RELAÇÃO DE EMPREGO Motorista em aplicativo

Data da publicação:

Acordão - TRT

Juliana Vignoli Cordeiro - TRT/MG



Reconhecer o vínculo de emprego havido entre as partes no período de 01.04.2017 a 09.07.2017, função motorista,



PROCESSO nº 0010140-79.2022.5.03.0110 (RORSum)

RECORRENTE: WENDELL JUNIO RICARDO

RECORRIDA: CABIFY AGENCIA DE SERVICOS DE TRANSPORTE DE PASSAGEIROS LTDA.

RELATORA: DES. JULIANA VIGNOLI CORDEIRO

RELATÓRIO

Dispensado o relatório, nos termos do artigo 852-I, "caput", da CLT.

FUNDAMENTAÇÃO

Com amparo na Súmula 422 do TST, rejeito a retórica preliminar de ausência de dialeticidade suscitada pela ré em contrarrazões e conheço do recurso ordinário interposto por WENDELL JUNIO RICARDO (Id 800e38b, fl. 569), visto que tempestivo e regular a representação processual (Id 39a0cbd).

Isento do preparo, conforme sentença.

Conheço, também, das contrarrazões da ré, porquanto ofertadas a tempo e modo.

MÉRITO

MOTORISTA DA CABIFY - EMPRESA DE APLICATIVO - RELAÇÃO JURÍDICA

O Juízo de primeiro grau julgou improcedente o pedido do autor de reconhecimento do vínculo empregatício, sob os seguintes fundamentos:

 [...]

Assim, pelo que até aqui exposto, entende-se que houve entre as partes a prestação de serviços por pessoa física, com pessoalidade, não eventualidade e onerosidade.

Contudo, sob a ótica deste juízo, faltou à relação estabelecida entre as partes o requisito da subordinação, sem o qual não se pode reconhecer o pretendido vínculo de emprego.

A prova produzida demonstrou que era o próprio autor quem decidia a forma de sua atuação, escolhendo os dias e horários em que iria trabalhar, sem qualquer ingerência da ré, não havendo fiscalização quanto ao cumprimento de jornada de trabalho (cf. atas juntadas como prova emprestada, às p. 471/474 e p. 497/500).

Ficou comprovado, ainda, que os motoristas poderiam utilizar ao mesmo tempo mais de um aplicativo para a intermediação de corridas, inclusive de suas concorrentes, sem que a ré tivesse qualquer interferência na escolha da plataforma digital utilizada para a captação de clientes (00:01:32, da ata do dia 24/03/22).

Embora se saiba que a exclusividade não é requisito da relação de emprego, a prestação concomitante de serviços por um trabalhador a empresas concorrentes se trata de condição incompatível com a manutenção de um vínculo de emprego, tanto é que prevista na legislação como justa causa para a rescisão do contrato de trabalho, nos termos do art. 482, "c", da CLT.

Em caso de recusa de corridas que lhe eram oferecidas pela empresa reclamada, não há provas de que o autor sofresse alguma punição por esse fato.

Apesar de a ré conceder bonificações para os motoristas que recusassem um menor número de chamadas ou que se dispusessem a trabalhar em horários considerados de maior movimento, essas cláusulas contratuais se tratavam apenas de incentivos para que o motorista utilizasse o seu aplicativo, em detrimento de outros disponíveis no mercado, permitindo à empresa disponibilizar veículos em número compatível com a demanda prevista.

O autor não era obrigado a trabalhar nesses horários ou a não recusar chamadas. Pelo contrário, isso ocorria apenas se ele quisesse receber as bonificações ofertadas pela ré. Se optasse por não trabalhar nos horários de maior movimento, receberia apenas a valor básico das corridas, sem qualquer acréscimo.

Cumpre esclarecer que o padrão de prestação de serviços determinado pela reclamada, como a utilização de veículos com até cinco anos de uso, a utilização de determinado tipo de roupas pelo motorista ou a forma com que o motorista se comunicava com o passageiro, não é suficiente para a configuração da subordinação própria da relação de emprego. Trata-se apenas de uma padronização elaborada pela reclamada, que todos seguiam com o objetivo de conquistar um maior número possível de clientes.

Pelos motivos já expostos, irrelevantes se mostram as medidas adotadas pela ré para enfrentamento da Covid-19, inclusive com eventual pagamento de auxílio financeiro, eis que tal fato não é pressuposto do vínculo de emprego, mas apenas revela uma abordagem social que a empresa acatou para minorar os impactos da pandemia, sendo um plus utilizado pela ré para atrair um maior número de motoristas nesse período.

