RELAÇÃO DE TRABALHO Crowdwork - Plataforma digital

Data da publicação:

Acordão - TRT

João Batista Martins César - TRT/Campinas



TRABALHO POR MEIO DE PLATAFORMAS DIGITAIS (crowd economy, gig economy, freelance economy - economia sob demanda). VÍNCULO DE EMPREGO. POSSIBILIDADE. ACORDO CELEBRADO NO DIA ANTERIOR À SESSÃO DE JULGAMENTO. NÃO HOMOLOGAÇÃO. JURIMETRIA.



6ª TURMA - 11ª CÂMARA

PROCESSO Nº 0011710-15.2019.5.15.0032

RECURSO ORDINÁRIO

RECORRENTE: ROGERIO ADRIANO VENANCIO MARTINS

RECORRIDO: UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA.

ORIGEM: 2ª VARA DO TRABALHO DE CAMPINAS

JUIZ (A) SENTENCIANTE: ANDRE LUIZ MENEZES AZEVEDO SETTE

RELATOR: JOÃO BATISTA MARTINS CÉSAR

TRABALHO POR MEIO DE PLATAFORMAS DIGITAIS (crowd economy, gig economy, freelance economy - economia sob demanda). VÍNCULO DE EMPREGO. POSSIBILIDADE. ACORDO CELEBRADO NO DIA ANTERIOR À SESSÃO DE JULGAMENTO. NÃO HOMOLOGAÇÃO. JURIMETRIA. 

1. As partes juntaram petição de acordo, em 19.04.21 (um dia antes desta sessão), às 18h15, requerendo a retirada do processo de pauta de julgamento para a homologação do ajuste. O pedido foi apresentado menos de 24 horas antes do horário da presente sessão, embora o prazo para o despacho seja de cinco dias (art. 226, I, CPC c/c art. 769, CLT). 

2. Não há direito líquido e certo quanto à homologação do acordo no âmbito judicial, o qual deve ser apreciado pelo magistrado, nos termos da Súmula nº 418 do C. TST. 

3. De breve análise superficial e estritamente processual, sem adentrar ao mérito da questão, verifica-se que o valor do acordo (R$ 35.000,00) não é razoável, considerando o valor de remuneração apontada (R$ 3.000,00), o tempo do contrato de trabalho (aproximadamente um ano) e os direitos incidentes à hipótese. 

4. Ademais, consta do acordo a isenção tributária plena, embora haja obrigação de recolhimento (caput e inciso V do art. 11 da Lei nº 8.213/1991; caput e inciso V do art. 9º do Decreto nº 3.048/1999; caput e inciso IV do art. 4º e art. 9º da IN RFB nº 971/2009, com redação dada pela IN RFB nº 1.453/2014). Logo, a pretensão das partes, tal como proposta, implica ofensa ao art. 104, II, do CC. 

5. A estratégia da reclamada de celebrar acordo às vésperas da sessão de julgamento confere-lhe vantagem desproporcional porque assentada em contundente fraude trabalhista extremamente lucrativa, que envolve uma multidão de trabalhadores e é propositadamente camuflada pela aparente uniformidade jurisprudencial, que disfarça a existência de dissidência de entendimento quanto à matéria, aparentando que a jurisprudência se unifica no sentido de admitir, a priori, que os fatos se configuram de modo uniforme em todos os processos (jurimetria). 

6. Entretanto, o art. 7° do CPC assegura às partes "paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório". O contraditório deve, portanto, garantir a possibilidade de influenciar o julgador no momento da decisão. Nesse contexto, verifica-se a incompatibilidade entre a observância do princípio da cooperação e o abuso do direito processual caracterizado pela adoção dessa estratégia de manipulação da jurisprudência. 

7. Reitere-se que não se está a desestimular ou desmerecer os meios consensuais de resolução dos conflitos, cuja adoção é estimulada pelo CPC. Trata-se de mecanismo capaz de produzir pacificação social de forma célere e eficaz, cuja adoção é incentivada pelo Poder Judiciário, que tem investido na mediação e na conciliação. Na hipótese, entretanto, é indispensável impedir o abuso de direito e a violação do princípio da paridade de armas (art. 7º do CC). 

8. Mencione-se que no primeiro grau a reclamada não apresentou nenhuma proposta conciliatória, e, às vésperas da sessão de julgamento, faz acordo em valor de R$ 35.000,00. 

9. Mencione-se que o artigo 142 do CPC preceitua que: "Convencendo-se, pelas circunstâncias, de que autor e réu se serviram do processo para praticar ato simulado ou conseguir fim vedado por lei, o juiz proferirá decisão que impeça os objetivos das partes (...)". No mesmo sentido o artigo 80 do mesmo código, ao considerar como litigante de má-fé aquele que usar do processo para conseguir objetivo ilegal. 

10. Nesse contexto, indefere-se o pedido de retirada do processo de pauta e deixa-se de homologar o acordo apresentado pelos requerentes, por não preenchidos os requisitos formais do art. 104 do CC (objeto lícito, possível e determinado ou determinável) e verificado o abuso de direito e a violação do princípio da paridade de armas (art. 7º do CC) e com base no artigo 142 do CPC. 

TRABALHO POR MEIO DE PLATAFORMAS DIGITAIS (crowd economy, gig economy, freelance economy - economia sob demanda). VÍNCULO DE EMPREGO

1. O reclamante afirmou, na inicial, que foi admitido pela reclamada, como motorista, com salário mensal médio de R$ 3.000,00. Relatou que mantiveram dois contratos de trabalho: o primeiro de 10/08/2017 a 17/07/2018 e o segundo de 26/07/2019 a 24/09/2019. Sustentou a presença dos requisitos previstos no artigo 3º da CLT e postulou o reconhecimento da relação de emprego. 

2. A reclamada alegou que a relação jurídica com os "motoristas parceiros" não é de emprego. 

3. Ao admitir a prestação de serviços, a empresa atraiu o ônus de demonstrar fato impeditivo ao direito (artigo 818, I, da CLT), encargo do qual não se desincumbiu a contento. 

4. O contrato oferecido pela plataforma ao passageiro evidencia que a natureza da atividade é de transporte. É cediço que o seu lucro não advém do aluguel pela utilização da plataforma, mas dos serviços de transporte de passageiros e cargas leves

5. Para desenvolver o negócio que a transformou em uma das maiores empresas do mundo, a UBER precisa manter à sua disposição um grande quantitativo de trabalhadores (crowd) aptos a executar a viagem contratada imediatamente após a formalização do contrato de transporte entre o passageiro e a empresa. Portanto, necessita que os motoristas estejam vinculados à atividade econômica que desenvolve, disponibilizando lhe seu tempo e sob a sua direção, pois não há outro modo de apresentar-se ao mercado com presteza e agilidade no atendimento dos serviços de transporte que oferece nas 24 horas do dia, incluídos domingos e feriados. 

6. Nesse contexto, diante do princípio da primazia da realidade, reconhece-se que a atividade preponderante da ré é o transporte de passageiros, independentemente do que conste formalmente do seu instrumento societário e dos contratos que induzem a ideia de que o motorista, objetivando aproximação com os clientes, celebrou contrato de aluguel da plataforma. 

7. A respeito dos requisitos da relação de emprego, oportuno esclarecer alguns aspectos: a) a não-eventualidade diz respeito à continuidade, de modo intermitente ou contínuo, do labor prestado pelo trabalhador em favor da empresa; b) a CLT equipara os efeitos jurídicos da subordinação exercida por meios telemáticos e informatizados àquela empreendida por meios pessoais e diretos (parágrafo único do art. 6º); c) a liberdade quanto ao cumprimento da jornada de trabalho não é óbice ao reconhecimento do vínculo de emprego; d) a exclusividade não é requisito caracterizador da relação empregatícia. 

8. O preposto da reclamada admitiu a existência de restrição à autonomia do trabalhador com relação à forma de recebimento e ao veículo a ser utilizado ao afirmar que "em pagamentos em dinheiro, o motorista pode conceder descontos, mas não nos realizados via cartão de crédito; (...) o motorista tem a obrigação de indicar qual o veículo que será utilizado na plataforma; a exigência da UBER é que os veículos sejam posteriores ao ano de 2009". 

9. A primeira testemunha da reclamada confirmou a grande ingerência da empresa nas atividades desenvolvidas pelos motoristas (subordinação), bem como a adoção de sistema de avaliação dos trabalhadores (poder disciplinar/subordinação) e os estímulos como o pagamento de bônus e prêmios, inclusive para aumentar o período de disponibilidade do trabalhador à empresa

10. A segunda testemunha da reclamada confirmou que os trabalhadores não têm autonomia sobre os valores cobrados (subordinação); recebem bônus e/ou premiações e podem ser advertidos e até dispensados (poder diretivo / subordinação) se não se adequarem à política da empresa e insistirem em condutas que possam gerar prejuízos à plataforma (alteridade). 

11. Da análise da prova dos autos, percebe-se que a subordinação se revela de várias formas: a) cobranças sofridas pelos motoristas, de modo a realizar o maior número possível de viagens; b) distribuição dos trabalhadores, pelo aplicativo, nas diversas áreas da cidade, de modo a atenderem regularmente maior número de clientes; c) os motoristas conhecem o destino da viagem apenas no seu início, nunca antes, o que esvazia a sua autonomia com relação à organização da atividade, já que o poder sobre a distribuição das viagens pertence à plataforma; d) a UBER fiscaliza a atuação dos condutores, por meio dos próprios usuários, que recebem mensagem para avaliação; e) a ré recebe reclamações dos clientes e aplica penalidades aos motoristas, exercendo poder disciplinar por meio de advertências, suspensões e desligamento da plataforma; f) as movimentações do trabalhador são monitoradas em tempo real, por meio de sistema operacional via satélite; g) o trabalhador não tem qualquer ingerência no preço final que é cobrado do cliente. 

12. Frise-se, o motorista de aplicativos de transporte não possui qualquer influência na negociação do preço e na cobrança do serviço ao cliente. A definição do valor da corrida, inclusive com relação à fixação dos chamados preços dinâmicos (conforme horário e demanda do serviço), é feita exclusivamente pela empresa. O valor é cobrado, na maior parte, por meio de cartões previamente cadastrados no aplicativo. A gestão da negociação do preço do serviço, portanto, pertence ao detentor do aplicativo e não ao motorista. 

13. Estando presentes todos os requisitos do art. 3º da CLT, com base na análise da prova oral e documental, sobretudo diante a verificação da existência de meios telemáticos e automatizados de comando, controle e supervisão (parágrafo único do art. 6º da CLT), deve ser reconhecida a relação de emprego. 

TRABALHO EM PLATAFORMAS. GIG ECONOMY. 

1. O Brasil deve cumprir as normas internacionais do trabalho, que têm por objetivo orientar os esforços das nações para estabelecer patamares mínimos de direitos trabalhistas, com vistas à promoção da dignidade humana - o que é particularmente relevante no contexto da evolução tecnológica que desencadeou o fenômeno global de transformação das formas de trabalho, que devem ser analisadas à luz da valorização da pessoa humana e da sua dignidade, saúde e segurança

2. Essa tendência de modificação no modelo tradicional do trabalho lastreado nas relações de emprego, com o crescimento da chamada Economia de Aplicativos, incrementada pela ascensão da inteligência artificial e robótica, merece olhar atento da sociedade, como alerta a OIT nos documentos intitulados Strengthening social protection for the future of work e Trabalho para um futuro mais brilhante

3. O desafio, alerta a OIT, reside no fato de que as políticas sociais foram pensadas para os trabalhadores que se enquadram nas relações de emprego padrão (emprego). O trabalho por aplicativo, muitas vezes, é mal remunerado, inclusive abaixo do salário-mínimo, e não existem mecanismos oficiais para lidar com o tratamento injusto. A organização recomendou o desenvolvimento de um sistema de governança que defina e exija que as plataformas respeitem certos direitos e proteções mínimos. 

4. A faceta moderna da organização do trabalho é o controle por programação ou comandos (ou por algoritmo). A partir da programação, da estipulação de regras e comandos preordenados e mutáveis (pelo programador), ao trabalhador é incumbida a capacidade de reagir em tempo real aos sinais que lhe são emitidos para realizar os objetivos assinalados pelo programa. Os trabalhadores, nesse novo modelo, devem estar mobilizados e disponíveis à realização dos objetivos que lhe são consignados. Existe uma suposta e conveniente autonomia do motorista, subordinada à telemática e ao controlador do aplicativo. Trata-se da direção por objetivos

5. O algoritmo, que pode ser modificado a qualquer momento, pela reprogramação (inputs), garante que os resultados finais esperados (outputs) sejam alcançados sem a necessidade de dar ordens diretas aos trabalhadores, que, na prática, não agem livremente, mas exprimem reações esperadas. Aqueles que seguem a programação recebem premiações, na forma de bonificações e prêmios, enquanto aqueles que não se adaptarem aos comandos e objetivos são punidos ou desligados. 

6. Ressalte-se que a empresa instrumentaliza o serviço durante todo o dia por meio de estímulo às jornadas extensas, com prêmios. O algoritmo procura melhorar a remuneração desses trabalhadores nos horários em que há maior necessidade dos usuários da plataforma. 

7. Passa-se da ficção do trabalhador-mercadoria para a ficção do trabalhador-livre. 

JURISPRUDÊNCIA COMPARADA.

1. O trabalho em plataformas é uma questão global, que vem sendo enfrentada pelos tribunais de diversos países, em decisão proferida pela Corte de Justiça da União Europeia foi decidido que o serviço de intermediação (Uber) deve ser considerado como parte integral de um serviço geral, cujo principal componente é o serviço de transporte e, em razão disso, não deve ser classificado como "serviço de sociedade de informação" [...] mas como "serviço no campo do transporte". 

2. Mais recentemente, a Suprema Corte do Reino Unido reconheceu que os motoristas da Uber são workers e não trabalhadores autônomos, aplicando a teoria do Purposive Approach, desenvolvida por Guy Davidov, no sentido de que a interpretação da lei deve ser realizada a partir dos seus objetivos e o resultado interpretativo deve ser aquele que traz melhores resultados de acordo com essas finalidades. O Tribunal Inglês reconheceu que há subordinação dos motoristas do aplicativo à empresa Uber. 

3. No caso da decisão da Suprema Corte do Reino Unido, deve ser esclarecido que o enquadramento dos trabalhadores na categoria de workers, e não de employees, observou, os limites do pedido; já que a subordinação foi amplamente reconhecida e que, ao analisar o grau de controle exercido pela UBER, a Corte ressaltou que a liberdade para definir sua própria jornada de trabalho não afasta o vínculo, citando os trabalhadores intermitentes como exemplo, e frisando a necessidade de centrar a análise nas condições de trabalho vivenciadas durante a jornada, qualquer que seja ela. 

4. Acrescente-se que, em março de 2020, a Corte de Cassação da França reconheceu a existência de relação de emprego, passando pelo conceito de sujeição às ordens organizacionais, nos exatos termos do artigo 6º, parágrafo único, da CLT e frisa que a possibilidade de escolher o momento para se conectar não afasta o vínculo, pois, uma vez conectado, o motorista tem limitadas recusas, encontrando-se, portanto, à disposição da estrutura UBER. 

