RECURSO ADESIVO Matéria prejudicial contida

Data da publicação:

Acordão - TST

Alexandre de Souza Agra Belmonte - TST



Responsabilidade objetiva da Uber por acidente que vitimou motorista do aplicativo



I-INVERSÃO DA ORDEM DE JULGAMENTO. Em razão do caráter prejudicial das matérias constantes do agravo de instrumento em recurso de revista adesivo da reclamada Uber do Brasil Tecnologia Ltda., inverte-se a ordem de julgamento previsto no artigo 997, § 2º, do CPC/15. Referido procedimento encontra respaldo no âmbito desta Corte Superior, em precedentes tanto da SBDI-1 como de Turmas deste Tribunal.

II-AGRAVO DE INSTRUMENTO DA RECLAMADA UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. EM RECURSO DE REVISTA ADESIVO. ACÓRDÃO REGIONAL NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. COMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO. RELAÇÃO DE TRABALHO.

1. A competência material da Justiça do Trabalho é fixada pelo pedido e pela causa de pedir. É definida a partir da existência de relação de trabalho (lato sensu) mantida pelos litigantes, quanto aos conflitos dela decorrentes, considerando a ampliação trazida pela Emenda Constitucional nº 45/2004, que atribuiu a esta Justiça especializada a competência para processar e julgar todas as ações oriundas da relação de trabalho, inclusive as que versem sobre indenização por danos moral e material (art. 114, I e VI, da CR).

2. No caso, a pretensão autoral, de pagamento de indenização por danos moral e material decorrentes de acidente sofrido por motorista de aplicativo, está fundada na relação de trabalho estabelecida com a empresa UBER, na condição de trabalhador autônomo, na execução de serviço prestado com pessoalidade. Sendo assim, não há como afastar a competência da Justiça do Trabalho para o exame do pedido, até porque a Súmula 392 desta Corte estabelece que: "Nos termos do art. 114, inc. VI, da Constituição da República, a Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar ações de indenização por dano moral e material, decorrentes da relação de trabalho, inclusive as oriundas de acidente de trabalho e doenças a ele equiparadas, ainda que propostas pelos dependentes ou sucessores do trabalhador falecido".

3. Este Relator não desconhece que o Superior Tribunal de Justiça, dirimindo o conflito negativo de competência nº 164.555/MG, decidiu ser da Justiça Comum o exame de controvérsia estabelecida entre um motorista de aplicativo e a empresa UBER. No entanto, deve ser destacado que o referido julgado tratou apenas do pedido de motorista atinente à reativação de sua conta no aplicativo e ao consequente ressarcimento por danos morais e materiais. Ou seja, a pretensão examinada pelo STJ se funda tão somente no desligamento do motorista da plataforma digital ou aplicativo oferecido pela empresa, e não como no caso sub judice, em questão decorrente da execução do trabalho. Incólume, pois, o art. 114, I, da CR. Agravo de instrumento conhecido e desprovido.

NULIDADE DO V. ACÓRDÃO REGIONAL. JULGAMENTO EXTRA PETITA. Decisão extra petita é aquela em que a providência jurisdicional se baseia em fundamento estranho à petição inicial ou que defere pedido diverso do que fora postulado. No caso, verifica-se da petição inicial que a parte reclamante, ao pretender a condenação da reclamada ao pagamento de indenização por danos moral e material decorrentes de acidente do trabalho, trouxe como fundamento a existência de relação de trabalho latu sensu entre o motorista e a empresa UBER. O reconhecimento da relação de trabalho constitui questão incidente e que influencia diretamente no julgamento e que, caso não fosse examinada pelo Julgador, aí sim, haveria nulidade do v. acórdão regional, mas por julgamento citra petita. Isso porque, conforme lecionam Fredie Didier Jr., Paulo Sarno e Rafael Oliveira, é citra petita a decisão "que não examinou algum fundamento/argumento/questão que tem aptidão de influenciar no julgamento do pedido (questão incidente), que efetivamente ocorreu". Nesses termos, e diversamente do que alega a reclamada, o fato de o eg. Tribunal Regional ter considerado a existência de relação de trabalho para aferir tanto a competência material desta Justiça do Trabalho quanto a responsabilidade civil da reclamada em relação ao dano sofrido pelo motorista de aplicativo não resulta em nenhuma ofensa aos artigos 141 e 492 do CPC/15. Agravo de instrumento conhecido e desprovido.

RELAÇÃO DE TRABALHO. MOTORISTA DE APLICATIVO. TRANSCRIÇÃO INSUFICIENTE. INOBSERVÂNCIA DO ART. 896, § 1º-A, I, DA CLT. É pacífico nesta Corte Superior o entendimento de que a transcrição insuficiente do trecho do v. acórdão regional, que não abrange todos os fundamentos do Tribunal Regional ou a tese jurídica impugnada, não atende ao requisito do art. 896, § 1º-A, I, da CLT, na medida em que inviabiliza o cotejo analítico exigido pelo art. 896, § 1º-A, III, e § 8º, da CLT, tanto para a demonstração das ofensas indicadas, como da divergência jurisprudencial colacionada. No caso, o trecho destacado pela recorrente não traz nenhuma tese jurídica sobre a configuração ou não de relação de trabalho (lato sensu) estabelecida entre o motorista (de cujus) e a empresa Uber, dona do aplicativo. Limita-se a consignar que a reclamada não constitui mera intermediadora de serviços ou empresa de fomento, mas empresa que presta serviços de transporte, sem trazer nenhuma conclusão jurídica a partir desses fatos. Por se tratar de transcrição insuficiente, não atende ao art. 896, § 1º-A, I, da CLT. Agravo de instrumento conhecido e desprovido.

III-AGRAVO DE INSTRUMENTO DA PARTE RECLAMANTE EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO REGIONAL NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. RESPONSABILILIDADE CIVIL OBJETIVA. EMPRESA DETENTORA DE APLICATIVO DE TRANSPORTE. BRIGA DE TRÂNSITO. MORTE DO MOTORISTA. FATO DE TERCEIRO RELACIONADO COM A ATIVIDADE DESEMPENHADA. EXCLUDENTE DO NEXO DE CAUSALIDADE NÃO CONFIGURADA. Diante de provável ofensa ao art. 927, parágrafo único, do Código Civil, deve ser processado o recurso de revista para melhor exame. Agravo de instrumento conhecido e provido.

IV - RECURSO DE REVISTA DA PARTE RECLAMANTE. ACÓRDÃO REGIONAL NA VIGÊNCIA DA LEI 13.467/2017. RESPONSABILILIDADE CIVIL OBJETIVA. EMPRESA DETENTORA DE APLICATIVO DE TRANSPORTE. BRIGA DE TRÂNSITO. MORTE DO MOTORISTA. FATO DE TERCEIRO RELACIONADO COM A ATIVIDADE DESEMPENHADA. EXCLUDENTE DO NEXO DE CAUSALIDADE NÃO CONFIGURADA. TRANSCENDÊNCIA SOCIAL E JURÍDICA.

1. Cinge-se a controvérsia à tese de caracterização de responsabilidade civil de empresa que organiza atividade de transporte por meio de plataforma digital e oferece o serviço público de transporte por meio de motoristas cadastrados em seu aplicativo, por fato decorrente do acidente de trânsito sofrido pelo trabalhador na execução do trabalho a serviço da Uber, e à competência da Especializada para apreciar a questão como decorrência de relação de trabalho que não deriva de relação de emprego. Da apreciação dessa tese sobressai outra, consistente no ponto nodal da questão submetida à apreciação desta Corte Superior, se o fato de terceiro – no caso, os tiros disparados de arma de fogo por motoqueiro que resultaram na morte do trabalhador após desentendimento no trânsito– constituiria excludente do nexo de causalidade, tal como decidiu o col. Tribunal Regional. Caso contrário, a fixação dos efeitos da responsabilidade.

2. Depreende-se dos autos, como fato incontroverso, que o motorista estava logado (conectado ao aplicativo digital), para atendimento de uma corrida, quando ocorreu o desentendimento que culminou nos vários disparos de arma de fogo do motoqueiro com quem ocorreu a discussão, e que ceifaram a sua vida.

3. Ressalte-se que o debate em torno da configuração da relação de trabalho e da competência da Especializada para apreciar a questão ficou superado, em face do desprovimento do agravo de instrumento da reclamada, por meio do qual pretendida destrancar o recurso adesivo destinado a esse debate, pelo que, ao menos nestes autos, está assentada a tese de que a competência para exame de responsabilidade civil decorrente de acidente de trânsito quando o motorista está a serviço da UBER é da Justiça do Trabalho, independentemente do questionamento de se tratar de relação de emprego ou simplesmente de trabalho, como decidido pelo Regional.

4. Resta assim apenas fixar a tese se o fato de terceiro descaracteriza a responsabilidade da UBER.

5. A UBER não possui frota, utilizando-se de motoristas com veículos próprios na exploração, no caso presente, da atividade de transporte de pessoas, mediante organização da atividade por aplicativo digital, pelo que, considerando a atividade desenvolvida, deve ser caracterizada como transportadora, aplicando-se-lhe o disposto nos arts. 734 a 742 do Código Civil e, em termos de responsabilidade civil, o art. 927, par. único do CCB. No tocante ao relacionamento com o motorista, neste processo ficou assentado tratar-se de relação de trabalho, pelo que o recorrente principal deve ser tido como prestador de serviços ou preposto, utilizado pela UBER em atividade de risco por ela criado. 

6 O art. 927, parágrafo único, do Código Civil consagra cláusula geral de responsabilidade objetiva, ou seja, sem culpa, ao dispor que "Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem". Trata-se de responsabilidade que é fundada na teoria do risco e que atribui a obrigação de indenizar a todo aquele que exerce alguma atividade que cria risco ou perigo de dano para terceiro.

