RELAÇÃO DE EMPREGO Entregador por aplicativo

Data da publicação:

Acordão - TRT

Antonio Francisco Montanagna -TRT -15



IFOOD Dos elementos de prova constantes dos autos, ao contrário do entendimento esposado pela Origem, entendo que restou configurado o vínculo de emprego entre o reclamante e a primeira reclamada.



PROCESSO nº 0011011-72.2019.5.15.0113 (RORSum)

RECORRENTE: OSWALDO BONFIM JUNIOR

RECORRIDOs: MICHEL ANDERSON TEIXEIRA LTDA, IFOOD AGENCIA DE SERVICOS DE RESTAURANTES LTDA - EPP

ORIGEM: 5ª VARA DO TRABALHO DE RIBEIRÃO PRETO

JUÍZA SENTENCIANTE: MARCIA CRISTINA SAMPAIO MENDES

RELATOR: ANTONIO FRANCISCO MONTANAGNA

 

 

Em conformidade com o disposto no art. 852-A da CLT, com redação dada pela Lei nº 9.957/2000, o processo tramita pelo rito sumaríssimo, pelo que resta dispensada a elaboração do relatório.

VOTO

Conheço do recurso, uma vez que preenchidos os pressupostos legais de admissibilidade.

Não conheço dos documentos juntados pelo reclamante em sede recursal, uma vez que não alinhados com o entendimento da Súmula nº 8 do C. TST.

 

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

A fim de evitar futuros questionamentos, esclareço que as regras de direito material aplicáveis ao presente caso são aquelas vigentes à época dos fatos narrados na exordial, ainda que o julgamento do recurso ordinário ocorra na vigência da norma em epígrafe, em razão das regras de direito intertemporal.

As regras de direito processual com efeito material - como, por exemplo, aquelas relativas aos honorários advocatícios - são aquelas vigentes no momento do ajuizamento da ação, em razão do princípio do devido processo legal e da segurança jurídica.

As regras de direito processual stricto sensu são aquelas vigentes ao tempo da prática de cada ato processual, em razão do princípio do tempus regit actum.

 

VÍNCULO DE EMPREGO

Pugna o reclamante pela reforma da sentença que indeferiu o pedido de reconhecimento do vínculo empregatício. Alega que restaram comprovados nos autos os requisitos previstos no artigo 3º da CLT.

Em sua inicial, o reclamante pretende o reconhecimento do vínculo empregatício, aduzindo que foi admitido aos serviços da primeira reclamada, em 10.1.2019, para exercer a função de motoboy, em benefício da segunda reclamada, sem as devidas anotações do contrato de trabalho em CTPS. Foi imotivadamente dispensado em 18.7.2019. Nesses moldes, postulou o reconhecimento do vínculo de emprego e direitos decorrentes.

Nos termos do artigo 2º da CLT:

"Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço."

Consoante artigo 3º, da CLT:

"Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário."

 

Nesse sentido, extrai-se do texto legal os requisitos para que se possa estabelecer a vinculação jurídica de emprego, quais sejam, pessoa física que presta serviços a empregador com pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação.

Portanto, deve restar comprovada nos autos a prestação de serviços de forma pessoal, não se podendo fazer substituir, mediante pagamento e de forma continuada e, o mais importante, estar presente o requisito da subordinação jurídica.

A subordinação jurídica é a sujeição do trabalhador aos poderes diretivos do empregador que, estando presente na relação jurídica, demonstra a existência de vínculo de emprego, em virtude do Princípio da Alteridade.

Em reclamação trabalhista que visa à caracterização da relação de emprego a partir de uma realidade fática, é ônus da prova do empregador o fato impeditivo do direito do autor, quando admitida a prestação de serviços embora na modalidade de trabalho autônomo, como no caso em tela.

Em audiência (ID 357c049), confessou o reclamante "que recebia quinzenalmente os pagamentos das entregas que fazia, através de depósito bancário; que era possível ir direto da sua residência após fazer a última entrega, desde que desse 00h, horário em que o aplicativo desconecta; que 2/3 vezes durante o contrato aconteceu de não fazer nenhuma entrega; que recebia de acordo com a distância da entrega que fazia, podendo ser de R$8,00 a R$10,00 por cada; que cada entrega consumia cerca de 20 minutos em média, fazendo 20/25 por dia".