O RECONHECIMENTO DO VÍNCULO DE EMPREGO COMO SUPOSTO INVIABILIZADOR DO NEGÓCIO (DO AVANÇO DA "MODERNIDADE E DA TECNOLOGIA").

1. O Procurador Regional do Trabalho Dr. Cássio Casagrande, no artigo "Com motoristas empregados, o Uber acaba? Os saltos tecnológicos do capitalismo e a regulação da economia digital", de 1.3.2021, afirma que: "Tudo isso apenas está se repetindo agora na "quarta" revolução industrial. O trabalho com a intermediação de aplicativos gerou uma massa de trabalhadores precários, destituídos de qualquer proteção. Cedo ou tarde, pelo legislativo ou pelo judiciário, a regulação virá. Se o Uber não conseguir manter certos direitos sociais para seus motoristas, a empresa pode, sim, desaparecer. E isso não é ruim, pelo contrário. Será substituída por outras mais eficientes. O mais provável é que ela puramente se adapte (já o está fazendo em estados como Nova Iorque e Califórnia, onde é obrigada por lei a pagar salário-mínimo e limitar a jornada de motoristas). Mas as corridas e entregas vão ficar mais caras para os consumidores se direitos forem reconhecidos aos motoristas? Provavelmente sim, porque hoje elas estão artificialmente baratas, pois o "modelo de negócios" destas empresas inclui superexplorar trabalhadores e sonegar contribuições fiscais e previdenciárias (e na verdade somos nós contribuintes que estamos subsidiando a empresa). O aumento no preço dos bens de consumo e serviço em razão da criação de direitos sociais é inevitável, e é um progresso. Do contrário, vamos defender que nossas roupas sejam feitas por crianças trabalhando em regime de servidão ou que se restabeleça o transporte urbano por tração humana. Creio que não queremos voltar aos tempos do "King Cotton" no Sul dos EUA, nem ao Brasil Império do palanquim e da liteira." O artigo do Dr. Cássio Casagrande mostra que a tecnologia sempre será bem-vinda, porém não pode ser utilizada como forma de subtrair os direitos dos trabalhadores. O baixo custo do serviço prestado por meio da plataforma não pode ser suportado pelos motoristas, pois quem desenvolve a atividade econômica tem a obrigação de respeitar os direitos fundamentais dos trabalhadores, sob pena de prática de concorrência desleal com os serviços até então estabelecidos, provocando uma erosão social com o aniquilamento dos direitos fundamentais dos trabalhadores. 

2. Diante do exposto, dou provimento ao recurso ordinário do trabalhador para reconhecer o vínculo de emprego.

Inconformado com a r. sentença (Id 7ad3685), interpôs recurso ordinário o reclamante (Id 26645f7), pretendendo a reforma do julgado em relação aos seguintes temas: vínculo de emprego, verbas rescisórias, jornada de trabalho, dano moral, correção monetária e honorários advocatícios.

Contrarrazões (Id ba39f76).

Manifestação do Ministério Público do Trabalho, por meio do parecer de lavra da Procuradora Regional do Trabalho Ana Lúcia Ribas Saccani Casarotto; do Coordenador Nacional da CONAFRET, Procurador do Trabalho Tadeu Henrique Lopes da Cunha e da Vice-Coordenadora nacional da CONAFRET, Procuradora do Trabalho Carolina de Prá Camporez Buarque (Id 0c9fbe4).

É o relatório.

ecf / rmf

VOTO

PRIMEIRA QUESTÃO DE ORDEM

A reclamação trabalhista foi ajuizada em 29/11/2019 e diz respeito a dois períodos de prestação de serviços: de 10/08/2017 a 17/07/2018 e de 26/07/2019 a 24/09/2019.

As normas de direito material do trabalho não retroagem para regular as relações de trabalho anteriores à sua vigência, nos termos do art. 5º, XXXVI da CR88 e art. 6º da LINDB.

Com relação às normas de direito processual, as ações ajuizadas antes da vigência da Lei n. 13.467/17, serão processadas segundo as normas incidentes no ato inaugural do feito, qual seja, a data do ajuizamento, respeitando o direito da parte autora de avaliar os riscos e/ou comprometimentos patrimoniais de sua demanda, segundo a lei processual em vigor naquele momento (Princípio tempus regit actum). A regra se aplica, inclusive, às normas de concessão da justiça gratuita (custas, despesas processuais e honorários periciais) e sucumbência, até mesmo a recíproca. As demais normas processuais, que não resultem em ônus adicional para os litigantes, serão, em princípio, aplicadas imediatamente a partir da vigência da nova Lei. Os prazos iniciados após a vigência da nova Lei, serão contados em dias úteis (art. 775 da CLT, com redação dada pela Lei n. 13.467/17).

SEGUNDA QUESTÃO DE ORDEM

As partes juntaram petição de acordo, em 19.04.21 (um dia antes desta sessão), às 18h15, requerendo a retirada do processo de pauta de julgamento para a homologação do ajuste (Id 6af29f9). O pedido foi apresentado menos de 24 horas antes do horário da presente sessão, embora o prazo para o despacho seja de cinco dias (art. 226, I, CPC c/c art. 769, CLT).

A matéria está afeta à competência monocrática do desembargador Relator, a quem compete "dirigir e ordenar o processo no tribunal, inclusive em relação à produção de prova, bem como, quando for o caso, homologar autocomposição entre as partes" (art. 932, inciso I, do CPC). O Regimento Interno deste E. Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, por sua vez, estabelece que cabe ao Relator "dirigir e ordenar o processo no tribunal, inclusive em relação à produção de prova, bem como, quando for o caso, homologar desistência de recursos, de ações e autocomposição das partes"(art. 113, inciso I).

Ressalte-se que a transação pressupõe incerteza do direito, para que possam ser feitas concessões mútuas. Washington de Barros Monteiro frisa que "transação pressupõe necessariamente incerteza ou contestação entre os interessados acerca de determinada relação jurídica (res dubia)" (Curso de direito civil. 18ª edição. São Paulo: Saraiva, 1983, v. 4, p. 309). Silvio Rodrigues leciona que é indispensável a existência de dúvida sobre certa relação jurídica (res dubia), para que se possa falar em transação: "Se tal dúvida inexiste, pelo menos no espírito das partes transigentes, a transação perde seu objetivo e o acordo entre os adversários pode se comparar a uma doação ou à remissão de dívidas, mas não ao negócio em exame" (Direito civil. Parte geral das obrigações. São Paulo: Saraiva, 1980, v. 2, p. 262) No mais, aplica-se, de forma supletiva, o que estabelece o artigo 723, parágrafo único, do CPC: "O juiz não é obrigado a observar critério de legalidade estrita, podendo adotar em cada caso a solução que considerar mais conveniente ou oportuna".

Acrescente-se que não há direito líquido e certo quanto à homologação do acordo no âmbito judicial, o qual deve ser apreciado pelo magistrado, nos termos da Súmula nº 418 do C. TST.

Neste contexto, passa-se a fundamentar a rejeição do pedido de retirada do processo da pauta e, acolhendo a sugestão apresentada pela i. terceira votante, Juíza Laura Bittencourt Ferreira Rodrigues, perfilhada pelo i. segundo votante, Desembargador Luís Henrique Rafael, a não homologação do acordo.

De breve análise superficial e estritamente processual, sem adentrar ao mérito da questão, verifico que valor do acordo (R$ 35.000,00) não é razoável, considerando o valor de remuneração apontado (R$ 3.000,00), o tempo do contrato de trabalho (aproximadamente um ano) e os direitos incidentes à hipótese.

Ademais, consta do acordo a isenção tributária plena, embora haja obrigação de recolhimento (caput e inciso V do art. 11 da Lei nº 8.213/1991; caput e inciso V do art. 9º do Decreto nº 3.048/1999; capute inciso IV do art. 4º e art. 9º da IN RFB nº 971/2009, com redação dada pela IN RFB nº 1.453/2014). Logo, a pretensão das partes, tal como proposta, implica ofensa ao art. 104, II, do CC.

Por fim, há cláusula que dá quitação, "à extinta relação jurídica com relação à parte reclamada", fulminando "qualquer pretensão vinculada à relação havida". Esta C.Câmara não tem acolhido a quitação plena do contrato de trabalho, pois, ainda que o trabalhador esteja assistido por advogado capacitado, a transação não pode abranger direitos indisponíveis, sendo insuficiente a concordância do trabalhador. Denota-se que não foram preenchidos os requisitos formais do art. 104 do CC quanto ao objeto lícito, possível e determinado ou determinável, na medida que o trabalhador deu quitação sobre objeto que não lhe é possível.

Ademais, em homenagem aos princípios da celeridade e economia processual e porque coaduno inteiramente com as razões lançadas pelo i. Desembargador Antônio Gomes de Vasconcelos, do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, no voto condutor do processo 0010258-59.2020.5.03.0002 (v.u., em 09.12.2020), transcrevo-as e passo a adotá-las como se minhas fossem:

"Quanto ao mérito do pedido, este Relator tem a ponderar que a reclamada tem dado sinais de uso estratégico do processo com o objetivo de fazer transparecer uma visão distorcida do estado da arte da jurisprudência acerca da questão relativa à existência ou não de vínculo empregatício entre os motoristas e as empresas que se utilizam de plataformas virtuais na conexão entre clientes de serviços de transporte de pessoas e motoristas, como é o caso da recorrente.

Isto ocorre na medida em que em número considerável de demandas a reclamada tem se disposto a celebrar acordo apenas nos casos em que se visualizam razões suficientes para se supor que o órgão julgador decidirá em sentido contrário ao seu interesse.

Tal postura deixa transparecer uma possível estratégia de se evitar a formação de jurisprudência no sentido do reconhecimento de vínculo empregatício, interferindo, desta maneira, que os Tribunais cumpram sua missão de unificar a jurisprudência por intermédio dos instrumentos processuais destinados a esse fim.

A estratégia compromete de modo peremptório o cumprimento da função do Poder Judiciário de realizar a justiça, impedindo o fluxo natural da jurisprudência e a configuração da pluralidade de entendimentos para que, enfim, as instâncias competentes possam consumar o posicionamento definitivo sobre a matéria.

Assim, parece bastante plausível que, ao se disporem a fazer acordo em casos tais, busca se evitar decisões que reconheçam a existência de vínculo de emprego entre as partes. Se configurada a estratégia, ela concorre para que a comunidade jurídica e os trabalhadores desse setor de atividade tenham a impressão de que a jurisprudência é, por princípio e em quaisquer circunstâncias, uníssona em uma direção, ainda que não se tenha quaisquer precedentes de uniformização de jurisprudência sobre a matéria, o que, de resto, não deverá acontecer porquanto as controvérsias em casos como o que aqui se discute situam-se no campo dos fatos.

Generalização desta apenas aparente concepção unitária da jurisprudência acaba por desestimular trabalhadores que tenham fortes razões para levar seu caso à apreciação do Poder Judiciário, deixando de fazê-lo por absorver a existência de higidez da jurisprudência - dissimulada pela estratégia adotada pela reclamada - no sentido da inexistência de vínculo empregatício nesse tipo de relação de trabalho medida por algoritmos.

A estratégia de conciliar apenas em segundo grau, às vésperas das sessões de julgamento, a depender do órgão colegiado que julgará o feito, põe luzes a um contexto mais abrangente.

As políticas de administração da justiça nacional têm enfatizado intensamente ações institucionais e interinstitucionais no sentido de conferir tratamento adequado dos conflitos, no que se inclui o fomento aos meios consensuais, judiciais e não judiciais, de resolução dos conflitos. Uma profunda transformação paradigmática se verifica na administração da justiça, atualmente.

Incumbe aos Tribunais interagir com as demais instituições do sistema de justiça, com as universidades, com instituições, sindicatos e atores da sociedade, com vistas à construção de programas de prevenção, solução consensual dos conflitos. Capítulo especial, diz respeito aos litígios massivos/repetitivos como o que se afigura nestes autos.

Visa-se primordialmente realizar a justiça e melhorar a qualidade da administração da justiça,e, secundária e estrategicamente, tornar o poder judiciário, mais célere e mais eficiente na garantia da efetividade da ordem jurídica, mediante a redução das elevadas taxas de congestionamento, especialmente em situações em que tal fato é desnecessário e resulta de eventual estratégia de qualquer das partes.

Nesse sentido, cabe lembrar a Resolução 174/2016 (CSJT) que institui no âmbito da Justiça do Trabalho a política de tratamento adequado dos conflitos por intermédio dos Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Resolução de Disputas e dos Centros Judiciários de Métodos Consensuais de Solução de Disputas. Na mesma perspectiva, visualiza-se a Meta 09 da Estratégia do Poder Judiciário Nacional que integraliza a Agenda 2030 (ONU) ao Poder Judiciário por meio de medidas de prevenção de litígios e desjudicialização que, no âmbito deste Tribunal, institucionaliza-se através do Programa de Administração de Justiça Consensual, pelo qual se instauram procedimentos de diálogo para diagnóstico e concertação interinstitucional com empresas cuja atividade constitui-se como foco de demandas massivas com objetivo de alcançar solução sistêmica e consensual para tais casos.

A estratégia adotada pela reclamada implica também em agravamento das taxas de congestionamento e dispêndio inócuo da força de trabalho dos magistrados e servidores, à medida que a movimentação de toda essa estrutura para que os processos sejam incluídos em pauta torna-se sem qualquer efeito no momento em que às vésperas do julgamento, sistematicamente, são protocoladas petições com pedido de retirada do processo de pauta para a celebração de acordo, tornando inócuo o trabalho de análise, processamento e tramitação dos autos, nesta instância, quando a possibilidade de conciliar poderia ser analisada em instância apropriada, evitando-se o desvio de força de trabalho de outras demandas que requerem, de fato, a concretização da prestação jurisdicional.

Além do mais, em lugar de optar por submeter a situação geradora de um grande número de demandas repetitivas a tratamento adequado pelas vias consensuais preventivas, a reclamada tem optado por instrumentalizar e fazer uso estratégico do processo e do próprio Poder Judiciário com o fim de legitimar por via oblíqua as práticas e conduta adotadas no capítulo "relações de trabalho" de suas atividades empresariais.

(...)

A estratégia da reclamada, portanto, confere-lhe vantagem desproporcional porque assentada em contundente fraude trabalhistareforçada pela aparente uniformidade da jurisprudência dissimulada a existência de dissidência jurisprudencial quanto à matéria que, de modo ainda mais danoso, aparenta que a jurisprudência se unifica também no sentido de admitir, a priori, que os fatos também se configuram exatamente de modo uniforme em todos os processos.

Nota-se, portanto, que a "política" adotada pela reclamada, além de obstaculizar a realização da justiça ao equiparar renúncia e transação, compromete a eficiência, racionalidade e a economicidade dos atos processuais, que são princípios constitucionais basilares que regem a Administração Pública.

(...)

Pesquisa jurimétrica realizada pelo Parquet, com resultados levantados parcialmente e, por enquanto, por amostragem, no universo de 279 processos em trâmite contra a reclamada, houve oferta de proposta e celebração de acordo exatamente nas turmas em que já houve o reconhecimento de vínculo de emprego entre as partes."