7. Seguindo a linha da cláusula geral de responsabilidade objetiva, estatuída pelo aludido dispositivo, o art. 735 do Código Civil, referente ao transporte de pessoas, prevê que "a responsabilidade contratual do transportador por acidente com o passageiro não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva".

8. Os fundamentos do dispositivo legal são o tamanho e a habitualidade dos riscos existentes no transporte, criados pela ação intencional ou culposa, que quando não é originada do próprio transportador, provém exatamente da intervenção de terceiros.

9. Conforme a doutrina, embora o dispositivo (art. 735 do CCB) consagre a responsabilidade do transportador, essa responsabilidade civil deve ser sempre afastada nas hipóteses em que o acidente decorre de fato de terceiro, inevitável e imprevisível, e que não guarda relação de conexão com o transporte, por se equiparar ao caso fortuito externo. Sérgio Cavalieri, por exemplo, ressalta que, "quando o fato de terceiro não guardar conexão com o ato de transporte e, por conseguinte, com os riscos da atividade, será equiparado o caso fortuito (externo) com a exclusão da responsabilidade do transportador". Já Gustavo Tepedino leciona que "O fato exclusivo de terceiro que, nos termos do art. 14, § 3º, do CDC, mostra-se apto a romper o nexo de causalidade é aquele equiparável ao fortuito externo, ou seja, sem conexão com o contrato de transporte, porque de alguma relacionado ao serviço de transporte. Já o ato de terceiro que constitui risco imputável ao transportador, porque de alguma forma relacionado ao serviço prestado, não exime da responsabilidade pelos danos causados aos passageiros". Merece também destaque o entendimento de José Carlos Maldonado de Carvalho, no sentido de que "o fato causador do dano imprevisível e, por conseguinte, inevitável, ligado, porém, à organização da empresa transportadora e relacionado aos riscos com a atividade por ela desenvolvida, como, por exemplo, o rompimento de um pneu ou a pane do veículo transportador que dê causa a um incêndio por problemas elétricos, caracteriza o fortuito interno que, ligado ao risco do empreendimento, não afasta a responsabilidade civil pelos danos daí decorrentes."

10. No presente caso, o desentendimento no trânsito - que resultou na morte do motorista -, não pode ser equiparado ao caso fortuito externo, de caráter imprevisível, porque guarda relação direta com a atividade perigosa e estressante de transporte em grandes cidades caracterizadas pela violência e, portanto, não se traduz em fato de terceiro equiparado à imprevisibilidade do fortuito apto a excluir a responsabilidade do transportador.

11. Trata-se, em verdade, de fato que se insere nos riscos próprios do deslocamento - tais como ocorre nas situações em que há choques com outros veículos, estouros de pneus, mal estar do motorista, perda da direção por fechada de terceiro e demais falhas mecânicas, eventos imprevisíveis, mas que são esperados e estão contidos na atividade de transporte – e que se difere das situações causadas por eventos extraordinários, imprevisíveis e que são alheios às atividades de transporte, como raios, enchentes, balas perdidas e apedrejamentos, hipóteses em que o Superior Tribunal de Justiça afasta a responsabilidade civil do transportador.

12. De fato, nas grandes cidades onde a violência é frequente, o evento ocorrido não é imprevisível em relação à atividade. O risco, em se tratando de transporte de passageiros por táxis e veículos de aplicativos, diz respeito não apenas à condução em relação aos passageiros, como também abrange a sujeição do motorista a acidentes por furos de pneus, mal súbito, sequestros, assaltos e agressões, risco esse criado por essa atividade típica de transporte, o que o caracteriza como fortuito interno. Fortuito externo seria a bala perdida, como já mencionada, a árvore que cai em virtude de uma ventania, a ponte que desaba em razão de um raio no momento de atravessá-la.

13. Também o risco de se levar um tiro, como ocorreu na presente situação, ou de ser agredido fisicamente, com bastão de beisebol, em uma discussão, está igualmente contido no estresse do trânsito e decorre da própria violência das grandes cidades, deixando, portanto, de serem fatos estranhos a quem atua diuturnamente na atividade de transporte, não exonerando, assim, a responsabilidade objetiva do transportador tanto pelas pessoas por ele transportadas, como pelo profissional que por ele, como empregado ou como preposto, atua fisicamente no transporte.

14. Acresça-se, que, nos termos da jurisprudência do STJ, na responsabilidade objetiva do transportador compreende-se "qualquer acontecimento casual, fortuito, inesperado inerente à prestação do serviço de transporte de pessoas, ou seja, acidente que tenha nexo causal com o serviço prestado, ainda que causado por terceiro, desde que tenha nexo causal interno". Precedentes: REsp 1833722/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 03/12/2020, DJe 15/03/2021; AgInt no REsp 1738374/SP, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 25/05/2021, DJe 04/06/2021;.REsp 1747637/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/06/2019, DJe 1º/07/2019.

15. Nesse contexto, ao afastar a responsabilidade civil objetiva da reclamada, por considerar o mencionado fato de terceiro como excludente do nexo de causalidade, o col. Tribunal Regional incorreu em afronta ao art. 927, parágrafo único, do Código Civil. Reforma-se, assim, a decisão regional para reconhecer a responsabilidade civil da empresa, com determinação de retorno dos autos ao TRT, para que prossiga no exame dos pedidos de indenização por danos morais e materiais, conforme entender de direito.  Recurso de revista conhecido por violação do art. 927, parágrafo único, do CCB e provido. (TST-RRAg-849-82.2019.5.07.0002, Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 17/12/2021).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista com Agravo n° TST-RRAg-849-82.2019.5.07.0002, em que são Agravante e Recorrido UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. e Agravado e Recorrente MARIA EVANI DA SILVA FERNANDES.

O eg. Tribunal Regional, por meio do v. acórdão das págs. 652/671, rejeitou a preliminar de incompetência material da Justiça do Trabalho, reconheceu a relação de trabalho estabelecida entre o de cujus e a empresa reclamada e negou provimento ao recurso ordinário da parte reclamante, para manter a r. sentença que julgou improcedente o pedido de indenização por dano moral e material.

Negou, ainda, provimento aos embargos de declaração que se seguiram ( págs. 727/734).

Inconformada, a parte reclamante interpôs recurso de revista (págs. 758/790)., se insurgindo contra o tema "responsabilidade objetiva da empresa de aplicativo – acidente ocorrido aos seus prestadores – fato de terceiro".

O recurso não foi admitido às págs. 792/800, no que resultou a interposição de agravo de instrumento às págs. 810/819.

A reclamada apresentou contraminuta e contrarrazões às págs. 825/831 e 832/845.

Ato contínuo, interpôs recurso de revista adesivo às págs. 846/867. Arguiu preliminar de nulidade do v. acórdão regional por negativa de prestação jurisdicional", "julgamento extra petita", "incompetência da Justiça do Trabalho" e, "inexistência de relação de trabalho".

Por meio do despacho das págs. 951/974, o recurso de revista adesivo teve o seguimento negado, o que implicou a interposição do agravo de instrumento de págs. 1000/1006 pela reclamada.

Contraminuta e contrarrazões ofertadas pela parte reclamante, às págs. 1.012/1.045.

Dispensada a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, na forma regimental.

É o relatório.

V O T O

I - INVERSÃO DA ORDEM DE JULGAMENTO

Em razão do caráter prejudicial das matérias constantes do agravo de instrumento da reclamada em recurso de revista adesivo, inverte-se a ordem de julgamento previsto no artigo 997, § 2º, do CPC/15.

Referido procedimento encontra respaldo no âmbito desta Corte Superior, a exemplo dos seguintes precedentes da SBDI-1 e de Turmas deste Tribunal:

"AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO DE EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. PROMOÇÕES POR ANTIGUIDADE. PERDA SUPERVENIENTE DE INTERESSE RECURSAL QUANTO AO RECURSO DE REVISTA PRINCIPAL DO RECLAMANTE FRENTE À MATÉRIA PREJUDICIAL CONTIDA NO AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA ADESIVO DO RECLAMADO . Demonstrada divergência jurisprudencial em conformidade com o art. 894, II, da CLT, merece processamento o recurso de embargos. Agravo regimental conhecido e provido. RECURSO DE EMBARGOS . PROMOÇÕES POR ANTIGUIDADE. PERDA SUPERVENIENTE DE INTERESSE RECURSAL QUANTO AO RECURSO DE REVISTA PRINCIPAL DO RECLAMANTE FRENTE À MATÉRIA PREJUDICIAL CONTIDA NO AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA ADESIVO DO RECLAMADO. A existência de matéria prejudicial, passível de provimento, no recurso adesivo não implica a perda superveniente do interesse recursal da parte que manejou o recurso principal que alcança conhecimento, seja porque o recurso adesivo se submete às mesmas regras do principal quanto aos requisitos de admissibilidade e julgamento, por força do art. 977, § 2º, do CPC/2015, e não se vincula ao seu conteúdo, conforme diretriz da parte final da Súmula 283 do TST, seja porque eventual provimento da questão prejudicial não se traduzirá em reformatio in pejus - fenômeno circunscrito ao julgamento do recurso da própria parte recorrente, não abrangendo, portanto, a sua condição de recorrida -, ainda que resulte na extinção do feito. Uma vez conhecido o recurso principal e contendo, o recurso adesivo, matéria prejudicial, impõe-se o sobrestamento do exame do mérito daquele e a consequente inversão da ordem de julgamento dos apelos. Precedentes de Turmas do TST. Recurso de embargos conhecido e provido" (E-ED-ARR-769785-57.2009.5.12.0026, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Relator Ministro Breno Medeiros, DEJT 26/03/2021).

RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO RECLAMANTE ANTERIORMENTE À VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. TRANSPORTE DE VALORES. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. 1. Demonstrada divergência jurisprudencial a autorizar o conhecimento do recurso de revista principal e considerando-se que o recurso adesivo interposto pelo reclamado contém matéria prejudicial, impôs-se o sobrestamento do julgamento do mérito do recurso em exame para apreciação do agravo de instrumento que visava destrancar o recurso adesivo. 2. Provido o agravo de instrumento e, na sequência, o recurso adesivo, com o reconhecimento da quitação plena do contrato de trabalho, resta prejudicado o exame do mérito do recurso principal. Recurso de revista conhecido e, no mérito, declarado prejudicado, ante o reconhecimento da quitação plena do contrato de trabalho. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO BANCO DO BRASIL S.A. ANTERIORMENTE À VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. BANCO DO BRASIL. SUCESSOR DO BESC. PLANO DE DEMISSÃO INCENTIVADA. ADESÃO VOLUNTÁRIA. QUITAÇÃO GERAL E IRRESTRITA DO CONTRATO DE TRABALHO. PREVISÃO EM NORMA COLETIVA. DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 590.415/SC, em repercussão geral, fixou a tese de que "a transação extrajudicial que importa rescisão do contrato de trabalho, em razão de adesão voluntária do empregado a plano de dispensa incentivada, enseja quitação ampla e irrestrita de todas as parcelas objeto do contrato de emprego, caso essa condição tenha constado expressamente do acordo coletivo que aprovou o plano, bem como dos demais instrumentos celebrados com o empregado". Na espécie, resulta incontroverso que o reclamante aderiu, por livre manifestação de vontade, ao PDI/2001 do Besc, aprovado mediante acordo coletivo de trabalho, dando plena, geral e irrestrita quitação de todas as verbas decorrentes do extinto contrato de trabalho. Assim, por força da repercussão geral reconhecida, de caráter vinculante, tem-se que a adesão voluntária ao plano de dispensa incentivada implicou quitação plena do contrato de trabalho. Recurso de revista adesivo conhecido e provido" (RR-571-17.2010.5.12.0048, 1ª Turma , Relator Ministro Walmir Oliveira da Costa , DEJT 10/05/2019).

" Inverte-se o exame dos recursos, apreciando-se primeiramente o recurso de revista adesivo do reclamante antes do recurso de revista da reclamada (temas remanescentes ), considerando que o recurso principal foi conhecido e provido para afastar a responsabilidade objetiva (com retorno dos autos ao Regional), e que naquele há arguição de matéria prejudicial ." (RR-87500-26.2005.5.17.0004, 2ª Turma , Relator Ministro Jose Roberto Freire Pimenta , DEJT 03/08/2018).

"1. RECURSO DE REVISTA DA RECLAMANTE (RECURSO PRINCIPAL) CONHECIDO – IMEDIATO EXAME DO RECURSO DE REVISTA ADESIVO DA RECLAMADA - POSSIBILIDADE. Concluindo-se pela viabilidade do conhecimento do recurso de revista da Reclamante (recurso principal) e tendo a Reclamada interposto recurso adesivo, no qual requer a extinção do processo sem julgamento do mérito, por não submissão da demanda à Comissão de Conciliação Prévia, é juridicamente viável a sua análise imediata, por se tratar de questão prejudicial . 2(…) " (RR-1222400-38.2002.5.09.0009, 4ª Turma , Relator Ministro Ives Gandra Martins Filho , DEJT 03/03/2006).

I - AGRAVO DE INSTRUMENTO DA RECLAMADA

PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO ARGUIDA EM CONTRAMINUTA

A reclamante alega, em contraminuta ao agravo de instrumento,, que não houve impugnação específica aos fundamentos do despacho denegatório, devendo ser aplicada a Súmula 422, I, desta Corte.

Por meio do despacho de págs. 950/974 foi negado seguimento ao recurso de revista da empresa reclamada quanto aos temas "nulidade do v. acórdão regional por negativa de prestação jurisdicional", "incompetência da Justiça do Trabalho", "julgamento extra petita" e "inexistência de relação de trabalho", com fundamento nos artigos 896, "c" e § 1º-A, IV, da CLT e nas Súmulas 126 e 392/TST.

Na minuta de agravo de instrumento, a reclamada buscou a reforma do despacho em relação aos itens "incompetência da Justiça do Trabalho", "julgamento extra petita" e "inexistência de relação de trabalho" e trouxe impugnação específica à aplicação da Súmula 126/TST. Insistiu, ainda, na alegação de ofensa aos artigos 141 e 492 do CPC/15 e 114, I, da CR.

Evidenciada, pois, a observância ao princípio da dialeticidade recursal, não há justificativa para a aplicação da Súmula 422, I, desta Corte.

Preliminar rejeitada.

1 - CONHECIMENTO

O agravo de instrumento é tempestivo, está subscrito por advogado devidamentee habilitado e regularmente formado. CONHEÇO.

2 - MÉRITO

A Presidência do egrégio Tribunal Regional do Trabalho negou seguimento ao recurso de revista da reclamada, que, inconformada, manifesta o presente agravo de instrumento, reiterando as razões de revista.

No entanto, tais argumentos desservem para desconstituir o despacho agravado, in verbis:

PRESSUPOSTOS INTRÍNSECOS

 TRANSCENDÊNCIA

(…)

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO (8826) / Atos Processuais (8893) / Nulidade (8919) / Negativa de Prestação Jurisdicional

Alegação (des): — violação do(s) inciso IX do artigo 93 da Constituição Federal.

- violação da(o) inciso IV do S1º do artigo 489 do Código de Processo Civil de 2015; artigo 832 da Consolidação das Leis do Trabalho.

A Recorrente alega que, mesmo instada a se manifestar por meio de embargos declaratórios, a Corte Regional deixou de se pronunciar sobre a prova dos autos.

Aduz, outrossim, que não houve pronunciamento sobre os seguintes pontos: contratação de seguro de acidentes pessoais em favor de passageiros, em virtude de obrigação legal imposta pelo artigo 11- A, da Lei nº 12.587/2012, não servindo, pois, como base para a declaração da existência de relação de trabalho entre motorista e Uber; enquadramento da recorrente como empresa de tecnologia, que disponibiliza plataforma para aqueles que atuam no transporte individual privado de passageiros (artigos 3º e 4º, da Lei nº 12.587 /2012); prova testemunhal emprestada acostada aos autos e notas fiscais emitidas pela Uber que demonstram o pagamento do motorista pelo uso do aplicativo.

Requer, Sucessivamente, porém, caso superada a nulidade arguida nos itens alhures, o que se admite somente por cautela, requer a recorrente, em atenção ao disposto na Súmula nº 297 do C. Tribunal Superior do Trabalho e ao disposto no art. 1.028 do CPC, sejam consideradas preguestionadas as matérias e premissas fáticas invocadas nos Embargos de Declaração oportunamente por si opostos, tendo a própria jurisprudência decido, em casos semelhantes, que as violações legais apontadas devem ser reconhecidas pela Corte aa quem quando a r. decisão a guo deixa de apreciar os pontos trazidos em embargos de declaração.

À análise.

De acordo com o artigo 896, inciso IV, da CLT, incluído pela Lei 13.467/2017, a parte que recorre deve transcrever o "trecho dos embargos declaratórios em que foi pedido o pronunciamento do tribunal sobre questão veiculada no recurso ordinário e o trecho da decisão regional que rejeitou os embargos quanto ao pedido (...)

" IV —- transcrever na peça recursal, no caso de suscitar preliminar de nulidade de julgado por negativa de prestação jurisdicional, o trecho dos embargos declaratórios em que foi pedido o pronunciamento do tribunal sobre questão veiculada no recurso ordinário e o trecho da decisão regional que rejeitou os embargos quanto ao pedido, para cotejo e verificação, de plano, da ocorrência da omissão.

No caso em exame não foram transcritos os trechos da petição dos embargos de declaração por meio da qual foi provocada a manifestação do Regional.

Desse modo, inviável o processamento do recurso de revista, tendo em vista a não observância do requisito legal (art. 896, S 1º-A, I a IV, da CLT).

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO (8826) / Atos Processuais (8893) / Nulidade (8919) / Julgamento Extra / Ultra / Citra Petita.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO (8826) /

 Jurisdição e Competência (8828) / Competência (8829) / Competência da Justiça do Trabalho (10652) / Relação de Trabalho

—- violação do(s) inciso IV do artigo 1º; artigo 114; artigo 170 da Constituição Federal.

- violação da(o) artigos 141 e 792 do Código de Processo Civil de 2015.

—- divergência jurisprudencial.

- violação aos artigos 3º e 4º da lei nº 12.587/2012 A Recorrente alega;

* Nulidade do acórdão por decisão extra petita, eis que Inexiste qualquer pedido de natureza declaratória quanto à natureza da relação jurídica havida, pelo que o comando judicial, no particular, tal como posto pelo E. Tribunal Regional do Trabalho, extrapola os limites da líde, em flagrante violação ao art. 141 do CPC. Caracterizada a decisão extra petita, pois, impõe-se o acolhimento da preliminar de nulidade do Julgado por afronta aos artigos Idi e 492 do CPC ou, em prestígio ao Princípio da Celeridade Processual, que o julgamento seja adequado aos limites da lide mediante o descarte do excesso do julgado.

* Incompetência da Justiça do Trabalho, pois entende que o trabalho não se dá para a plataforma, não há sequer relação de trabalho lato senso, o que afasta a competência da Justiça do Trabalho, nos termos do art. 114, ínciso I da Constituição Federal. As partes, entre si, quando firmaram a avença, a fizeram nos moldes de uma relação de parceria comercial, com fundamento no Direito Civil. A Lei nº 13.640/2018, que alterou a Lei nº 12.587/2012, passando a regulamentar o transporte remunerado privado individual de passageiros, conceitua-o expressamente como sendo um serviço remunerado de transporte de passageiros, não aberto ao público, para a realização de viagens individualizadas ou compartilhadas solicitadas exclusivamente por usuários previamente cadastrados em aplicativos ou outras plataformas de comunicação em rede (art. 4º, inciso X, da Lei nº 12.587/2012). Logo, é a própria legislação brasileira que estabelece não se estar diante de uma relação de emprego.

