;
IX - remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;
(...)
XI - participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei;
XII - salário-família para os seus dependentes;
XII - salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei;
XIII - duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;
(...)
XV - repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;
XVI - remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinquenta por cento à do normal;
XVII - gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;
XVIII - licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias;
XIX - licença-paternidade, nos termos fixados em lei;
XX - proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei;
XXI - aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei;
XXII - redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança;
(...)
XXIV - aposentadoria;
(...)
XXVI - reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho;
XXVII - proteção em face da automação, na forma da lei;
XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa; (...)".
A falta de registro do vínculo empregatício deixa o trabalhador totalmente à margem do arcabouço protetivo previsto da Constituição Federal, conforme disposto em cada inciso acima transcrito.
A subjetividade é agredida na medida em que se desvelam as características da precarização do trabalho destes profissionais, pois não há reconhecimento do vínculo de emprego, estabelecimento de ganho mínimo (salário mínimo), proteção contra acidentes de trabalho ou afastamentos por doenças ou problemas no veículo, ocorrendo prática de altas jornadas de trabalho, com o fim de se conseguir melhor ganho. As mulheres enfrentam condições adversas adicionais, em razão do assédio sexual, jornada dupla, insegurança, trânsito pesado, calor, estresse etc.
No contexto contemporâneo dos problemas relacionados ao trabalho como dimensão ontológica do homem, destacamos os questionamentos trazidos por RICARDO ANTUNES, que diz: "Em outras palavras, em plena era da informatização do trabalho, do mundo maquinal e digital, estamos conhecendo a época da informalização do trabalho, dos terceirizados, precarizados, subcontratados, flexibilizados, trabalhadores em tempo parcial, do ciberproletariado." (ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho?: ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho. 16ª edição. São Paulo, SP: Ed. Cortez, 2015., p. 127).
Não é à toa que o Brasil foi recentemente considerado um dos dez piores países do mundo para os trabalhadores, ao lado de países como Zimbábue, Arábia Saudita, Bangladesh, Filipinas, Guatemala, Cazaquistão, Argélia, Colômbia e Turquia, conforme indica o Índice Global de Direitos, publicação da ITUC Global Rights Index - INTERNATIONAL TRADE UNION CONFEDERATION, divulgado em junho de 2019 na 108ª Conferência Internacional do Trabalho, ligada à ONU (Fonte: Agência Senado - https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/06/24/brasil-esta-entre-os-piores-ises-do-mundo-para-trabalhador-aponta-debate. Verificar também o site da ITUC (https://www.ituc-csi.org/rights-index-2019?lang=en).
No quadro fático analisado, e sendo certo que a presente decisão se assenta em meio à efervecência que a temática da "uberização do trabalho" provoca no meio jurídico e social, no Brasil e no mundo, e tendo este Julgador consciência plena de que a presente ação individual, em que o autor pleiteia o reconhecimento do vínculo de emprego com a UBER, trata de fatos, matéria e questões jurídicas de alta sensibilidade, com repercussão na coletividade, pelo interesse social que comporta, mostra-se pertinente ainda mais algumas linhas sobre o papel do Direito do Trabalho e da Justiça do Trabalho no enfrentamento do tema.
Destaca CHAVES JUNIOR que: "Nessa mesma ordem de ideias, fica fácil perceber que o conceito de subordinação no Direito do Trabalho, por meio do controle algorítmico ou reticular, encontra perfeita tradução jurídica que já não pode mais ser ignorada pela doutrina e pela jurisprudência." (Op. Cit. p. 49).
