RELAÇÃO DE EMPREGO Motorista em aplicativo

Data da publicação:

Acordão - TST

Alexandre Luiz Ramos - TST



Motorista de aplicativo não consegue reconhecimento de vínculo de emprego



AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017.

1. VÍNCULO DE EMPREGO. DECISÃO MONOCRÁTICA DO RELATOR QUE DENEGA SEGUIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO. NÃO DEMONSTRAÇÃO DO PREENCHIMENTO DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO DE REVISTA. AUSÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA. CONHECIMENTO E NÃO PROVIMENTO.

I. Fundamentos da decisão agravada não desconstituídos.

II. Com relação ao pedido de reconhecimento de "vínculo de emprego", evidencia-se ter a Corte Regional decidido a partir do exame da prova. Aplica-se a Súmula nº 126 do TST.

III. Agravo de que se conhece e a que se nega provimento, com aplicação da multa de 2% sobre o valor da causa atualizado pela SELIC, em favor da parte Agravada, com fundamento no art. 1.021, § 4º, do CPC/2015. TST-Ag-AIRR-101036-14.2017.5.01.0042, Alexandre Luiz Ramos, DEJT 01/10/2021).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo em Agravo de Instrumento em Recurso de Revista n° TST-Ag-AIRR-101036-14.2017.5.01.0042, em que é Agravante MAURICIO DE SOUZA DINUCCI e são Agravados UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. E OUTROS.

Por decisão monocrática, negou-se seguimento ao agravo de instrumento, em razão da ausência de transcendência da causa (art. 896-A da CLT).

A parte ora Agravante interpõe recurso de agravo, em que pleiteia, em síntese, a reforma da decisão agravada, com o conhecimento e provimento do seu agravo de instrumento e o consequente processamento do seu recurso de revista.

Os autos não foram remetidos ao Ministério Público do Trabalho.

É o relatório.

V O T O

1. CONHECIMENTO

Considerando o julgamento, em sessão do dia 06/11/2020, da ArgInc-1000845-52.2016.5.02.0461 pelo Pleno desta Corte Superior, em que se declarou a inconstitucionalidade do art. 896-A, § 5º, da CLT, e, ainda, atendidos os pressupostos legais de admissibilidade do presente agravo, dele conheço.

2. MÉRITO

A decisão ora agravada está assim fundamentada, na fração de interesse:

"A parte ora Agravante insiste no processamento do recurso de revista, sob o argumento, em suma, de que o apelo atende integralmente aos pressupostos legais de admissibilidade. Entretanto, como bem decidido em origem, o recurso de revista não alcança conhecimento, não tendo a parte Agravante demonstrado, em seu arrazoado, o desacerto daquela decisão denegatória."

"Assim sendo, adoto, como razões de decidir, os fundamentos constantes da decisão agravada, a fim de reconhecer como manifestamente inadmissível o recurso de revista e, em consequência, confirmar a decisão ora recorrida."

"Nesse sentido, se o recurso de revista não pode ser conhecido, há de se concluir que não há tese hábil a ser fixada, com relação aos reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica e, portanto, a causa não oferece transcendência (exegese dos arts. 896-A da CLT e 247 do RITST). Assim sendo, considero ausente a transcendência da causa e, em consequência, nego seguimento ao agravo de instrumento".

Na minuta de agravo, a parte Recorrente insiste no conhecimento e provimento do seu apelo, a fim de ver processado seu recurso de revista.

Entretanto, o agravo não merece provimento.

Com relação ao pedido de reconhecimento de "vínculo de emprego", evidencia-se ter a Corte Regional concluído, a partir do exame da prova, que o Reclamante "prestava serviços sem habitualidade e de forma autônoma" (fl. 850 do documento sequencial nº 03), de modo que inexistentes, na hipótese dos autos, "a ‘não eventualidade’ e a ‘subordinação jurídica’, inerentes ao contrato de trabalho" (fl. 851 do documento sequencial eletrônico nº 03).

Constam do acórdão região os seguintes fundamentos:

"Não poderia ser outra a solução para a controvérsia que se instaurou nestes "autos eletrônicos", considerando os elementos que vieram aos autos e os princípios que norteiam a distribuição do ônus da prova, no processo do trabalho.

