RELAÇÃO DE EMPREGO Motorista em aplicativo

Data da publicação:

Acordãos na integra

Maria de Lourdes Antonio - TRT/SP



MOTORISTA POR APLICATIVO. UBER. AUSÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO. VÍNCULO DE EMPREGO NÃO CARACTERIZADO.



17ª TURMA

PROCESSO Nº 1001273-64.2019.5.02.0611

RECURSO ORDINÁRIO

RECORRENTE:  UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA.

RECORRIDO:     VALDELINO PEREIRA DA SILVA

ORIGEM:            27ª Vara do Trabalho de São Paulo

RELATORA:       MARIA DE LOURDES ANTONIO

 

EMENTA

MOTORISTA POR APLICATIVO. UBER. AUSÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO. VÍNCULO DE EMPREGO NÃO CARACTERIZADO. A realidade fática confessada pelo próprio reclamante não permite reconhecer a subordinação jurídica, pressuposto indispensável à configuração do vínculo de emprego. Estando ausente os elementos da relação de emprego, julgam-se improcedentes os pedidos.

 

RELATÓRIO

Contra a sentença de fls. 903/923, integrada pela decisão de fls.937/938, que julgou procedente em parte a ação, recorre a reclamada, discutindo: incompetência da Justiça do Trabalho; relação havida entre as partes e reconhecimento do vínculo de emprego; verbas rescisórias; horas extras; dano moral e danos materiais; justiça gratuita; honorários advocatícios de sucumbência; recolhimentos previdenciários; juros e correção monetária; efeito suspensivo.

Apresentadas contrarrazões.

 

VOTO

 

RECURSO DA RECLAMADA - UBER

Incompetência da Justiça do Trabalho

Considerando que na situação em exame o reclamante pretendeu o reconhecimento da relação de emprego e não parcelas do contrato de natureza civil firmado entre as partes, a competência é da Justiça do Trabalho nos termos do art.114, I, da CRFB/88. Rejeito.

Vínculo de emprego

O MM Juízo a quo reconheceu o vínculo de emprego entre a reclamada, UBER DO BRASIL TECONOLOGIA LTDA., e o reclamante, VALDELINO PEREIRA DA SILVA, sob os seguintes fundamentos, in verbis:

"(...) VÍNCULO DE EMPREGO

No que toca a existência ou não de vínculo de emprego, há uma premissa que deve ser traçada, qual seja: a ré é e atua enquanto plataforma digital de prestação de serviços, não se tratando apenas de um "aplicativo" de natureza incorpórea ou etérea.

Nesta mesma linha já se pronunciou o Tribunal de Justiça da Comunidade Européia concluindo ser a empresa ré um negócio na seleção dos motoristas, influenciando decisivamente nas condições de prestação de serviços, como o preço, cobrança das tarifas e controle sobre os veículos e motoristas e que o elemento principal do serviço somente pode ser o transporte.

A justiça do Trabalho do Reino Unido declarou:

Da mesma forma, no famoso julgamento da Justiça do Trabalho do Reino Unido acerca da condição jurídica dos trabalhadores da empresa Uber (Aslam, Farrar & others vs. Uber BV et al), afirmou o magistrado britânico:

"É, em nosso juízo, irreal negar que a Uber está no mercado como um fornecedor de serviços de transportes. O senso comum simples demonstra o contrário. (...) Além do mais, a argumentação do réu aqui é, nós achamos, incompatível com o fato incontroverso que Uber coloca no mercado uma "gama de produtos." Pode-se perguntar: de quem é a gama de produtos senão da própria Uber? Os "produtos" falam por si mesmos: eles são uma variedade de serviços de transporte. Mr. Aslam não oferece essa gama. Nem o Sr. Farrar, ou qualquer outro motorista.

O marketing auto evidentemente não é feito em benefício de qualquer motorista individual. Igualmente de forma auto evidente, ele é feito para promover o nome da Uber e vende" seus serviços de transporte". (...) A noção que a Uber em Londres é um mosaico de 30.000 pequenos negócios ligados por uma "plataforma" comum é para o nosso juízo ligeiramente ridículo1."

Assim, a reclamada é plataforma digital de prestação de serviços que se utiliza da tecnologia ofertada por aplicativo de celular. A tecnologia em questão é apenas meio para a prestação de serviços.

O segundo ponto a ser discutido refere-se aos elementos da relação de emprego.

Incontroverso que o reclamante atuou enquanto motorista de passageiros vinculado à reclamada.

Parto para os exames da existência dos elementos de vínculo de emprego.

Inicialmente, cabe tecer considerações a respeito da subordinação.

A possibilidade de atender a qualquer horário e a liberdade de atender ou não ao chamado, por si só, não afastam o vínculo de emprego. Inteligência dos artigos 2º e 3º, complementado pelo artigo 6º, todos da CLT.

Em tempo, transcrevo o novo artigo 6º, da CLT:

Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego.

Tal artigo em questão revela a possibilidade de se reconhecer a subordinação jurídica entre plataformas digitais (leia-se Uber) e trabalhadores.

Neste ponto, resta examinar como é a atuação destas plataformas digitais no mundo dos fatos.

A questão de ausência de horário ou ausência total de controle, tão bem explorada pela parte ré na tentativa de afastar o vínculo de emprego, também não prospera.