A estratégia da reclamada confere-lhe vantagem desproporcional porque assentada em contundente fraude trabalhista extremamente lucrativa, que envolve uma multidão de trabalhadores e é propositadamente camuflada pela aparente uniformidade jurisprudencial, que disfarça a existência de dissidência de entendimento quanto à matéria, aparentando que a jurisprudência se unifica no sentido de admitir, a priori, que os fatos se configuram de modo uniforme em todos os processos.

Entretanto, o art. 7° do CPC assegura às partes "paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório". O contraditório deve, portanto, garantir a possibilidade de influenciar o julgador no momento da decisão. Nesse contexto, verifica-se a incompatibilidade entre a observância do princípio da cooperação e o abuso do direito processual caracterizado pela adoção dessa estratégia de manipulação da jurisprudência.

Reitere-se que não se está a desestimular ou desmerecer os meios consensuais de resolução dos conflitos, cuja adoção é estimulada pelo CPC. Trata-se de mecanismo capaz de produzir pacificação social de forma célere e eficaz, cuja adoção é incentivada pelo Poder Judiciário, que tem investido na mediação e na conciliação. Na hipótese, entretanto, é indispensável impedir o abuso de direito e a violação do princípio da paridade de armas (art. 7º do CC).

Mencione-se que no primeiro grau, conforme ata de audiência Id c08a0a9, a reclamada não apresentou nenhuma proposta conciliatória, e, às vésperas da sessão de julgamento, faz acordo em valor de R$ 35.000,00.

Ademais, o artigo 142 do CPC preceitua que: "Convencendo-se, pelas circunstâncias, de que autor e réu se serviram do processo para praticar ato simulado ou conseguir fim vedado por lei, o juiz proferirá decisão que impeça os objetivos das partes (...)". No mesmo sentido o artigo 80 do mesmo código, ao considerar como litigante de má-fé aquele que usar do processo para conseguir objetivo ilegal.

Nesse contexto, indefere-se o pedido de retirada do processo de pauta e deixa-se de homologar o acordo apresentado pelos requerentes, por não preenchidos os requisitos formais do art. 104 do CC (objeto lícito, possível e determinado ou determinável) e verificado o abuso de direito e a violação do princípio da paridade de armas (art. 7º do CC) e com base no artigo 142 do CPC.

Nesse contexto, indefere-se o pedido de retirada do processo de pauta e deixa-se de homologar o acordo apresentado pelos requerentes, por não preenchidos os requisitos formais do art. 104 do CC (objeto lícito, possível e determinado ou determinável) e verificado o abuso de direito e a violação do princípio da paridade de armas (art. 7º do CC).

ADMISSIBILIDADE

A reclamada argui, em contrarrazões, a inadmissibilidade do recurso ordinário, aduzindo que as razões recursais não enfrentaram os fundamentos da sentença, atentando contra o princípio da dialeticidade.

Sem razão.

Da leitura da peça recursal em cotejo com a sentença recorrida, constata-se que houve satisfatória exposição dos fundamentos que ensejariam a reforma.

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conhece-se do recurso ordinário.

PRELIMINAR

INCOMPETÊNCIA MATERIAL

A reclamada reitera a arguição de incompetência material da Justiça do Trabalho, alegando que a relação existente entre a UBER e os motoristas possui natureza jurídica eminentemente comercial, de natureza civil.

Sem razão.

O autor postulou o reconhecimento do vínculo de emprego com base na prestação de serviços em benefício da reclamada, o que evidencia a competência jurisdicional prevista no art. 114, I, da Constituição da República.

Rejeita-se.

MÉRITO

TRABALHO POR MEIO DE PLATAFORMAS DIGITAIS (crowd economy, gig economy, freelance economy - economia sob demanda)

Diante das reiteradas afirmações da recorrente no sentido de que "a jurisprudência é firme no sentido de afastar o vínculo de emprego entre os motoristas parceiros e a Uber",impõe-se uma breve digressão a respeito da estratégia que vem sendo adotada por plataformas digitais de transporte em processos que envolvam pedido de reconhecimento de vínculo de emprego dos prestadores de serviços.

Trata-se de mecanismo de manipulação da jurisprudência pátria empreendida por meio de conciliações levadas a efeito apenas em processos cujas decisões potencialmente formadoras de precedentes tendem a lhes ser desfavoráveis.

O Ministério Público do Trabalho elucida a questão no parecer de lavra da Procuradora Regional do Trabalho Ana Lúcia Ribas Saccani Casarotto; do Coordenador Nacional da CONAFRET, Procurador do Trabalho Tadeu Henrique Lopes da Cunha e da Vice-Coordenadora nacional da CONAFRET, Procuradora do Trabalho Carolina de Prá Camporez Buarque, in verbis:

"Um dos pontos trazidos pela defesa trata da "jurimetria", ou seja, a jurisprudência pátria que lhe seria favorável. Com efeito, a UBER menciona, em sua defesa, decisões judiciais de não reconhecimento do vínculo de emprego. Mais adiante, ela menciona o número de decisões que lhes seriam favoráveis.

(...)

O Posicionamento Jurisprudencial mencionado pela empresa não é fruto do acaso, ou da ausência de compreensão da Justiça do Trabalho sobre a metodologia de trabalho em questão. O número de decisões favoráveis à empresa tende a ser maior do que o número de decisões desfavoráveis, porque ela adota evidente estratégia de "jurimetria", formalizando acordos judiciais que impedem o revolvimento da matéria pelas instâncias recursais trabalhistas, obstando a formação de posicionamento jurisprudencial que lhe seja contrário.

A jurimetria, ao se dedicar à aplicação de métodos estatísticos ao Direito, se utilizando de avaliações a respeito da tendência das decisões judiciais, inclusive quanto ao perfil dos Magistrados julgadores dos casos concretos, enseja que a empresa proponha acordos para os reclamantes, mas sem o reconhecimento do vínculo de emprego, que dificilmente não serão formalizados, sob a ótica individual do trabalhador.

Assim, as decisões favoráveis estratégicas à empresa formam jurisprudência. E as potencialmente desfavoráveis, em alguma das fases de tramitação processual, são substituídas por acordos homologados judicialmente e sem o reconhecimento do vínculo de emprego.

(...)

Aliás, esta estratégia de jurimetria é adotada pela empresa UBER em outras localidades, destacando-se reportagem sobre a sua adoção na Austrália. É possível acessar a reportagem respectiva por meio do link: https://www.smh.com.au/politics/federal/staring-down-the-barrel-of-a-landmark-judgment-on-itsworkers-status-uber-folds-20201217-p56oij.html (acesso em 03/02/2021, às 23:21).

Esses aspectos apontam para a adoção da estratégia processual de "jurimetria", sendo que o MPT, no âmbito do projeto plataformas digitais, está envidando esforços para promover atuação com repercussão coletiva que busque obter tutela inibitória que transborde de seus objetivos e revele abuso de direito para manipulação de posicionamento jurisprudencial no tema." (Id 0c9fbe4)

Sobre o tema, o excelente artigo da Desembargadora Adriana Goulart de Sena Orsini, do TRT da 3ª Região, escrito em coautoria com a servidora Ana Carolina Reis Paes Leme: "Litigância Manipulativa da Jurisprudência e Plataformas Digitais de Transporte: Levantando o Véu do Procedimento Conciliatório Estratégico" (https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/182317/2021_rev_trt09_eletr_v0010_n0095.pdf?sequence=4&isAllowed=y, acesso em 05.04.21).

As plataformas digitais de transporte propõem acordos para evitar a formação de jurisprudência favorável ao reconhecimento do vínculo em processos que são distribuídos a determinados órgãos jurisdicionais. A verificação é feita por meio de meios estatísticos preditivos que analisam tendências por unidade jurisdicional ou pelo magistrado Relator em 2º grau.

Tirando a legalidade ou ilegalidade da estratégia, bem como a ética da conduta, e ainda a questão da boa-fé objetiva e subjetiva, o que se está a questionar é a sua utilização com a finalidade ora descortinada e a grave consequência que se verifica.

Analisando o tema, Sílvio Rodrigues explica que "O abuso de direito ocorre quando o agente, atuando dentro das prerrogativas que o ordenamento jurídico lhe concede, deixa de considerar a finalidade social do direito subjetivo e, ao utilizá-lo desconsideradamente, causa dano a outrem."

No caso, atuando dentro das prerrogativas do ordenamento jurídico com relação à utilização da jurimetria e a formalização de acordos judiciais, as empresas dirigem a jurisprudência em um único sentido, que não corresponde, necessariamente, ao que a ciência do direito vem construindo a respeito do tema, provocando acesso desigual à justiça e vício na construção da jurisprudência como espaço democrático de formação dos direitos, para então reproduzir, nos processos, o argumento de que "a jurisprudência é firme no sentido de afastar o vínculo de emprego entre os motoristas parceiros e a Uber",como neste processo.

A finalidade da adoção dessa estratégia de conciliação seletiva não é firmar acordos, como forma de solução consensual dos conflitos, mas impedir a formação de jurisprudência reconhecedora de direitos trabalhistas aos motoristas, manipulando e obstruindo a pluralidade de entendimentos jurisdicionais sobre o tema, em abuso de direito e violação ao princípio da paridade de armas (art. 7º do CPC).

Elucidados os motivos que levaram à construção de jurisprudência majoritariamente favorável à tese das plataformas digitais de transporte, passa-se à análise do vínculo empregatício em si.

VÍNCULO DE EMPREGO

O reclamante afirmou, na inicial, que foi admitido pela reclamada, como motorista, com salário mensal médio de R$ 3.000,00. Relatou que mantiveram dois contratos de trabalho: o primeiro de 10/08/2017 a 17/07/2018 e o segundo de 26/07/2019 a 24/09/2019. Sustentou a presença dos requisitos previstos no artigo 3º da CLT e postulou o reconhecimento da relação de emprego.

Em contestação, a reclamada alegou, em síntese, que a jurisprudência dos tribunais brasileiros, além de "conhecer a práxis" da plataforma digital UBER, entende que a relação jurídica estabelecida entre a empresa e os "motoristas parceiros" não é de emprego, ante a ausência dos requisitos legais. Afirmou que a UBER é empresa de tecnologia utilizada pelos "motoristas parceiros" para a localização e captação de usuários que objetivam deslocamento e sustentou que não explora a atividade empresarial de transportes. Alegou que a relação jurídica estabelecida com o autor é meramente comercial, decorrente da prestação de serviços de intermediação digital pela empresa ao motorista independente, como demonstram os "Termos e Condições Gerais dos Serviços de Intermediação Digital", que registram a contratação da UBER Brasil pelo reclamante.

O Juízo de origem rejeitou os pedidos formulados na inicial, contra o que se insurge o autor.

Tem razão.

Ao admitir a prestação de serviços, a empresa atraiu o ônus de demonstrar fato impeditivo ao direito (artigo 818, I, da CLT), encargo do qual não se desincumbiu a contento.

Incontroversa a prestação de serviços por pessoa física, resta averiguar a não eventualidade, a onerosidade, a subordinação e a pessoalidade.

A fim de analisar os requisitos da relação de emprego, é indispensável estabelecer qual é a verdadeira vocação econômica da UBER.

A UBER se apresenta como empresa de tecnologia e alega que se limita à disponibilização da plataforma digital de sua propriedade, aos motoristas, mediante pagamento de taxa, para que encontrem passageiros. Afirma que explora a chamada economia de compartilhamento, especificamente da espécie on-demand economy (economia sob demanda), "na qual, através de uma plataforma conectada à internet (aparelho celular), apresenta um grande número de consumidores (demanda) cadastrados na plataforma digital, a prestadores de serviço independente (oferta), que também se encontram cadastrados na mesma plataforma"(contrarrazões - Id ba39f76). Argumenta que poderia, a qualquer momento, oferecer outro serviço (que não o transporte) a estes mesmos consumidores e instantaneamente deixara de necessitar do batalhão de motoristas a ela ligados.

Entretanto, o contrato oferecido pela plataforma ao passageiro evidencia que a natureza da atividade é de transporte (remeto-me à transcrição do parecer do MPT, abaixo).

É cediço, ademais, que seu lucro não advém do aluguel pela utilização da plataforma, mas dos serviços de transporte de passageiros e cargas leves. O aplicativo passou a ocupar espaço que era dos táxis e cooptou parte do público do transporte público, diante da insuficiência e falta de conforto deste e os valores das tarifas cobrados por aquele, em contraponto a um serviço que é oferecido com preço atrativo com o aviltamento dos direitos fundamentais dos trabalhadores.

Esclareça-se que, para desenvolver o negócio que a transformou em uma das maiores empresas do mundo, a UBER precisa manter à sua disposição um grande quantitativo de trabalhadores (crowd) aptos a executar a viagem contratada imediatamente após a formalização do contrato de transporte entre o passageiro e a empresa. A UBER necessita que os motoristas estejam vinculados à atividade econômica que desenvolve, disponibilizando lhe seu tempo e sob a sua direção, pois não há outro modo de apresentar-se ao mercado com presteza e agilidade no atendimento dos serviços de transporte que oferece, senão pela enorme disponibilidade que os trabalhadores dedicam à plataforma (inclusive, sob pena de desvinculação, caso ultrapasse o limite de tempo estabelecido pela plataforma sem se conectar - como será detalhado adiante. Este é o capital da UBER, que, evidentemente, não deixará de prestar serviços de transportes para se dedicar a oferecer qualquer outro serviço ou produto aos consumidores, como afirma.

Nesse contexto, diante do princípio da primazia da realidade, reconhece-se que a atividade preponderante da ré é o transporte de passageiros[2], independentemente do que conste formalmente do seu instrumento societário [3] e dos contratos que induzem a ideia de que o motorista, objetivando aproximação com os clientes, celebrou contrato de aluguel da plataforma.

A respeito dos requisitos da relação de emprego, oportuno esclarecer alguns aspectos: 1) a não-eventualidade diz respeito à continuidade, de modo intermitente ou contínuo, do labor prestado pelo trabalhador em favor da empresa; 2) a CLT equipara os efeitos jurídicos da subordinação exercida por meios telemáticos e informatizados àquela empreendida por meios pessoais e diretos (parágrafo único do art. 6º); 3) a liberdade quanto ao cumprimento da jornada de trabalho não é óbice ao reconhecimento do vínculo de emprego; 4) a exclusividade não é requisito caracterizador da relação empregatícia.

Passa-se à análise da prova dos autos, reiterando que a prova documental pode ser ilidida por outros meios de prova.

O preposto da reclamada admitiu a existência de restrição à autonomia do trabalhador com relação à forma de recebimento e ao veículo a ser utilizado ao afirmar que "em pagamentos em dinheiro, o motorista pode conceder descontos, mas não nos realizados via cartão de crédito; (...) o motorista tem a obrigação de indicar qual o veículo que será utilizado na plataforma; a exigência da UBER é que os veículos sejam posteriores ao ano de 2009".

As partes concordaram com a utilização de prova emprestada (ata de audiência do processo 1001492-33.2016.5.02.0013, da 13ª Vara do Trabalho de São Paulo).

