RECURSO PJe

Data da publicação:

Acordão - TST

Augusto Cesar Leite de Carvalho - TST



Erro da parte ao registrar recurso no PJe não impede acesso à Justiça. Decisão de não admitir o recurso configurou cerceamento de defesa. A Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho acolheu o recurso de revista de um ex-analista da Cognizant Serviços de Tecnologia e Software do Brasil S.A., de São Paulo, contra decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região que não admitiu seu recurso ordinário, porque constatado erro de identificação da peça no sistema PJe. Segundo o colegiado, a lei não prevê essa hipótese de não conhecimento do recurso.



RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/2017 E DA IN 40 DO TST. CERCEAMENTO DE DEFESA. RECURSO ORDINÁRIO NÃO CONHECIDO POR ERRO DE IDENTIFICAÇÃO DE PEÇA NO SISTEMA PJE.

TRANSCENDÊNCIA SOCIAL. No caso em tela, o debate acerca do acesso à justiça detém transcendência social, nos termos do art. 896-A, § 1º, III, da CLT. Transcendência reconhecida.

CERCEAMENTO DE DEFESA. RECURSO ORDINÁRIO NÃO CONHECIDO POR ERRO DE IDENTIFICAÇÃO DE PEÇA NO SISTEMA PJE.

REQUISITOS DO ARTIGO 896, § 1º-A, DA CLT, ATENDIDOS. RESOLUÇÃO 185/2017 DO CSJT. O TRT não conheceu do recurso ordinário do reclamante em razão do descumprimento da Resolução CSJT 185/2017, na medida em que a "descrição" e o "tipo de documento" indicados no sistema PJe não guardam correspondência com o conteúdo respectivo. Afirmou, ainda, que o cadastramento equivocado do recurso nomeado como "petição em PDF" ou "manifestação" gera inconsistências estatísticas do sistema PJE, fato que repercute na apuração da produtividade do órgão jurisdicional. A referida resolução, bem como a Lei 11.419/2006, que dispõe sobre a informatização do processo judicial, não preveem essa hipótese de não conhecimento do recurso. A parte comprovou o devido peticionamento de seu recurso ordinário com a demonstração de violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa insertos no inciso LV do art. 5º da Constituição Federal. Recurso de revista conhecido e provido. (TST-RR-1001857-06.2016.5.02.0719, Augusto César Leite de Carvalho, DEJT, 28.6.19).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-1001857-06.2016.5.02.0719, em que é Recorrente ERIC COSTA FERREIRA e Recorrida COGNIZANT SERVIÇOS DE TECNOLOGIA E SOFTWARE DO BRASIL S.A.

O Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, por meio do acórdão de fls. 428-430 (numeração de fls. verificada na visualização geral do processo eletrônico – "todos os PDFs" – assim como todas as indicações subsequentes), não conheceu do recurso ordinário do reclamante.

Embargos declaratórios do reclamante às fls. 438-440, aos quais se negou provimento às fls. 441-443.

O reclamante interpôs recurso de revista às fls. 450-461, com fulcro no art. 896, alíneas a, b e c, da CLT.

O recurso foi admitido às fls. 462-464.

Contrarrazões não foram apresentadas.

Os autos não foram enviados ao Ministério Público do Trabalho, por força do artigo 95 do Regimento Interno do Tribunal Superior do Trabalho.

É o relatório.

V O T O

O recurso é tempestivo (fl. 5), subscrito por procurador regularmente constituído nos autos (fl. 18), e é dispensado o preparo.

A decisão regional foi publicada em 01/02/2018, após iniciada a eficácia da Lei 13.467/2017, em 11/11/2017, que alterou o art. 896-A da CLT, passando a dispor:

  "Art.896-A - O Tribunal Superior do Trabalho, no recurso de revista, examinará previamente se a causa oferece transcendência com relação aos reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica.

§ 1º São indicadores de transcendência, entre outros:

I - econômica, o elevado valor da causa;

II - política, o desrespeito da instância recorrida à jurisprudência sumulada do Tribunal Superior do Trabalho ou do Supremo Tribunal Federal;

III - social, a postulação, por reclamante-recorrente, de direito social constitucionalmente assegurado;

IV - jurídica, a existência de questão nova em torno da interpretação da legislação trabalhista.

§ 2º Poderá o relator, monocraticamente, denegar seguimento ao recurso de revista que não demonstrar transcendência, cabendo agravo desta decisão para o colegiado.