É cediço que o empregador detêm inúmeras maneiras de controle de trabalho do empregado, sendo que ao empregador lhe é garantida a faculdade de escolha deste trabalho. Se controlará o trabalho por meio de estipulação de horário ou se por outros meios (trabalho por hora, por produção, p. ex.).

A legislação tem outros exemplos nos quais o controle de horário não é exigido e mesmo assim o trabalhador é visto como empregado, exemplificativamente, trabalho externo (artigo 62, da CLT) e o atual trabalho em domicílio/teletrabalho (artigo 6º., da CLT).

Observe que a ré, dentro e uma política de preocupação com a segurança no trânsito estabelecerá controle de jornada limitado a 12 horas, ou seja, trabalhadores não poderão se utilizar do aplicativo acaso constatar o trabalho em jornada superior a 12 horas. Segundo a matéria jornalística, "para que o motorista saiba o período de tempo que está dirigindo usando o aplicativo, a ferramenta mostra o tempo online e rodando1.

Assim, ainda que não se tenha como imprescindível o controle de horário do motorista para a caracterização do vínculo de emprego, a ré detém meios de controle e o implementa, conforme notícia acima.

Mas ainda que se imaginasse que a ré não controla os horários do reclamante, teria condições para tanto, conforme se verificou em audiência: "(...) que a UBER sabe quando o motorista está online pois além, de estar com o aplicativo ligado, deve "apertar um botão no aplicativo para dizer que quer fazer viagens" que o motorista consegue visualizar todas as viagens realizadas; que a reclamada também consegue relatório de viagens diariamente apesar de não acessar tais relatórios (ver fls. 849).

O fato do reclamante poder ficar offline já foi refutada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 2a Região, por meio da decisão de n. 1000123-89.2017.5.02.0038.

Nesta decisão concluiu-se não haver a propalada liberdade de permanecer offline, eis que a ré possui mecanismos algorítmicos de controle.

Pelas provas orais acima e pelos fundamentos até aqui delineados, concluo que a ré realiza o controle de trabalho do autor por meio de programação algorítmica e também pelo comando psicológico denominado "nudge2", o que, em qualquer caso acarretaria a relação de emprego.

No que toca a possibilidade de negar corridas como argumento a afastar o vínculo de emprego, olvida-se a reclamada do novel artigo 452-A, parágrafo 3o, da CLT, transcrito abaixo:

A recusa da oferta não descaracteriza a subordinação para fins do contrato de trabalho intermitente

Logo, pela legislação atual, a subordinação não se esvai nos casos em que há a possibilidade de recusa da oferta por parte do trabalhador.

Acrescento: contrariamente ao que quer fazer crer a ré, não há autonomia para a recusa de ofertas, pois a recusa de corridas impacta na participação de promoções e bônus ofertado pela reclamada.

Conforme informação capturada no próprio sítio eletrônico da ré:

Quando um usuário realiza um pedido de viagem, ele espera que ela seja aceita e realizada no menor tempo possível. Quanto melhor for a experiência para os usuários, mais viagens eles irão realizar e, com isso, os parceiros ganham mais.

Por isso, as taxas de aceitação e cancelamento são muito importantes para que a Uber continue sendo uma plataforma em que os usuários podem confiar. Acompanhe as suas taxas pelo App de Motorista Parceiro e veja as dicas abaixo para manter suas taxas sempre altas (informação extraída na data de 10/03/20, do endereço https://www.uber.com/pt-BR/blog/como- funciona-taxa-aceitacao-cancelamento/).

O reclamante também demonstrou por meio de documentos apresentados - notadamente o documento de fls. 64 - que quanto maior o número de viagens realizadas, maior a possibilidade de participar das ofertas lançadas pela ré.

Logo, o poder de negativa não é efetivo, pois as notas dos motoristas são diretamente influenciadas pela quantidade de cancelamentos e no alcance de premiações obtidas.

A preposta declarou: "(...) que se a média da nota do motorista for abaixo da média local o motorista pode ser desativado da plataforma (ver fls. 849).

Elucidativa a decisão proferida pela "New York State Unemployment Insurance Appeal Board " no sentido de que os motoristas de aplicativo são empregados da empresa que explora esse serviço. Os julgadores nova-iorquinos citaram o recrutamento extensivo, o treinamento e a supervisão realizados pela empresa de transporte por aplicativo como práticas que evidenciam que os motoristas são empregados, e não trabalhadores autônomos. Também foram citadas como indícios para a existência da relação de emprego práticas como o uso do sistema de avaliação ("feedback") realizada pelos consumidores e o recebimento pelos trabalhadores de advertências e notificações realizadas pelo aplicativo, além de penalidades como suspensão e desativação. A câmara entendeu que "a prova verossímil estabelece que a Uber exerce suficientes supervisão, direção ou controle sobre os três reclamantes e outros motoristas em situação similar.1"

O controle hoje é feito de maneira dispersa, seja pela própria organização algorítmica do trabalho, seja pela dispersão do controle por meio da sua clientela. O controle é do tipo panóptico difuso, muito mais eficaz do que qualquer controle pessoal. Isso não é exclusivo do trabalho por plataforma: hoje em qualquer "call center" ao final de cada ligação o controle é realizado pelo consumidor, que se transforma em um preposto do empregador sem receber nada por isso. A juíza brasileira citada no início do artigo julgaria então que não são empregados os atendentes de "call center", pois são controlados pelas notas dadas pelos consumidores? A mesma forma de supervisão também começa a ocorrer em algumas lojas físicas, que já instalaram em suas portas instrumentos eletrônicos em forma de quiosques pelos quais os consumidores controlam o serviço prestado.