A testemunha do autor confirmou a necessidade de apresentação de documentos à UBER, inclusive com relação aos antecedentes criminais (pessoalidade); a submissão do motorista a entrevista admissional, à época; o pagamento de bônus; a possibilidade de punições, inclusive o desligamento da plataforma (poder disciplinar); a ausência de autonomia para a fixação dos preços, concessão de descontos e com relação à forma de pagamento (subordinação), bem como a implementação de sistema de avaliação dos trabalhadores (subordinação):

"1) o depoente foi motorista da reclamada de novembro de 2015 a abril de 2016; 2) o depoente apresentou os documentos exigidos (CNH e certificado do veículo) e participou de um curso com entrevista na sede da empresa na Rua Pamplona, esquina com a Av. Paulista; 3) no local foi feita uma seleção por uma empresa contratada pela reclamada e também entrevista com psicólogos; foram dadas orientações sobre os trajes e o tratamento a ser dispensado aos passageiros; era vedado aceitar gorjeta e entregar cartões pessoais ao passageiro, aduzindo que isso ocorria sob pena de ser excluído; 4) também teve de entregar atestados de antecedentes criminais, inclusive da polícia federal; 5) os bônus eram pagos pela reclamada em razão de indicação de novos motoristas, e também em caso de permanecer online por um determinado número de horas; 6) os cancelamentos de viagens eram monitorados e, a partir de determinado número, podiam ser suspensos e até desligados; 7) aduz espontaneamente que foi advertido por conversar muito com os passageiros, embora essa reclamação não tenha sido feita pelos passageiros, o que o leva a pensar que a empresa pode captar voz no interior do carro; 8) também a não aceitação de viagens implica a cobrança pela reclamada e eventuais punições, como explicado no item 6; 9) esclarece que o conhecimento do destino ocorre apenas após o início da viagem; o início é formalizado após a entrada do passageiro no veículo, por meio do próprio aplicativo; o início é feito acionando-se um botão do aplicativo; 10) não era permitido ao motorista conceder descontos no valor da viagem, tampouco aumentar o referido valor, esclarecendo que isso também foi informado no curso inicial; 11) caso o passageiro informe o destino antes de o depoente dar início à viagem, até teria a liberdade de cancelá-la, sabendo-se das punições já informadas acima; 12) caso fique offline por muito tempo, era informado por e mail que acima de 30 dias seria excluído; era oferecido ainda realizar pelo menos uma viagem para manter a conta ativa; 13) pelo que entendeu, existe o cadastro do veículo e o cadastro do motorista, podendo o mesmo veículo ser dirigido por mais de um motorista cadastrado; o depoente chegou a alugar veículo de outro motorista cadastrado; 14) na situação do aluguel de veículos, o pagamento pela reclamada tanto pode ser direto ao motorista condutor, como também ao proprietário do veículo, aduzindo que a opção é da reclamada; as duas modalidades ocorreram com o depoente; cada motorista mantém sua pontuação independente, a qual seria oriunda da reclamada, não sabendo o depoente se os dados são diretamente retirados de avaliações feitas pelos passageiros; sustenta que o mecanismo é utilizado para pressionar os motoristas na questão do fornecimento de água e outras." (Id a468b9d - Pág. 6).

A primeira testemunha da reclamada, por sua vez, confirmou a grande ingerência da empresa nas atividades desenvolvidas pelos motoristas (subordinação), bem como a adoção de sistema de avaliação dos trabalhadores (poder disciplinar/subordinação) e a existência de estímulos como o pagamento de bônus e prêmios, inclusive para aumentar o período de disponibilidade do trabalhador à empresa, ao afirmar que:

"(..) 4) é possível cancelar viagens, embora isso seja contra a política de alta aceitação do aplicativo; (...) a política da reclamada é de baixo cancelamento, para evitar de frustrar o cliente, aduzindo que o motorista é livre para ficar offline; 6) esclarece que o destino da viagem só é conhecido pelo motorista quando o passageiro entra no carro; (...) 9) a reclamada paga bônus em dinheiro em algumas campanhas; já houve campanha de "ótimo motorista", que premiava motoristas bem avaliados pelos passageiros, conforme o sistema do aplicativo (que prevê a avaliação recíproca de passageiros e motoristas); houve também campanhas de incentivo prevendo valor adicional em caso de o motorista permanecer online durante as horas de picoem determinado período (o valor seria complementado pela reclamada, caso o motorista não atingisse determinado faturamento);"

O depoimento da segunda testemunha da reclamada, por fim, confirmou que os trabalhadores não têm autonomia sobre os valores cobrados (subordinação); recebem bônus e/ou premiações e podem ser advertidos e até dispensados (poder diretivo / subordinação) se não se adequarem à política da empresa e insistirem em condutas que possam gerar prejuízos à plataforma (alteridade):

"(...) o preço da viagem é fixado conforme variáveis relativas à distância e à estimativa de tempo, e conforme constantes de valores definidos pela reclamada; esses valores são definidos com critérios que atendam às circunstâncias de trânsito, e à projeção de satisfação de motoristas e passageiros com o preço final; esclarece que essa definição é feita em um determinado momento, não sendo alterada a cada viagem; (...) 7) não é possível alterar o critério da tarifa dinâmica, havendo porém a possibilidade de ela ser desligada em determinada região; 8) por exemplo, o depoente acredita que tenha ocorrido a suspensão da tarifa dinâmica na Alemanha, por ocasião de um ataque terrorista; no Brasil, o depoente não viu isso ocorrer, desde sua admissão na reclamada; (...) 20) a reclamada opta pelo desligamento de motoristas em casos graves de condutas inadequadas, comportamentos de assédio, reclamação de qualidade e segurança da direção e também alta taxa de cancelamentos, tudo o que pode implicar prejuízos ao funcionamento da plataforma; (...); 21) as decisões sobre desligamentos não são individuais; o sistema é alimentado com parâmetros considerados críticos, cujo alcance pode implicar no desligamento, ainda que haja também e-mails de notificação prévia; 22) eventualmente ocorrem incentivos em caso de alta demanda em determinadas regiões, pelos quais a reclamada oferece pagamento adicional de R$2,00 por viagem, que em verdade representam um desconto de R$2,00 no valor que contratualmente a reclamada teria a receber do motorista pela viagem;"

Óbvio que o trabalhador até pode dar ao cliente um desconto no percentual que lhe cabe no valor total "corrida", porém, jamais poderá aplicar um desconto no valor total da corrida, ou seja, o percentual que cabe à Uber nunca será alterado pela vontade do trabalhador, denotando que ele não tem qualquer poder de negociação no valor final do serviço que será cobrado do usuário do transporte.

No processo 1001906-63.2016.5.02.0067, da 67ª VT de São Paulo/SP, cuja ata de audiência foi apresentada pela própria reclamada, a testemunha de defesa confirmou que, no passado, os motoristas eram entrevistados (pessoalidade); que havia necessidade de apresentação de documentação à empresa (pessoalidade); que há imposição de adesão ao regulamento da UBER, como condição para a prestação de serviços (poder diretivo / subordinação); que existe a possibilidade de descadastramento por ato unilateral da ré, se o motorista infringir alguma regra imposta pela plataforma, sem a possibilidade de recadastramento (poder punitivo / subordinação):.

"1) que trabalha na Uber, registrado, como gerente de comunicação; (...); 6) que a UBER apenas solicita documentos pessoais, carteira de motorista com observação de que exerce atividade remunerada; 7) que com o cadastramento do motorista, o mesmo recebe as informações sobre funcionamento da plataforma por e-mail, pelo site e pelo próprio aplicativo; 8) que o motorista precisa concordar com essas regras; (...) 17) que para segurança da plataforma, se o motorista ficar inativo por longo período, não sabendo especificar quanto, há o descadastramento, mas o mesmo pode ser recadastrado imediatamente quando solicitado;(...) 22) que quem avalia a viagem são os próprios usuários e os motoristas avaliam os usuários; 23) que se a avaliação for ruim, os dois lados podem ser descadastrados; (...) 35) que se o motorista recusar corridas em dinheiro, de maneira recorrente, pode ser descadastrado; 36) que acredita que em tal caso não poderá se cadastrar novamente; 37) que não ocorre exclusão através de uma única avaliação negativa; 38) que o UBER tem acesso às viagens realizadas, com sua duração, para que seja realizado o pagamento ao parceiro; (...)" (Id.6787476 - Pág. 2)

Da análise da prova oral em confronto com os documentos constantes nos autos (Termos e Condições ID. 409Badd), denota-se que, na relação entre os motoristas e a UBER, a subordinação subjetiva se revela de várias formas: 1) cobranças sofridas pelos motoristas, de modo a realizar o maior número possível de viagens; 2) distribuição dos trabalhadores, pelo aplicativo, nas diversas áreas da cidade, de modo a atenderem regularmente maior número de clientes; 3) os motoristas conhecem o destino da viagem apenas no seu início, nunca antes, o que esvazia a sua autonomia com relação à organização da atividade, já que o poder sobre a distribuição das viagens pertence à plataforma; 4) a UBER fiscaliza a atuação dos condutores, por meio dos próprios usuários, que recebem mensagem para avaliação; 5) a ré recebe reclamações dos clientes e aplica penalidades aos motoristas, exercendo poder disciplinar por meio de advertências, suspensões e desligamento da plataforma; 6) as movimentações do trabalhador são monitoradas em tempo real, por meio de sistema operacional via satélite [1]; 7) o trabalhador não tem qualquer ingerência no preço final que é cobrado do cliente.

O serviço de motorista é executado sob demanda, a partir de aplicativo gerenciado pela plataforma, que adota controle por programação ou algoritmo, objetivando manter o seu padrão de qualidade e lucratividade. A UBER exerce o controle de diversas informações dos serviços prestados pelo motorista por meio de monitoramento eletrônico. Acrescente-se que, dentre diversas outras formas de direção do trabalho, recentemente passou a ser implementado o controle do tempo máximo de jornada. A ré incorporou à plataforma digital um limitador de tempo de uso pelos motoristas, determinando que, após 12 horas de uso em um dia, o aplicativo será automaticamente desconectado por 6 (seis) horas [1-A].

Com relação à onerosidade, é cediço que remuneração do empregado pode ser paga por terceiros (v.g. direito de arena, gueltas e gorjetas). Na hipótese, a UBER concentra em seu poder a maior parte dos valores pagos pelos usuários (cartão de crédito / débito), realizando o repasse, posteriormente, ao motorista, como se infere da leitura da cláusula 4ª do contrato modelo entre plataforma e motorista (ID 409badd - Pág. 11). Da análise da referida cláusula em confronto com os demais elementos de convicção, notadamente a forma como o usuário (passageiro) efetua o pagamento (através da empresa) e a forma do posterior repasse ao trabalhador, denota-se que a atividade é efetivamente onerosa, pois há o repasse de valor unilateralmente estipulado pela reclamada, em face do qual o motorista não tem qualquer ingerência.

Acrescente-se que o contrato firmado entre as partes (Termos e Condições ID. 409Badd) evidencia que o motorista é obrigado a cumprir regras previamente estipuladas pela UBER, tais como: 1) manter avaliação média que exceda a média mínima aceitável pela plataforma para o Território, sob pena de desativação do serviço (item 2.6.2); 2) evitar o cancelamento de solicitações de viagens enquanto estiver conectado ao aplicativo (item 2.6.2); 3) aceitar, como forma de pagamento, o cartão de crédito via aplicativo; além do cálculo preestabelecido pela reclamada para o valor do serviço, com proibição de majoração dos valores e restrição aos descontos.

Do mesmo documento, verifica-se a pessoalidade na execução dos serviços, pois o dispositivo da UBER é de uso exclusivo do motorista, e de nenhuma outra pessoa, física ou jurídica (itens 1.15, 2.7.1 e 2.7.2). Note-se que a pessoalidade se dá entre a empresa e o motorista e não entre o condutor e o passageiro.

Em atenção às razões recursais, acrescente-se que a possibilidade de que os serviços sejam prestados por pessoas físicas que ofereçam serviços de transportes de passageiros ponto a ponto (P2P) ou por empresas de transporte independentes que possuam um único veículo ou frota, não exclui e tampouco afasta o requisito pessoalidade, no caso, pois não há prova de que o autor tenha se valido da força de trabalho alheia para a execução de suas atividades.

O mesmo raciocínio se aplica à possibilidade de trabalho eventual. Efetivamente, não existe imposição de número mínimo de horas de trabalho por dia ou por semana, mas o fato de a plataforma admitir essa forma de labor não obriga o motorista ao trabalho eventual. A eventualidade deve ser aferida no caso concreto, caso a caso, a depender da habitualidade com que o motorista preste serviços à empresa. O trabalhador pode prestar o serviço conforme a sua conveniência, inclusive com habitualidade.

No caso dos autos, admitida a prestação de serviços, o ônus da prova da eventualidade era da reclamada (art. 818, I, da CLT), encargo do qual não se desincumbiu. Pelo contrário. A prova documental (relatório de viagens de Id 71ee8e3) e a prova oral emprestada confirmaram a habitualidade do labor.

Quanto ao risco do empreendimento, que embora não seja apontado no artigo 3º da CLT como pressuposto para a constituição da relação de emprego, é considerado pela ciência do direito como um dos seus aspectos essenciais, oportuno ressaltar que a exigência de que o motorista tenha carro e arque com as suas despesas constitui, na verdade, indevido repasse dos custos do empreendimento, o que já era comum, mesmo antes do transporte por aplicativos. Ademais, reclamações a respeito de problemas ou danos sofridos pelo usuário são encaminhadas diretamente à UBER, que providenciará eventuais reembolsos, e não ao motorista. A plataforma assume, dessa forma, os riscos da atividade, configurando um contrato de transporte e não de mera tecnologia (aplicativo).

Ainda sobre os riscos do empreendimento, cite-se a lição da Procuradora do Ministério Público do Trabalho Lorena Vasconcelos Porto a respeito da roupagem que apresenta nesse novo regime da organização do trabalho, no sentido de que a verdadeira assunção do risco, que caracteriza a prestação laborativa autônoma, passa a estar na negociação da atividade, pelo trabalhador, diretamente no mercado. No labor subordinado, "o empresário integra tal prestação com os demais fatores produtivos, para o exercício da atividade econômica, cabendo a ele negociar o produto e/ou serviço final no mercado: aí se encontra o verdadeiro risco" [3-A].g

Frise-se, o motorista de aplicativos de transporte não possui qualquer influência na negociação do preço e na cobrança do serviço ao cliente. A definição do valor da corrida, inclusive com relação à fixação dos chamados preços dinâmicos (conforme horário e demanda do serviço), é feita exclusivamente pela empresa. O valor é cobrado, na maior parte, por meio de cartões previamente cadastrados no aplicativo. A gestão da negociação do preço do serviço, portanto, pertence ao detentor do aplicativo e não ao motorista. É evidente, nesse contexto, que o risco do negócio está nas mãos da empresa e não no motorista [3-B].