Com efeito, quando, em uma reclamação trabalhista, se discute a existência do vínculo de emprego, em si mesmo, incumbe ao trabalhador fazer prova de ter prestado serviços ao suposto empregador, dele percebendo remuneração - esse o fato constitutivo de seu alegado direito (art. 373, inciso I, do CPC em vigor).

Se o suposto empregador reconhece que o trabalhador lhe prestou serviços, auferindo remuneração, caberá ao primeiro (o suposto empregador) demonstrar algum fato modificativo, impeditivo ou extintivo do direito perseguido pelo segundo (art. 373, inciso II, do CPC de 1973).

Isso, porque os pressupostos objetivos de que depende a caracterização de qualquer contrato de trabalho (ao qual corresponde a relação de emprego - art. 442 da CLT), ou seja, o trabalho em si mesmo e perceber remuneração por ele, se tornariam incontroversos, sobrevivendo dúvida, apenas, no que concerne aos pressupostos subjetivos, ou seja, a subordinação jurídica e a eventualidade no serviço.

Ocorrendo aqueles elementos objetivos, presume-se ter existido o liame de emprego, incumbindo ao réu fazer prova inequívoca do contrário.

In casu, com o depoimento pessoal do reclamante (prova determinante para o desfecho da controvérsia, mas totalmente menosprezada pelo trabalhador, em seu recurso ordinário), as reclamadas fizeram prova de que ele prestava serviços sem habitualidade e de forma autônoma.

Assim é que, na sessão da audiência de instrução e julgamento realizada em 21.02.2019 (v. ata de fls. 761/763), na qual foram somente colhidos os depoimentos pessoais das partes, o reclamante confessava que:

"através das mídias e também por amigos que já trabalhavam na plataforma do aplicativo UBER, fez sua inscrição no aplicativo, não se recordando se foi em 2016 ou 2017; que tinha pleno conhecimento do funcionamento da plataforma e, por estar passando por dificuldade financeira, passou a utilizar o aplicativo das 8h às 2h, em quase todos os dias; que, pelo que se recorda, deixou de prestar serviços para as rés em 2017, quando então passou a prestar serviços para o aplicativo 99taxi; que há 6 meses deixou de utilizar o aplicativo 99taxi para passar a utilizar o aplicativo cabify; ..... que os dias e horários da utilização do aplicativo variavam; que normalmente nos finais de semana fazia uma jornada maior em razão do movimento; ..... que, por ter liberdade de fazer seu próprio horário, não tem como dizer o horário que iniciava e terminava, pois este variava muito; que, durante a prestação de serviços para as rés, não prestou serviços para outros aplicativos ou trabalhou em outra função; que não havia nenhuma restrição das rés de o autor se utilizar de outros aplicativos de serviço de transportes, mas mesmo assim não utilizou; que, após o seu cadastramento no aplicativo, a primeira viagem ocorreu uma semana após; que o aplicativo permite do autor ficar offline; que poderia ficar offline quanto tempo quisesse; que, quando estava online, poderia recusar viagens, mas, se recusasse muitas, a nota dada pela empresa seria diminuída; que o aplicativo permite iniciar uma viagem e, no curso desta, cancelá-la, mas nunca utilizou deste recurso; que utilizava o GPS para a condução do usuário até seu destino final; que também poderia perguntar ao usuário qual o caminho que preferiria; que não teria que avisar às rés caso decidisse não usar o aplicativo; que as rés não exigiam cumprimento de número de dias e nem de horas de utilização do aplicativo; que, caso ficasse doente, não teria que apresentar nenhum atestado médico às rés; que não havia ninguém das rés lhe dando ordem; que não teria que enviar nenhum relatório para as rés, mas, após o término da viagem, teria que qualificar o passageiro, mas essa qualificação não era obrigatória; que era avaliado pelos usuários; que não havia avaliação feita pelas rés, apenas pelos usuários; que a avaliação dos usuários são através de estrela, mesmo critério utilizado pelo motorista para avaliar os usuários; que o usuário não pode escolher o motorista de sua preferência; que não era obrigatório oferecer nem água e nem bala aos usuários, mas, na palestra, foi passado que seria interessante; que não houve nenhuma vistoria das rés no curso da prestação dos serviços; que acha que era em torno de 25% a 35% do valor da corrida repassado para as rés; que era motorista UberX; que, caso o passageiro pagasse em dinheiro, não havia proibição de dar desconto, mas nunca ofereceu nenhum desconto, pois entendia que o valor que recebia era pouco; que recebia semanalmente em torno de R$1.300,00/R$1.400,00; que quem paga as viagens são os usuários; que não havia pagamento mínimo garantido pelas rés caso não houvesse corrida; que, caso seu carro enguiçasse, ficaria sem usar o aplicativo; que utilizava de veículo próprio; que era o depoente que arcava com os custos de seu veículo; que era o seu celular utilizado para acessar o aplicativo; que era o próprio que arcava com os custos de internet para acessar o aplicativo; que arcava com as multas de trânsito"