Por essas razões, ausente o requisito da subordinação jurídica no vínculo estabelecido entre as partes, não se reconhece a pretendida relação de emprego, julgando-se improcedentes todos os pedidos daí decorrentes.

Ausentes os pressupostos dispostos nos artigos 2º e 3º da CLT, fica prejudicada a análise da prescrição bienal suscitada pela reclamada, à p. 355.

Contrapõe o autor conforme extensa argumentação, Id 800e38b (fl. 570).

 Pois bem.

 A aferição sobre a existência de vínculo de emprego na relação jurídica travada entre os litigantes é tema instigante (e complexo), que exige a averiguação de quatro elementos simultaneamente indispensáveis para a configuração da relação de emprego: a) pessoalidade; b) onerosidade; c) permanência ou não eventualidade; d) subordinação.

Tendo em vista a facilidade de utilização, comodidade e competitividade de preços, a utilização destas ferramentas digitais tem se tornado cada vez mais populares, em que o aplicativo possibilita e dinamiza a interação entre as pessoas interessadas no oferecimento de determinado serviço, quebrando diversos paradigmas não apenas nas relações de consumo, mas também no tocante às relações de trabalho.

A subordinação é a pedra de toque para diferenciar a relação empregatícia de outras formas de prestação de serviços. Todavia, o conceito clássico e tradicional da subordinação não mais se sustenta hodiernamente diante do desenvolvimento industrial e tecnológico e da evolução das práticas de negócios, como o caso em análise.

Conclui-se que, havendo interferência do tomador dos serviços no processo laboral, ou seja, na forma da concretização do trabalho prestado, verifica-se presente o elemento subordinação, restando configurado o vínculo de emprego.

Nesse ponto, esclareço que, a meu ver, a relação havida entre a Cabify Agência de Serviços de Transporte de Passageiros (e empresas de aplicativos afins) e os motoristas cadastrados realmente se caracteriza uma tentativa de burla à Lei Trabalhista.

 E entendo que a subordinação se fez presente na espécie.

 A autonomia do autor, conforme prova oral, é apenas aparente, visto que o motorista parceiro está sujeito ao cumprimento de regras, sob pena de ser suspenso ou descadastrado do aplicativo, conforme documentos de Id bf66aed (fl. 457) e Id 4b2c4b6 (fl. 459): exigência de carro com no máximo 5 anos de fabricação; ingerência direta na fixação do valor a ser pago pelo serviço prestado ao cliente, com fixação e alteração unilateral dos valores pela ré; estipulação de desempenho pessoal com possibilidade de avaliação pelos usuários.

O cliente não se dirige diretamente ao motorista, mas entra em contato com a ré, que, por sua vez, faz contato com os motoristas credenciados, oferecendo-lhes a prestação do serviço de transporte, pelo preço por ela própria estipulado

Não vinga a tese de que o motorista poderia ficar ilimitadamente desconectado do aplicativo, ou que poderia recusar solicitações de modo ilimitado, porquanto a prática não condiz com a necessidade empresarial, inviabilizando a própria atividade.

Fica bastante evidente que a ré exerce seu poder regulamentar ao impor inúmeros regramentos que, se desrespeitados, podem ocasionar, inclusive, a perda do acesso ao aplicativo.

O controle destas regras e dos padrões de atendimento durante a prestação de serviços ocorre por meio das avaliações em forma de notas e das reclamações feitas pelos consumidores do serviço (cláusula quinta, Id 4b2c4b6, pág. 4, fl. 462).

Não se pode deixar de registrar também que a ré exerce o controle dos motoristas pela multidão de usuários, controle esse muito mais sutil, eficaz e repressor, realizado por todos e por ninguém.

Como já salientado, a ré concentrava em seu poder a política de pagamento do serviço prestado, seja em relação ao preço cobrado aos usuários por quilometragem rodada e tempo de viagem, seja quanto às formas de pagamento ou às promoções e descontos para usuários, não sendo dada ao motorista a possibilidade de gerência do negócio.

Em suma, o motorista trabalha controlado pela empresa/plataforma, pelo próprio aplicativo, instrumento essencial para a prestação dos serviços.

A ré se apresenta como uma empresa de tecnologia, mas, na verdade, atua objetivamente como uma empresa de transportes.

Veja-se que Cabify utiliza os motoristas previamente cadastrados para desenvolver a sua atividade econômica, que é a prestação de serviços de transporte de passageiros.