Trazemos à colação trecho da sentença da lavra do Juiz MÁRCIO TOLEDO GONÇALVES, verbis: "Portanto, devemos estar atentos à atualidade do Direito do Trabalho, esta estrutura normativa que nasceu da necessidade social de regulação dos processos capitalistas de extração de valor do trabalho alienado. Qualquer processo econômico que possua, em sua essência material, extração e apropriação do labor que produz mercadorias e serviços atrairá a aplicação deste conjunto normativo, sob risco de, em não o fazendo, precipitar-se em retrocesso civilizatório. (...). Entretanto, é essencial perceber que, ao longo de todo esse processo de evolução tecnológica do capitalismo, uma ontologia tem permanecido, qual seja, a existência de um modo de extração de valor trabalho da força de trabalho. É neste contexto que devemos perceber o papel histórico do Direito do Trabalho como um conjunto de normas construtoras de uma mediação no âmbito do capitalismo e que tem como objetivo constituir uma regulação do mercado de trabalho de forma a preservar um 'patamar civilizatório mínimo' por meio da aplicação de princípios, direitos fundamentais e estruturas normativas que visam manter a dignidade do trabalhador." (RTOrd 0011359-34.2016.5.03.0112 - 33ª VT Belo Horizonte-TRT-3).
Percebe-se que a evolução da tecnologia e o surgimento de novas formas de trabalho, a exemplo do que ocorre com os motoristas de transporte por aplicativos, motoqueiros e ciclistas-entregadores, introduzem novos fatos e valores no mundo do trabalho, exigindo nova postura dos operadores do direito e intérpretes da lei e da Constituição da República. O modelo tradicional de disciplina no trabalho está sendo substituído por um modelo de controle ostensivo por meios informatizados e telemáticos, com novas formas de "comando", "controle" e "fiscalização" (art. 6º da CLT), o que impõe novas posturas hermenêuticas.
A jurisprudência pátria se divide neste momento, destacando-se ainda as seguintes decisões favoráveis aos trabalhadores, verbis:
"Ante o exposto, ACORDAM os Magistrados da 15.ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2.ª Região em: por maioria de votos, DAR PROVIMENTO PARCIAL ao recurso ordinário do demandante para, JULGANDO PROCEDENTE EM PARTE a ação trabalhista, declarar o vínculo de emprego entre o demandante e UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. pelo período de 14/07/2015 a 14/06/2016 e para condenar as demandadas, solidariamente, UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA., UBER INTERNATIONAL HOLDING BV e UBER INTERNATIONAL BV, no pagamento de aviso prévio indenizado (30 dias); décimo terceiro proporcional de 2016 (6/12) e de 2017 (6/12), férias proporcionais (11/12) acrescidas de 1/3, FGTS, com a indenização de 40%, e multa do artigo 477 da CLT. Determina-se a expedição de ofício ao INSS, DRT, MPT e CEF. Em cumprimento aos termos do § 3º do artigo 832 da CLT, definir a natureza salarial dos títulos condenatórios, com exceção de férias indenizadas, aviso prévio e FGTS com 40%. Juros, correção monetária e recolhimentos fiscais e previdenciários. Tudo nos termos da motivação. Custas em reversão, a cargo das demandadas, no valor de R$ 300,00, calculadas sobre o valor da condenação, ora arbitrado em R$ 15.000,00. Vencida a Desembargadora Magda Aparecida Kersul de Brito: mantém a sentença que não reconheceu o vínculo. Se vencida, não aplica o IPCA-e." (TRT-2ª Região - Processo nº 1000123-89.2017.5.02.0038).
"É preciso registrar, nesse passo, que a relação existente entre as demandadas e os motoristas que lhes servem não se caracteriza pelo modelo clássico de subordinação e de que, assim, a depender do caso concreto sob exame, poderá não haver a configuração do vínculo de emprego, especialmente nos casos em que a prestação de serviços se revelar efetivamente eventual. Por isso, o exame das demandas judiciais que envolvem os novos modelos de organização do trabalho deve se dar à luz das novas concepções do chamado trabalho subordinado ou parasubordinado, especialmente considerando o avanço da tecnologia. Aliás, a alteração introduzida pela Lei 12. 551/2011 no art. 6.º da CLT, é expressiva na direção ora apontada. De acordo com o parágrafo único "Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalhado alheio." (TRT-2ª Região - Processo nº 1000123-89.2017.5.02.0038).
7. O DIREITO COMPARADO
A decisão deste Juízo está em sintonia com o tratamento dado ao tema pelas Cortes de Justiça internacionais.