* Inexistência da Relação de Trabalho, pois sustenta que a relação de trabalho no caso em apreciação, sendo que as premissas adotadas como causa de decidir não se coadunam com a prova dos autos, conforme já exposto no tópico da negativa de prestação jurisdicional arguida no presente Recurso. A discussão acerca do objeto social da Recorrente e da relação havida entre ela e os motoristas parceiros já é conhecida pelos demais Tribunais Regionais do Trabalho,

Transcreve aresto para confronto de tese.

Fundamentos do acórdão recorrido:

(...)

À análise.

A afronta a dispositivo da Constituição Federal, autorizadora do conhecimento do recurso de revista, é aquela que se verifica de forma direta e literal, nos termos do artigo 896, alínea "c", da Consolidação das Leis do Trabalho, sendo indispensável, portanto, que trate especificamente da matéria discutida. A alegada violação consiste de vários preceitos genéricos, uma vez que são regidos pela legislação infraconstitucional, inclusive necessitando de complementação através de lei. Portanto, se ofensa houvesse, seria reflexa /indireta, o que inviabiliza o seguimento do recurso.

Insubsistente o alegado julgamento extra petita, pois diferentemente do que pretende fazer crer a recorrente, os autores relataram a prestação de serviço autônomo à Uber e com base nesta, pleitearam a reparação por danos morais.

No que pertine à incompetência da Justiça do Trabalho, constata-se que além de o julgado ter decidido com base no artigo 114, VI, da Constituição Federal, decidiu, também, com base na Súmula nº 392 do TST, o que, mais uma vez, inviabiliza o seguimento do apelo, por óbice da Súmula nº 333, do TST.

Por fim, no que tange à alegada inexistência de relação de trabalho, percebe-se que o entendimento manifestado pela Turma está assentado no substrato fático-probatório existente nos autos.

Para se concluir de forma diversa seria necessário revolver fatos e provas, propósito insuscetível de ser alcançado nesta fase processual, à luz da Súmula 126 do Tribunal Superior do Trabalho.

As assertivas recursais não encontram respaldo na moldura fática retratada na decisão recorrida, o que afasta a tese de violação aos preceitos da legislação federal e de divergência jurisprudencial.

Seguimento denegado, portanto.

Na minuta de agravo de instrumento (págs. 1000/1006), a reclamada busca a reforma do r. despacho apenas quanto aos temas "incompetência da Justiça do Trabalho", "julgamento extra petita" e inexistência de relação de trabalho.

Ressalte-se que a reclamada não renova a insurgência em relação à alegada nulidade do v. acórdão regional por negativa de prestação jurisdicional, motivo pelo qual não será examinada. Aplicação do princípio da delimitação/devolutividade recursal.

Do cotejo do despacho denegatório com as razões de agravo de instrumento, verifica-se que a parte não logra êxito em desconstituir os fundamentos da decisão agravada.

2.1. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. RELAÇÃO DE TRABALHO

A reclamada, na minuta de agravo de instrumento, afirma ter demonstrado ofensa ao art. 114, I, da CR. Sustenta que a teoria da asserção não é aplicável no ordenamento jurídico brasileiro, em especialmente no caso em tela, em que seria possível, de pronto, aferir que a Uber e o de cujus estabeleceram, entre si, uma relação de parceria comercial, regida pelo Direito Civil. Sustenta que o trabalho se deu via plataforma, e não para a plataforma e que, por esse motivo, não seria competente a Justiça do Trabalho para examinar a lide. Insurge-se, assim, contra a aplicação da Súmula 392/TST.

Eis o trecho do v. acórdão regional transcrito nas razões recursais:

No caso em apreço, trata-se de pedido de indenização por danos morais e materiais, fundamentado em suposta relação de trabalho havida entre a empresa reclamada e o de cujus, pretensamente em condição de trabalhador autônomo. Em seu recurso, a reclamada alegou que "a relação jurídica e contratual estabelecida foge completamente ao escopo dessa justiça especializada", uma vez que "não se trata de relação de trabalho, ainda que em sentido amplo".

Nesse diapasão, a Emenda Constitucional nº 45 alterou a disposição inscrita no artigo 114 da Constituição Federal de 1988 e ampliou o espectro competencial deste Segmento Judiciário Especializado, inserindo a competência sobre as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho, nos termos estabelecidos no art. 114, VI. Portanto, a competência da Justiça do Trabalho em razão da matéria é determinada em razão do pedido e da causa de pedir, estes considerados de forma abstrata. (pág. 858)

Ao exame.

A competência material da Justiça do Trabalho é definida pelo pedido e pela causa de pedir. É fixada a partir da natureza da relação mantida pelos litigantes – de trabalho, considerando a ampliação trazida pela Emenda Constitucional nº 45/2004, que atribuiu a esta Justiça especializada a competência para processar e julgar todas as ações oriundas da relação de trabalho, inclusive as que versem sobre indenização por dano moral e material:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:         (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)        (Vide ADIN 3392)      (Vide ADIN 3432)

I as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

(...)

VI as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho;

No caso, a pretensão autoral, de pagamento de indenização por danos moral e material decorrentes de acidente sofrido por motorista de aplicativo, está fundada na relação de trabalho estabelecida com a empresa UBER, na condição de trabalho autônomo, na execução de serviço prestado com pessoalidade.

Dessa forma, não há como ser afastada a competência da Justiça do Trabalho.

Nesse sentido, a lição de Fernando Antônio Zorzenon da Silva:

O que fixa a competência da Justiça do Trabalho é o tipo de relação mantida pelos litigantes – de trabalho – e não a natureza do direito controvertido. Em havendo relação de trabalho, compete à Justiça do Trabalho dirimir o conflito, pouco importando se o fará com base em normas de Direito do Trabalho, Civil ou Administrativo (in Competência da Justiça do Trabalho. Relações de consumo. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 864, 14 nov. 2005, pág. 2)

E, também, a lição de Guilherme Guimarães Feliciano:

"a dimensão social dessa alteração não tem precedentes, pois estende a capacidade cognitiva da Justiça do Trabalho para muito além de suas fronteiras originais, alcançando realidades tão díspares como o trabalho gracioso ou voluntário, próprio do terceiro setor e o trabalho objeto de consumo, ínsito às relações consumeras. (in COUTINHO, Grijalbo Fernandes; FAVA, Marcos Neves (coord.). Justiça do Trabalho: competência ampliada, São Paulo: LTr, 2005, pág. 118)

Em igual sentido, a Súmula 392 desta Corte:

DANO MORAL E MATERIAL. RELAÇÃO DE TRABALHO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO (redação alterada em sessão do Tribunal Pleno realizada em 27.10.2015) - Res. 200/2015, DEJT divulgado em 29.10.2015 e 03 e 04.11.2015

Nos termos do art. 114, inc. VI, da Constituição da República, a Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar ações de indenização por dano moral e material, decorrentes da relação de trabalho, inclusive as oriundas de acidente de trabalho e doenças a ele equiparadas, ainda que propostas pelos dependentes ou sucessores do trabalhador falecido.

Ressalte-se que este Relator não desconhece que o Superior Tribunal de Justiça, dirimindo o conflito negativo de competência nº 164555/MG, decidiu ser da Justiça Comum o exame de controvérsia estabelecida entre um motorista de aplicativo e a empresa UBER.

Eis a ementa do julgado:

"CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. INCIDENTE MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C.C. REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS AJUIZADA POR MOTORISTA DE APLICATIVO UBER. RELAÇÃO DE TRABALHO NÃO CARACTERIZADA. SHARING ECONOMY. NATUREZA CÍVEL. COMPETÊNCIA DO JUÍZO ESTADUAL.

1. A competência ratione materiae, via de regra, é questão anterior a qualquer juízo sobre outras espécies de competência e, sendo determinada em função da natureza jurídica da pretensão, decorre diretamente do pedido e da causa de pedir deduzidos em juízo.

2. Os fundamentos de fato e de direito da causa não dizem respeito a eventual relação de emprego havida entre as partes, tampouco veiculam a pretensão de recebimento de verbas de natureza trabalhista. A pretensão decorre do contrato firmado com empresa detentora de aplicativo de celular, de cunho eminentemente civil.

3. As ferramentas tecnológicas disponíveis atualmente permitiram criar uma nova modalidade de interação econômica, fazendo surgir a economia compartilhada (sharing economy), em que a prestação de serviços por detentores de veículos particulares é intermediada por aplicativos geridos por empresas de tecnologia. Nesse processo, os motoristas, executores da atividade, atuam como empreendedores individuais, sem vínculo de emprego com a empresa proprietária da plataforma.

4. Compete a Justiça Comum Estadual julgar ação de obrigação de fazer c.c. reparação de danos materiais e morais ajuizada por motorista de aplicativo pretendendo a reativação de sua conta UBER para que possa voltar a usar o aplicativo e realizar seus serviços.

5. Conflito conhecido para declarar competente a Justiça Estadual." (CC 164544/MG, Relator Ministro Moura Ribeiro, 2ª Seção, DJe 04/09/2019 - destaquei)

No entanto, conforme enfatiza o próprio eg. Tribunal Regional, em trecho não destacado pelo recorrente, o STJ declarou a competência da Justiça comum para processar e julgar pedido de motorista atinente à reativação de sua conta no aplicativo e o consequente ressarcimento por danos morais e materiais, pretensão essa que resulta apenas do desligamento do motorista da plataforma digital ou aplicativo da empresa, e não execução de serviço prestado com pessoalidade, como no caso.

Em face do exposto, não se verifica afronta ao art. 114, I, da CR.

Nego provimento.

2.2. NULIDADE DO V. ACÓRDÃO REGIONAL. JULGAMENTO EXTRA PETITA

A reclamada, na minuta de agravo de instrumento, insiste na alegação de ofensa aos artigos 141 e 492 do CPC/15. Afirma que o Tribunal Regional, ao reconhecer a existência de uma relação de trabalho entre o motorista falecido e a Uber, usurpou os limites da lide, porque não teria havido na petição inicial pedido de declaração acerca da relação jurídica havida.