Isso porque (é relevante destacar) que os seus ganhos não decorrem do acesso ao aplicativo, mas dos serviços efetivamente prestados (o transporte de passageiros).

Não se pode negar que esta tecnologia trouxe benefícios para os consumidores, todavia, é inadmissível que ocorra em detrimento das condições dos trabalhadores.

Com efeito, mesmo sob a versão clássica, a subordinação se fez presente, visto que o motorista estava submisso a ordens sobre o modo de desenvolver a prestação de serviços.

Assim, havendo interferência do tomador dos serviços no processo laboral, ou seja, na forma da concretização do trabalho prestado, verifica-se presente o elemento subordinação, restando configurado o vínculo de emprego.

E sob o ponto de vista da subordinação objetiva e estrutural, a relação de emprego se fez presente, visto que o motorista presta serviço indispensável aos fins da atividade empresarial

Ainda que se admita que a região é nebulosa, a chamada zona grise, a atração da relação jurídica realiza-se para dentro da ordem jurídica trabalhista (e não para o Código Civil que pouco dignifica o trabalho humano), como forma de alcançar vários trabalhadores que permanecem excluídos da proteção do Direito do Trabalho.

O princípio da livre iniciativa não autoriza a fraude nas relações de trabalho, mas deve respeitar o valor social do trabalho e a dignidade da pessoa humana do trabalhador (artigo 1º, III e IV, da CF).

Vem a calhar a decisão proferida pelo Exmo. Juiz do Trabalho Márcio Toledo Gonçalves, nos autos do Processo 0011359-34.2016.5.03.0112, movido em face da Uber do Brasil Tecnologia Ltda., empresa que também atua nos mesmos moldes da Cabify, que ora peço licença para replicar:

"Antes, prefacialmente, cabe a indagação: afinal, quais são os fins normais da reclamada? Trata-se de uma empresa de tecnologia que apenas faz a interface entre pessoas ou uma moderna empresa de transporte de passageiros?

Essa reflexão deve ser orientada, novamente, pelo Princípio da primazia da realidade sobre a forma, segundo o qual "em caso de discordância entre o que

ocorre na prática e o que emerge de documentos ou acordos, deve-se dar preferência ao primeiro, isto é, ao que sucede no terreno dos fatos" (Américo Plá Rodriguez - Princípios do Direito do Trabalho).

Assim é que, embora os documentos em que constam o cadastro nacional depessoa jurídica (id dbd1ace) e o contrato social (id 8cf0bcd) confirmem a tese da defesa no sentido de que a reclamada é empresa que explora plataforma tecnológica, não é essa a conclusão a que se chega ao se examinar, de forma acurada, a dinâmica dos serviços prestados.

Vejamos.

A doutrina define o contrato de transporte de pessoas da seguinte maneira: "(...) é o negócio por meio do qual uma parte - o transportador - se obriga, mediante retribuição, a transportar outrem, o transportado ou passageiro, e sua bagagem, de um lugar para outro." (GUIMARÃES, Paulo Jorge Scartezzini. Dos contratos de hospedagem, de transporte de passageiros e de turismo.São Paulo: Saraiva, 2007 p.84-8).

Note-se que esse é exatamente o contrato firmado entre o usuário e a demandada quando uma viagem é solicitada no aplicativo. A reclamada define o preço a ser cobrado e escolhe unilateralmente o condutor responsável e o veículo a ser utilizado, sendo, por conseguinte, a fornecedora do serviço de transporte.

Tanto é que já há julgados responsabilizando a empresa por vícios na prestação de serviços decorrentes de erros do motorista na condução do veículo, podendo ser citado à guisa de exemplo o processo 0801635-32.2016.8.10.0013 tramitado no 8º Juizado Especial Cível e das Relações de Consumo de São Luís/MA. Não poderia ser diferente diante da nítida relação de consumo entre ela e os usuários do aplicativo".

Nesse contexto, não é possível também acolher a tese no sentido de que o sistema gerenciado pela ré trata-se de modelo de economia compartilhada.

 Passo à análise dos outros elementos fático-jurídicos da relação de emprego:

1) PESSOALIDADE: Os elementos dos autos revelam a necessidade de prévio cadastro pessoal do motorista, o que demonstra o caráter intuitu personae da relação jurídica (Id bf66aed, fl. 457).