Estados Unidos:
"A California Labor Comission Appeal, da Corte Superior da Califórnia, no condado de São Francisco, analisou o processo nº CGC-15-546378, envolvendo, de um lado, a motorista por aplicativos de transporte de passageiros Barbara Berwick e, de outro, as empresas Uber Technologies, Inc. e A. Dalaware Corporation. (...)
Nas razões de decidir, foram refutados os argumentos trazidos pelos réus de que realizam um pequeno controle sobre as atividades da requerente. Para tanto, foi apontado na decisão judicial que o precedente G. Borello & Sons, Inc. v Dept. of Industrial Relations (1989) 48 Cal. 3d341 não exige o completo controle da atividade do trabalhador para caracterizar a existência da relação de emprego. A Corte de Apelação declinou, ainda, que os réus mantinham o controle da atividade, ao apresentar os clientes aos motoristas disponíveis e que caberia aos demandados o ônus de demonstrar por meio de provas a condição de trabalhador autônomo da parte autora. No que tange ao controle da performance do trabalhador, foi pontuado que a avaliação do trabalhador em níveis inferiores a 4,6 implicaria a exclusão do aplicativo.
Em relação aos meios de produção, a decisão norte-americana pontuou que o fato do veículo utilizado na atividade ser de propriedade do trabalhador é um fator menos relevante para a configuração ou não da relação de emprego. Na realidade, restou destacado que o bem de produção mais importante é o próprio aplicativo, sem o qual a autora da ação não poderia realizar a prestação de serviços. No que diz respeito ainda às ferramentas de trabalho, a Corte de Apelação pontuou no julgamento que os réus realizavam o seu controle, ao exigirem que os motoristas façam o registro de seus veículos na plataforma, e que esses automóveis não podem possuir mais de dez anos de fabricação. (...) .
A decisão norte-americana apontou, sobre o sistema remuneratório, que o motorista recebe o valor do serviço diretamente da empresa de aplicativo. O cálculo do valor da viagem é determinado unilateralmente pela UBER, sem que o trabalhador possa discutir o valor cobrado pela plataforma ao passageiro. Destacou, ainda, sobre a remuneração variável, que a plataforma tecnológica desencoraja os motoristas a solicitarem o pagamento de gorjetas, pois isso ia contra as estratégias de publicidade e marketing dos demandados.
O mérito da decisão norte-americana foi no sentido de reconhecer a existência da relação de emprego entre Barbara Berwick e a empresa UBER. As demandadas foram condenadas ao pagamento de reembolso de despesas incorridas pela autora, bem como dos juros." (FAUSTO GAIA, Op. Cit. p. 249-253).
Lei californiana - Vale ressaltar que no mês de setembro de 2019 o poder legislativo da California, nos Estados Unidos, aprovou um projeto de lei (AB5) que regulamenta a atividade de trabalhadores de aplicativos, dentre os quais os motoristas de transporte de passageiros, com intervenção direta no que se convencionou chamar de economia de bicos (gig economy). Os motoristas passarão a ter benefícios como seguro-desemprego, plano de saúde e salário mínimo, dentre outros.
Inglaterra:
"O Tribunal do Trabalho da cidade de Londres realizou, em outubro de 2016, o julgamento do processo nº 220255/2015, em que litigavam, do lado dos requerentes, os senhores Y. Aslam, J. Farrar e outros motoristas, e, no lado dos requeridos, compunham o polo passivo as empresas Uber B. V, Uber London Ltd e Uber Britannia Ltd. Na ação judicial, foi discutida a condição jurídica dos trabalhadores que prestam serviços de transporte de passageiros, por intermédio da plataforma tecnológica UBER. O cerne da questão trazida ao órgão judicial britânico é analisar se a relação havida entre os motoristas e a UBER é enquadrada na categoria de self-drivers, ou seja, de trabalho autônomo, ou dependent work relationship, ou seja, de relação de trabalho dependente.
A Corte Trabalhista da cidade de Londres reconheceu que as características presentes na dinâmica interna da relação havida entre os motoristas e os detentores do aplicativo de transporte de passageiros configuravam verdadeira relação de trabalho dependente." (FAUSO GAIA, Op. Cit. p. 254).