A primeira testemunha do reclamante, sr. RICHARD LOPES RAPOSO, afirmou "que trabalhou para a 1ª reclamada de 01/02/2019 a 15/07/2019, como entregador; que trabalhava com sua motocicleta própria, assim como o reclamante, que também era entregador; que quando foi admitido já encontrou o reclamante trabalhando; que a reclamada atua com três turnos: de 11h às 15h, de 15h às 19h e de 19h à 00h, não sabendo precisar o horário que o reclamante atuava; que quando foi admitido pela 1ª ré forneceu CNH e comprovante de endereço para cadastro, a partir do qual recebia do 2º réu endereços de recebimento e entrega das refeições, o que acontecia a partir do momento que "logava"; que o aplicativo indica o restaurante onde a refeição vai ser buscada para entrega abrindo duas opções para o entregador: aceitar ou recusar; em caso de recusa, não há distribuição de outras entregas no dia; em caso de aceite, começa a contar tempo para a chegada ao restaurante e receber a entrega, tempo que varia de acordo com a distância do restaurante; que não é possível ficar "off line" durante o dia; que o aplicativo ainda indica a opção "cheguei", indicando que o entregador chegou ao restaurante, que tem 40/60 minutos para concluir o pedido; que recebido o pedido para entrega, o aplicativo indica a opção "sair", a partir da qual começa a contar outro tempo para ser finalizada a entrega; que depois disso aparece outra opção "concluído", a partir de quando fica disponível para receber outra entrega; que cada entrega demanda 60/90 minutos; que por turno faz uma média de 8 entregas por dia; que recebia por quinzena cerca de R$2.000,00, sendo que cada entrega era paga de acordo com a quilometragem, e cada aceite de entrega garantia o valor mínimo de R$5,35; que trabalhava todos os dias, sem folga semanal; que não sabe informar quanto ao reclamante, mas costumava encontrá-lo nos locais próximos às maiores demandas, onde entregadores costumavam se encontrar; que a bolsa de entrega de refeições e a máquina para receber pagamentos tem a logo da 2ª ré; que foi contratado pelo Sr. Michel e Sr. Ivan; que a obrigação que assimiu com a 1ª ré era intransferível; que caso não logasse eram punidos com uma multa, tendo o depoente sido multado uma vez em R$45,00, o que era descontado da remuneração que recebia; que participou de uma reunião com o reclamante e o Sr. Michel, embora tenha participado de outra apenas com o Sr. Michel; que referidas reuniões tinham como objetivo reforçar que não podiam recusar entregas nem atrasar ou não ficar logado; que havia um prazo mínimo de um dia para avisar eventual necessidade de ausência; que o Sr. Ademar era líder dos entregadores, responsável por elaborar as escalas; que os dias que não estivesse nas escalas não precisava comparecer, embora fosse possível ser convocado em caso de ausência de outro entregador; que durante todo o período em que trabalhou, acredita que não constou da escala em cerca de 18 dias; que acredita que o reclamante continuou prestar serviços depois do seu desligamento, já que continuou vendo-o pela rua; que participava de grupos de mensagens eletrônicas pelo aplicativo Telegran, onde recebia ordens diretamente da 1ª ré ou do Sr. Ademar; que recebia a paga através de transferência bancária feita pela 1ª ré; que a 2ª reclamada direciona os prestadores de serviço para duas sub-plataformas: OL (Operador Logístico), de onde consta horário e escalas a serem cumpridos, imposição de multas, pontuação e pausas, e Modo Nuvem, que não conta com intermediação, tampouco os elementos mencionados acima, e o acesso ao aplicativo é feito pelo mesmo login; que ao acessar o aplicativo o entregador identifica qual das sub-plataformas está inserido, a partir do modo de credenciamento que é feito na admissão e que só pode ser modificado com o desligamento daquele operador; que o login é feito pelo próprio entregador; que era impossível fazer entregas por outro aplicativo; que era obrigatório fazer uso de veículo próprio; que não se recorda de alguém fazer entrega sem este veículo; que era possível sair da sua residência e ir direto para o restaurante da entrega correspondente".

A segunda testemunha do reclamante, sra. ÉRICA CRISTINA URSOLI GONÇALVES, afirmou "que trabalhou para a 1ª reclamada de dezembro de 2018 a maio de 2019, como entregadora; que passou a encontrar o reclamante no trabalho cerca de um após a sua admissão; que alguns entregadores gozavam de folgas na escala, mas a depoente não; que não sabe informar sobre o reclamante; que trabalhava das 11h à 00h, período que precisava ficar logada; que o reclamante cumpria idêntica jornada; que embora fosse possível recusar entregas, a recusa importa em perda de remuneração e premiação; que pagava multa caso não ficasse logada pelo tempo exigido pela ré; que o valor da multa era variável, dependendo do tempo que o entregador permaneceu não logado; que não poderia se fazer substituir; que recebia quinzenalmente de R$900,00 a R$1.500,00, não sabendo quanto ao autor; que foi dispensada pelo 1º reclamado, não sabendo quanto ao autor, já que se desligou antes dele; que ao que sabe não era possível trabalhar sem a motocicleta; que trabalhou no modo "OL", sendo impossível migrar para o modo "Nuvem"; que recebia o pagamento através de transferências bancárias feitas pelo Sr. Michel; que quem delimita a área de entrega é o 2º réu; que nunca aconteceu de fazer nenhuma entrega, sendo que a quantidade é variável; que recebeu a senha do login do Sr. Ivan, que trabalhava com o Sr. Michel".