Se não bastasse, o reclamante para ter ultimado o seu cadastro junto à ré, precisa aderir a verdadeiros códigos de conduta (contrato de adesão), sob pena de não conseguir se cadastrar via aplicativo.

Observe os esclarecimentos da preposta: "(...); que os requisitos para cadastrar no UBER são: apresentação de documento de veículo e CNH; que a caso a CNH estiver vencido o motorista não consegue contratar a plataforma; que se acaso o reclamante possuísse carro mais antigo do que 2011 também não conseguiria contratar a plataforma, por exigência da prefeitura; que é uma exigência legal verificar antecedentes criminais do motorista; que o motorista possui login e senha para cadastro; que aleatoriamente a reclamada pode solicitar uma selfie do motorista para que saiba qual o motorista está conduzindo o veículo por motivo de segurança, tanto para o motorista quanto para o usuário (...) (ver fls. 848).

A ré, nesta linha de obediência a código de condutas, também declarou que "(...) que o reclamante foi desativado pelo descumprimento dos termos de uso da plataforma; que os usuários relataram condutas inapropriadas do reclamante (assédio); que quando o reclamante aceita os termos de uso sabe que tal conduta não pode acontecer e, havendo o reporte de tal conduta, o motorista de pronto já é desativado" (...) (ver fls. 849)

Logo, pelo acima exposto, tenho por reconhecida a subordinação e nesse aspecto, chamo à baila trecho da decisão do Tribunal Regional do Trabalho nos autos de n. 1000123-89.2017.5.02.0038:

A subordinação dos dirigidos aos dirigentes cede à ideia do controle por 'stick'(porrete) e 'carrots' (premiação). Aqueles que seguem a programação recebem premiações, na forma de bonificações e prêmios; aqueles que não se adaptarem aos comandos e objetivos, são cortados ou punidos.68 Próprio da nova organização do trabalho, em que os trabalhos devem ser permanentemente inseguros - e a insegurança deve estar inculcada na mente das pessoas - para que o controle possa ser realizado da forma mais eficiente, e os objetivos melhor alcançados. A ideia é da mobilização total: os trabalhadores devem estar disponíveis a todo momento. Essa mobilização, diferentemente do fordismo-taylorismo, visa dominar não o corpo dos trabalhadores, mas seus espíritos, cedendo a obediência mecânica em prol da busca pelos trabalhadores do atingimento dos objetivos traçados pela empresa, a partir da esfera de autonomia concedida, que implica que o trabalhador seja sempre transparente aos olhos do empregador, que a todo momento tem o poder de mensurar e avaliar seu funcionamento. Aqui está, então, outro ponto central na organização por comandos ou programação, que é a avaliação da realização dos objetivos, corolária da autonomia concedida aos trabalhadores, estando onipresente nos dispositivos de governança pelos números. São, assim, criados diversos métodos e técnicas de avaliação dos trabalhadores, não somente em relação à quantificação dos objetivos, mas também são construídos dispositivos de análise qualitativa do trabalho realizado. A relação entre trabalhador e empresa passa por uma nova nomenclatura: é uma relação de aliança, em uma refeudalização das relações. O liame da aliança implica em um engajamento ainda maior da pessoa do trabalhador, pois ao invés de se fixar em obedecer mecanicamente a ordens dadas em tempo e lugar anteriormente fixados, devem os trabalhadores se mobilizar totalmente para a realização dos objetos que lhe são consignados e se submeter aos processos de avaliação de sua performance. Também é essencial na direção por objetivos o crescimento da influência da empresa na vida pessoal do trabalhador. É próprio do trabalho assalariado a reificação da pessoa que é, ao mesmo tempo, objeto e sujeito do contrato de trabalho, sendo que, de maneira recíproca, é reconhecida sua condição de pessoa. A desestabilização dos quadros espaços-temporais de execução do trabalho e a autonomia programada conduzem não a uma redução, mas a um aumento do engajamento da pessoa do trabalhador. Assim, o controle por programação ou comandos (ou por algoritmo) é a faceta moderna da organização do trabalho. Passa-se da ficção do trabalhador-mercadoria para a ficção do trabalhador-livre, em aliança neofeudal com a empresa. Altera-se a formatação, mas resta a natureza: a) de um lado as pessoas, travestidas em realidades intersubjetivas denominadas empresas, que detêm capital para investir na produção e serviços e b) do outro lado os demais indivíduos que têm somente o trabalho a ser utilizado e apropriado por essas realidades intersubjetivas para a realização de sua atividade econômica. A exploração dos segundos pelos primeiros continua a mesma'.

No que toca ao elemento não eventualidade, o reclamante, por meio dos documentos de fls. 73/80, 358/403 e 404/910, demonstrou a prestação de serviços de forma habitual no período de vínculo de emprego pretendido.