União Europeia:
"O Tribunal de Justiça da União Europeia julgou, em 20 de dezembro de 2017, um incidente levantado pelo Tribunal de Comércio nº 3, de Barcelona, Espanha, nos autos do processo nº C-434/2015, em que são litigantes a Associación Professional Elite Taxi e a empresa UBER Systems Spain. (...).
O incidente trazido a julgamento pelo Tribunal de Justiça da União Europeia foi admitido. No mérito, foi destacado pelo órgão judicante que o serviço prestado pela empresa UBER não se limita a fazer a mera intermediação, por meio de smartphones, entre motoristas não profissionais e clientes. Reconheceu que a empresa UBER cria, na realidade, uma oferta de serviços de transporte urbano, que torna acessível ao mercado consumidor por intermédio da plataforma tecnológica.
O Tribunal de Justiça da União Europeia reconheceu, portanto, que a dinâmica da prestação de serviços da UBER, seja selecionando os motoristas para realizar o transporte dos clientes, fixando os valores do serviço a serem prestados, cobrando os clientes após o término das viagens e exercendo o controle sobre a qualidade dos veículos e dos sérvios prestados pelos motoristas, caracteriza a realização de verdadeiro serviço de transporte de passageiros e não um simples "serviço da sociedade da informação", como sustenta a empresa norte-americana." (Id. Ibid, p. 257/260).
Espanha
"Na Espanha, a Inspeção do Trabalho na Catalunha, depois de sete meses de investigação, concluiu que os motoristas da empresa Uber trabalham efetivamente na condição de empregados. O órgão aplicou sanções administrativas à empresa, inclusive porque a conduta caracterizaria evasão das contribuições previdenciárias. O auto de infração considerou que "a relação jurídica que une todos os condutores ao Uber não pode ser classificada como prestação de serviços, mas sim de relação de emprego", pois "os elementos dos pressupostos constitutivos de dependência e ajenidad são próprios do contato de trabalho." O relatório observou também que os motoristas "são parte essencial da atividade de transporte comercial da empresa, sendo que eles carecem de qualquer tipo de organização empresarial." Os auditores, embora reconhecendo que os motoristas desfrutam de liberdade de horário entenderam que os trabalhadores estão sujeitos a um sistema de produtividade fixado por incentivos, que são estabelecidos de acordo com o interesse econômico da Uber." (Empresas de Transporte, plataformas digitais e a relação de emprego: um estudo do trabalho subordinado sob aplicativos. Brasília, DF: Pub. Ministério Público do Trabalho, 2018, p. 50-51).
França
"Sommaire: Le lien de subordination est caractérisé par l'exécution d'un travail sous l'autorité d'un employeur qui a le pouvoir de donner des ordres et des directives, d'en contrôler l'exécution et de sanctionner les manquements de son subordonné. Viole l'article L.8221-6, II du code du travail la cour d'appel qui retient qu'un coursier ne justifie pas d'un contrat de travail le liant à une société utilisant une plate-forme web et une application afin de mettre en relation des restaurateurs partenaires, des clients passant commande de repas par le truchement de la plate-forme et des livreurs à vélo exerçant sous le statut de travailleur indépendant des livraisons de repas, alors qu'il résulte de ses constatations que l'application était dotée d'un système de géo-localisation permettant le suivi en temps réel par la société de la position du coursier et la comptabilisation du nombre total de kilomètres parcourus par celui-ci et que la société disposait d'un pouvoir de sanction à l'égard du coursier." (Arrêt n°1737 du 28 novembre 2018 (17-20.079) - Cour de cassation - Chambre Sociale de Cassation. Fonte: https://www.courdecassation.fr/jurisprudence_2/chambre_sociale_576/1737_28_40778.html).