2) ONEROSIDADE: E incontroversa. A ré ditava as regras do jogo em relação ao preço cobrado, retendo o seu percentual e repassando o restante aos motoristas (cláusula sexta, Id 4b2c4b6, pág. 5, fl. 463). A propósito, pouco importa que o ganho do motorista não fosse custeado diretamente pela ré, porquanto é plenamente possível o trabalhador receber remuneração paga por terceiros.

Também não impressiona o fato de ser reservado ao motorista a maior parte dos valores pagos pelos clientes, visto que ele arcava com as despesas de manutenção do veículo.

3) NÃO EVENTUALIDADE: Os motoristas cadastrados atendem à demanda intermitente pelos serviços de transporte. Além disso, a presença deste elemento fático-jurídico na relação jurídica travada entre as partes fica ainda mais evidente sob o prisma da teoria dos fins do empreendimento que consagra não ser eventual o trabalhador chamado a desenvolver seus misteres para os fins normais da empresa (Godinho).

Arrematando, friso que a exclusividade não se insere entre os requisitos do artigo 3º da CLT.

Não muda o panorama dos autos a propalada ausência de controle da jornada, visto que os empregados que exerçam atividade externa também podem não ter a jornada controlada, o que não afasta o vínculo empregatício.

Some-se a isso o fato de que o parágrafo único do artigo 6º da CLT equipara os meios telemáticos e informatizados de supervisão aos meios pessoais e diretos de comando: "

Art. 6º. Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego.

Parágrafo único. Os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio".

O fato de o autor ser o proprietário do veículo não muda o rumo dos autos. O instrumento mais importante não é o veículo, mas, sim, a plataforma digital, na medida em que é ela que aproxima o motorista do consumidor e, portanto, torna possível a prestação dos serviços.

Presentes todos os elementos fático-jurídicos da relação de emprego, com redobrada vênia aos entendimentos em sentido contrário, reconheço o vínculo de emprego havido entre as partes no período de 01.04.2017 a 09.07.2017, função motorista, conforme "histórico de viagem" de Id 0e59f60, fl. 422.

Embora o autor tenha vindicado o vínculo no período de 02.12.2016 a 02.06.2021, a ré contestou fundamentalmente a pretensão, no particular (contestação Id 18fc6da - pág. 44, fl. 396).

O autor não impugnou o "histórico de viagem" sob o prisma da data de duração do pacto laboral (ata de Id 5e61b68, fl. 542).

A iniciativa de ruptura do pacto laboral foi da ré, sem justa causa. O princípio da continuidade da relação de emprego constitui presunção favorável ao empregado (Súmula 212 do TST).

Nesse contexto é da ré o ônus da prova da ruptura contratual por parte e iniciativa do empregado ou por justa causa.

Em conclusão, a ré deverá anotar o contrato de trabalho na CTPS do autor, fazendo contar admissão em 01.04.2017 e baixa em 09.07.2017, salário médio a ser reconhecido após apurado em liquidação de sentença, conforme documentos constantes dos autos e mencionados em articulados anteriores (garantido o mínimo legal), função motorista, fazendo constar contrato intermitente (petição inicial, Id e5fcdd9, pág. 2, fl. 3).

A obrigação supra deverá se cumprida no prazo máximo de 8 dias após intimação específica, sob pena de multa diária de R$ 100,00 (cem reais), até o limite de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). O não cumprimento pela ré ensejará que a anotação da CTPS seja feita pela Secretaria da Vara, independentemente da execução da multa fixada e expedição de ofício à Gerência Regional do Ministério do Trabalho e Emprego para aplicação da penalidade administrativa.

Condeno a ré a pagar ao autor, observados os limites da inicial e do contrato intermitente: aviso prévio de 30 dias, 13º salário proporcional de 2017 (3/12); férias + 1/3 do período aquisitivo 2017/2018 (3/12); multa do artigo 477, § 8º, da CLT e FGTS + 40% sobre as parcelas ora deferidas passíveis de incidência e de toda a contratualidade, a ser depositado em conta vinculada (artigo 26-A da Lei 8.036/1990, com a redação dada pela Lei 13.932/2019).

Devida a multa do art. 477 da CLT, conforme entendimento consubstanciado na Súmula 462 do TST.

Pelo contrato de trabalho intermitente, algumas verbas deveriam ser pagas ao final de cada período de labor (art. 452-A, §6º, da CLT), o que de fato não foi, devendo o pagamento ocorrer com a rescisão aqui reconhecida.

Registro que o autor não devolveu a matéria relativa ao dano moral.

Recurso parcialmente provido nesses termos.

HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA

Invertidos os ônus de sucumbência, honorários advocatícios a favor dos advogados do autor, no montante de 5% sobre o valor que resultar da liquidação de sentença. O percentual ora arbitrado atende aos parâmetros do artigo 791-A, § 2º, da CLT, sobretudo o trabalho realizado.

JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA - RECOLHIMENTOS FISCAIS E PREVIDENCIÁRIOS 

Atualização monetária e juros na forma das Súmulas 200 e 381 do TST e Lei 8.177/1991. Recolhimentos fiscais e previdenciários conforme a legislação de regência, especialmente o teor da IN 1.500/2014 da RFB, Súmula 368 do TST e Súmula 45 do TRT/3ª Região.

Em razão da repercussão geral reconhecida, a tese jurídica firmada no julgamento da ADC 58 tem aplicação vinculativa e imediata para todo o Poder Judiciário.

Em sessão realizada no dia 18/12/2020, o Tribunal Pleno do e. STF concluiu o julgamento das ADC 58 e 59 e das ADI 5867 e 6021, definindo que "deverão ser aplicados, até que sobrevenha solução legislativa, os mesmos índices de correção monetária e de juros que vigentes para as condenações cíveis em geral, quais sejam a incidência do IPCA-E na fase pré-judicial e, a partir da citação, a incidência da taxa SELIC (art. 406 do Código Civil)".

O Excelso Pretório modulou os efeitos da decisão, nos seguintes termos:

"O Tribunal, por maioria, julgou parcialmente procedente a ação, para conferir interpretação conforme à Constituição ao art. 879, § 7º, e ao art. 899, § 4º, da CLT, na redação dada pela Lei 13.467 de 2017, no sentido de considerar que à atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial e à correção dos depósitos recursais em contas judiciais na Justiça do Trabalho deverão ser aplicados, até que sobrevenha solução legislativa, os mesmos índices de correção monetária e de juros que vigentes para as condenações cíveis em geral, quais sejam a incidência do IPCA-E na fase pré-judicial e, a partir da citação, a incidência da taxa SELIC (art. 406 do Código Civil), nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio. Por fim, por maioria, modulou os efeitos da decisão, ao entendimento de que (i) são reputados válidos e não ensejarão qualquer rediscussão (na ação em curso ou em nova demanda, incluindo ação rescisória) todos os pagamentos realizados utilizando a TR (IPCA-E ou qualquer outro índice), no tempo e modo oportunos (de forma extrajudicial ou judicial, inclusive depósitos judiciais) e os juros de mora de 1% ao mês, assim como devem ser mantidas e executadas as sentenças transitadas em julgado que expressamente adotaram, na sua fundamentação ou no dispositivo, a TR (ou o IPCA-E) e os juros de mora de 1% ao mês; (ii) os processos em curso que estejam sobrestados na fase de conhecimento (independentemente de estarem com ou sem sentença, inclusive na fase recursal) devem ter aplicação, de forma retroativa, da taxa Selic (juros e correção monetária), sob pena de alegação futura de inexigibilidade de título judicial fundado em interpretação contrária ao posicionamento do STF (art. 525, §§ 12 e 14, ou art. 535, §§ 5º e 7º, do CPC) e (iii) igualmente, ao acórdão formalizado pelo Supremo sobre a questão dever-se-á aplicar eficácia erga omnes e efeito vinculante, no sentido de atingir aqueles feitos já transitados em julgado desde que sem qualquer manifestação expressa quanto aos índices de correção monetária e taxa de juros (omissão expressa ou simples consideração de seguir os critérios legais), vencidos os Ministros Alexandre de Moraes e Marco Aurélio, que não modulavam os efeitos da decisão. Impedido o Ministro Luiz Fux (Presidente). Presidiu o julgamento a Ministra Rosa Weber (Vice-Presidente). Plenário, 18.12.2020 (Sessão realizada por videoconferência - Resolução 672/2020/STF)."