A primeira testemunha da primeira reclamada, sr. ADEMAR MACHADO JUNIOR, afirmou "que trabalha para a 1ª reclamada há cerca de um ano, como motoqueiro; que já teve motoqueiro que trabalhou com automóvel próprio e de bicicleta; que não é obrigado manter-se logado após o primeiro login; que é possível fazer-se substituir; que trabalham na modalidade "OL", devendo apenas informar na base caso precise ausentar-se do trabalho para que a 1ª ré providencie substituto; que atualmente recebe R$1.000,00 por quinzena em média, não sabendo quanto ao autor; que o valor recebido varia de acordo com a quantidade de entregas feitas; que não sabe informar o motivo do desligamento do autor; que é possível migrar do sistema "OL" para o sistema "Nuvem"; que o próprio motoqueiro faz o cadastro no aplicativo, necessário login e senha, fornecidos pelo 2º réu; que não é necessário a entrega da Carteira de Habilitação para se cadastrar no 2º réu; que pode recusar entrega, circunstância que continua recebendo outras e não sofre multas; que é possível fazer login concomitante em outro aplicativo; que não é necessário comparecer à sede da 1ª ré para dar início à jornada; que não aconteceu de deixar de fazer qualquer entrega em dia; que mesmo apresentado o documento de fl. 5, "Escala teixeira", almoço e jantar, confirma que pode ficar deslogado, mesmo quando escalado; que reconhece como sendo interlocutor da conversa de fl. 6 da petição inicial".

Dos elementos de prova constantes dos autos, ao contrário do entendimento esposado pela Origem, entendo que restou configurado o vínculo de emprego entre o reclamante e a primeira reclamada.

Os depoimentos acima transcritos evidenciam que eram estabelecidas regras para a retirada e a entrega de mercadorias que devem ser seguidas pelos condutores, bem como eram definidos os preços das entregas, trajeto a ser realizado, tempo de deslocamento e tempo de espera dos profissionais.

Ademais, eram exigidas escalas a serem cumpridas com risco de multas e desligamento.

Evidente dessa forma a presença da subordinação jurídica na relação entre as partes.

Ainda, no presente caso, é patente que havia efetiva ingerência das rés no modo e dinâmica de prestação dos serviços do autor, como demonstrou a prova testemunhal.

O contexto probatório revela que o reclamante recebia ordens quanto ao modo e ao tempo em que os serviços deveriam ser executados, restando patente a presença da subordinação jurídica.

Não obstante, restou demonstrado que o reclamante se ativou de forma contínua em proveito das rés, diariamente, com uma folga semanal, e não de forma meramente esporádica

Nesses moldes, reformo a sentença para reconhecer a existência de vínculo empregatício entre a primeira ré e o autor, com data de admissão em 10.1.2019 e dispensa imotivada em 18.7.2019.

Reconhecido o vínculo de emprego, retornem os autos à Origem para decisão acerca dos demais pedidos, cuja apreciação nesse momento se torna prejudicada, sob pena de supressão de instância.

 

PREQUESTIONAMENTO

Para efeito de prequestionamento, ressalta-se que não existe nenhuma ofensa aos dispositivos legais apontados pelo recorrente.

Frise-se que foi observado o princípio da livre apreciação da prova à luz da persuasão racional, permitindo ao julgador conferir o peso necessário a cada elemento probatório dos autos, observadas as regras de distribuição do ônus da prova (artigo 371 do CPC).

 

DIANTE DO EXPOSTO, DECIDO CONHECER do recurso interposto pelo reclamante, OSWALDO BONFIM JUNIOR, e DAR-LHE PARCIAL PROVIMENTO, para reconhecer o vínculo de emprego entre o recorrente e a primeira reclamada, MICHEL ANDERSON TEIXEIRA LTDA., determinando o retorno dos autos à Vara de Origem para decisão acerca dos demais pedidos, cuja apreciação nesse momento se torna prejudicada, sob pena de supressão de instância, nos termos da fundamentação.

 

A C O R D A M os Magistrados da 11° Câmara (Sexta Turma) do Tribunal Regional do Trabalho da Décima Quinta Região em julgar o processo nos termos do voto proposto pelo Exmo. Sr. Relator.

Votação Unânime.

Composição: Exmo. Sr. Desembargador ANTONIO FRANCISCO MONTANAGNA (Presidente Regimental e Relator), Exmos. Srs. Juízes MARCUS MENEZES BARBERINO MENDES e OLGA REGIANE PILEGIS.

Ministério Público do Trabalho: Exmo(a) Sr (a). Procurador (a) Ciente.

Sessão realizada em 06 de fevereiro de 2020.

 

ANTONIO FRANCISCO MONTANAGNA
Desembargador Relator

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