"Resumo/Ementa: O vínculo de subordinação é caracterizado pela execução de um trabalho sob autoridade de um empregador que tem o poder de dar ordens e diretrizes para controlar a execuçãoe punir as falhas de seu subordinado. Viola o artigo L.8221-6,II do código do trabalho a corte de apelação que sustenta que um mensageiro/entregador não justifica um contrato de trabalho, vinculando-o a uma empresa pelo uso de uma plataforma web e um aplicativo para conectar restaurantes parceiros, os clientes que encomendam refeições através da plataforma, e dos entregadores com o uso de bicicletas, sob o status de trabalhador por conta própria de entrega de refeições, considerando que resulta das suas constatações que o aplicativo era dotado de um sistema de geolocalização, permitindo rastreamento em tempo real para a empresa da posição do mensageiro/entregador e a contagem do número total de quilômetros percorridos por aquele, e que a empresa dispunha de um poder de sanção em relação ao mensageiro/entregador." (Tradução livre do Julgador/9ª VT/Fort).
O Brasil, diante do desemprego estrutural instalado, e de toda a onda de precarização nas relações de trabalho que enfrenta nos últimos anos, contando atualmente com milhões de brasileiros vinculados ao trabalho por aplicativos, não pode seguir na contramão deste movimento jurídico-legislativo internacional que se impõe no enfretamento destas novas realidades do mundo do trabalho.
8. DEMAIS PEDIDOS E REQUERIMENTOS DAS PARTES
8.1 Salário - O reclamante alega que ganhava R$ 4.000,00 por mês, o que não se comprova nos autos. A reclamada, por sua vez, junta aos autos, de forma incompleta, com relação ao período, documentos que demonstram o repasse de valores, fls. 206 e 173/182. Assim, fixo por sentença a média salarial do autor no valor de R$ 2.000,00, durante todo o período laborado.
8.2 Encerramento do contrato de trabalho
Alega a reclamada na defesa, fls. 149/150, que o descredenciamento do autor se deu por descumprimento de regras contratuais, aduzindo que: "Por outro lado, na remota hipótese de se considerar existente o vínculo de emprego entre as partes, inviável se afigura o reconhecimento de suposta dispensa imotivada do autor, já que eventual desvinculação junto ao aplicativo UBER decorreu de descumprimento contratual (excesso de relatos críticos por parte dos usuários): Como se percebe nos relatos acima, as ocorrências iniciaram em março de 2017 e perduraram até a desativação do seu cadastro junto à plataforma. O que é pior, são situações que não apenas deixavam os seus clientes expostos à falta de segurança como com a nítida sensação de assédio". Pugna, portanto, a demandada, pelo reconhecimento de justa causa por indisciplina ou mau procedimento, nos termos do art. 482, alínea "b" ou "h", da CLT.
O documento de fl. 75 demonstra e-mail encaminhado ao autor pela empresa, em 13/09/2017, informando do seu descredenciamento em caráter definitivo pelo motivo de "desconformidade com nossas políticas e regras".
À fl. 150 dos autos consta relação de mensagens de usuários avaliando o serviço do reclamante, restando ali registrado que o autor incorreu em condutas inadequadas, referentes a assédio junto às passageiras e condução do veículo de forma a comprometer a segurança dos usuários. Os relatos que constam nas avaliações dos clientes da empresa indicam assédio às passageiras, com palavras e gestos desrespeitosos; condução do veículo em velocidade inadequada; condução do veículo e ao mesmo tempo falando ao celular e proferindo palavrões, tudo a configurar realmente as condutas apontas pela reclamada e que se enquadram no art. 482 da CLT, alíneas "b" ou "h".
Ora, todo o esforço despendido acima por este Juízo para fundamentar e legitimar as novas formas de subordinação levadas a efeito pela empresa com relação ao trabalho do reclamante, conforme preceitua o art. 6º da CLT, se presta a fundamentar que a UBER detinha total poder de fiscalização e controle sobre o reclamante no exercício do seu trabalho, demonstrando a compatibilidade total do sistema adotado pela empresa no tocante à contratação, fiscalização da prestação dos serviços e possibilidade de avaliar e punir o trabalhador em condutas inadequadas ou faltas graves, conforme ora se atesta.
O controle sobre o trabalho do reclamante se dava de forma disruptiva, remoto, digital, telemático, em tempo real, e pelos usuários/clientes da empresa, sendo totalmente válido para comprovar a conduta do trabalhador, seja para bonificá-lo, premiá-lo ou puni-lo.