§ 3º Em relação ao recurso que o relator considerou não ter transcendência, o recorrente poderá realizar sustentação oral sobre a questão da transcendência, durante cinco minutos em sessão.

§ 4º Mantido o voto do relator quanto à não transcendência do recurso, será lavrado acórdão com fundamentação sucinta, que constituirá decisão irrecorrível no âmbito do tribunal.

§ 5º É irrecorrível a decisão monocrática do relator que, em agravo de instrumento em recurso de revista, considerar ausente a transcendência da matéria.

§ 6º O juízo de admissibilidade do recurso de revista exercido pela Presidência dos Tribunais Regionais do Trabalho limita-se à análise dos pressupostos intrínsecos e extrínsecos do apelo, não abrangendo o critério da transcendência das questões nele veiculadas."

Insta frisar que o Tribunal Superior do Trabalho editou novo Regimento Interno – RITST, em 20/11/2017, adequando-o às alterações jurídico-processuais dos últimos anos, estabelecendo em relação ao critério da transcendência, além dos parâmetros já fixados em lei, o marco temporal para observância dos comandos inseridos pela Lei 13.467/2017:

"Art. 246. As normas relativas ao exame da transcendência dos recursos de revista, previstas no art. 896-A da CLT, somente incidirão naqueles interpostos contra decisões proferidas pelos Tribunais Regionais do Trabalho publicadas a partir de 11/11/2017, data da vigência da Lei n.º 13.467/2017."

Evidente, portanto, a subsunção do presente recurso de revista aos termos da referida lei.

1 – CERCEAMENTO DE DEFESA

Conhecimento

De início, convém destacar que o pleito obreiro envolve pretensão relacionada ao acesso à justiça, questão que goza de tutela constitucional no artigo 5º, LV, configurando o critério de transcendência social (art. 896-A, § 1º, III).

Passo à análise dos demais requisitos de admissibilidade do recurso.

O recorrente logrou demonstrar a satisfação dos novos requisitos estabelecidos no § 1º-A do art. 896 da CLT, destacando à fl. 455 o trecho que consubstancia a controvérsia, bem como apontando de forma explícita e fundamentada, mediante argumentação analítica, violação do artigo 5º, LV, da Constituição Federal.

Ultrapassado esse exame inicial, é necessário perquirir acerca da satisfação dos requisitos estabelecidos nas alíneas do artigo 896 da CLT.

Ficou consignado no acórdão regional:

"O presente recurso não passa pelo crivo da admissibilidade, por descumprimento da Resolução CSJT nº 185, de 24 de março de 2017, art. 12, § 2º e art. 15, na medida em que o ‘tipo de documento’ indicado no sistema PJE não guarda correlação com o conteúdo do mesmo, não se podendo, assim, atestar-lhe, de forma inconteste, a expressa manifestação de vontade da parte que o apresentou.

Referida resolução considera ser dever da parte zelar pelo correto peticionamento nos autos eletrônicos, responsabilizando-se pela exatidão das informações prestadas, inclusive quanto à correspondência entre o preenchimento dos campos ‘descrição’, ‘tipo de documento’ e conteúdo dos arquivos anexados.

A norma supra mencionada aponta também que o cadastramento equivocado do recurso nomeado como ‘petição em PDF’ ou ‘manifestação’ gera inconsistências estatísticas do sistema PJE, fato que repercute na apuração da produtividade do órgão jurisdicional.

Cabe consignar, entretanto, que não há se falar em devolução ou dilação de prazo para que o litigante retifique o incorreto apontamento, tendo em vista que este é prazo recursal legalmente previsto e, portanto, peremptório.

Por todo o esposado, não há como se conhecer do presente recurso" (fls. 428-429).

E nos embargos de declaração:

"Conheço dos Embargos de Declaração, posto que tempestivos e opostos por advogado regularmente constituído.

Entretanto, os mesmos improcedem. Explico:

Não houve equívoco no exame dos pressupostos de admissibilidade do recurso anteriormente interposto, nem há falar em prequestionamento por alegada violação das normas invocadas nos embargos de declaração. O fundamento do não-conhecimento do recurso está no voto condutor do acórdão embargado, ao qual remeto o signatário.