Em atenção às razões recursais, acrescente-se que as disposições do art. 4º, inciso X, da Lei n° 12.587/2012, com redação dada pela Lei n° 13.640/2018, não afastam vínculo de empregoapenas consideram este modo de transporte de pessoas ou de cargas como integrante da Política Nacional de Mobilidade Urbana.

Reconhecida a presença de todos os requisitos do art. 3º da CLT, com base na análise da prova oral e documental, sobretudo diante a verificação da existência de meios telemáticos e automatizados de comando, controle e supervisão (parágrafo único do art. 6º da CLT), passa-se a análise mais ampla, do modelo de negócios.

EMPRESAS DE TRANSPORTE

PLATAFORMAS DIGITAIS

RELAÇÃO DE EMPREGO

A Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho, reunida em Filadélfia, em 1944, ao declarar os fins e objetivos da OIT, bem como dos princípios que deveriam inspirar a política de seus Membros, estabeleceu o princípio fundamental de que "o trabalho não é uma mercadoria".

A desmercantilização do trabalho humano efetiva-se pela afirmação do trabalho digno, concretizado pela afirmação dos direitos fundamentais trabalhistas, enunciados no item I da Declaração de Filadélfia, anexa à Constituição da OIT, in verbis:

"a) o trabalho não é uma mercadoria;

b) a liberdade de expressão e de associação é uma condição indispensável a um progresso ininterrupto;

c) a penúria, seja onde for, constitui um perigo para a prosperidade geral;

d) a luta contra a carência, em qualquer nação, deve ser conduzida com infatigável energia, e por um esforço internacional contínuo e conjugado, no qual os representantes dos empregadores e dos empregados discutam, em igualdade, com os dos Governos, e tomem com eles decisões de caráter democrático, visando o bem comum".

Como bem pontuou o Ministério Público do Trabalho, a República Federativa do Brasil, como membro da OIT e signatária da respectiva Constituição, está obrigada a cumprir as normas internacionais do trabalho dela constantes, que têm por objetivo orientar os esforços das nações para estabelecer patamares mínimos de direitos trabalhistas, com vistas à promoção da dignidade humana - o que é particularmente relevante no contexto da evolução tecnológica que desencadeou o fenômeno global de transformação das formas de trabalho, que devem ser analisadas à luz da valorização da pessoa humana e da sua dignidade, saúde e segurança.

Essa tendência de modificação no modelo tradicional do trabalho lastreado nas relações de emprego, com o crescimento da chamada Economia de Aplicativos, incrementada pela ascensão da inteligência artificial e robótica, merece olhar atento da sociedade, como alerta a OIT nos documentos intitulados Strengthening social protection for the future of work [21-G] e Trabalho para um futuro mais brilhante [21-H].

O desafio, alerta a OIT, reside no fato de que as políticas sociais foram pensadas para os trabalhadores que se enquadram nas relações de emprego padrão (emprego). O trabalho é, muitas vezes, mal remunerado, inclusive abaixo do salário-mínimo, e não existem mecanismos oficiais para lidar com o tratamento injusto. A organização recomendou o desenvolvimento de um sistema de governança que defina e exija que as plataformas respeitem certos direitos e proteções mínimos.

Quanto o modelo de negócios da UBER, porque coaduno inteiramente com as razões lançadas pelo Ministério Público do Trabalho (Id 0c9fbe4), transcrevo-as e passo a adotá-las como se minhas fossem:

"(...) O empreendimento da reclamada, por sua vez, é de transporte de pessoas, e não se trata de mera interligação entre os clientes e os motoristas cadastrados no aplicativo, pois o contrato oferecido pela plataforma ao trabalhador evidencia essa natureza da atividade realizada pela UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA com muita clareza, pois firma-se contrato de transporte, inequivocamente.

Não há dúvidas de que o cliente, passageiro, ao utilizar o aplicativo deseja celebrar um contrato de transporte. Ele não sabe quem será o motorista, e isto pouco importa, pois ele credita sua confiança de consumidor na empresa de transportes que lhe fornece o serviço: a UBER. Por este motivo, já se poderia dizer que o contrato é feito entre ele e a UBER.

Ainda, a proposta de contrato de transporte apresentada ao cliente passageiro é integralmente formulada pela UBER, que, inclusive, estipula qual será o tempo do deslocamento, o percurso, o tempo estimado e o valor da tarifa. Ou seja, a UBER unilateralmente apresenta todos os elementos da proposta de contrato para aceite. Quando o cliente aceita a proposta, o contrato consumerista está formado, apenas entre cliente passageiro e empresa de transportes, em um primeiro momento.

O contrato de transporte firmado entre cliente passageiro e o transportador UBER, será executado pela empresa via prestação de serviço de algum dos motoristas cadastrados em sua plataforma digital. O contrato de transporte é, portanto, firmado entre o proponente (UBER) e o oblato, que é o cliente. O motorista é alguém que executa a atividade de transporte em proveito econômico da UBER que, no caso, conforme elementos mais adiante destacados, é sua empregadora.

É indubitável, assim dizer, que a UBER exerce atividade de transporte de passageirosA tecnologia por ela utilizada é somente um mecanismo para a prestação de seus serviços, destacando-se que essa mesma tecnologia também é utilizada por outras empresas de transporte de passageiros que contratam seus empregados regularmente. Se assim não o fosse, seria o mesmo que dizer que uma fábrica de automóveis ou uma indústria alimentícia são empresas de tecnologia, pois utilizam tecnologia (avançadíssima, por sinal) para a realização de seus negócios. Ou que um banco em que oferece serviços bancários aos clientes correntistas por meio de aplicativos (ou seja, todos) não realizariam atividades bancárias, por serem empresas de tecnologia.

Outro ponto que assenta a natureza jurídica de atividade de transporte é o fato de que as avaliações feitas pelos clientes levam em consideração o serviço de transporte executado pelo motorista, mas são direcionadas à UBER. É ela quem controla tais avaliações sobre a execução do serviço de transporte. É ela quem detém e armazena tais avaliações. É ela quem se utiliza de tais avaliações para aferir a qualidade dos serviços (de transporte) prestados. É ela quem se utiliza desta aferição para atribuir novas demandas de trabalho, oferecendo mais e melhores corridas aos motoristas mais bem avaliados. É ela quem se utiliza desta aferição para descredenciar motoristas, em genuíno exercício do poder diretivo do empregador que desenvolve atividades de transporte. Se fosse a UBER mera intermediária do contato entre passageiro e motorista, e não uma transportadora, de que valeriam tais avaliações? Qual a serventia delas, já que, no caso, o transportador seria efetivamente o motorista? Avaliar a qualidade do transporte é fundamental para que a UBER possa ter noção sobre como está sendo desenvolvida a sua atividade econômica, que é serviço de transporte, a fim de continuar sua execução com o devido êxito no mercado.

Veja-se que, se o contrato de transporte fosse hipoteticamente celebrado entre o motorista e o passageiro cliente de forma direta, caberia, por parte do motorista, a emissão de nota fiscal e recolhimento do tributo respectivo, no entanto, verifica-se apenas, da realidade dos fatos e dos autos, que as notas fiscais são emitidas pelo prestador do serviço de transporte, a UBER (indicando como serviço - a intermediação de negócios), e como o tomador de serviços, o motorista.

Aliás, se a empresa UBER realizasse tão-somente a intermediação, o que não se cogita aqui, mas ad argumentandum tantum, isto significaria que ela atuaria como uma agência de colocação, promovendo interligação entre ofertas e procuras de trabalho, sendo que seria, no caso, vedada a cobrança de qualquer valor pela UBER em relação ao trabalhador, tal como preconizado pelo artigo 18 da Lei nº 6.019/74, além do artigo 7 da Convenção nº 181 da OIT, que, conquanto não ratificada ainda pelo Brasil, seria aplicada por força do artigo 8º da CLT, o que se sabe não ocorrer de fato, porque elevadas taxas são cobradas do trabalhador.

Os elementos constatados nos autos, bem como na dinâmica habitualmente verificada na prestação de serviços da plataforma, envolvem verificação da presença de todos os requisitos da relação de emprego:

Pessoalidade: é incontroverso que há uma pessoa humana trabalhadora executando o transporte que a plataforma oferece aos seus clientes. Esse trabalhador realizou um cadastro na reclamada, forneceu seus dados pessoais e bancários, foi selecionado, é continuamente submetido a um sistema de avaliação, que é individualizado sobre a sua pessoa, e que é utilizado pela reclamada para controlar a qualidade dos serviços prestados.

Em outras palavras, o motorista deve necessariamente ter um vínculo direto e identificado com a UBER para poder operar a partir do aplicativo, caracterizando a pessoalidade demonstrada pela criação de uma ID única para cada motorista. Nesse sentido, a substituição de um trabalhador por outro, de forma indistinta, é vedada. O cadastro do motorista no aplicativo é feito intuitu personae, até mesmo com foto e identificação. Esta proibição de se fazer substituir também pode ser confirmada por uma simples consulta ao sítio eletrônico da Uber:

"Políticas de Desativação [...]

Compartilhar seu cadastro

* Deixar outra pessoa utilizar seu cadastro de motorista parceiro da Uber"

Portanto, é clara a relação individual de cada motorista com a plataforma da UBER, sem a qual não haveria a viabilidade do exercício do trabalho.

Onerosidade: é incontroverso o recebimento pelo trabalhador de remuneração pelos serviços prestados, mediante de repasse de valor unilateralmente estipulado pela reclamada, em face do qual o motorista não tem ingerência.

(...)

Não eventualidade: é incontroverso que o labor do motorista está inserido na dinâmica intrínseca da atividade econômica da reclamada, eis que não há traço de transitoriedade na prestação de serviços, pois pela teoria do evento, também, o trabalho não é executado para certa obra ou serviço, ou decorrente de algum acontecimento fortuito ou casual; o fato de receber por serviço não o torna eventual, já que o salário por produção é modalidade existente para empregados, sendo que, a situação em tela, assemelha-se à do comissionista (remuneração variável de acordo com as comissões recebidas).

A execução naturalmente intermitente das corridas não afasta o requisito da não-eventualidade, pois a delimitação prévia e/ou fixa de jornada não é requisito da relação de emprego, nos termos dos artigos 2º e 3º da CLT.

É o que se depreende também do art. 62 da CLT, que elenca taxativamente os empregados que não se submetem ao controle de jornada. Ou seja, o controle de jornada é meramente acessório ao contrato de emprego.

Além disso, se até trabalhadores com certa parcela de autonomia são empregados, como os ocupantes de cargo de confiança, com certeza o são os motoristas de uma empresa prestadora de serviço de transporte.

(...)

Subordinação: É incontroverso que a reclamada controla as chamadas dos clientes e indica os motoristas para cumprir o contrato de transporte, sob as condições que ela unilateralmente estipula. A reclamada exige que o motorista se mantenha conectado na plataforma digital, sob pena de perder o trabalho (ser descadastrado). A discricionariedade para definir se o motorista é mantido ou não na plataforma digital é do gestor do negócio (poder diretivo). A reclamada avalia e faz um controle de qualidade dos serviços do motorista por meio de avaliações individuais dos trabalhadores, inclusive, este controle de qualidade serve como parâmetro para o descredenciamento da plataforma digital. O trabalho é realizado com frequência e intensidade pelo motorista, com o devido controle da prestação do serviço pela reclamada por meio do seu sistema informatizado. A reclamada define unilateralmente TODOS os parâmetros da prestação de serviços a dinâmica da atividade econômica, dentre eles, a definição do preço da corrida, a seleção de determinado motorista para determinada corrida, o tempo estimado para execução do percurso, o padrão de atendimento, de postura e de comportamento do trabalhador e, inclusive, o padrão do veículo.

O fato de o motorista poder escolher o horário em que trabalha ou de aceitar corridas (assumindo os riscos da punição), ou, ainda, de ter a ferramenta de trabalho (o veículo), não tem o condão de tornar a prestação de serviço autônoma, especialmente quando sequer há liberdade de escolher clientela, destino, tempo de execução ou valor da corrida. Ademais, a escolha do horário de trabalho é algo que está cada vez mais flexibilizado, sobretudo após a previsão do teletrabalho na CLT, não havendo, necessariamente, rigidez de horários praticados nos moldes tradicionalmente concebidos, especialmente em contexto em que a necessidade de trabalho, para garantia de renda mínima de subsistência, é reconhecidamente de jornada integral e de vinculação permanente à plataforma.

Importante observar que o cliente é da UBER e não do motorista, sendo vedado qualquer contato direto, conforme regras da empresa em sua página. O motorista e o passageiro são dois estranhos que só se conhecem após a solicitação da corrida; o passageiro não tem como selecionar o motorista e o preço, e o motorista só sabe quanto ganha por viagem, como regra, nos dias de pagamento. Logo, o motorista não trabalha por conta própria, mas por conta alheia, já que sequer pode estipular o preço cobrado, traço característico da relação empregatícia.

(...)

Além disso, a UBER controla a forma de dirigir, a velocidade, onde estacionar, conforme informação retirada da RT 0010950-11.2017.5.03.0181, que peço vênia para trazer abaixo:

(...)

A empresa estabelece unilateralmente todas as condições de prestação de serviços: clientela, preço, destino, tempo de execução, padrão de atendimento, avaliação de resultado, segurança, área priorizada de atendimento. E se apresenta ao mercado consumidor com o seguinte slogan: "No Padrão UBER de Segurança, você pode confiar". Não há espaço de autonomia alguma para o trabalhador, que se engaja na atividade econômica com atendimento de todos os requisitos do vínculo de emprego." (sem grifos no original)

Nesse ponto, necessário tecer algumas considerações, com base no exposto pela Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho - CONAFRET - do Ministério Público do Trabalho [1-B]:

A faceta moderna da organização do trabalho é o controle por programação ou comandos (ou por algoritmo). A partir da programação, da estipulação de regras e comandos preordenados e mutáveis (pelo programador), ao trabalhador é incumbida a capacidade de reagir em tempo real aos sinais que lhe são emitidos para realizar os objetivos assinalados pelo programa. Os trabalhadores, nesse novo modelo, devem estar mobilizados e disponíveis à realização dos objetivos que lhe são consignados. Existe uma suposta e conveniente autonomia do motorista, subordinada à telemática e ao controlador do aplicativo. Trata-se da direção por objetivos.

O algoritmo, que pode ser modificado a qualquer momento, pela reprogramação (inputs), garante que os resultados finais esperados (outputs) sejam alcançados sem a necessidade de dar ordens diretas aos trabalhadores, que, na prática, não agem livremente, mas exprimem reações esperadas.Aqueles que seguem a programação recebem premiações, na forma de bonificações e prêmios, enquanto aqueles que não se adaptarem aos comandos e objetivos são punidos ou desligados.

Ressalte-se que a empresa instrumentaliza o serviço durante todo o dia por meio de estímulo às jornadas extensas, com prêmios. O algoritmo procura melhorar a remuneração desses trabalhadores nos horários em que há maior necessidade dos usuários da plataforma.

Passa-se da ficção do trabalhador-mercadoria para a ficção do trabalhador-livre.

Sobre o fenômeno ora analisado, citem-se o excelente documentário "GIG: a uberização do trabalho" e o premiado filme "Você não estava aqui", de Ken Loach (mesmo diretor de "Eu, Daniel Blake").