Ocorre que as mensagens retratadas na fl. 150 dos autos se deram ao longo de vários meses, sem que a reclamada comprove que tenha manifestado qualquer insatisfação quanto ao trabalho do reclamante. Não há comprovação de advertência ou suspensão. Não há sequer comprovação de que o reclamante tenha tomado conhecimento do registro das reclamações feitas contra si pelos usuários dos serviços prestados pela UBER.
Verifico que nem mesmo a comunicação da dispensa, por ocasião do descredenciamento do autor do sistema do aplicativo, fl. 75, indica qual o motivo do desligamento do reclamante do quadro de motoristas da empresa, ficando evidenciado que somente em Juízo, com a apresentação da defesa neste processo, fl. 150, é que a parte autora tomou conhecimento do real motivo da sua dispensa, sendo certo que é direito personalíssimo do trabalhador saber o motivo pelo qual está sendo dispensado, por comunicação expressa do empregador, razão por que deixo de reconhecer a aplicação da justa causa invocada, não obstante reconheça a gravidade das acusações feitas pelos clientes da UBER quanto ao trabalho do reclamante.
8.3 Verbas devidas
Assim, reconheço e declaro por sentença que o encerramento do pacto laboral se deu sem justo motivo, condenando a reclamada a pagar ao autor as seguintes parcelas:
a) Aviso prévio indenizado de 30 dias;
b) Férias proporcionais mais 1/3 (10/12, levando em conta a projeção do aviso prévio);
c) 13º salário proporcional (10/12, levando em conta a projeção do aviso prévio);
d) FGTS de todo o período, com a projeção do aviso prévio, mais multa de 40%;
e) Multa do art. 477 da CLT, pela falta de quitação das verbas rescisórias.
Não há compensação ou dedução de créditos a fazer, o que não foi comprovado pela reclamada.
8.4 Verbas indeferidas
Horas extras - Indefiro o pleito relativo às horas extras, efetivas e de intervalo. Ocorre que, não obstante tenha se reconhecido que a reclamada realizava controle sobre a jornada do trabalhador, no tocante às horas trabalhadas, havendo nos autos, inclusive, os relatórios de viagens, fls. 207/328, a instrução processual confirmou que, na dinâmica do trabalho executado pelo autor, este ganhava por produtividade, no tocante à aceitação das chamadas e viagens realizadas, com a faculdade de se logar de forma intermitente durante o dia, entendendo este Magistrado que este regime de cumprimento de jornada não confere ao trabalhador direito ao pagamento de horas extras com o respectivo adicional.
Seguro-desemprego - Indefiro o pedido relativo ao seguro-desemprego, tendo em vista o curto período de vigência do contrato de trabalho.
Multa do art. 467 da CLT - Indefiro o pleito relativo à multa do art. 467 da CLT, tendo em vista que não há verba incontroversa.
8.5 ANOTAÇÃO DA CTPS - Condeno a reclamada a proceder às anotações na CTPS do obreiro, fazendo constar o período de 09/12/2016 a 20/09/2017, na função de motorista, salário de R$ 2.000,00, conforme acima recohecido. Deverá também emitir ao orgão competente todas as informações exigidas por aquele órgão no tocante ao reconhecimento deste vínculo de emprego, tais como RAIS, CAGED e outras obrigações legais. Deverá cumprir estas obrigações de fazer no prazo de 10 (dez) dias do recebimento de notificação exclusiva para este fim, após o trânsito em julgado desta decisão, sob pena de multa no valor de R$ 5.000,00, em favor do reclamante, conforme autoriza o art. 765 da CLT c/c arts. 536 e 537 do NCPC, justificando-se a multa pelo descaso da empregadora em diligenciar no cumprimento de dever imposto por lei com relação a direito irrenunciável, de ordem pública e interesse social, no tocante ao registro do contrato de trabalho, o que implica também sonegação de impostos e violação do sistema legal de proteção previdenciária, do FGTS e seguro-desemprego, com prejuízos que suplantam a esfera individual, afetando conquistas trabalhistas que o Povo Brasileiro levou décadas para consolidar. DEVERÁ A SECRETARIA DA VARA notificar diretamente o reclamante, via postal ou por oficial de justiça, do direito ao recebimento desta multa em caso de inadimplência da obrigação de fazer, sem prejuízo das notificações expedidas ao seu advogado pelo sistema do DEJT.Na hipótese de falta de cumprimento voluntário destas obrigações pela demandada, impõe-se que as anotações na CTPS sejam efetivadas diretamente pela Secretaria da Vara do Trabalho, na forma em que autoriza o art. 39, § 2º, da CLT, com expedição de ofício ao Ministério do Trabalho, e sem prejuízo da execução da multa acima estipulada em favor do reclamante.