O inteiro teor da decisão foi publicado em 07.04.2021, sendo ementada nos seguintes termos:

"EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO DO TRABALHO. AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE E AÇÕES DECLARATÓRIAS DE CONSTITUCIONALIDADE. ÍNDICES DE CORREÇÃO DOS DEPÓSITOS RECURSAIS E DOS DÉBITOS JUDICIAIS NA JUSTIÇA DO TRABALHO. ART. 879, §7º, E ART. 899, §4º,DA CLT, NA REDAÇÃO DADA PELA LEI 13. 467, DE 2017. ART. 39,CAPUT E §1º, DA LEI 8.177 DE 1991. POLÍTICA DE CORREÇÃO MONETÁRIA E TABELAMENTO DE JUROS. INSTITUCIONALIZAÇÃO DA TAXA REFERENCIAL (TR) COMO POLÍTICA DE DESINDEXAÇÃO DA ECONOMIA. TR COMO ÍNDICE DE CORREÇÃO MONETÁRIA. INCONSTITUCIONALIDADE. PRECEDENTES DO STF. APELO AO LEGISLADOR. AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE E AÇÕES DECLARATÓRIAS DE CONSTITUCIONALIDADE JULGADAS PARCIALMENTE PROCEDENTES, PARA CONFERIR INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO AO ART. 879, §7º, E AO ART. 899, §4º, DA CLT, NA REDAÇÃO DADA PELA LEI 13.467, DE 2017. MODULAÇÃO DE EFEITOS.

1. A exigência quanto à configuração de controvérsia judicial ou de controvérsia jurídica para conhecimento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC) associa-se não só à ameaça ao princípio da presunção de constitucionalidade - esta independe de um número quantitativamente relevante de decisões de um e de outro lado -, mas também, e sobretudo, à invalidação prévia de uma decisão tomada por segmentos expressivos do modelo representativo.

2. O Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade do art. 1º-F da Lei 9.494/1997, com a redação dada pela Lei 11.960/2009,decidindo que a TR seria insuficiente para a atualização monetária das dívidas do Poder Público, pois sua utilização violaria o direito de propriedade. Em relação aos débitos de natureza tributária, a quantificação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança foi reputada ofensiva à isonomia, pela discriminação em detrimento da parte processual privada (ADI 4.357,ADI 4.425, ADI 5.348 e RE 870.947-RG - tema 810).

3. A indevida utilização do IPCA-E pela jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST) tornou-se confusa ao ponto de se imaginar que, diante da inaplicabilidade da TR, o uso daquele índice seria a única consequência possível. A solução da Corte Superior Trabalhista, todavia, lastreia-se em uma indevida equiparação da natureza do crédito trabalhista com o crédito assumido em face da Fazenda Pública, o qual está submetido a regime jurídico próprio da Lei 9.494/1997, com as alterações promovidas pela Lei 11.960/2009.

4. A aplicação da TR na Justiça do Trabalho demanda análise específica, a partir das normas em vigor para a relação trabalhista. A partir da análise das repercussões econômicas da aplicação da lei, verifica-se que a TR se mostra inadequada, pelo menos no contexto da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), como índice de atualização dos débitos trabalhistas.

5. Confere-se interpretação conforme à Constituição ao art. 879, §7º, e ao art. 899, §4º, da CLT, na redação dada pela Lei 13.467, de 2017,definindo-se que, até que sobrevenha solução legislativa, deverão ser aplicados à atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial e à correção dos depósitos recursais em contas judiciais na Justiça do Trabalho os mesmos índices de correção monetária e de juros vigentes para as hipóteses de condenações cíveis em geral (art. 406 do Código Civil), à exceção das dívidas da Fazenda Pública que possui regramento específico (art. 1º-F da Lei 9.494/1997, com a redação dada pela Lei11.960/2009), com a exegese conferida por esta Corte na ADI 4.357, ADI4.425, ADI 5.348 e no RE 870.947-RG (tema 810).

6. Em relação à fase extrajudicial, ou seja, a que antecede o ajuizamento das ações trabalhistas, deverá ser utilizado como indexador o IPCA-E acumulado no período de janeiro a dezembro de 2000. A partir de janeiro de 2001, deverá ser utilizado o IPCA-E mensal (IPCA-15/IBGE),em razão da extinção da UFIR como indexador, nos termos do art. 29, §3º, da MP 1.973-67/2000. Além da indexação, serão aplicados os juros legais (art. 39, caput, da Lei 8.177, de 1991).

7. Em relação à fase judicial, a atualização dos débitos judiciais deve ser efetuada pela taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia - SELIC, considerando que ela incide como juros moratórios dos tributos federais (arts. 13 da Lei 9.065/95; 84 da Lei 8.981/95; 39, § 4º,da Lei 9.250/95; 61, § 3º, da Lei 9.430/96; e 30 da Lei 10.522/02). A incidência de juros moratórios com base na variação da taxa SELIC não pode ser cumulada com a aplicação de outros índices de atualização monetária, cumulação que representaria bis in idem.