JURISPRUDÊNCIA COMPARADA

O trabalho em plataformas é uma questão global, que vem sendo enfrentada pelos tribunais de diversos países. Mais uma vez, em homenagem aos princípios da celeridade e economia processual, peço vênia para transcrever a fundamentação do parecer do MPT, com a qual coaduno integralmente:

"Seguindo na exposição sobre a expansão global dessa forma de atividade e seus efeitos jurídicos, especialmente na área trabalhista e laboral, merecem ser trazidas à baila as decisões proferidas em outras nações, em prol da defesa da dignidade da pessoa humana e do trabalho valorizado socialmente para o fim de se alcançar uma sociedade justa e igualitária.

Vários casos concretos foram apreciados minuciosamente pelos Poderes Judiciários dos Países em que as plataformas digitais desenvolvem a mesma metodologia de organização do trabalho humano a favor da sua atividade econômica, onde muitos trabalhadores estão apresentando demandas com o objetivo de obter o reconhecimento do vínculo empregatício com as plataformas digitais e a aplicação da legislação trabalhista.

No Estado da Califórnia, EUA, a Suprema Corte estadual concedeu liminar no mês de agosto de 2020 e determinou que os motoristas da Uber e da Lyft fossem classificados como empregados. Recente alteração legislativa passou a adotar o "teste ABC" para classificar os trabalhadores como autônomos. Desta forma, há necessidade de: (a) o trabalhador não estar sob direção ou controle do contratante, tanto do ponto de vista formal como material; (b) o trabalhador não desempenhar atividade inserida no negócio principal da empresa contratante; (c) o trabalhador realizar, de forma habitual e independente, atividades para as quais é contratado. Caso não se observe esses três requisitos simultaneamente, é considerado empregado. No caso concreto, entendeu-se que os motoristas da Uber e Lyft não poderiam ser considerados autônomos, pois, dentre outras razões, desempenhavam atividade relacionada ao negócio principal das empresas [4]. Em outubro, a Suprema Corte manteve a liminar [5].

No Uruguai, um juiz do trabalho de Montevideo reconheceu a existência da relação de emprego entre motorista e a Uber em novembro de 2019[6]. A sentença foi mantida pelo Tribunal de Apelações do Trabalho, que levou em consideração trinta e oito elementos que apontavam para a caracterização da relação de trabalho e usou como base para análise a Recomendação n. 190 da OIT [7].

Na França,em março de 2020, a Corte de Cassação identificou a existência da subordinação do motorista perante a Uber e apontou que a condição de autônomo é fictícia. Segundo a decisão, o motorista não cria sua própria clientela, não fixa livremente suas tarifas e não determina as condições para a prestação do serviço de transporte. O destino das corridas não é de conhecimento do motorista, o que significa que ele não é livre para escolher a viagem que lhe convém, e se o motorista recusar três ou mais viagens, a Uber pode desconectá-lo temporariamente da aplicação. A Uber fixa uma taxa de cancelamento, que se não for seguida pode fazer o motorista perder o acesso à sua conta, bem como se for relatado "comportamento perturbador". Ainda, o motorista participa de um serviço de transporte organizado no qual Uber define unilateralmente os termos e condições [8].

Na Suíça, em maio de 2019, um Tribunal Trabalhista em Lausanne entendeu que a relação entre motorista e a Uber é de emprego, determinando que a empresa deve aplicar a legislação trabalhista [9]. Em um outro caso, em setembro de 2020, um Tribunal no cantão de Vaud manteve decisão que reconheceu a existência de vínculo empregatício entre motorista e Uber[10]. Em relação a esse caso, a Uber aceitou a decisão do Tribunal de Vaud e não interpôs recurso [11].

No Reino Unido, em outubro de 2016, o Tribunal Trabalhista julgou o caso Aslam e outros vs. Uber e classificou os motoristas como "trabalhadores" (workers) [12]. A decisão foi mantida pelo Tribunal de Apelações Trabalhista e pela Corte de Apelações [13]. Há casos de empresas proprietárias de plataformas digitais que adotam modelo de organização semelhante à Uber e que também foram reconhecidas como empregadoras em outros países.

Na Espanha, em setembro de 2020, o Tribunal Supremo declarou a existência de relação de emprego entre entregador e a plataforma Glovo, considerada empregadora [14].

Na Itália, em novembro de 2020, um juiz do Tribunal em Palermo julgou uma demanda em que identificou o vínculo de subordinação entre entregador e a Glovo, determinando a aplicação da legislação trabalhista no caso concreto [15].

No Chile, em outubro de 2020, um juiz do Tribunal de Concepción reconheceu o vínculo empregatício entre um entregador e a plataforma de entregas Pedidos Ya [16].

Na Alemanha, em dezembro de 2020, Corte Superior identificou a existência de relação de emprego entre trabalhador e uma plataforma de microtarefas, levando em consideração a subordinação algorítmica e ludificação do trabalho [17].

Em que pese a UBER se definir como uma empresa de tecnologia, todas as evidências apontam em sentido contrário. Os julgados em outros países já enfrentaram o tema. O juiz norte-americano que tratou do caso O'Connor v. UBER destacou que:

A UBER não vende simplesmente software; vende corridas. A UBER não é mais "empresa de tecnologia" do que a Yellow Cab é "empresa de tecnologia" porque usa rádios para enviar táxis, John Deere é "empresa de tecnologia" porque usa computadores e robôs para manufaturar cortadores de grama ou Domino Sugar é "empresa de tecnologia" porque usa técnicas modernas de irrigação para fazer crescer cana-de-açúcar. De fato, poucas empresas não são empresas de tecnologia se o foco é somente em como criam ou distribuem seus produtos. Se, contudo, o foco é na substância do que a empresa realmente faz (como vender corridas de táxi, cortar grama ou açúcar), é claro que a UBER é uma empresa de transporte, embora tecnologicamente sofisticada.[18]

No mesmo sentido, o magistrado inglês que julgou o caso Aslam e Farrar v. UBER afirmou que

em nossa opinião, é irreal negar que a UBER está nos negócios como um fornecedor de serviços de transporte. [...] Além disso, o caso dos réus aqui é, acreditamos, incompatível com o fato consensual de que a UBER comercializa uma "gama de produtos". Alguém pode perguntar: de quem é essa gama de produtos se não da Uber? Os "produtos" falam por si mesmos: eles são uma variedade de serviços de corridas. O Sr. Aslam não oferece essa gama. Nem o Sr. Farrar ou qualquer outro motorista individualmente. O marketing evidentemente não é feito para o benefício de qualquer motorista individualmente. Igualmente evidente, é feito para promover o nome da UBER e para vender os seus serviços de transporte.[19]

Acrescenta que a propaganda da UBER mostra que a análise da sentença naquele caso está correta. A plataforma anuncia que é "o motorista particular de todos [...] a missão da UBER é ir para toda a principal cidade do mundo e implementar um sistema de transporte eficiente, conveniente e elegante".

E arremata o Magistrado: "a noção de que a UBER em Londres é um mosaico de 30.000 pequenos negócios relacionados por uma 'plataforma' comum é, para nós, francamente ridícula. Em cada caso, o 'negócio' consiste em um homem com um carro buscando ganhar a vida dirigindo" (...).

Na Holanda, em ação coletiva ajuizada pela FNV (Federação Nacional de Sindicatos Holandeses), a Corte de Amsterdam negou que os entregadores da plataforma Deliveroo fossem trabalhadores autônomos, decidindo que seriam aplicados a eles a negociação coletiva dos trabalhadores em transporte de mercadorias. Foi afirmado que o contrato é padronizado, elaborado completa e unilateralmente pela plataforma, e inegociável. Percebeu a corte a existência de uma relação de autoridade entre a empresa e os entregadores e que os sistemas digitais da empresa que ligam os entregadores aos pedidos de entrega de refeições têm um papel central nesse fato, o que resulta, na prática, que a liberdade dos entregadores é consideravelmente menor do que o contrato afirma. [20]

Por fim, corroborando os pontos de vista expostos na decisão britânica, a Corte de Justiça da União Europeia decidiu, em relação à Uber, que o serviço de intermediação deve ser considerado como parte integral de um serviço geral, cujo principal componente é o serviço de transporte e, em razão disso, não deve ser classificado como "serviço de sociedade de informação" [...] mas como "serviço no campo do transporte [21]"

Mais recentemente, a Suprema Corte do Reino Unido reconheceu que os motoristas da Uber são workers e não trabalhadores autônomos, aplicando a teoria do Purposive Approach, desenvolvida por Guy Davidov, no sentido de que a interpretação da lei deve ser realizada a partir dos seus objetivos e o resultado interpretativo deve ser aquele que traz melhores resultados de acordo com essas finalidades.

É importante frisar que o direito britânico classifica os trabalhadores em três grandes categorias, conforme a natureza do vínculo contratual [21-A]: employees, workers e selfemployed. Os primeiros mantêm um contrato de trabalho tradicional (contract of employment); os segundos trabalham para um empregador mediante contract of employment ou outro tipo de contrato pelo qual se obrigam a prestar trabalho ou serviços (independent contractor), sendo economicamente dependentes daqueles a quem prestam serviço; os últimos são trabalhadores independentes, que mantêm o seu próprio negócio e prestam serviços a outras empresas.

A diferença essencial se dá entre os selfemployed (trabalhadores autónomos), que prestam serviços sem qualquer subordinação ou dependência (trabalhando por conta própria), e os os workers e employeescujo grau de subordinação e dependência é essencialmente o mesmo.

 

Para compreender a diferença entre os últimos, oportuno citar os trabalhadores temporários. Muitos são considerados workers e não são employees. O sistema de proteção social e de direitos dos employees é mais completo do que o dos workers [21-B].

Como será melhor detalhado na tradução livre de alguns trechos da sentença proferida pela Suprema Corte do Reino Unido, a pedra de toque da subordinação e da dependência dos trabalhadores (workers), que se encontram em posição semelhante à dos empregados (employees), no pontoé o controle exercido pelo empregador sobre suas condições de trabalho e remuneração.

A fim de viabilizar a análise de direito comparado e evitar a disputa de narrativa com relação ao efeito comparativo com a situação dos motoristas do UBER no Brasil, passa-se a ressaltar os pormenores cuidadosamente enumerados pela Suprema Corte do Reino Unido que se aplicam ao caso em tela, com a transcrição dos trechos mais relevantes da decisão [21-C], em tradução livre. Frise-se que o termo workers foi traduzido para trabalhadores e employees para empregados:

"34. Os direitos reivindicados pelos requerentes no presente processo são: direitos ao abrigo dado Lei Nacional do Salário Mínimo de 1998 e regulamentos associados a serem pagos, pelo menos, salário mínimo nacional por trabalho realizado; direitos sob os regulamentos de tempo de trabalho 1998, que inclui o direito de receber férias anuais remuneradas; e no caso de dois requerentes, um dos quais é o Sr. Aslam, um direito ao abrigo da Lei dos Direitos do Trabalho 1996 para não sofrer tratamento prejudicial por ter feito umaum divulgação anônima ("denúncia").

35. Todos estes direitos são conferidos pela legislação sobre "trabalhadores".(...)

38. O efeito dessas definições, como observou a Baronesa Hale de Richmond em Bates van Winkelhof v Clyde & Co LLP [2014] UKSC 32; [2014] 1 WLR 2047, parágrafos 25 e 31, é que o direito do trabalho distingue entre três tipos de pessoas: os empregados com contrato de trabalho; aquelas pessoas autônomas que estão no negócio por conta própria e realizam trabalhos para seus clientes; e uma classe intermediária de trabalhadores autônomos, que fornecem seus serviços como parte de uma profissão ou empreendimento comercial realizado por alguém. Alguns direitos, como o de não ser demitido injustamente, estão limitados aos empregados com contrato de trabalho; mas outros direitos, incluindo aqueles reivindicados nestes processos, aplicam-se a todos os "trabalhadores"(...)

Embora não haja uma definição única do termo "trabalhador", que aparece em uma série de contextos diferentes nos Tratados e na legislação da UE, tem havido um certo grau de convergência na abordagem adotada. Em Allonby v Accrington and Rossendale College (Processo C-256/01) [2004] ICR 1328; [2004] Col. I-873 o Tribunal Europeu de Justiça considerou, no parágrafo 67, que, na disposição do Tratado que garante aos trabalhadores e trabalhadoras salário igual para trabalho igual (à época, artigo 141 do Tratado CE):

"...deve ser considerado trabalhador aquele que, por um determinado período de tempo, realiza serviços para e sob a direção de outra pessoa, em troca do qual recebe remuneração..." (...)

A eficácia da proteção seria seriamente prejudicada se o empregador pudesse, em razão da forma como a relação foi caracterizada no contrato escrito, determinar se a outra parte deve ou não ser classificada como trabalhador. Normas como a Lei Nacional do Salário Mínimo foram promulgadas para proteger aqueles que o Parlamento considera que precisam de proteção e não apenas para aqueles que forem designados por seu empregador como tais.

77. Este ponto pode ser ilustrado pelo caso em apreço. As cláusulas do contrato (Termo de Parceria) foram redigidas pelos advogados da Uber e apresentadas aos motoristas, que as tiveram que aceitar para usar, ou continuar a usar, o aplicativo Uber. É inverosímil que muitos motoristas leiam esses termos ou, mesmo que o fizessem, compreendam o significado jurídico pretendido. Em qualquer caso, não há possibilidade de negociar quaisquer termos diferentesNessas circunstâncias, admitir que as relações entre Uber, motoristas e passageiros se dão como descrevem os termos do Contrato de Serviços, notadamente com relação à categorização da relação existente entre as partes, seria conceder à Uber o poder de determinar se a legislação destinada a proteger os trabalhadores se aplicará a seus motoristas (...)

Conforme observado anteriormente, as vulnerabilidades dos trabalhadores que criam a necessidade de proteção legal são a subordinação e a dependência de outra pessoa em relação ao trabalho realizado.

Como também discutido, a pedra de toque de tal subordinação e dependência é (como tem há muito reconhecido no direito do trabalho) o grau de controle exercido pelo empregador sobre o trabalho ou serviços executados pelo indivíduo em questão.

Quanto maior a extensão de tal controle, mais forte será o indício para classificar o indivíduo como um "trabalhador" que é empregado sob um "contrato de trabalho".

88. Esta abordagem também é consistente com a jurisprudência do TJUE que, como observado no parágrafo 72 acima, considera a existência de relação hierárquica a característica essencial de um contrato entre um empregador e o trabalhador. Em julgamento recente, a Grande Câmara do TJEU enfatizou que, ao determinar se tal relação existe, é necessário levar em consideração a situação objetiva do indivíduo em causa e todas as circunstâncias do seu trabalho. A redação dos documentos contratuais, embora relevantes, não são conclusivos. (...)

93. Em todos estes aspectos, as conclusões do tribunal do trabalho que justificaram a sua conclusão de que, embora livres para escolher quando e onde trabalharam, nos momentos em que trabalham, eles são motoristas contratados pela Uber (e, especificamente, Uber Londres). Vale a pena enfatizar cinco aspectos das conclusões do tribunal:

94. Em primeiro lugar e de grande importância, a remuneração paga aos motoristas pelo trabalho é determinada pela Uber e os motoristas não têm voz sobre isso (a não ser escolhendo quando e quanto trabalhar). (...)