8.6 Honorários Advocatícios - Condeno a reclamada a pagar os honorários advocatícios sucumbenciais no percentual de 15% sobre o valor da condenação, conforme pedido na inicial, ante a indispensabilidade do profissional advogado no acesso à Justiça, nos termos do a rt. 133 da CF/88, art. 20 do CPC c/c Art. 769, da CLT e Lei nº 8.906/94. Não há que se falar em honorários advocatícios de sucumbência em favor da reclamada - "sucumbência recíproca", conforme fundamento no introito desta sentença, no tópico em que se deferiu ao autor a gratuidade judiciária.
8.7 Litigância de má-fé - A reclamada requer a condenação da parte autora em litigância de má-fé, nos termos dos arts. 793-A a 793-D da CLT, acrescidos pela Lei 13.467/2017. Os atos enquadráveis como de litigância de má-fé devem estar presentes de forma ostensiva, evidenciando a busca de vantagem fácil, com ânimo doloso. A instrução processual não demonstrou condutas da parte reclamante que se caracterizassem como de litigância de má-fé. Houve séria, legítima e fundamentada controvérsia acerca das pretensões deduzidas na inicial. O indeferimento de algumas de suas postulações não resultou de atos reputados de má-fé, mas da falta de prova, de amparo legal ou de razoabilidade, conforme disposto na fundamentação. Indevida a imposição de penalidades à(ao) autor(a) da presente ação.
8.8 Publicações - Determino que a Secretaria da Vara proceda às notificações, intimações e publicações em nome dos advogados indicados pelas partes, com procuração ou substabelecimento nos autos, conforme tenham requerido, e com o fim de se evitarem nulidades (Súmula 427 do TST).
III.DISPOSITIVO
Pelo exposto, e por tudo o mais que dos autos consta, julgo PROCEDENTES EM PARTE os pedidos desta ação formulados por ALEXANDRE ANDRADE DE SOUSA (Reclamante) contra UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA(Reclamada), para: 1) Declarar por sentença a nulidade do contrato de adesão de "parceria mercantil" proposto pela UBER ao reclamante, fls. 183/199; 2) Reconhecer e declarar por sentença que a empresa reclamada presta serviços de transporte de passageiros, cujos clientes são os usuários e beneficiários dos serviços, captados por meio de aplicativo; 3) Reconhecer que o reclamante foi seu empregado no período de 09/12/2016 a 20/09/2017, na função de motorista, salário de R$ 2.000,00, estando presentes na relação de trabalho havida entre as partes todos os elementos fático-jurídicos da relação de emprego, a saber: pessoalidade, não-eventualidade, onerosidade, subordinação e alienidade (alheabilidade), com dispensa sem justa causa e sem aviso prévio; 4) Condenar, por consequência, a reclamada a pagar ao reclamante, no prazo de 10 dias do trânsito em julgado desta sentença, as seguintes parcelas deferidas na fundamentação supra, que passa a ser parte integrante deste decisum, com juros legais e correção monetária, a saber:
a) Aviso prévio indenizado de 30 dias;
b) Férias proporcionais mais 1/3 (10/12, levando em conta a projeção do aviso prévio);
c) 13º salário proporcional (10/12, levando em conta a projeção do aviso prévio);
d) FGTS de todo o período, com a projeção do aviso prévio, mais multa de 40%;
e) Multa do art. 477 da CLT, pela falta de quitação das verbas rescisórias.
f) Honorários advocatícios de 15% sobre o valor da condenação.