Eis o trecho do v. acórdão regional destacado nas razões recursais.

"Deflui-se, pois, que a empresa promovida UBER, conforme se evidencia nos autos, não oferece mero serviço de intermediação, mas, sim, autêntico serviço de transporte, cujos respectivos motoristas, no exercício de tal mister profissional, desempenham suas atividades durante várias horas por dia, o fazendo em nome e em qualidade de representante da empresa demandada, afigurando-se, portanto, verdadeira relação de trabalho, e não de consumo, sendo esta estabelecida entre a UBER e o passageiro, e não com o motorista, apresentando-se a empresa de Aplicativo, em verdade, como tomadora de serviços.

(...)

Conclusão do recurso

Conhecer dos recursos interpostos pelas partes litigantes; rejeitar a tese de incompetência absoluta da Justiça do Trabalho e as preliminares arguidas pela reclamada; e, no mérito, negar ADVOGADOS provimento do recurso da demandada e dar parcial provimento ao da parte reclamante, para, reformando a sentença neste ponto, reconhecer a existência de relação de trabalho entre o de cujus e a empresa reclamada, porém nega-se provimento ao pleito relativo à indenização por danos morais e materiais.

Pois bem.

Decisão extra petita é aquela em que a providência jurisdicional se baseia em fundamento estranho à petição inicial ou que defere pedido diverso do que fora postulado.

No caso, verifica-se da petição inicial que a parte reclamante, ao pretender a condenação da reclamada ao pagamento de indenização por dano moral e material decorrente de acidente de trabalho, trouxe como fundamento a existência de relação de trabalho latu sensu entre o motorista e empresa UBER, nos seguintes termos:

"Revela-se incontroverso que o autor prestava serviços para a demanda, no contexto de uma relação de trabalho, vale dizer, prestação de serviços, sendo desta Justiça Especializada a competência para a análise dos pedidos de indenizações, por envolver acidente laboral, o qual não necessita, para sua configuração, da existência de vínculo de emprego". (pág.7).

Muito embora sejam muitos os argumentos que viabilizariam se postular o reconhecimento de vínculo de emprego entre o motorista e a Uber, contudo, ESTE NÃO É O PROPÓSITO DESSA DEMANDA. O Colendo Tribunal Superior do Trabalho e os demais tribunais trabalhistas já decidiram que a família de um TRABALHADOR AUTONOMO FAZ JUS A INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS EM RAZÃO DA MORTE decorrente de ACIDENTE DE TRABALHO, isto porque, configurado esta a relação de trabalho lato sensu que atrai a competência desta justiça especializada e o direito ao ressarcimento indenizatório. (pág. 13)

O reconhecimento da relação de trabalho, portanto, constitui questão incidente e que influencia diretamente no julgamento e que, caso não fosse examinada pelo Julgador, aí sim haveria nulidade do v. acórdão regional, mas por julgamento citra petita.

Isso porque, conforme leciona Elpídio Donizetti, "a sentença citra petita é aquela que não examina em toda a sua amplitude o pedido formulado na inicial (com a sua fundamentação) ou a defesa do réu." (in Novo Código de Processo Civil comentado. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2017b, p.35).

No mesmo sentido, ressaltam Fredie Didier Jr., Paulo Sarno e Rafael Oliveira, que é citra petita a decisão "que não examinou algum fundamento/argumento/questão que tem aptidão de influenciar no julgamento do pedido (questão incidente), que efetivamente ocorreu". (in Curso de Direito Processual Civil; direito probatório, decisão judicial, cumprimento e liquidação da sentença e coisa julgada. 2007,p. 254).

Nesses termos, e diversamente do que alega a reclamada, o fato de o eg. Tribunal Regional ter considerado a existência de relação de trabalho para aferir tanto a competência material desta Justiça do Trabalho quanto a responsabilidade civil da reclamada em relação ao dano sofrido pelo motorista de aplicativo não resulta em nenhuma ofensa aos artigos 141 e 492 do CPC/15.

Nego provimento.

2.3. RELAÇÃO DE TRABALHO. MOTORISTA DE APLICATIVO

A reclamada, na minuta de agravo de instrumento, insurge-se contra a aplicação da Súmula 126/TST e alega que, "ao declarar a existência de uma relação de trabalho entre o motorista falecido e a Uber, ao argumento de que a empresa presta serviço de transportes, diverge de decisões proferidas por outros Tribunais Regionais do Trabalho, que já discutiram e trataram acerca do objeto social da agravante e da relação havida entre ela e os motoristas". Reitera, ainda, a alegação de ofensa aos artigos 3º e 4º da Lie 12.587/2021, 1º, IV, e 170 da Constituição Federal.

Eis o trecho do v. acórdão regional destacado nas razões recursais:

"Nesse diapasão, verifica-se que na hipótese em apreço que o juízo de origem, após análise do contrato social da empresa reclamada, julgou que esta "se trata de uma plataforma digital, a qual tem por atividade econômica, dentre outras, a intermediação de serviços sob demanda, por meio de plataforma digital (ID 2511232 -Pág. 4).

Contudo, o precipitado contrato social, em verdade, não tem o condão de fazer prova a este respeito, mas, tão somente, comprovar os atos constitutivos da empresa demandada.

(...)

Assim, tem-se que a se reclamada atuasse como mera intermediadora do negócio, não faria qualquer sentido a contratação de seguro de acidentes pessoais em favor dos passageiros.

(...)

Ademais, é consabido que o valor da corrida é pré-fixado, não tendo o motorista nenhuma liberdade de negociação ou definição de valores, os quais, no caso, são controlados pela Uber, que previamente estabelece o preço da corrida, ressaltando-se que o pagamento da corrida é recebido pela empresa do aplicativo, que, posteriormente, realiza o pagamento ao motorista pelo serviço prestado, já com os respectivos descontos em favor da empresa do ADVOGADOS Aplicativo.

(...)

Em assim, se a reclamada fosse uma mera empresa de fomento de tecnologia caberia ao reclamante, ou qualquer outro motorista, fazer o pagamento à empresa pelo uso do aplicativo, numa espécie de aluguel ou cessão de uso.

Entretanto, o que verifica, em verdade, é que a empresa reclamada presta serviço se transporte de passageiros aos clientes, recebe pagamento destes e realiza o repasse ao motorista,

(...)

Sobreleva-se acrescer-se que a prestação de serviço de transporte é totalmente regulada pela reclamada, que se intitula mera intermediadora do negócio, consistindo tal regulação na determinação do tempo em que o motorista deve aguardar o usuário, bem como no desenvolvimento do sistema de avaliação qualitativa do serviço de transporte e na cessão da prestação de serviços de intermediação unilateralmente, a qualquer tempo, caso seu contratante (dono do negócio) for mal avaliado pelo usuário/passageiro. (pág. 860/862 – grifos pela reclamada)

No entanto, verifica-se que o referido trecho não traz nenhuma tese jurídica sobre a configuração ou não de relação de trabalho (lato sensu) estabelecida entre o motorista (de cujus) e a empresa Uber, dona do aplicativo.

Limita-se a consignar que a reclamada não constitui mera intermediadora de serviços ou empresa de fomento, mas empresa que presta serviços de transporte, sem trazer nenhuma conclusão jurídica a partir desses fatos.

Por se tratar de transcrição insuficiente, não atende ao art. 896, § 1º-A, I, da CLT e, por esse motivo, inviabiliza o cotejo analítico exigido pelo art. 896, § 1º-A, III, e § 8º, da CLT, tanto para a demonstração das ofensas indicadas (artigos 3º e 4º da Lie 12.587/2021, 1º, IV, e 170 da Constituição Federal) como da divergência jurisprudencial.

Nesse sentido, os precedentes desta Corte Superior:

(…) EMPREGADO CONTRATADO PARA PRESTAR SERVIÇO EM NAVIO DE CRUZEIRO INTERNACIONAL. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL. ÓBICE DO ART. 896, § 1º-A, I, DA CLT. TRANSCRIÇÃO INSUFICIENTE DOS FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO RECORRIDO . A jurisprudência desta Corte é no sentido de que a transcrição insuficiente do acórdão regional nas razões de revista não atende o requisito estabelecido no art. 896, § 1º-A, I, da CLT (incluído pela Lei 13.015/2014). O trecho transcrito pela recorrente não atende o disposto no art. 896, §1º-A, I, da CLT, pois não contém todos os fundamentos de fato e de direito assentados na decisão recorrida. Agravo de instrumento a que se nega provimento. (…)" (AIRR-1828-31.2017.5.09.0011, 2ª Turma, Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 15/10/2021).

"AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA - DESCABIMENTO. PARCELA DENOMINADA "SEXTA-PARTE" PREVISTA NO ART. 129 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO. BASE DE CÁLCULO. LEIS ESTADUAIS QUE INSTITUEM PARCELAS NÃO COMPUTÁVEIS PARA O CÁLCULO DE OUTRAS VANTAGENS. TRANSCRIÇÃO INSUFICIENTE. A transcrição de trecho da decisão recorrida que não consubstancia o prequestionamento da controvérsia equivale à inobservância do art. 896, § 1º-A, I, da CLT. Agravo de instrumento conhecido e desprovido" (AIRR-1001259-31.2019.5.02.0013, 3ª Turma, Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT 15/10/2021).