No que concerne ao elemento onerosidade, valho-me do brilhante acórdão de n. 1000123-89.2017.5.02.0038

"A onerosidade, do mesmo modo, é inequívoca, pois pela realização do serviço de transporte era o demandante remunerado, pouco importando que o seu ganho não fosse custeado diretamente pelas empresas demandadas. A melhor doutrina e a jurisprudência predominante dos tribunais trabalhistas há muito já reconhecem que a remuneração do empregado pode ser paga por terceiros. A propósito, vale citar a lição do saudoso Magistrado, Dr. Aluysio Sampaio, na página 118 da obra 'Contrato Individual do Trabalho em sua vigência' (Editora dos Tribunais - 1982), de acordo com a qual: 'Salário ou remuneração é, pois, a contraprestação devida pelo empregador - seja diretamente paga por ele ou por terceiros, como a gorjeta" (grifei).

No presente feito demonstrou-se que a reclamada é quem fixa os preços das corridas, não se concedendo a "liberdade" ao motorista para a fixação do valor de seus serviços, vejamos: "(...) que o motorista recebe o valor final da viagem, exemplo se o valor de uma viagem sugerido pela UBER é de R$ 15,00 e o passageiro recebe uma promoção de desconto de 20%, esse desconto não é repassado ao motorista, ou seja, o reclamante receberá percentual referente a R$ 15,00, uma vez que a UBER detém a taxa de 25% sugerido na corrida e o passageiro paga apenas R$ 12,00 em razão do desconto ofertado pela UBER; que se caso o motorista parceiro ofereça um desconto, exemplo se o motorista numa viagem sugerida de R$ 15,00 oferta um desconto ao passageiro e deixa a viagem por R$ 10,00 a taxa de 25% da UBER incide sobre R$ 15,00 ou seja sobre o valor sugerido da corrida (ver fls. 848).

Logo, o reclamante não possui ingerência no valor a ser cobrado por cada corrida.

O fato do reclamante deter percentual elevado (sic) pelas corridas realizadas, não afasta, por si só, o vínculo de emprego, pois não há óbice legal para tanto. Mais uma vez, convido à leitura dos artigos 2º, 3º e 6º, da CLT.

No entanto, ainda que se pensasse que o maior percentual das corridas permaneça com o trabalhador, há de se registrar que este arca com todos os custos do veículo por ele utilizado. Assim, ao examinar o percentual líquido das corridas, teríamos que levar em conta tais gastos.

O elemento pessoalidade encontra-se patente pois a ré permite apenas que a prestação de serviços seja realizada por meio de motoristas cadastrados - tanto é assim que aleatoriamente pede para que tais motoristas tirem "selfies" para demonstrar que, de fato, são eles que se encontram transportando passageiros (ver depoimento da preposta a fls. 848).

No que toca as avaliações de passageiros, observe que o destinatário destas é a própria empresa ré, tanto é assim que se valeu de tais avaliações para dispensar o reclamante da plataforma, como incontroverso (ver fls. 849).

Por todo o exposto, declaro o vínculo de emprego e determino à reclamada que proceda a anotação da CTPS da parte autora com data de admissão em 24/10/2016 e saída em 31/07/2019, na função de motorista e média salarial a ser definida em execução, considerando os documentos existentes nos autos, sob pena de multa diária no importe de R$100,00, até o limite de R$2.000,00, revertido a parte autora, a contar do 10o dia da intimação específica para tanto, com fulcro no artigo 497, do CPC.  . (...)"

Nada obstante o entendimento do MM Juízo a quo, não estão caracterizados na hipótese dos autos os elementos para a configuração do vínculo de emprego.

Primeiro, afasto todos os fundamentos constantes da r. sentença referentes a decisões de Cortes alienígenas (v.g. Justiça do Trabalho do Reino Unido), pois o reconhecimento do vínculo de emprego depende exclusivamente da análise do ordenamento jurídico interno, em especial a configuração dos elementos previstos nos arts. 2º e 3º da CLT.

Destaco que o Reino Unido, assim como os Estados Unidos da América, seguem a tradição do sistema da common law, cuja característica principal é a quase ausência de normas escritas, sendo que a fonte principal do direito são os costumes, firmados pelos precedentes dos tribunais, enquanto a República Federativa do Brasil segue o sistema da civil law (família romano-germânica), com regras escritas de direito, pelo que é completamente irrelevante a decisão da Corte Trabalhista do Reino Unido para a discussão da relação jurídica havida entre as partes, que é regida pelas normas de direito interno, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade (art.5º, II, da CRFB/88).

Para a configuração do vínculo de emprego devem estar presentes todos os elementos previstos nos arts.2º e 3º da CLT, caracterizando-se a figura do empregador, de um lado, e, de outro, a figura jurídica do empregado, in verbis:

Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.

§ 1º - Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados....

Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.

Até um passado recente, como alternativa aos meios de transporte público coletivo (ônibus, metrô) havia apenas o taxi, que é um automóvel destinado ao transporte de passageiros, provido de um taxímetro e dirigido por um motorista, autônomo ou integrante de alguma cooperativa. Para a contratação do serviço de taxi, o usuário do serviço tinha geralmente três alternativas: (i)   dirigir-se até um "ponto de taxi", para contratar o serviço do primeiro motorista disponível na fila; (ii) fazer a ligação para uma cooperativa de taxi, algum ponto ou taxista conhecido, para solicitar o serviço; (iii) ficar na rua, em algum local movimentado, aguardando um taxi passar.