Houve, efetivamente, descumprimento de norma do Conselho Superior da Justiça do Trabalho e, repito, o campo ‘tipo de documento’, único campo que importa ao sistema do PJe, foi preenchido erradamente como ‘petição em PDF’ (ou o que quer que o valha) e não como ‘Recurso Ordinário’.

A indicação incorreta ou inexistente acarreta inconsistência nos dados estatísticos, porque ‘petição em PDF’ e nada são o mesmo para o PJe, contrariando, assim, o que determina o Conselho Superior da Justiça do Trabalho.

Embargos que se rejeitam."

O reclamante alega que fez a correta indicação do recurso ordinário no sistema Pje. Aponta violação dos artigos 5º, II e LV, e 154 do CPC de 1973 (art. 188 do CPC).

Em exame.

A Resolução 185/2017 do CSJT não prevê como hipótese de não conhecimento de recurso ordinário o registro equivocado no sistema PJE, como ocorreu no presente caso, nem a Lei 11.419/2006, que dispõe sobre o processo judicial eletrônico, prevê esta hipótese de não conhecimento de recurso.

Ao não conhecer do recurso de revista por hipótese não prevista em lei (erro no cadastramento no PJE), o Regional, no acórdão recorrido, violou os princípios do devido processo legal e da legalidade, insertos no art. 5º, II e LV, da Constituição da República.

Nesse sentido, os seguintes julgados:

"RECURSO DE REVISTA REGIDO PELA LEI 13.015/2014. CLASSIFICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DE DOCUMENTOS NO SISTEMA PJE. IRREGULARIDADE APONTADA PELO TRIBUNAL REGIONAL. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO ORDINÁRIO. AUSÊNCIA DE PENALIDADE PREVISTA EM LEI. O Tribunal Regional não conheceu do recurso ordinário do autor, consignando que, apesar de o reclamante ter preenchido o campo ‘Descrição’ como ‘Recurso Ordinário’, deixou de fazer a necessária correspondência, ao nomear o ‘Tipo de Documento’ como ‘Petição em PDF’. Assentou que tal fato retirou a visibilidade do documento, nos termos do § 4.º do art. 22 da Resolução 136/2014 do CSJT. Deve-se salientar, todavia, que a própria resolução permite o saneamento do feito quando a forma de apresentação dos documentos puder ensejar prejuízo ao exercício do contraditório e da ampla defesa, devendo o magistrado determinar nova apresentação, tornando indisponíveis os anteriormente juntados (§§ 3.º e 4.º do art. 22); fato que não ocorreu nos presentes autos. Ademais, como alegado pelo reclamante, não existe previsão de ‘não conhecimento do recurso ordinário’ no ordenamento jurídico, quando a parte recorrente registra petição no sistema PJe de forma equivocada. Do mesmo modo, a Lei 11.419/2006 - que dispõe sobre a informatização do processo judicial -, não prevê tal hipótese. Portanto, ao indicar irregularidade no peticionamento feito pelo sistema PJe, não conhecendo do recurso ordinário interposto pelo reclamante, o acórdão regional violou o princípio do devido processo legal, constitucionalmente assegurado. Recurso de revista conhecido e provido." (RR-1335-15.2016.5.08.0012, 2ª Turma,  Relatora Ministra Delaíde Miranda Arantes, DEJT 27/4/2018.)

"RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DAS LEIS NOS 13.015/2014 E 13.105/2015 E ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI NO 13.467/2017. CLASSIFICAÇÃO DO DOCUMENTO ACOSTADO. PJE. RESOLUÇÃO N.º 136/CSJT. IRREGULARIDADE APONTADA PELO TRT. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO ORDINÁRIO. Em homenagem ao princípio do máximo aproveitamento dos atos processuais, quando a lei prescrever determinada forma, sem cominação de nulidade, o juiz considerará válido o ato se, mesmo que realizado de outro modo, alcançar a sua finalidade. Esta é a compreensão emanada dos arts. 188 e 277 do CPC. Recurso de revista conhecido e provido." (RR-472-24.2014.5.08.0014, 3ª Turma, Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT 9/2/2018.)

"RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA. LEI 13.467/2017. CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA. PETICIONAMENTO ELETRÔNICO. CLASSIFICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DE DOCUMENTOS NOSISTEMA PJE. RESOLUÇÃO N.º 185/2017 DO CSJT. O processamento do recurso de revista na vigência da Lei 13.467/2017 exige que a causa ofereça transcendência com relação aos reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica, a qual deve ser analisada de ofício e previamente pelo Relator (artigos 896-A, da CLT, 246 e 247 do RITST). O eg. TRT não conheceu do recurso ordinário da reclamada em razão do descumprimento da Resolução CST nº 185/2017, na medida em que o ‘tipo de documento’ indicado no sistema PJe não guarda correlação com o conteúdo do mesmo, afirmando que não se poderia, assim, atestar a expressa manifestação de vontade da parte que o apresentou. O art. 896-A, § 1º, II, da CLT prevê como indicação de transcendência política, entre outros, o ‘o desrespeito da instância recorrida à jurisprudência sumulada do Tribunal Superior do Trabalho ou do Supremo Tribunal Federal’. Como o dispositivo não é taxativo, deve ser reconhecida a transcendência política quando há desrespeito à jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho ou do Supremo Tribunal Federal, ainda que o entendimento ainda não tenha sido objeto de súmula. A causa revela transcendência política, nos termos do item II do referido dispositivo, na medida em que é entendimento desta Corte Superior que não existe previsão de não conhecimento do recurso ordinário no ordenamento jurídico, quando a parte recorrente registra petição no sistema PJe de forma equivocada. O recorrente demonstrou a violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa insertos no inciso LV do art. 5º da Constituição Federal. Transcendência política reconhecida. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento." (RR-1001223-55.2016.5.02.0025, 6ª Turma, Relatora Desembargadora Convocada Cilene Ferreira Amaro Santos, DEJT 9/11/2018.)

"RECURSO DE REVISTA. PROCESSO JUDICIAL ELETRÔNICO - PJE. IRREGULARIDADE APONTADA PELO REGIONAL. CLASSIFICAÇÃO EQUIVOCADA DO RECURSO ORDINÁRIO. NÃO CONHECIMENTO. RESOLUÇÃO Nº 136/2014 DO CSJT. O próprio legislador teve zelo de resguardar os interesses dos jurisdicionados ao inserir os arts. 188 e 277 do CPC/2015, que elevam o princípio da finalidade dos atos processuais ao ditarem que, quando a lei prescrever determinada forma, o juiz considerará válido o ato se, mesmo que realizado de outro modo, alcançar a finalidade. No caso dos autos, constata-se que o reclamante interpôs recurso ordinário e que houve, apenas, erro na classificação do documento, tendo sido observados todos os requisitos do recurso que se pretendia interpor. Dessa forma, é certo que há ofensa ao princípio do contraditório e da ampla defesa, insculpido no art. 5º, LV, da Constituição, tendo em vista a configuração de excessivo formalismo quanto ao suposto erro na classificação do recurso interposto por meio do Sistema Processual Judicial Eletrônico (PJe). Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido." (RR-1000245-70.2016.5.02.0351, 8ª Turma, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, DEJT 5/4/2019.)

"RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI N.º 13.015/14 E O CPC/2015 - CLASSIFICAÇÃO E ORGANIZAÇÃO DE DOCUMENTOS - PJE - RESOLUÇÃO N.º 136/2014 DO CSJT. A Resolução n.º 136/2014 do CSJT não prevê como hipótese de não conhecimento de Recurso Ordinário o registro equivocado no sistema PJE, como ocorreu no presente caso. Violação ao art. 5.º, II, LIV e LV da Constituição da República. Recurso de Revista conhecido e provido." (RR-866-97.2015.5.08.0013, 8ª Turma, Relatora Ministra Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, DEJT 25/8/2017.)  

Conheço, por violação ao art. 5º, II e LV, da Constituição da República.

Mérito

Conhecido o recurso por violação do artigo 5º, II e LV, da Constituição Federal, seu provimento é consectário lógico.

Dou provimento ao recurso de revista para afastar o óbice atribuído à Resolução 185/2017 do CSJT e determinar o retorno dos autos ao Eg. Tribunal de origem, a fim de que prossiga no exame do feito, como entender de direito.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade: I) reconhecer a transcendência social; II) conhecer do recurso de revista, por violação  do art. 5º, II e LV, da Constitucional Federal, e, no mérito, dar-lhe provimento para afastar o óbice atribuído à Resolução 185/2017 do CSJT e determinar o retorno dos autos ao Eg. Tribunal de origem, a fim de que prossiga no exame do feito, como entender de direito.  

Brasília, 26 de junho de 2019.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

AUGUSTO CÉSAR LEITE DE CARVALHO

Ministro Relator

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