(…) MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. TRANSCRIÇÃO DE TRECHO INSUFICIENTE A CONSUBSTANCIAR O PREQUESTIONAMENTO DA CONTROVÉRSIA. NÃO ATENDIMENTO DA EXIGÊNCIA DO ART. 896, § 1º-A, DA CLT . Nos termos do art. 896, § 1º-A, da CLT, é ônus da parte indicar o trecho da decisão recorrida que consubstancia o prequestionamento da controvérsia objeto do recurso de revista. A alteração legislativa da CLT encetada pela edição da Lei nº 13.015/2014 nesses aspectos constitui pressuposto de adequação formal de admissibilidade do recurso de revista e se orienta no sentido de propiciar a identificação precisa da contrariedade a dispositivo de lei e a Súmula e do dissenso de teses, afastando-se os recursos de revista que impugnam de forma genérica a decisão regional e conduzem sua admissibilidade para um exercício exclusivamente subjetivo pelo julgador de verificação e adequação formal do apelo. A ausência desse requisito formal torna inexequível o recurso de revista e insuscetível de provimento o agravo de instrumento. No caso concreto , o acórdão regional foi publicado em 21/09/2018 , na vigência da referida lei, e o recurso de revista não apresenta a transcrição de trecho suficiente da decisão regional que consubstancia o prequestionamento da controvérsia objeto das violações e da divergência jurisprudencial nele indicadas, nem realiza a demonstração analítica do dissenso de julgados. Ao transcrever trecho insuficiente da decisão recorrida, que não satisfaz a exigência inserta no art. 896, §1º-A, I, da CLT, porque não contém todos os fundamentos a serem combatidos, a parte recorrente não procede ao adequado e necessário confronto analítico de que trata o inc. III do mesmo dispositivo, tornando inviável a apreciação das alegações de violação de dispositivo de lei, de contrariedade a súmula desta Corte e mesmo de divergência jurisprudencial, nos termos do §8º do art. 896 da CLT. Nesse cenário, desatendida a exigência do art. 896, § 1º-A, da CLT, o recurso de revista não mereceria conhecimento, o que impossibilita o provimento do presente apelo. Agravo de instrumento conhecido e desprovido quanto ao tema . (…) (RRAg-12030-89.2017.5.15.0079, 3ª Turma, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 15/10/2021).

Em face do exposto, nego provimento ao agravo de instrumento.

II - AGRAVO DE INSTRUMENTO DA PARTE RECLAMANTE

1 - CONHECIMENTO

O agravo de instrumento é tempestivo, está subscrito por advogado devidamente habilitado e regularmente formado. CONHEÇO.

2 - MÉRITO

A Presidência do egrégio Tribunal Regional do Trabalho negou seguimento ao recurso de revista da parte, que, inconformada, manifesta o presente agravo de instrumento, reiterando as razões de revista.

Eis o teor da decisão agravada:

PRESSUPOSTOS EXTRÍNSECOS

Recurso tempestivo; protocolo em 20/01/2021 – Id. 1f364d2; publicação em 15/12/2020 – Id. 8a8251e.

Representação processual regular (Id 55939eb).

Preparo inexigível (Id. 251f232).

PRESSUPOSTOS INTRÍNSECOS

TRANSCENDÊNCIA

Nos termos do artigo 896-A, § 6º, da Consolidação das Leis do Trabalho, cabe ao Tribunal Superior do Trabalho analisar se a causa oferece transcendência em relação aos reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica.

Alegação(ões):

- violação do inciso XXII do artigo 7º da Constituição Federal; Artigos 186 e 927, § Único, do Código Civil. Divergência Jurisprudencial.

Responsabilidade Civil do Empregador (2567) / Indenização por Danos Moral e Material.

A parte Recorrente alega que:

O caso narrado nos autos consubstancia-se em fato de terceiro que não rompe o nexo de causalidade, isto porque, os motoristas de aplicativo encontram-se MAIS EXPOSTOS a acidentes de trânsito, desentendimentos e violências inerentes ao trânsito, assassinatos, roubos, enfim uma série de situações de violência do que um cidadão comum está exposto em

seu dia a dia. Há uma enorme diferença entre o grau de exposição à violência no trânsito entre um motorista profissional e um cidadão comum, isto porque, o motorista profissional se expõe a longas horas no volante para obter o sustento de sua família.

Outrossim, a parte Recorrente alega que:

O risco do motorista de Aplicativo ser vítima de desentendimentos de trânsito, acidentes de trânsito, dentre outras violências urbanas que venham a resultar em ofensa à sua intangibilidade física é risco previsível e inerente à atividade do motorista profissional. Ora Excelências, se a UBER (tomadora de serviços) estimula e expõe o trabalhador ao exercício daquela atividade, auferindo bônus, deve arcar com o ônus daí advindo. Deve-se ao menos garantir a proteção constitucional à Saúde do Trabalhador e a respectiva indenização aos danos a ela causados, a teor do art. 7º, XXII e art. 6º, da CF.

A parte recorrente sustenta que:

Constata-se claramente que a atividade desempenhada pelo de cujus se revela como sendo de considerável risco para fins do parágrafo único do artigo 927 do CC, conforme configuração que emerge do Enunciado 38, aprovado na Jornada de Direito Civil, do STJ: "a responsabilidade fundada no risco da atividade, como prevista na segunda parte do parágrafo único do art. 927 do novo Código Civil, configura-se quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano causar a pessoa determinada um ônus maior do que aos demais membros da coletividade.".

Ora Excelência não há dúvidas de que a atividade de Motorista de aplicativo é de acentuado risco, isto porque, diante do crescimento vertiginoso da violência urbana em nosso país, os motoristas que prestam serviço à UBER se tornaram alvos comuns de ataques dos criminosos, bem como estão acentuadamente mais suscetíveis à violência no trânsito, decorrentes de acidentes, brigas, assassinatos, etcs.

Por fim, concluiu e requereu o seguinte:

Ante as razões expostas, pugnam os recorrentes que essa Colenda Corte conheça do presente Recurso de Revista para, no mérito, dar-lhe provimento, reformando totalmente o acórdão proferido pelo Egrégio Tribunal Regional da 7ª Região, condenando a reclamada nos pedidos formulados na petição inicial, com fundamento nos artigos 186 e 927, do Código Civil e art. 7º, inc. XXII da Constituição Federal.

Fundamentos do acórdão recorrido:

II - DO RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO PELA PARTE RECLAMANTE.

2. MOTORISTAS E EMPRESAS DE APLICATIVOS. DA RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL. DO FATO DE TERCEIRO.

Conforme já visto e relatado, a parte autora alegou que "O de passou a trabalhar com o de cujus WALTER GOMES DE AZEVEDO como motorista de aplicativo para a empresa UBER, tendo passado a trabalhar única e exclusivamente para a referida empresa, tirando dela sua única fonte de sustento. Todos os valores adquiridos por meio de seu labor prestado à Uber, o falecido dedicava ao sustento de sua família, à sua companheira, a Sra. Maria Evani, e ao seu filho pequeno, Pedro Wallace".

Seguiu relatando que "no dia , o Sr.19 de setembro de 2018 Walter Gomes de Azevedo veio a ser brutalmente assassinado a tiros de pistola ponto 40, enquanto prestava serviço autônomo à Empresa Uber. Segundo informações colhidas pelas Forças de Segurança Pública do Estado que atenderam o chamado, o falecido teria sido alvejado por tiros após ter se desentendido com um motoqueiro, vindo a falecer na Avenida Filomeno Gomes, na frente do Central Fashion, no bairro Jacarecanga. Segundo informações colhidas por jornalistas e constante em diversos meios de comunicação, o motorista vitimado na hora do crime encontrava-se com o aplicativo do UBER MOTORISTA ligado, logo, indicando que o mesmo estava em pleno serviço à UBER".

Em vista disso, postulam a condenação da parte reclamada ao pagamento de indenização por danos morais e materiais.

O juízo a auo indeferiu o pleito ora em comentário, mediante quo seguinte fundamentação:

" , ainda que houvesse sido reconhecida Ad argumentandum tantum nesta sentença a existência de relação de trabalho mantida entre o de cujus e a Reclamada, não restaria caracterizada a responsabilidade imputável à Reclamada por obrigação de indenizar danos sofridos pelos Reclamantes resultantes do falecimento do de cujus. A caracterização de responsabilidade subjetiva da Reclamada dependeria da comprovação da prática de ato ilícito imputável à esta que configurasse causa ou concausa para a ocorrência do ato praticado por terceiro, não passageiro, que resultou no falecimento do , o que não de cujus restou comprovado no caso . Da mesma forma, não sub judice restaria igual ente caracterizada responsabilidade objetiva da Reclamada pela pretendida obrigação de indenizar os danos sofridos pelos Reclamantes. com relação ao ato praticado por terceiro que resultou no falecimento do Reclamante. É certo que acidentes de trânsito podem ser identificados como riscos inerentes à atividade de motorista que desempenha a atividade de condução de passageiros, o que, em tese, permitiria configurar tal atividade como sendo atividade de risco. Entretanto, no presente caso, o falecimento do não de cujus resultou propriamente de acidente de trânsito, mas de ato imputado a terceiro, não passageiro, consistente no disparo de tiros de arma de foto que vitimou o de cujus, portanto, não está relacionado diretamente com a atividade de transporte de passageiros. Ademais, entende este Juízo que nas atividades de risco, a responsabilidade objetiva por acidentes de trabalho deve ser restrita ao empregador nas relações de emprego, não podendo tal responsabilidade ser atribuída a eventual tomador de serviços prestados por profissional autônomo, já que, nesta modalidade de contratação, inexiste obrigação do contratante de fiscalizar o cumprimento das normas de segurança por parte do profissional autônomo contratado. Ressalte-se, outrossim, que sequer restou comprovado nos autos que, no momento do ato praticado por terceiro que resultou na morte do , este se encontrava de cujus no exercício da atividade de condução de passageiros. Sendo assim, em face das razões expendidas, entende este Juízo não restar comprovada a existência de relação de trabalho mantida entre de cujus e Reclamada, ainda que na condição de trabalhador autônomo, ou tampouco a existência de responsabilidade, seja objetiva ou subjetiva, imputável à Reclamada pela pretendida obrigação de indenizar danos sofridos pelos Reclamantes resultantes do falecimento do de pelo que se indeferem os pedidos formulados na exordial, quais sejam, pagamento de indenização por dano moral e por danos materiais, inclusive sob a forma de pensão vitalícia". (ID. 251f232 - Págs. 5/6).