É fato notório (art.374, I, do CPC) nesta Capital de São Paulo, episódio recente acerca da distribuição de novas licenças de taxistas, tendo se transformado em verdadeiro negócio e investimento. Como o número de licenças era limitado e a Prefeitura de São Paulo ficou por muitos anos sem emitir novas licenças, surgiu um mercado ilegal de alvarás para comprar ou alugar, que no ano de 2010, segundo reportagem do Estadão (O Estado de S .Paulo) à época, chegavam a ser comercializados no mercado negro pelo valor de R$150 mil. Consta da referida matéria jornalística, in verbis: "(...) Essa negociação é ilegal, mas taxistas e despachantes entrevistados pelo Estado, na condição de serem mantidos em anonimato, afirmaram que o preço de um alvará no Aeroporto de Congonhas - o ponto mais valorizado da cidade -, na zona sul, pode ultrapassar R$ 150 mil. (...) Outra maneira de obter ilegalmente o documento é perguntando em pontos de táxi pela cidade se há alguém interessado em vender o alvará. É raro encontrar um taxista que não reaja com naturalidade à pergunta. "Tenta aquele outro ponto ali", diz um taxista em um ponto na região da Praça da República, no centro, onde o alvará com ponto fixo custa cerca de R$ 100 mil. Em regiões comerciais mais nobres, como nos shoppings da Avenida Faria Lima ou da Berrini, na zona sul, o valor pode chegar a R$ 120 mil. Mas é mesmo em Congonhas, onde é possível ganhar até R$ 400 por um dia de 12 horas de trabalho, que se vendem os alvarás mais cobiçados." (in https://www.estadao.com.br/noticias/geral,em-sp-cresce-o-mercado-ilegal-e-alvara-de-taxi-custa-ate-r-150-mil,521475 - acesso em 29/10/2020).

O aumento do custo de se ter um carro próprio, com todos os custos envolvidos (combustível, seguro, IPVA, licenciamento, estacionamento, manutenção etc.), aliado ao trânsito caótico dos grandes centros urbanos, fez com que muitas pessoas passassem a buscar meios alternativos de transporte, com incremento da demanda dos transportes públicos e do taxi. A realidade é a escassez dos meios de transporte.

Assim, de um lado, havia uma crescente demanda dos usuários por meios alternativos de transporte, dada a escassez dos meios de transporte público, problemas de superlotação, além do fato de não se encontrar sequer taxi disponível nos horários de pico. De outro lado, havia pessoas que viram a oportunidade de prestar um serviço de transporte particular (primeiro para um vizinho, depois para um conhecido, um colega de serviço etc.), como forma de incremento da renda.

Nesse contexto, com os avanços da tecnologia da informação e a disseminação dos denominados "smart phones", empreendedores pioneiros criaram diversas plataformas digitais, que possibilitam a conexão de agentes dessa cadeia de serviços, situados em locais distintos, introduzindo soluções alternativas para a mobilidade urbana. A criação dessas plataformas (UBER, 99, Cabify, Easy etc.) possibilitou a introdução de um novo modelo, que também foi adotado pelos taxistas (v.g. 99, Easy, SaferTaxi, Taxibeat etc.), como forma de conexão entre o passageiro (usuário e contratante dos serviços) e o motorista (prestador de serviços).

De ver-se que o objeto social da UBER é o "a) licenciamento de direito de acesso e uso de programas de computação; b) disponibilização a sociedades afiliadas de serviços de suporte e marketing; c) prestação de serviços administrativos, financeiros, técnicos e de gestão para terceiros; d) intermediação de serviços sob demanda, por meio de plataforma tecnológica digital; e) realização de quaisquer outros atos que, direta ou indiretamente, levem à concretização dos objetos acima mencionados, no seu mais amplo sentido; e f) operação de portais, provedores de conteúdo de outros serviços de informação na internet. Parágrafo único - As unidades auxiliares da Sociedade somente poderão desenvolver atividades de apoio à Sociedade, inexistindo atividade econômica própria." (fl.95, ID. 4048116 - Pág. 6).

Portanto, a reclamada não é uma empresa de transporte, mas uma plataforma tecnológica, que faz a interligação entre os usuários e os motoristas. São os motoristas, e não a UBER, que prestam o serviço de transporte individual privado de passageiros. Os usuários das diversas plataformas, como a plataforma da ré, fazem a contratação do serviço de transporte junto ao motorista, sendo a plataforma digital o meio de conexão entre esses dois polos da relação contratual.