A obrigação de fazer no tocante à anotação da CTPS deverá ser cumprida nos termos da fundamentacao.
Liquidação por simples cálculos - Remeta-se ao setor de cálculos do Juízo para liquidação, após o trânsito em julgado.
INSS - Em observância ao disposto no art. 832, § 3º, da CLT, declaro que todas as parcelas deferidas têm natureza salarial, exceto quanto ao aviso prévio, férias, FGTS e multas legais, que detém natureza indenizatória. É do empregador a responsabilidade pelo recolhimento das contribuições previdenciárias, cujo critério de apuração encontra-se disciplinado no art. 276, §4º, do Decreto n º 3.048/1999, que regulamentou a Lei nº 8.212/1991, e determina que a contribuição do empregado, no caso de ações trabalhistas, seja calculada mês a mês, aplicando-se as alíquotas previstas no art. 198 da CF/88, observado o limite máximo do salário de contribuição (Súmula 368 e OJ 363 do C. TST).
O imposto de renda, se devido, deverá ser calculado mês a mês, visto que recentemente a Secretaria da Receita Federal do Brasil expediu a Instrução Normativa n. 1.127, de 07/02/2011, determinando que, sobre os rendimentos recebidos acumuladamente decorrentes de decisões emanadas da Justiça do Trabalho, a base de cálculo do imposto de renda devido observará o regime de competência, ou seja, a quantificação obedecerá aos critérios de época própria, ressaltando-se que esse tratamento foi reconhecido por meio da Medida Provisória n. 497/2010, convertida na Lei n. 12.350/2010. Não há incidência de imposto de renda sobre juros de mora. É do empregador a responsabilidade pelo recolhimento das contribuições fiscais, devendo ser calculadas, em relação à incidência dos descontos fiscais, mês a mês, nos termos do art. 12-A da Lei nº 7.713, de 22/12/1988, permitindo-se a dedução do crédito da reclamante, conforme a Lei 8.541/92, art. 46 e o Provimento 01/96 da Corregedoria do TST, devendo ser comprovados nos autos, sob pena de oficiar-se ao órgão competente (OJ 363 do C. TST) .
Juros de Mora- Juros de mora na forma da Lei 8.177/91, 1,0% ao mês, de forma simples, proratadie, contados do ajuizamento da presente reclamatória (Súmula 200 do TST). Saliento que os Juros de mora não compõem a base de cálculo do imposto de renda ante a sua natureza indenizatória (art. 404 do Código Civil).
Correção Monetária - Correção monetária a partir do mês subseqüente ao da prestação dos serviços, nos termos da CLT, art. 459, parágrafo único e Súmula 381 do TST, inclusive quanto ao FGTS.
Dê-se ciência também aos litigantes:A) acerca das previsões contidas nos artigos 79, 80,V, VI e VII, e art. 1026, §§ 2º e 3º, do NCPC no que diz respeito ao não cabimento de Embargos de Declaração, inclusive com o fim de rever fatos, provas e o revolvimento da própria sentença, provocando o retardamento da prestação jurisdicional efetiva; B) A juntada de documentos no atual momento processual ficará restrito às hipóteses legais estabelecidas no artigo 765 da CLT e artigo 435 do NCPC, assim como na jurisprudência consolidada na Súmula nº 8 do C. TST, e C) é inválido o instrumento de mandato firmado em nome de pessoa jurídica que não contenha, pelo menos, o nome da entidade outorgante e do signatário da procuração, pois estes dados constituem elementos que os individualizam (Súmula nº 456 do C. TST).
Custas pela reclamada, no valor de R$ 400,00, calculadas sobre R$ 20.000,00, valor provisoriamente arbitrado à condenação.
Intimem-se as partes. Publique-se. Cumpra-se.
Fortaleza, 16 de Outubro de 2019
RAIMUNDO DIAS DE OLIVEIRA NETO
Juiz do Trabalho Substituto
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