8. A fim de garantir segurança jurídica e isonomia na aplicação do novo entendimento, fixam-se os seguintes marcos para modulação dos efeitos da decisão: (i) são reputados válidos e não ensejarão qualquer rediscussão, em ação em curso ou em nova demanda, incluindo ação rescisória, todos os pagamentos realizados utilizando a TR (IPCA-E ou qualquer outro índice), no tempo e modo oportunos (de forma extrajudicial ou judicial, inclusive depósitos judiciais) e os juros de mora de 1% ao mês, assim como devem ser mantidas e executadas as sentenças transitadas em julgado que expressamente adotaram, na sua fundamentação ou no dispositivo, a TR (ou o IPCA-E) e os juros de mora de 1% ao mês; (ii) os processos em curso que estejam sobrestados na fase de conhecimento, independentemente de estarem com ou sem sentença, inclusive na fase recursal, devem ter aplicação, de forma retroativa, da taxa Selic (juros e correção monetária), sob pena de alegação futura de inexigibilidade de título judicial fundado em interpretação contrária ao posicionamento do STF (art. 525, §§ 12 e 14, ou art. 535, §§ 5º e 7º, do CPC.

9. Os parâmetros fixados neste julgamento aplicam-se aos processos, ainda que transitados em julgado, em que a sentença não tenha consignado manifestação expressa quanto aos índices de correção monetária e taxa de juros (omissão expressa ou simples consideração de seguir os critérios legais).

10. Ação Declaratória de Constitucionalidade e Ações Diretas de Inconstitucionalidade julgadas parcialmente procedentes".

Em embargos de declaração (Plenário, Sessão virtual de 1/10/2021 a 22/10/21), por unanimidade, o STF acolheu os embargos de declaração da AGU, para sanar erro material, de modo a estabelecer "a incidência do IPCA-E na fase pré-judicial e, a partir do ajuizamento da ação, a incidência da taxa SELIC (art. 406 do Código Civil)",sem conferir efeitos infringentes, nos termos do voto do Relator.

Em razão da repercussão geral reconhecida, a tese jurídica firmada na ADC 58 passou a ter aplicação vinculativa e imediata para todo o Poder Judiciário, especialmente em se tratando de processo em fase de conhecimento (hipótese ii da modulação dos efeitos).

Assim, a partir de então, houve a determinação de aplicação do IPCA-E até a propositura da ação, acrescido dos juros de 1% ao mês, segundo artigo 39, caput, da Lei 8.177/1991, e da Taxa SELIC, que já engloba juros e correção monetária, a partir do ajuizamento (uma vez que, no processo do trabalho, a "citação" não depende de iniciativa do credor, em consonância e por aplicação analógica da Súmula 618 do STF).

Contudo, necessária se faz a revisão de tal entendimento diante da decisão proferida, em sede de embargos de declaração, na Reclamação 47.929 RS, transitada em julgado em 04/03/2022, pela qual o Ministro Dias Toffoli, acolhendo os embargos com efeitos infringentes, esclareceu:

"Embora o item 6 da ementa do acórdão paradigma conduza à compreensão de que os 'juros de mora' prescrito no caput do art. 39 da Lei 8.177/91 incida conjuntamente com o IPCA-E - índice indicado na ADC n.º 58 para correção monetária de débitos trabalhistas na fase pré-processual, da parte dispositiva da decisão vinculante do STF extrai-se que, no período antecedente à judicialização, incide tão somente o IPCA-E, para fins de correção monetária"

Em conclusão, determino a aplicação do IPCA-e até a propositura da ação e a Taxa SELIC, que já engloba juros e correção monetária, depois do ajuizamento, nos exatos termos da decisão proferida pelo STF no ADC 58.

Conclusão do recurso

Conheço do recurso ordinário apresentado pelo autor.

No mérito, dou-lhe parcial provimento para, nos exatos termos da fundamentação, reconhecer o vínculo de emprego havido entre as partes no período de 01.04.2017 a 09.07.2017, função motorista.

Condeno a ré a pagar ao autor, observados os limites da inicial e do contrato intermitente: aviso prévio de 30 dias, 13º salário proporcional de 2017 (3/12); férias + 1/3 do período aquisitivo 2017/2018 (3/12); multa do artigo 477, § 8º, da CLT e FGTS + 40% sobre as parcelas ora deferidas passíveis de incidência e de toda a contratualidade, a ser depositado em conta vinculada (artigo 26-A da Lei 8.036/1990, com a redação dada pela Lei 13.932/2019).