Em depoimento pessoal o reclamante declarou que "(...) que o passageiro avalia o motorista da forma como queira, sem nenhuma interferência da ré; que o reclamante também avaliava passageiro; ... que poderia cancelar viagens, mas se cancelasse muitas poderia ser banido; ... que poderia [ficar] offline do aplicativo mas se assim o fizesse perderia promoções; ... não avisava ninguém quando ficaria offline ou online; que a reclamada enviava ao reclamante promoções diárias bem como informava qual seria o horário que deveria está logado para usufruir das promoções; que não era obrigatório participar das promoções pois se assim quisesse não precisaria tampouco trabalhar; que poderia decidir os dias da utilização do aplicativo; ... que a reclamada nunca puniu o autor por permanecer tais dias offline mas recebeu um incentivo maior para voltar; que iniciava as 17h00 e finalizava as 04h00, em média de segunda a segunda com um dia de folga na semana; que o reclamante definiu tal horário pois os incentivos era maiores nesse intervalo de horário; que poderia trabalhar no período de manhã se assim o quisesse; (...)" (fls.843/844, ID. eefb6c1 - Pág. 1/2).

O reclamante confessou que poderia cancelar viagens e que poderia ficar "off-line" da plataforma, sem precisar dar satisfação para quem quer que seja. O próprio autor confessou que não avisava ninguém (e nem precisava avisar) quando ficava off-line ou on-line.

O reclamante também confessou que, se quisesse, não precisaria trabalhar, sendo que ele mesmo decidia os dias e os horários da utilização do aplicativo.

Portanto, o reclamante admitiu expressamente a possibilidade de ficar "off-line", sem delimitação de tempo, circunstância que comprova a completa ausência, de forma voluntária pelo autor, da prestação dos serviços, que só ocorre por meio da plataforma digital da ré.

Nesse contexto, em que pesem as alegações da inicial, a realidade fática confessada pelo próprio reclamante não permite reconhecer a subordinação jurídica, pressuposto indispensável à configuração do vínculo de emprego.

Ainda que o autor não tenha interrompido a prestação de serviços muitas vezes, os elementos constantes do seu depoimento pessoal evidenciam uma relação que não condiz com o liame de emprego, não tendo havido qualquer controle da ré na rotina de trabalho do autor.

O reclamante também confessou que não era obrigado a participar das promoções realizadas pela ré na plataforma.

Repita-se que o autor confessou que ditava a sua própria rotina e, ele mesmo, pela sua livre conveniência, quando e onde quisesse, poderia nem sequer trabalhar. A auto-determinação do autor (quando, onde, se quero) é incompatível com o reconhecimento da relação de emprego, sendo evidente a ausência de subordinação jurídica.

Também ausente o elemento "mediante salário", previsto no art.3º da CLT.

No caso é incontroverso que quem faz a contratação do serviço de transporte são os diversos usuários da plataforma, sendo que são estes que efetuam o pagamento. Os "Termos e Condições Gerais dos Serviços de Intermediação Digital" revelam que a ré faz a cobrança de uma "taxa de serviço", em contraprestação pela prestação dos serviços que ela presta ao motorista, sendo que em depoimento pessoal da ré houve o reconhecimento de que era em torno de 20 a 25%, ou seja, os motoristas ficam com aproximadamente de 75% a 80% do total do valor pago pelo usuário.

Assim, além de a ré não dirigir os serviços prestados pelo autor, pode-se dizer que existia uma relação de parceria, uma vez que o autor fica com a maior parte da vantagem remuneratória, paga pelo usuário do serviço de transporte, enquanto a ré faz a cobrança e retenção de uma taxa dos seus serviços.

Em tal sentido, não existe alteridade. Nunca existiu acordo acerca de pagamento, pela reclamada, de um valor por uma contraprestação de serviços do autor à ré. O que existe é uma arrecadação feita pelo próprio profissional autônomo (motorista) por meio da plataforma da ré, que cobra uma taxa do autor pelo seu serviço de conexão com os usuários.

O fato de a ré estipular o valor do transporte dentro de sua plataforma não afasta a conclusão supra, pois decorre apenas da característica desse novo modelo de negócio.

Isso porque a ré deve fazer uma plataforma que seja atrativa, a fim de atrair os usuários, oferendo custos homogêneos, por região, conforme horário e demanda, para que esses usuários sejam fomentados a contratar os motoristas parceiros, gerando um ciclo que beneficia a todos.

O motorista, por outro lado, está livre para aderir aos preços da plataforma, quando for prestar os serviços aos usuários, além de escolher o horário e o tempo da prestação de serviços que lhe seja mais conveniente. O motorista também está livre para escolher outra plataforma que lhe seja mais atrativa, ou, inclusive, não escolher plataforma alguma, formando ele mesmo sua rede particular de clientes.

Em outras palavras, o motorista pode estar apenas na plataforma da ré, ou, o que é mais comum, estar cadastrado nas diversas plataformas (UBER, 99, Cabify etc.) e manter uma rede de clientes particulares, que é proporcionada pela própria rede de relacionamentos (networking) dessas plataformas digitais. Nesse sentido, é fato notório (art.374, I, do CPC) que muitos usuários, geralmente aqueles que fazem uso da plataforma "black", acabam se tornando clientes de determinado motorista, que passa a transportá-lo em dias e horários específicos (v.g. para a empresa, aeroporto etc.), sem o uso da plataforma digital.

Portanto, não existe subordinação jurídica ou qualquer dirigismo da ré.

De ver-se que é fato incontroverso que a ré não fez a contratação do autor, mas, ao contrário, foi o autor que se cadastrou na plataforma da ré com a finalidade de alcançar uma maior gama de usuários dos seus serviços.