Em seu recurso, a parte demandante sustentou que "a causa do acidente não decorreu de culpa da vítima, isto porque, o autor sinalizou devidamente a conversão, tendo-a realizado com toda a prudência. Tal fato restou efetivamente provado nos autos, isto porque, a reclamada não fez prova quanto à alegação de culpa exclusiva da vítima, o qual consiste em fato impeditivo, modificativo e extintivo do direito do autor, cujo ônus compete ao réu. Logo, quanto a isso, trata-se de tema (ID. 4ecf8d6 - Págs. 50/51).incontroverso nos autos Ressaltou a parte autora/recorrente que "A Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, órgão uniformizador do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, pacificou a tese, no âmbito da mais alta corte laboral do país, de que se aplica a responsabilidade objetiva do empregador por acidente de trânsito que veio a resultar no falecimento de motorista profissional, mesmo que decorra de fato de terceiro, com " ((ID. 4ecf8d6 -fundamento na teoria do risco profissional Pág. 51).

Analisa-se.

Ao se falar em responsabilidade civil, seja ela qual for, para se ter configurado tal instituto se faz de mister que se preencham alguns requisitos, a saber: ação/omissão, nexo de causalidade, dano e culpa. A diferenciação entre a responsabilidade objetiva e a subjetiva está em que, na primeira, não se necessita da comprovação de culpa; ao passo que na segunda, sim.

A responsabilidade subjetiva é a regra em nosso ordenamento jurídico, pela dicção do parágrafo único do art. 927 do Código Civil, o qual preceitua o seguinte:

"Art. 927.

(...) Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem."

Na interpretação da referida disposição legal, resta evidenciado que somente haverá a obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos previstos em lei, ou seja, sendo a lei silente, aplica-se como regra a responsabilidade subjetiva, que necessita da comprovação de culpa, ou, quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem, que trata-se da teoria do risco da atividade econômica.

Nessa mesma linha de pensamento e firmando essa tese, o ordenamento jurídico brasileiro adota, como regra, a responsabilidade civil subjetiva. Nessa esteira, segue-se que para a responsabilidade envolvendo as empresas de aplicativos ser considerada objetiva, deve haver previsão na lei, ou a natureza da atividade desenvolvida pela empresa deva, por sua natureza, implicar riscos para o direito de outras pessoas. Em tal serviço têm-se configuradas ambas as hipóteses.

Postas essas premissas, verifica-se, na hipótese em apreço, que o juízo a quo, como já dito, não reconhecera aa responsabilidade da empresa reclamada, seja subjetiva, seja objetiva, entendendo, quanto àquela, que tal "não restou comprovado no caso ", e, quanto a esta, que "no presente caso, o falecimento do de cujus não resultou propriamente de acidente de trânsito, mas de ato imputado a terceiro, não passageiro, consistente no disparo de tiros de arma de foto que vitimou o de cujus, o qual, portanto, está relacionado diretamente com a atividade de transporte de passageiros".

Nesta senda, importa consignar que ocorre fato de terceiro quando o dano é ocasionado não em razão da conduta do agente ou da vítima, mas da conduta de um terceiro, isentando o agente da responsabilidade, ressaltando-se que o terceiro pode ser qualquer pessoa que não seja o agente ou a vítima, e não pode ter nenhuma ligação com ambos.

Convém acentuar que nem todo fato de terceiro afigura-se suficiente para excluir a responsabilidade do agente, tampouco a obrigação de indenizar, mas permite a ação de regresso em face do terceiro.

O fato de terceiro somente irá exonerar o dever de indenizar quando realmente constituir causa estranha ao causador aparente do dano, ou seja, quando ocorrer a eliminação total da relação de causalidade entre o dano e o desempenho do agente.

Na hipótese em julgamento, para a determinação da responsabilidade da empresa reclamada é necessário perquirir sobre a existência de fato de terceiro que seja capa de excluir o nexo de causalidade entre suas ações ou omissões e os danos suportados pela parte ora recorrente.

É o que ocorre na hipótese de fortuito externo e de culpa exclusiva da vítima ou de terceiros, para além da força maior. Eis a definição de fato de terceiro, conforme a doutrina de Bruno MIRAGEM (MIRAGEM, Bruno. Direito civil: responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 242/244), conforme extraído do V. Acórdão proferido nos autos do RECURSO ESPECIAL Nº 1.749.941 - PR (2017/0240892-4), de relatoria da Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI:

"O fato de terceiro que exclui a responsabilidade de determinado agente será o fato exclusivo de terceiro. Aqui também, a exemplo do que se menciona em relação ao fato da vítima, exige-se que a causa que tiver associada ao terceiro seja exclusiva, assim entendida aquela que foi determinante, excluindo-se todas as demais possíveis para a realização de dano à vítima. Usa-se mencionar, também, culpa exclusiva de terceiro. Melhor é dizer-se fato exclusivo, inclusive porque não se há de perquirir, quando se apresentar determinada causa atribuível a terceiro como excludente do nexo de causalidade, se este terceiro atuou com culpa ou dolo. Tratando-se de rompimento do nexo causal, basta que se identifique a causa, não suas motivações. Contudo, para que se caracterize o fato exclusivo de terceiro, é necessário, igualmente, que se identifique quem é o terceiro. Ou seja, que de fato seja terceiro estranho à uma relação originária entre as partes, seja ela de natureza contratual, pretérita ao dano, ou mesmo de natureza processual, posterior ao dano. Assim, pode o devedor eximir-se das consequências do inadimplemento alegando que não lhe deu causa, uma vez que demonstre o fato exclusivo de terceiro. Ou o réu de ação indenizatória, que, para defender-se, demonstra que o dano alegado pela vítima decorre de fato cuja ocorrência se deve exclusivamente à conduta ou à atividade de terceiro. Nesse âmbito não se incluem as situações em que a conduta do agente concorre com a conduta de terceiro, hipótese em que, ao contrário de permitir a exclusão da responsabilidade, induz a responsabilidade solidária entre o agente e o terceiro pela reparação à vítima. Mencione-se, contudo, que nem sempre o fato exclusivo de terceiro tem por consequência o afastamento da responsabilidade do agente. Isso porque há situações em que, mesmo tendo a realização do dano, por causa necessária, o fato de terceiro, tal evento é colocado na esfera de risco de determinado agente, que terá de por ele responder. É o caso do inadimplemento da obrigação do transportador, por exemplo, em que este deve responder pelos danos causados por terceiro. (...) O critério para que dado fato de terceiro seja considerado inserido na cadeia causal entende-se que seja o da sua associação com a conduta que deu causa ao dano. Por outro lado, se na atividade do agente se insere risco que abrange mesmo o fato de terceiro (caso da atividade do transportador, por exemplo). Ou ainda, no direito do consumidor, quando aquele que deu causa ao dano, embora não sendo o agente principal, também integra a cadeia de fornecimento do produto, o fato de terceiro não se considera como causa excludente do dever de indenizar. O exame do nexo causal é imprescindível também para identificar-se o fato exclusivo de terceiro. Isso porque o juízo que deverá ser realizado é o de que determinada causa originária, imputável a um agente, não será considerada causa do dano em razão da intervenção no processo causal do fato de terceiro, que assume plenamente a natureza de causa do dano. Ou seja, na investigação sobre a contribuição da conduta do terceiro para a realização do dano, deve surgir, sem qualquer dúvida, o caráter necessário da causa que lhe é imputada para a ocorrência do evento. Nesse sentido, não bastará que o terceiro seja mero causador direto, quando se entender que a causa necessária para o dano seja outra que não lhe é imputada."

Especificamente no que concerne à culpa de terceiro - excludente que se discute no presente processo - a doutrina e a jurisprudência são unânimes no sentido de reconhecer o rompimento do nexo causal quando a conduta praticada pelo terceiro, desde que a causa única do evento danoso, não apresente qualquer relação com a organização do negócio e os riscos da atividade desenvolvida pela empresa ré. Diz-se, nessa hipótese, que o fato de terceiro se equipara ao fortuito externo, apto a elidir a responsabilidade da reclamada, in casu .

Nesse sentido, conforme ainda extraído do V. Acórdão proferido nos autos do RECURSO ESPECIAL Nº 1.749.941 - PR (2017/0240892- 4), de relatoria da Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI, Cláudio Luiz BUENO DE GODOY, ao comentar o art. 735 do CC/02, assevera que, "afinal, o fato de terceiro, conforme se apresente, pode ou não romper o nexo de causalidade". Por isso, a necessidade de averiguar se a conduta do terceiro se coloca ou não dentro dos limites do risco assumido pela empresa demandada (Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência. Barueri: Manole, 10ª ed. revista e atualizada, 2016, p. 726):

"(...) é bom lembrar ter sempre se entendido em doutrina que o fato de terceiro, desde que a causa única do evento danoso e sem qualquer ligação com o devedor, fosse excludente de responsabilidade, porquanto, assim caracterizado, seria causa de quebra do nexo de causalidade. Tal como se viu quanto à força maior (...), o fato de terceiro será estranho ao responsável no transporte quando não se ligar ao risco da atividade por ele desempenhada. Esse o ponto que se reputa nodal e por vezes confundido, quando se cuida de equiparar o fato de terceiro à força maior sempre que revelado por um evento inevitável. Parece mais se afeiçoar aos pressupostos atuais da responsabilidade civil, máxime em atividades indutivas de especial risco como é a de transporte (art. 927), a verificação sobre se o fato atribuível ao terceiro se coloca ou não dentro dos limites razoáveis do risco criado".

Fazendo-se uma analogia com outro serviço público normalmente concedido para sua execução por particulares - particularmente, o transporte de passageiros - o Superior Tribunal de Justiça acresce um elemento para a exclusão da responsabilidade por fatos de terceiros, que é a ausência de conexidade com a atividade desempenhada pela empresa.