 A ré deverá anotar o contrato de trabalho na CTPS do autor, fazendo contar admissão em 01.04.2017 e baixa em 09.07.2017, salário médio a ser reconhecido após apurado em liquidação de sentença, conforme documentos constantes dos autos e mencionados em articulados anteriores (garantido o mínimo legal), função motorista, fazendo constar contrato intermitente.

A obrigação supra deverá se cumprida no prazo máximo de 8 dias após intimação específica, sob pena de multa diária de R$ 100,00 (cem reais), até o limite de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). O não cumprimento pela ré ensejará que a anotação da CTPS seja feita pela Secretaria da Vara, independentemente da execução da multa fixada e expedição de ofício à Gerência Regional do Ministério do Trabalho e Emprego para aplicação da penalidade administrativa.

Honorários de sucumbência a favor dos advogados do autor, no importe de 5% sobre o valor que resultar da liquidação de sentença.

Para fins do art. 832, § 3º, CLT, as parcelas ostentam natureza salarial, exceto FGTS +40% e férias indenizadas.

Determino a aplicação do IPCA-e até a propositura da ação e a Taxa SELIC, que já engloba juros e correção monetária, depois do ajuizamento, nos exatos termos da decisão proferida pelo STF no ADC 58.

 Inverto os ônus de sucumbência, custas no importe de R$100,00, calculadas sobre o valor da condenação de R$5.000,00, pela ré.

Acórdão

Fundamentos pelos quais, o Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, em Sessão Ordinária da Egrégia Décima Primeira Turma, hoje realizada, julgou o referido processo e, à unanimidade, conheceu do recurso ordinário apresentado pelo autor; no mérito, por maioria de votos, deu-lhe parcial provimento para reconhecer o vínculo de emprego havido entre as partes no período de 01.04.2017 a 09.07.2017, função motorista, pelo que condenou a ré a pagar ao autor, observados os limites da inicial e do contrato intermitente: aviso prévio de 30 dias, 13º salário proporcional de 2017 (3/12); férias + 1/3 do período aquisitivo 2017/2018 (3/12); multa do artigo 477, § 8º, da CLT e FGTS + 40% sobre as parcelas ora deferidas passíveis de incidência e por toda a contratualidade, a ser depositado em conta vinculada (artigo 26-A da Lei 8.036/1990, com a redação dada pela Lei 13.932/2019); a ré deverá anotar o contrato de trabalho na CTPS do autor, fazendo contar admissão em 01.04.2017 e baixa em 09.07.2017, salário médio a ser apurado em liquidação de sentença, conforme documentos constantes dos autos e mencionados em articulados anteriores (garantido o mínimo legal), função motorista, fazendo constar contrato intermitente; determinou que a obrigação seja cumprida no prazo máximo de 8 dias após intimação específica, sob pena de multa diária de R$100,00 (cem reais), até o limite de R$5.000,00 (cinco mil reais), sendo que o não cumprimento pela ré ensejará que a anotação da CTPS seja feita pela Secretaria da Vara, independentemente da execução da multa fixada e expedição de ofício à Gerência Regional do Ministério do Trabalho e Emprego para aplicação da penalidade administrativa; honorários de sucumbência a favor dos advogados do autor, no importe de 5% sobre o valor que resultar da liquidação de sentença; declarou, para fins do artigo 832, § 3º, CLT, que as parcelas ostentam natureza salarial, exceto FGTS+40% e férias indenizadas; determinou a aplicação do IPCA-e até a propositura da ação e da Taxa SELIC, que já engloba juros e correção monetária, depois do ajuizamento, nos exatos termos da decisão proferida pelo STF no ADC 58; inverteu os ônus de sucumbência, com custas no importe de R$100,00, calculadas sobre o valor da condenação de R$5.000,00, pela ré; vencido o Exmo. Desembargador Marco Antonio Paulinelli de Carvalho, que negava provimento ao apelo.

Tomaram parte neste julgamento os Exmos. Desembargadores Juliana Vignoli Cordeiro (Presidente e Relatora), Marco Antonio Paulinelli de Carvalho e Antônio Gomes de Vasconcelos.

Presente o Ministério Público do Trabalho, representado pela Dra. Lutiana Nacur Lorentz.

Sustentação Oral: Dra. Anna Carolina Gogolla Kalmus, pela Reclamada.

Belo Horizonte, 15 de junho de 2022.

Secretária: Adriana Iunes Brito Vieira.

JULIANA VIGNOLI CORDEIRO

Desembargadora Relatora

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