Restou comprovado nos autos que o autor trabalha por conta própria, dirigindo ele mesmo e assumindo o risco dos serviços que oferece, e não por conta da ré, pois existe uma mera relação de parceria, com maior percentual da arrecadação pelo autor, o que não é condizente com o liame de emprego.

Além da confissão do autor, trata-se de fato notório (art.374, I, do CPC) que diversos motoristas de aplicativos estão cadastrados e utilizam as diversas plataformas (UBER, 99, Cabify, etc.) ao mesmo tempo, segundo a própria conveniência, o que é incompatível com o pretendido vínculo de emprego.

O fato é que não houve contratação do autor mediante salário, mas mera interligação do motorista e os usuários, sendo que a ré não presta serviços de transporte.

O reclamante também confessou que era avaliado pelos dos passageiros da plataforma, sem qualquer interferência da ré, e que ele mesmo também fazia a avaliação dos passageiros.

Deve ser destacado também que a possibilidade de avaliação dos motoristas pelos usuários, e vice-versa, nem sequer se relaciona com a alegada subordinação, tratando-se de mera ferramenta de feedback e filtro da plataforma, que melhora não apenas a qualidade dos serviços de transporte, mas a qualidade dos próprios usuários, ou seja, é de interesse de todos os envolvidos.

Reafirme-se que os documentos dos autos evidenciam que a reclamada não é empresa de serviços de transportes de passageiros, pois atua na exploração de plataforma digital que conecta os prestadores de serviços (motoristas) e os usuários desses mesmos serviços, não se podendo, sequer, se falar em subordinação estrutural.

Na análise do depoimento pessoal do autor se extrai confissão da completa ausência dos elementos do vínculo de emprego, sendo que a r. sentença de primeiro grau, data vênia, representa um exercício de raciocínio ideológico, "querendo enxergar" a todo custo e com falsas premissas, relação de emprego nos moldes da CLT, como se fosse a única possível em nosso ordenamento jurídico; a única capaz de proporcionar o fundamento do valor social do trabalho previsto no inciso IV do art.1º da CRFB/88.

Entretanto, como já destacado pelo Exmo. Min. Roberto Barroso, "A proteção constitucional ao trabalho não impõe que toda e qualquer prestação remunerada de serviços configure relação de emprego (CF/1988, art. 7º)." (STF-Pleno, ADC 48, Rel. Min. Roberto Barroso, 05/09/2019).

Na verdade, quando a Constituição da República estabelece como fundamentos "IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;", está a se referir ao trabalho autônomo e assalariado, ou seja, não apenas ao trabalho assalariado nos moldes da CLT.

Nesse contexto, o Ministro Breno Medeiros do E. TST, em análise de situação análoga à dos presentes autos, traz importante reflexão sobre as modificações das relações de trabalho, in verbis: "(...) Por fim, não se pode olvidar que é de conhecimento geral a forma de funcionamento da relação empreendida entre os motoristas do aplicativo Uber e a referida empresa, a qual é de alcance mundial e tem se revelado como alternativa de trabalho e fonte de renda em tempos de desemprego (formal) crescente. Com efeito, as relações de trabalho têm sofrido intensas modificações com a revolução tecnológica, de modo que incumbe a esta Justiça Especializada permanecer atenta à preservação dos princípios que norteiam a relação de emprego, desde que presentes todos os seus elementos. Cabe frisar que o intento de proteção ao trabalhador não deve se sobrepor a ponto de inviabilizar as formas de trabalho emergentes, pautadas em critérios menos rígidos e que permitem maior autonomia na sua consecução, mediante livre disposição das partes, o que ocorre no caso dos autos. (...)" (TST-RR-1000123-89.2017.5.02.0038, Rel. Min. Breno Medeiros). A ementa do referido julgado é a seguinte:

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. VÍNCULO DE EMPREGO. MOTORISTA. UBER. AUSÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO. Em razão de provável caracterização de ofensa ao art.3º, da CLT, dá-se provimento ao agravo de instrumento para determinar o prosseguimento do recurso de revista. Agravo de instrumento provido. RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. VÍNCULO DE EMPREGO. MOTORISTA. UBER. AUSÊNCIA DE SUBORDINAÇÃO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. Destaque-se, de início, que o reexame do caso não demanda o revolvimento de fatos e provas dos autos, isso porque a transcrição do depoimento pessoal do autor no acórdão recorrido contempla elemento fático hábil ao reconhecimento da confissão quanto à autonomia na prestação de serviços. Com efeito, o reclamante admite expressamente a possibilidade de ficar "off line", sem delimitação de tempo, circunstância que indica a ausência completa e voluntária da prestação dos serviços em exame, que só ocorre em ambiente virtual. Tal fato traduz, na prática, a ampla flexibilidade do autor em determinar sua rotina, seus horários de trabalho, locais que deseja atuar e quantidade de clientes que pretende atender por dia. Tal auto-determinação é incompatível com o reconhecimento da relação de emprego, que tem como pressuposto básico a subordinação, elemento no qual se funda a distinção com o trabalho autônomo. Não bastasse a confissão do reclamante quanto à autonomia para o desempenho de suas atividades, é fato incontroverso nos autos que o reclamante aderiu aos serviços de intermediação digital prestados pela reclamada, utilizando-se de aplicativo que oferece interface entre motoristas previamente cadastrados e usuários dos serviços. Dentre os termos e condições relacionados aos referidos serviços, está a reserva ao motorista do equivalente a 75% a 80% do valor pago pelo usuário, conforme consignado pelo e. TRT. O referido percentual revela-se superior ao que esta Corte vem admitindo como bastante à caracterização da relação de parceria entre os envolvidos, uma vez que o rateio do valor do serviço em alto percentual a uma das partes evidencia vantagem remuneratória não condizente com o liame de emprego. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido. (TST-RR-1000123-89.2017.5.02.0038, 5ª Turma, Rel. Min. Breno Medeiros, 05/02/2020, disponibilização: 06/02/2020, publicação: 07/02/2020).