Com isso se percebe, sem maior esforço, que a situação jurídica do reclamante em relação à primeira reclamada, Uber do Brasil Tecnologia Ltda., nem de longe apresentava traços compatíveis com a de um "empregado" (art. 3º da CLT), faltando, em especial, a "não eventualidade" e a "subordinação jurídica", inerentes ao contrato de trabalho.

Sim, porque o reclamante não precisava prestar serviços com "habitualidade", bastando ver que "o aplicativo permite do autor ficar offline; que poderia ficar offline quanto tempo quisesse", trabalhando de acordo com a sua conveniência, aspecto que também serve a revelar a ausência de subordinação jurídica, elemento que fica evidente com a "liberdade" de atuação com que contava o reclamante na prestação dos serviços de "motorista", possuindo plena autonomia para definir seus dias e horários de trabalho, com escolha das "viagens", já que não estava obrigado a aceitar as indicadas pelo "aplicativo" disponibilizado pelas reclamadas, recusando-as ou cancelando-as, por sponte própria.

Ora, "não havia ninguém das rés lhe dando ordem", mais demonstrando a total ausência de subordinação jurídica do reclamante à primeira reclamada - e a subordinação jurídica é o elemento que distingue o contrato de trabalho de qualquer outro que envolva a execução de um serviço.

Também indicando a autonomia do reclamante na execução dos serviços, era ele quem assumia, por sua conta, os riscos da atividade econômica ("arcava com os custos de seu veículo", "de internet para acessar o aplicativo" e "com as multas de trânsito").

De se registrar que ao reclamante revertia expressivo percentual do valor pago pelos clientes, em torno de 75%, repassando apenas 25% à primeira reclamada, circunstância que denota uma "parceria" existente entre eles, em que o trabalhador, com autonomia, prestava serviços de "motorista", por meio da plataforma digital desenvolvida pelas reclamadas, com o intuito de angariar "clientes".

Assim, o reclamante potencializava a atividade econômica que se prestara a explorar, por sua livre iniciativa; ao mesmo tempo em que a primeira reclamada arrecadava certo percentual das "viagens" feitas pelo reclamante, a partir do uso de sua ferramenta virtual (aplicativo de celular).

Interessante destacar o "objeto social" perseguido pela primeira reclamada, Uber do Brasil Tecnologia Ltda., que "compreende":

"a) licenciamento de direito de acesso e uso de programas de computação;

b) disponibilização a sociedades afiliadas de serviços de suporte e marketing;

c) prestação de serviços administrativos, financeiros, técnicos e de gestão para terceiros;

d) intermediação de serviços sob demanda, por meio de plataforma tecnológica digital; e

e) realização de quaisquer outros atos que, direta ou indiretamente, levem à concentração dos objetos acima mencionados, no seu mais amplo sentido."

(conforme "cláusula 4ª" de seu contrato social, às fls. 323)

Trata-se a primeira reclamada de uma "empresa" voltada para o ramo de tecnologia, e não "uma empresa do setor de TRANSPORTE INDIVIDUAL PRIVADO", como tenta fazer crer o reclamante.

O "controle do preço da viagem" ("precificação") por parte da primeira reclamada não influencia no desfecho do litígio.