A liberdade de cobrar menos de um passageiro do que a tarifa definida pelo Uber não traz nenhum benefício aos motoristas, visto que qualquer desconto oferecido sairia inteiramente do bolso do motorista e a prestação do serviço é organizado de forma a evitar que um motorista estabeleça um relacionamento com um passageiroque possa gerar relação futura com o motorista, pessoalmente (veja o quinto ponto, discutido abaixo). O Uber também fixa o valor de sua própria "taxa de serviço", que deduz das tarifas pagas aos motoristas. O controle da Uber sobre a remuneração estende-se ao direito de decidir, a seu exclusivo critério, se fará total ou parcial reembolso da tarifa a um passageiro, em resposta a uma reclamação sobre o serviço prestado pelo motorista (ver parágrafo 20 acima).

95. Em segundo lugar, as condições contratuais em que os motoristas executam seus serviços são ditadas pela Uber. Os motoristas não são apenas obrigados a aceitar o formulário padrão de acordo escrito, mas os termos em que transportam passageiros também são impostos pela Uber e os motoristas não têm voz sobre eles.

96. Em terceiro lugar, embora os motoristas tenham a liberdade de escolher quando e onde (dentro área coberta por sua licença PHV) trabalharão, uma vez conectado ao Aplicativo Uber, a escolha do motorista sobre aceitar ou não solicitações de viagens é restrita pela Uber. (...)

Onde uma corrida é oferecida a um motorista através do Uber app, o Uber exerce controle sobre a aceitação da solicitação pelo motorista de duas maneiras. Uma é controlando as informações fornecidas ao motorista. O motorista, quando informado de um pedido, é avisado a respeito da classificação média do passageiro (de viagens anteriores) o que permite evitar passageiros de baixa classificação, que podem ser problemáticos. Entretanto, o motorista não é informado do destino até que o passageiro seja recolhido e, portanto, não tem oportunidade de recusar uma reserva com base no fato de não desejar viajar para aquele local específico destino.

97. A segunda forma de controle é exercida monitorando a taxa do motorista de aceitação (e cancelamento) de solicitações de viagem. Conforme descrito no parágrafo 18 acima, um motorista cuja porcentagem de aceitação cai abaixo de um nível estabelecido pela Uber Londres (ou cuja taxa de cancelamento excede um nível definido) recebe uma série crescente de mensagens de aviso que, se o desempenho não melhorar, será desconectado automaticamente do aplicativo Uber e tem o login interrompido por dez minutos. Essa medida foi descrita pela Uber em documento interno citado pelo tribunal do trabalho como uma "pena", sem dúvida porque tem um efeito econômico semelhante na redução do pagamento de um funcionário, impedindo o motorista de receber valores durante o período em que ele está desconectado do aplicativo. A Uber justifica a prática com base no argumento de que recusas ou cancelamentos de pedidos de viagem causam atrasos aos passageiros em encontrar um motorista e levam à insatisfação do cliente. Não duvido disso. A questão, porém, não é se o sistema de controle operado pela Uber está de acordo com seus interesses comerciais, mas se coloca os motoristas em posição de subordinação à Uber. É claro que sim.

98. Quarto: a Uber exerce um grau significativo de controle sobre a forma como os motoristas prestam seus serviços. O fato de fornecerem seus próprios carros significa que têm mais controle do que a maioria dos funcionários sobre o equipamento físico usado para realizar seu trabalho. No entanto, a Uber examina os tipos de carro que podem ser usados. Além disso, a tecnologia, que é parte integrante do serviço, é de propriedade integral e controlada pela Uber, utilizada como meio controle sobre os motoristas. Desse modo, quando uma viagem é aceita, o aplicativo Uber direciona o motorista para o local de coleta e de lá para o destino do passageiro. Embora, como mencionado, não seja obrigatório para o motorista seguir o trajeto indicado pelo app Uber, clientes podem reclamar se uma rota diferente for escolhida e o motorista arcar com o risco financeiro de qualquer desvio da rota indicada pelo aplicativo que o passageiro não tenha aprovado (ver parágrafo 8 acima).

99. Já mencionei o controle exercido pelo monitoramento das taxas de aceitação e cancelamento de viagens; a exclusão temporária de acesso ao aplicativo Uber se não conseguir manter as taxas de aceitação e não cancelamento exigidas. Um outro método potente de controle é o uso do sistema de classificação, em que os passageiros são solicitados a avaliar o motorista após cada viagem. A falha na manutenção da classificação média imposta resulta em avisos e, finalmente, na rescisão do contrato do motorista com a Uber (ver parágrafos 13 e 18 acima). É claro que é comum que as plataformas digitais convidem clientes a avaliar produtos ou serviços. Normalmente, no entanto, essas classificações são disponibilizadas apenas como informações que podem ajudar os clientes na escolha de qual produto ou serviço para comprar. Sob tal sistema, o incentivo para o fornecedor do produto ou serviço ganhar altas classificações é simplesmente o incentivo comercial comum para satisfazer clientes na esperança de atrair negócios futuros. A maneira como o Uber faz o uso de classificações de clientes é materialmente diferente. As classificações não são divulgadas para os passageiros, que devem informar a escolha do motorista: os passageiros não têm a opção de motorista com, por exemplo, um preço mais alto cobrado pelos serviços de um motorista que é mais bem avaliado. Em vez disso, as classificações são usadas pelo Uber puramente como uma ferramenta interna para gestão de desempenho e como base para a tomada de decisões de rescisão, em que o feedback do cliente mostra que os motoristas não estão atendendo aos níveis de desempenho definidos por Uber. Esta é uma forma clássica de subordinação que é característica das relações de emprego.

100. Um quinto fator significativo é que a Uber restringe a comunicação entre passageiros e motoristas para o mínimo necessário para realizar a viagem particular e toma medidas ativas para evitar que os motoristas estabeleçam qualquer relacionamento com um passageiro capaz de se estender além de uma viagem individual. Como mencionado, ao reservar uma viagem, o passageiro não tem a opção de escolher entre os diferentes motoristas e a solicitação é simplesmente direcionada para o motorista mais próximo disponível. Assim que um pedido for aceito, a comunicação entre o motorista e o passageiro é restrita a informações relacionadas à viagem e é canalizada através do app Uber de forma a evitar aevitara apreensão dos detalhes de contato um do outro. Da mesma forma, a cobrança de tarifas, o pagamento de motoristas e o tratamento de reclamações são gerenciados pelo Uber de uma forma projetada para evitar qualquer interação direta entre o passageiro e o motorista. Um exemplo gritante disso é a geração de um documento eletrônico que, embora denominado como uma "fatura" do motorista para o passageiro, nunca é enviada para o passageiro e, embora disponível para o motorista, registra apenas o primeiro nome do passageiro e não quaisquer outros detalhes (ver parágrafo 10 acima). Além disso, os motoristas são especificamente proibidos pela Uber de trocar detalhes de contato com um passageiro ou contato com um passageiro após o término da viagem além de devolver bens perdidos (ver parágrafo 12 acima).

101. Considerando esses fatores em conjunto, pode-se perceber que o serviço de transporte realizado por motoristas e oferecido aos passageiros por meio do aplicativo Uber é rigorosamente definido e controlado pela Uber. Além disso, é projetado e organizado para fornecer um serviço padronizado aos passageiros em que os motoristas são percebidos como substancialmente intercambiáveis e a partir do qual a Uber, em vez de motoristas individuais, obtém o benefício da fidelidade e boa vontade do cliente. Do ponto de vista dos motoristas, os mesmos fatores - em particular, a incapacidade de oferecer um serviço diferenciado ou de definir seus próprios preços e o controle do Uber sobre todos os aspectos de sua interação com passageiros - revelam que têm pouca ou nenhuma capacidade de melhorar sua posição econômica por meio de habilidade profissional ou empreendedoraNa prática, a única maneira de aumentar seus ganhos é trabalhar mais horas enquanto constantemente atendem às medidas de desempenho da Uber." [21-C2] (sem grifos no original)

Ressalte-se que o enquadramento dos trabalhadores na categoria de workers, e não de employees, observou, na decisão da Suprema Corte do Reino Unido, os limites do pedido; que a subordinação foi amplamente reconhecida e que, ao analisar o grau de controle exercido pela UBER, a Corte ressaltou que a liberdade para definir sua própria jornada de trabalho não afasta o vínculo, citando os trabalhadores intermitentes e safristas, como exemplo, e frisando a necessidade de centrar a análise nas condições de trabalho vivenciadas durante a jornada, qualquer que seja ela [21-D].

A decisão atinge mais de 70 mil motoristas, que terão direito a salário-mínimo, férias remuneradas e plano de pensões para o qual a empresa contribuirá.

Trata-se do reconhecimento da precarização do trabalho desses motoristas e sua menor proteção na esfera trabalhista e é provável que outros países europeus sigam tendência parecida. Ressalte-se que, logo em seguida, o governo espanhol apresentou uma lei que torna os entregadores de aplicativos empregados formais das plataformas, além de garantir que tenham acesso ao funcionamento do algoritmo [21-F].

Acrescente-se que, em março de 2020, a Corte de Cassação da França reconheceu a existência de relação de emprego na hipótese [21-E], ressaltando que: 1) o fato de o trabalhador poder estar desconectado não altera a conclusão, pois, se conectando, possui limites para as recusas, caso típico de sujeição às demandas do empregador, permanecendo, assim, à disposição da UBER; 2) a relação de emprego independe da vontade das partes ou do nome dado ao pacto havido entre elas, mas das condições de fato em que foi exercida; 3) a clientela não é própria do trabalhador, que não pode fixar livremente as tarifas e condições de trabalho; 4) o itinerário é imposto sem possibilidade de escolha e descontos tarifários são aplicados se o motorista não o seguir. Por fim a nota da Corte de Cassação da França faz referência ao fato de que naquele país, diferentemente de outros países europeus, onde há um tipo de contrato intermediário entre o de emprego e o independente (como no Reino Unido, com os workers e na Itália, com os collaborazione coordinata e continuativa collaborazione a progetto), há apenas dois tipos de contrato, como no Brasil: o independente e o de emprego. A decisão francesa também passa pelo conceito de sujeição às ordens organizacionais, nos exatos termos do artigo 6º, parágrafo único, da CLT e frisa que a possibilidade de escolher o momento para se conectar não afasta o vínculo, pois, uma vez conectado, o motorista tem limitadas recusas, encontrando-se, portanto, à disposição da estrutura UBER.

Percebe-se que o trabalho por meio de plataformas provoca intensas discussões jurídicas e que as Cortes internacionais vêm reconhecendo a natureza do trabalho subordinado e a consequente precarização das condições de trabalho e a subtração dos direitos fundamentais da classe trabalhadora que foram conquistados por meio de muitas lutas, o que representa um grande retrocesso social.

O RECONHECIMENTO DO VÍNCULO DE EMPREGO COMO SUPOSTO INVIABILIZADOR DO NEGÓCIO

Oportuno citar as considerações do Procurador do Ministério Público do Trabalho Cássio Casagrande a respeito da afirmação de que, com motoristas empregados, as plataformas digitais de transporte quebrariam, causando mais desemprego:

"Tudo isso apenas está se repetindo agora na "quarta" revolução industrial. O trabalho com a intermediação de aplicativos gerou uma massa de trabalhadores precários, destituídos de qualquer proteção. Cedo ou tarde, pelo legislativo ou pelo judiciário, a regulação virá. Se o Uber não conseguir manter certos direitos sociais para seus motoristas, a empresa pode, sim, desaparecer. E isso não é ruim, pelo contrário. Será substituída por outras mais eficientes. O mais provável é que ela puramente se adapte (já o está fazendo em estados como Nova Iorque e Califórnia, onde é obrigada por lei a pagar salário-mínimo e limitar a jornada de motoristas).

Mas as corridas e entregas vão ficar mais caras para os consumidores se direitos forem reconhecidos aos motoristas? Provavelmente sim, porque hoje elas estão artificialmente baratas, pois o "modelo de negócios" destas empresas inclui superexplorar trabalhadores e sonegar contribuições fiscais e previdenciárias (e na verdade somos nós contribuintes que estamos subsidiando a empresa). O aumento no preço dos bens de consumo e serviço em razão da criação de direitos sociais é inevitável, e é um progresso.

Do contrário, vamos defender que nossas roupas sejam feitas por crianças trabalhando em regime de servidão ou que se restabeleça o transporte urbano por tração humana. Creio que não queremos voltar aos tempos do "King Cotton" no Sul dos EUA, nem ao Brasil Império do palanquim e da liteira." [22-A]

O artigo do Dr. Cássio Casagrande mostra que a tecnologia sempre será bem-vinda, porém não pode ser utilizada como forma de subtrair os direitos dos trabalhadores [23] [24]. O baixo custo do serviço prestado por meio da plataforma não pode ser suportado pelos motoristas, pois quem desenvolve a atividade econômica tem a obrigação de respeitar os direitos fundamentais dos trabalhadores, sob pena de prática de concorrência desleal com os serviços até então estabelecidos, provocando uma erosão social.

Remeto-me, por fim, às considerações introdutórias a respeito da manipulação da jurisprudência por meio de estratégia processual baseada na estatística aplicada ao direito (jurimetria) para acrescentar que, a depender do posicionamento jurisprudencial, corre-se o risco de tornar definitiva a expansão deste modelo organizacional de gestão do trabalho precarizante para outros setores da economia, com o aniquilamento dos direitos trabalhistas pela não responsabilização das empresas que se valem desta metodologia de gestão da mão de obra (gig economy).

CONCLUSÃO

A análise da prova oral e documental evidenciou a presença de todos os requisitos do art. 3º da CLT, sobretudo diante a verificação da existência de meios telemáticos e automatizados de comando, controle e supervisão (parágrafo único do art. 6º da CLT).

Nesse contexto, impõe-se o reconhecimento do vínculo de emprego entre o autor e a UBER, considerando a organização gerencial imprimida pela empresa na relação de prestação de serviços, que foi confirmada pelo conjunto probatório dos autos.

No mesmo sentido, decidiu recentemente esta E. Câmara, em processos análogos (vínculo de trabalhador com plataforma digital de entregas), de relatoria do i. Desembargador Antonio Francisco Montanagna (nº0011011-72.2019.5.15.0113; sessão de julgamento de 06.02.2020, composição: Juízes Marcus Menezes Barberino Mendes e Olga Regiane Pilegis) e de relatoria do i. Desembargador Eder Sivers (nº0010900-48.2019.5.15.0094; sessão de julgamento de 25 de fevereiro de 2021, composição: Des. João Batista Martins César e Des. Antonio Francisco Montanagna).

Citem-se também decisões de outros Tribunais Regionais do Trabalho no mesmo sentido: TRT da 3º Região, p. 0010258-59.2020.5.03.0002, decisão de relatoria do i. Des. Antônio Gomes de Vasconcelos; TRT da 2º Região, p. 1000123-89.2017.5.02.0038, decisão de relatoria da i. Des. Beatriz de Lima Pereira.