Em resumo, a realidade fática confessada pelo próprio autor, em seu depoimento pessoal, não permite reconhecer o vínculo de emprego, pois ausente a subordinação jurídica e a contraprestação "mediante salário", evidenciando que a relação jurídica havida se assemelha a um contrato de parceria, com completa autonomia e dirigismo do autor, sem ordens, comandos ou fiscalização inerentes de empregador, por parte da reclamada.

Posto isso, porque ausentes os elementos dos arts. 2º e 3º da CLT, dou provimento ao recurso da reclamada, para afastar o reconhecimento do vínculo de emprego e a consequente determinação de anotação da CTPS.

Verbas rescisórias e parcelas da relação de emprego. Horas extras. Dano moral e danos materiais.

Tendo sido afastada a configuração de vínculo de emprego, improcedem todos os demais pedidos constantes da petição inicial, inclusive danos morais e materiais (ressarcimento de combustível, despesas com veículo), pois todas as pretensões têm como causa de pedir a relação de emprego que se evidenciou inexistente.

Posto isso, reformo a r. sentença, para julgar improcedentes todos os pedidos formulados na inicial.

Justiça gratuita

Com relação à gratuidade da justiça deferida na origem, não assiste razão à reclamada.

No caso, estando o autor desempregado, não se pode aplicar o limite de salário referente a 40% do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, previsto no § 3º do art.790 da CLT, diante da ausência de elementos de sua remuneração mensal.

No mais, nos termos do art. § 3º do art. 99 do CPC, presume-se verdadeira a alegação de insuficiência de recursos deduzida por pessoa natural.

Tendo em vista o que consta da declaração de fl.22 (ID. 90150a6) e o fato de o autor se encontrar desempregado, ele preenche os requisitos os requisitos do §3º do artigo 790 da CLT e do art. 98 do CPC. Comprovada está, dessa forma, a hipossuficiência econômica. Mantenho.

Honorários advocatícios

Considerando a presente reclamação foi distribuída em 06/08/2019, data posterior à da vigência da Lei nº 13.467/2017 (11/11/2017), aplicável o art. 791-A da CLT por ela introduzido.

Considerando o decidido nos tópicos supramencionados, a inversão do ônus da sucumbência.

Reformo a r. sentença, para afastar da condenação da ré no pagamento de honorários advocatícios,   condenando o autor no pagamento de honorários advocatícios de 10% sobre o valor atualizado da causa, em favor dos advogados da reclamada, com observância da norma do §4º do art.791-A da CLT.

Efeito suspensivo

Tendo em vista o decidido, confiro efeito suspensivo ao recurso. O MM Juízo a quo deverá sustar eventual liquidação e execução provisória da sentença, operando-se o efeito substitutivo com a publicação do presente acórdão.

Oficie a Secretaria da 17ª Turma ao MM Juízo de primeiro grau (da 27ª Vara do Trabalho de São Paulo), com cópia do presente acórdão, independentemente do trânsito em julgado.

 

Acórdão

ACORDAM os magistrados da 17ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região em: Por unanimidade de votos, DAR PROVIMENTO PARCIAL ao recurso da reclamada, para (a) afastar o reconhecimento do vínculo de emprego e a determinação de anotação da CTPS, JULGANDO IMPROCEDENTES TODOS os pedidos da presente ação, ficando a ré, UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA., absolvida de todas as parcelas da condenação; (b) inverter o ônus da sucumbência,  ficando condenado o autor no pagamento de honorários advocatícios de 10% sobre o valor atualizado da causa, em favor dos advogados da reclamada, com observância da norma do §4º do art.791-A da CLT; (c) conceder efeito suspensivo ao recurso e determinar que a Secretaria da 17ª Turma oficie o MM Juízo de primeiro grau, com cópia do presente acórdão.

Custas, em reversão, pelo autor, no total de R$ 14.985,74, calculadas sobre o valor da causa (R$ 749.287,23), de cujo pagamento fica dispensado.

Presidiu o julgamento o Exmo. Sr. Desembargador  ALVARO ALVES NÔGA.

Tomaram parte no julgamento os Exmos. Srs. MARIA DE LOURDES ANTONIO (relatora), SIDNEI ALVES TEIXEIRA (revisor) e ÁLVARO ALVES NÔGA (3º votante).

Presente o ilustre representante do Ministério Público do Trabalho.

Sustentação Oral: Filipe Vergette Conceição e Gustavo Henrique Vieira Jacinto  

MARIA DE LOURDES ANTONIO

Relatora

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