Mesmo um profissional "autônomo" deve observar as condições contratuais estipuladas, as quais consistem exatamente em garantir a execução do que fora pactuado, no interesse dos contratantes - não fosse isso e estaria inviabilizado a contratação de serviços oferecidos por um profissional "autônomo".

"Autonomia" não significa "soberania", assim considerada a possibilidade de o profissional "fazer o que quiser", sem "dar satisfações" a quem o contrate, ou assumir obrigações que possa causar prejuízos a este.

O reclamante precisa compreender que a vida - as relações de trabalho - não se resume à CLT.

Outras formas de trabalho remunerado existem, legítimas, sem configurar "fraude".

E o trabalho "autônomo" não encontra obstáculo em nosso ordenamento jurídico, ainda mais para a área em que o reclamante atuava - "motorista de aplicativo".

Ausente qualquer um dos pressupostos inscritos no art. 3º da CLT (in casu, a "não eventualidade" e a "subordinação jurídica"), a relação de trabalho que se estabeleça entre um profissional e a empresa que venha a se utilizar de sua mão de obra não corresponderá a uma "relação de emprego"" (fls. 849/853 do documento sequencial eletrônico nº 03 – destaques originais).

Assim, no aspecto, conforme decidido pela Autoridade Regional, aplica-se a diretriz contida na Súmula nº 126 do TST.

Como consignado na decisão ora agravada, o recurso de revista não alcança conhecimento, uma vez que não demonstrado o preenchimento de todos os seus pressupostos de admissibilidade, prevalecendo, no particular, os fundamentos adotados pela Autoridade Regional na decisão denegatória de origem.

Por outro lado, a adoção de fundamentação per relationem na decisão agravada não implica ofensa às normas processuais relativas à fundamentação dos julgados. Como já consignado, a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho e do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que a adoção da técnica per relationem atende à exigência de motivação das decisões proferidas pelos órgãos do Poder Judiciário, não havendo que se falar, portanto, em violação dos arts. 5º, II, 93, IX, da Constituição Federal, nem do art. 489, § 1º, III, do CPC/2015. Nesse sentido, aliás, é a tese fixada pela Suprema Corte, no julgamento do Tema nº 339 da Tabela de Repercussão Geral ("o art. 93, IX, da Constituição Federal exige que o acórdão ou decisão sejam fundamentados, ainda que sucintamente, sem determinar, contudo, o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas").

Nessa circunstância, os argumentos da parte Agravante não logram desconstituir a decisão agravada, razão pela qual nego provimento ao agravo.

O entendimento desta Turma é de que se aplica a multa prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC/2015, nas hipóteses em que o agravo for declarado manifestamente inadmissível ou improcedente em votação unânime. No mesmo sentido é a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, ilustrada pelo seguinte julgado:

"RECURSO EXTRAORDINÁRIO – MATÉRIA LEGAL E FÁTICA – O recurso extraordinário não é meio próprio ao revolvimento da prova nem serve à interpretação de normas estritamente legais. AGRAVO – MULTA – ARTIGO 1.021, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. Se o agravo é manifestamente inadmissível ou improcedente, impõe-se a aplicação da multa prevista no § 4º do artigo 1.021 do Código de Processo Civil de 2015, arcando a parte com o ônus decorrente da litigância protelatória" (RE 1123275 AgR, Relator Ministro MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 11/09/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-242 DIVULG 14-11-2018 PUBLIC 16-11-2018, destaque acrescido).

Considerando que o presente agravo foi julgado improcedente à unanimidade, condeno a parte Agravante a pagar multa de 2% (dois por cento) sobre o valor da causa atualizado pela SELIC (conforme decido pela Suprema Corte na ADC 58), em favor das partes Agravadas, com fundamento no art. 1.021, § 4º, do CPC/2015.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, à unanimidade, conhecer do agravo; no mérito, negar-lhe provimento e condenar a Agravante a pagar multa de 2% (dois por cento) sobre o valor da causa atualizado pela SELIC (conforme decido pela Suprema Corte na ADC 58), em favor das partes Agravadas, com fundamento no art. 1.021, § 4º, do CPC/2015.

Custas processuais inalteradas.

Brasília, 28 de setembro de 2021.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

ALEXANDRE LUIZ RAMOS

Ministro Relator                                                                                               

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