Logo, acolhe-se o pedido para reconhecer o vínculo empregatício no período e com a remuneração apontados na inicial (de 10/8/2017 a 17/7/2018 e de 26/7/2019 a 24/9/2019, com salário mensal de R$ 3.000,00), porque não invalidados pelos elementos de convicção trazidos aos autos.

Como o exame dos demais pedidos não se enquadra nas hipóteses previstas no artigo 1.013, § 3º, do CPC, determina-se o retorno dos autos à origem para a análise das questões remanescentes, sob pena de supressão de instância.

Prejudicada a análise das demais matérias do recurso.

PREQUESTIONAMENTO

Ante a fundamentação supra, tem-se por prequestionados todos os dispositivos legais e matérias pertinentes, restando observadas as diretrizes traçadas pela jurisprudência do STF e do TST.

Ressalto que não se exige o pronunciamento do Julgador sobre todos os argumentos expendidos pelos litigantes, mormente quando esses, por exclusão, são contrários à posição adotada, bastando os fundamentos que formaram convicção, conforme já decidido pelo STF (RE nº 184.347).

Ficam as partes, assim, desde já advertidas de que a oposição de embargos meramente protelatórios poderá implicar condenação em multa, nos termos do art. 1.026, § 2º, do CPC, de aplicação subsidiária nesta Especializada.

______________________________________________

[1] Nuances já destacadas pelo Juiz do Trabalho Valdir Rinaldi Silva, com base na prova oral e na documentação do processo 0010813-32.2020.5.15.0135.

[1-A] . Acesso em 19.04.21.

[1-B] . Acesso em 19.04.21.

[2] ABRAMI DES BRASIL, Natalia Marques. Relações de trabalho em plataformas digitais: desafios ao modelo tradicional do direito do trabalho. Rio de Janeio Lumen Juris, 2019, p. 71, apudJuiz do trabalho Valdir Rinaldi Silva na sentença do processo 0010813-32.2020.5.15.0135.

[3] OITAVEN, Juliana Carreiro Corbal outros. Empresas de transporte, plataformas digitais e a relação de emprego: um estudo do trabalho subordinado sob aplicativos juliana Carreiro Corbal Oitaven, Rodrigo de Lacerda Carelli, Cássio Luis Casagrande. Brasilia : Ministério Público do Trabalho, 2018 (p.52), apud Juiz do trabalho Valdir Rinaldi Silva na sentença do processo 0010813-32.2020.5.15.0135.

[3-A] PORTO, Lorena Vasconcelos. A relação de emprego e a subordinação a matriz clássica e as tendências expansionistas. Revista LTr, São Paulo, ano 72, n. 07, p. 825)

[3-B] GAIA. Fausto Siqueira. Uberização do trabalho: aspecto da subordinação jurídica disruptiva. 2 ed. - Rio de Janeiro; Lumen Juris, 2020, p. 394

[4] PAUL, Kari. Uber and Lyft must classify drivers as employees, judge rules, in blow to gig economy. The Guardian, Londres, 10 ago. 2020. Disponível em: https://www.theguardian.com/technology/2020/aug/10/uber-lyft-ruling-california-judge. Acesso em: 13 dez. 2020

[5] BOND, Shannon. Uber and Lyft must make drivers employees, California Court rules. NPR, Washington, 22 out. 2020. Disponível em: https://www.npr.org/2020/10/22/926916925/uber-and-lyft-must-make-drivers-employees-california-appeals-court-rules. Acesso em: 13 dez. 2020. Em novembro de 2020, foi aprovada em plebiscito a Proposition 22, que afasta a aplicação da nova legislação trabalhista na Califórnia dos trabalhadores via plataformas digitais

[6] MESA, Piá. Fallo inédito em Uruguay: Justicia considera trabajador dependiente a chofer de Uber. El País, Montevideo. Disponível em: https://negocios.elpais.com.uy/noticias/fallo-inedito-uruguay-justicia-considera-trabajador-dependiente-chofer-uber.html. Acesso em: 13 dez. 2020.

[7] CARLIM Federico Rosenbaum. Fin del partido. Uruguay: los choferes de Uber son trabajadores dependientes (TAT de 1º turno, sentencia n. 111/2020, 03.06.2020). Disponível em: http://www.lacausalaboral.net.ar/doctrina-5.-rosenbaum-carli.html. Acesso em: 13 dez. 2020.

[8] COUR DE CASSATION. Arrêt n. 374 du 4 mars 2020 (19-13.316) -Cour de cassation -Chambre sociale -ECLI:FR:CCAS:2020:SO00374. Disponível em: https://www.courdecassation.fr/jurisprudence_2/chambre_sociale_576/374_4_44522.html. Acesso em: 13 dez. 2020

[9] SWISS INFO. UberPop driver wins "landmark" infair dismissal case.Disponível em: https://www.swissinfo.ch/eng/court-ruling_uberpop-driver-wins--landmark--unfair-dismissal-case/44941794. Acesso em: 13 dez. 2020

[10] SWISS INFO. Swiss court confirms Uber status as "employer".Disponível em: https://www.swissinfo.ch/eng/swiss-court-confirms-uber-status-as--employer-/46036976. Acesso em: 13 dez. 2020.

[11] SWISS INFO. Uber accepts Swiss court decision on employee.Disponível em: https://www.swissinfo.ch/eng/uber-accepts-swiss-court-decision-on-employee/46208314. Acesso em: 13 dez. 2020.

[12] JUDICIARY. Mr Y Aslam, Mr J Farrar and Others -V -Uber. Oct. 2016.Disponível em: https://www.judiciary.uk/wp-content/uploads/2016/10/aslam-and-farrar-v-uber-employment-judgment-20161028-2.pdf. Acesso em: 20 set. 2018. No Reino Unido, há a figura do trabalhador (worker), que é caracterizado pela prestação de trabalho de forma pessoal, em que há contraprestação pecuniária, limitação para subcontratar a atividade e obrigação de prestar e de dar trabalho no período contratual. Os trabalhadores têm alguns direitos também reconhecidos aos empregados, como salário mínimo, limitação de jornada, proteção contra discriminação, dentre outros. Contudo, não têm proteção contra dispensa arbitrária e indenização pelo rompimento do contrato.

[13] BUTLER, Sarah. Uber loses appeal over driver employment rights.The Guardian, Londres, 20 dez. 2018. Disponível em: https://www.theguardian.com/technology/2018/dec/19/uber-loses-appeal-over-driver-employment-rights. Acesso em: 13 dez. 2020.

[14] PODER JUDICIAL ESPAÑA. El Tribunal Supremo declara la existencia de la relación laboral entre Glovo y um repartidor. Disponível em: http://www.poderjudicial.es/cgpj/es/Poder-Judicial/Noticias-Judiciales/El-TribunalSupremo-declara-la-existencia-de-la-relacion-laboral-entre-Glovo-y-un-repartidor. Acesso em: 13 dez. 2020.

[15] ROTUNNO, Roberto. "Glovo assuma il fattorino come dependente". A Palermo la prima sentenza che impone a una app di riconoscere la subordinazione dei rider.Il Fatto Quotidiano, Roma, 23 nov. 2020. Disponível em: https://www.ilfattoquotidiano.it/2020/11/23/glovo-assuma-il-fattorino-come-dipendente-a-palermo-la-prima-sentenza-che-impone-a-una-app-di-riconoscere-la-subordinazione-dei-rider/6013230/. Acesso em: 13 dez. 2020.

[16] SÁNCHEZ, Dayana. Juzgado del Trabajo de Concepción reconoce vínculo laboral entre Pedidos Ya y repartidor, y abre flerte debate.La Tercera, Santiago, 6 out. 2020. Disponível em: https://www.latercera.com/pulso/noticia/juzgado-del-trabajo-de-concepcion-reconoce-vinculo-laboral-entre-pedidos-ya-y-repartidor-y-abre-fuerte-debate/WHWA5UWSTNHE7FWZHWNBLBWY5A/. Acesso em: 13 dez. 2020.

[17] BUNDESARBEITSGERICHT. Pressemitteilung Nr. 43/20. Abeitnehmereigenschaft von "Crowdworkern".Disponível em: https://juris.bundesarbeitsgericht.de/cgi-bin/rechtsprechung/document.py?Gericht=bag&Art=pm&nr=24710. Acesso em: 13 dez. 2020

[18] UNITED STATES DISTRICT COURT, N.D. CALIFORNIA. Douglas O'Connor, et al., Plaintffs v. Uber Technologies, Inc., et al., Defendants. Mar. 2015. Disponível em: https://h2o.law.harvard.edu/collages/42126/export. Acesso em: 30 set. 2017, tradução nossa de: "Uber is no more a "technology company" than Yellow Cab is a "technology company" because it uses CB radios to dispatch taxi cabs, John Deere is a "technology company" because it uses computers and robots to manufacture lawn mowers, or Domino Sugar is a "technology company" because it uses modern irrigation techniques to grow its sugar cane. Indeed, very few (if any) firms are not technology companies if one focuses solely on how they create or distribute their products. If, however, the focus is on the substance of what the firm actually does (e.g., sells cab rides, lawn mowers, or sugar), it is clear that Uber is most certainly a transportation company, albeit a technologically sophisticated one".

[19] JUDICIARY. Mr Y Aslam, Mr J Farrar and Others - V - Uber. Oct. 2016. Disponível em: https://www.judiciary.uk/wp-content/uploads/2016/10/aslam-and-farrar-v-uber-employment-judgment-20161028-2.pdf. Acesso em: 20 set. 2018, p. 27, tradução nossa de: "it is, in our opinion, unreal to deny that Uber is in business as a supplier of transportation services. [...] Moreover, the Respondents' case here is, we think, incompatible with the agreed fact that Uber markets a 'product range'. One might ask: Whose product range is it if not Uber's? The 'product' speaks for themselves: they are a variety of driving services. Mr Aslam does not offer such a range. Nor does Mr Farrar, or any other solo driver. The marketing self-evidently is not done for the benefit of any individual driver. Equally self#evidently, it is done to promote Uber's name and 'sell' its transportation services".

[20] (https://trab21.blog/2021/02/16/tribunal-holandes-determina-que-entregadores-sao-empregados-da-plataforma#deliveroo/) acesso em 17 de fevereiro de 2021.

[21] COURT OF JUSTICE OF THE EUROPEAN UNION. Case C-434/15. Dec. 2017. Disponível em: http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf;jsessionid=9ea7d0f130dcb236077b2ccb4eac82eea27b3c4d851c.e 34KaxiLc3eQc40LaxqMbN4Pbh0Ke0?text=&docid=198047&pageIndex=0&doclang=en&mode=lst&dir=&occ=firs t&part=1&cid=634146. Acesso em: 20 set. 2018, tradução nossa de: "That intermediation service must thus be regarded as forming an integral part of an overall service whose main component is a transport service and, accordingly, must be classified not as 'an information society service' [...] but as 'a service in the field of transport'".

[21-A] Conforme Employment Rights Act 1996, secção [s.] 230(1) e (3) 2MJGPF Machado. Universidade de Vigo, 2011. 2011. O contrato de trabalho a termo no direito português e no direito da União Europeia. Acesso em 19.04.21.

[21-B] . Acesso em 19.04.21.

[21-C] https://g1.globo.com/economia/tecnologia/noticia/2021/03/16/uber-vai-conceder-beneficios-de-funcionarios-a-70-mil-motoristas-no-reino-unido.ghtml, acesso em 07.04.21; https://www.bloomberg.com/news/articles/2021-03-16/uber-to-reclassify-70-000-u-k-drivers-as-workers-after-ruling?cmpid=socialflow-twitter-business&utm_medium=social&utm_source=twitter&utm_content=business&utm_campaign=socialflow-organic , acesso em 07.04.21.

[21-C2] https://www.supremecourt.uk/cases/uksc-2019-0029.html

[21-D] Acesso em 19.04.21.

[21-E] , Acesso em 19.04.21.

[21-F] . Acesso em 19.04.21.

[21-G] G20 Employment Working Group. 2017. Hamburg, Germany. "Strengthening social protection for the future of work" Disponível em . Acesso em 19.04.21.

[22] https://g1.globo.com/economia/tecnologia/noticia/2021/03/16/uber-vai-conceder-beneficios-de-funcionarios-a-70-mil-motoristas-no-reino-unido.ghtml, acesso em 07.04.21; https://www.bloomberg.com/news/articles/2021-03-16/uber-to-reclassify-70-000-u-k-drivers-as-workers-after-ruling?cmpid=socialflow-twitter-business&utm_medium=social&utm_source=twitter&utm_content=business&utm_campaign=socialflow-organic , acesso em 07.04.21.

[22-A] Artigo "Com motoristas empregados, o Uber acaba?", jota.info/OPINIAO-E-ANALISE/COLUNAS/O-MUNDO-FORA-DOS-AU-ATOS/COM-MOTORISTAS-EMPREGADOS-O-UBER-ACABA-01032021, acesso em 07.04.21)

[23] Uber reclassificará 70.000 motoristas do Reino Unido como trabalhadores após decisão. Cf. https://www.bloomberg.com/news/articles/2021-03-16/uber-to-reclassify-70-000-u-k-drivers-as-workers-after-ruling Acesso em 8.4.21.

[24] Uma das maiores plataformas de transporte assinou acordo coletivo reconhecendo os riders como subordinados. O acordo foi assinado pelos maiores sindicados italianos: CGIL, CISL e UIL. Cf. https://www.google.it/amp/s/www.ansa.it/amp/sito/notizie/economia/2021/03/29/accordo-per-rider-just-eat-diventano-dipendenti_991af3b8-dfc9-4357-98f7-cf88d00a7198.html

DISPOSITIVO

Diante do exposto, decide-se CONHECER e PROVER o recurso ordinário interposto pelo reclamante para reconhecer o vínculo de emprego no interregno de 10/8/2017 a 17/7/2018 e de 26/7/2019 a 24/9/2019. Determina-se o retorno dos autos à origem para a apreciação dos demais pedidos, sob pena de supressão de instância, restando prejudicada, por ora, a análise dos demais tópicos recursais.

Indefere-se o pedido de retirada do processo de pauta e deixa-se de homologar o acordo apresentado pelos requerentes.

Em sessão telepresencial realizada em 20/04/2021, conforme previsto nas Portarias Conjuntas GP - VPA - VPJ - CR nº 004/2020 , nº 005/2020 e seguintes deste E. TRT, A C O R D A M os Magistrados da 11ª Câmara (Sexta Turma) do Tribunal Regional do Trabalho da Décima Quinta Região em julgar o processo nos termos do voto proposto pelo Exmo. Sr. Relator.

Votação Unânime.

Composição: Exmos. Srs. Desembargadores LUÍS HENRIQUE RAFAEL (Presidente e Relator), JOÃO BATISTA MARTINS CESAR e Exma. Sra. Juíza LAURA BITTENCOURT FERREIRA RODRIGUES.

Ministério Público do Trabalho: Exmo.(a) Sr.(a) Procurador(a) Ciente.

Sessão realizada em 20 de abril de 2021.

JOÃO BATISTA MARTINS CÉSAR
Relator

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