Por exemplo, nos serviços de transporte de passageiros, o E. STJ tem reiteradamente decidido que não responde o transportador pelos danos sofridos pelos passageiros em virtude do arremesso de pedras contra ônibus ou trem (AgInt nos EREsp 1.325.225/SP, 2ª Seção, DJe de 19/09/2016; AgRg nos EDcl no AREsp 156.998/RJ, 3ª Turma, DJe de 04/09/2012; REsp 247.349/MG, 4ª Turma, DJe de 26/02/2009).

Ainda, já se decidiu naquela Corte Superior que caracteriza fortuito externo a morte de usuário do transporte coletivo, vítima de "bala perdida" (AgRg no REsp 1.049.090/SP, 3ª Turma, DJe de 19/08/2014; REsp 613.402/SP, 4ª Turma, DJ de 04/10 /2004), bem como os danosdecorrentes de explosão de bomba em composição de trem (AgRg nos EDcl nos EREsp 1.200.369/SP, 2ª Seção, DJe de 16/12/2013).

De outro turno, constatado que, apesar de ter sido causado por terceiro, o dano enquadra-se dentro dos lindes dos riscos inerentes ao transporte, a jurisprudência do STJ é firme no sentido de não afastar a responsabilidade do transportador, garantido o direito de regresso, na esteira do art. 735 do CC /02 e da Súmula 187/STF.

Nessas hipóteses, afirma-se que o fato de terceiro é conexo com as atividades prestadas pela transportadora e, assim, é caracterizada como caso fortuito interno, sem a exclusão da responsabilidade objetiva do prestador de serviço.

Contudo, na hipótese dos autos, é impossível afirmar que a ocorrência do dano sofrido pelo de cujus guarda conexidade com as atividades desenvolvidas pela empresa reclamada.

Na espécie, conforme bem ressaltara o juízo de origem, não restou caracterizada a responsabilidade objetiva da empresa ré relativamente ao ato praticado por terceiro, que culminou no óbito do de cujus,, o qual não decorrera, efetivamente, de acidente de trânsito, mas, sim, de ato de terceiro, não passageiro. Conforme alegou a parte autora, "Segundo informações colhidas pelas Forças de Segurança Pública do Estado que atenderam o chamado, o falecido teria sido alvejado por tiros após ter se desentendido com um motoqueiro, vindo a falecer na Avenida Filomeno Gomes, na frente do Central Fashion, no bairro Jacarecanga" (ID. bee13b3 - Págs. 4/5).

Portanto, ao que se pode inferir, o evento de que fora vítima o de cujus não está diretamente relacionado com a atividade de transporte de passageiros desenvolvida pela empresa promovida.

Assim é que, restando evidenciado que o infortúnio que acometera o Sr. WALTER GOMES DE AZEVEDO decorreu de culpa exclusiva de terceiro, não tendo sido a conduta da empresa demandada que desencadeou tamanha infelicidade, não há como imputar à ré a responsabilização pela indenização por danos morais e materiais dele decorrentes, visto como fato de terceiro, que constitui excludente de responsabilidade civil da parte acionada.

Nesse trilhar, conforme bem ressaltou-se na origem "nas atividades de risco, a responsabilidade objetiva por acidentes de trabalho deve ser restrita ao empregador nas relações de emprego, não podendo tal responsabilidade ser atribuída a eventual tomador de serviços prestados por profissional autônomo, já que, nesta modalidade de contratação, inexiste obrigação do contratante de fiscalizar o cumprimento das normas de segurança por parte do profissional autônomo contratado. É certo que acidentes de trânsito podem ser identificados como riscos inerentes à atividade de motorista que desempenha a atividade de condução de passageiros, o que, em tese, permitiria configurar tal atividade como sendo atividade de risco".

Dessarte, à vista das razões fáticas e jurídicas retro esposadas, nega-se provimento ao apelo autoral, neste particular.

À ANÁLISE.

Observa-se que o entendimento manifestado pela Turma está assentado no substrato fático-probatório existente nos autos. Para se concluir de forma diversa seria necessário revolver fatos e provas, propósito insuscetível de ser alcançado nesta fase processual, à luz da Súmula 126 do Tribunal Superior do Trabalho. As assertivas recursais acima referenciadas não encontram respaldo na moldura fática retratada na decisão recorrida, o que afasta a tese de violação aos preceitos da legislação federal e de divergência jurisprudencial.

CONCLUSÃO

Denego seguimento.

Na minuta de agravo de instrumento (págs. 810/819), a parte reclamante insurge-se contra a aplicação da Súmula 126/TST e busca a reforma do r. despacho denegatório. Afirma que o caso remete à responsabilidade civil objetiva da empresa, detentora de aplicativo de serviços de transporte, decorrente de morte de seu trabalhador. Afirma ter demonstrado ofensa aos artigos 186 e 927, parágrafo único, do Código Civil e 6º e 7º, XXII, da CR. Sustenta que o fato de terceiro não é excludente do nexo de causalidade em situações previsíveis, inerentes, e imanentes à atividade prestada pelo trabalhador. Transcreve julgados.

Cinge-se a controvérsia à existência de responsabilidade civil da empresa detentora de plataforma digital por acidente de trânsito sofrido pelo trabalhador motorista cadastrado em seu aplicativo.

Discute-se se o fato de terceiro – no caso, do trabalhador ter sido alvejado por tiros após ter se desentendido com motoqueiro no trânsito e vindo a falecer – constituiria excludente do nexo de causalidade, tal como decidiu o col. Tribunal Regional.

Considerando que o art. 927, parágrafo único, do Código Civil consagra cláusula geral de responsabilidade objetiva e que, o art. 735, de igual diploma, seguindo a mesma cláusula geral, prevê que "a responsabilidade contratual do transportar por acidente com o passageiro não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva", impõe-se o processamento do recurso de revista, para melhor exame.

Dou, pois, provimento ao agravo de instrumento.

III – RECURSO DE REVISTA DA PARTE RECLAMANTE

Atendidos os pressupostos extrínsecos de admissibilidade, prossigo no exame dos requisitos intrínsecos.

1.CONHECIMENTO

1.1. RESPONSABILILIDADE CIVIL OBJETIVA. EMPRESA DETENTORA DE APLICATIVO DE TRANSPORTE. BRIGA DE TRÂNSITO. MORTE DO MOTORISTA. FATO DE TERCEIRO RELACIONADO COM A ATIVIDADE DESEMPENHADA. EXCLUDENTE DO NEXO DE CAUSALIDADE NÃO CONFIGURADA. TRANSCENDÊNCIA SOCIAL E JURÍDICA

Eis o trecho do v. acórdão regional destacado nas razões recursais:

'Ao se falar em responsabilidade civil: seja ela gual for: para se ter configurado tal instituto se faz de mister que se preencham alguns requisitos a saber: ação, omissão. nexo de causalidade: dano e culpa. A diferenciação entre a responsabilidade objetiva e a subjetiva está em quelna primeira: não se necessita da comprovação de culpa-: ao passo gue na segunda: sim.

A responsabilidade subjetiva é a regra em nosso ordenamento jurídico, pela dicção do parágrafo único do art. 927 do Código Civil, o qual preceitua o seguinte:

 "Art. 927.

(...) Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem."

Na interpretação da referida disposição legal, resta evidenciado que somente haverá a obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos previstos em lei, ou seja, sendo a lei silente, aplica-se como regra a responsabilidade subjetiva, que necessita da comprovação de culpa, ou, quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem, que trata-se da teoria do risco da atividade econômica.

Nessa mesma linha de pensamento e firmando essa tese, o ordenamento jurídico brasileiro adota, como regra, a responsabilidade civil subjetiva. Nessa esteira, segue-se que para a responsabilidade envolvendo as empresas de aplicativos ser considerada objetiva, deve haver previsão na lei, ou a natureza da atividade desenvolvida pela empresa deva, por sua natureza, implicar riscos para o direito de outras pessoas. Em tal serviço têm-se configuradas ambas as hipóteses. Postas essas premissas, verifica-se, na hipótese em apreço, que o juízo a quo, como já dito, não reconhecera a responsabilidade da empresa reclamada, seja subjetiva, seja objetiva, entendendo, quanto àquela, que tal "não restou comprovado no caso sub judice", e, quanto a esta, que "no presente caso, o falecimento do de cujus não resultou propriamente de acidente de trânsito, mas de ato imputado a terceiro, não passageiro, consistente no disparo de tiros de arma de foto que vitimou o de cujus, o qual, portanto, não está relacionado diretamente com a atividade de transporte de passageiros".

 Nesta senda, importa consignar que ocorre fato de terceiro quando o dano é ocasionado não em razão da conduta do agente ou da vítima, mas da conduta de um terceiro, isentando o agente da responsabilidade, ressaltando-se que o terceiro pode ser qualquer pessoa que não seja o agente ou a vítima, e não pode ter nenhuma ligação com ambos..

(...)

Contudo, na hipótese dos autos, é impossível afirmar que a ocorrência do dano sofrido pelo de cujus guarda conexidade com as atividades desenvolvidas pela empresa reclamada.

Na espécie, conforme bem ressaltara o juízo de origem, não restou caracterizada a responsabilidade objetiva da empresa ré relativamente ao ato praticado por terceiro, que culminou no óbito do de cujus, o qual não decorrera, efetivamente, de acidente de trânsito, mas, sim, de ato de terceiro, não passageiro. Conforme alegou a parte autora, "Segundo informações colhidas pelas Forças de Segurança Pública do Estado que atenderam o chamado, o falecido teria sido alvejado por tiros após ter se desentendido com um motoqueiro, vindo a falecer na Avenida Filomeno Gomes, na frente do Central Fashion, no bairro Jacarecanga" (ID. bee13b3 - Págs. 4/5).

Portanto, ao que se pode inferir, o evento de que fora vítima o de cujus não está diretamente relacionado com a atividade de transporte de passageiros desenvolvida pela empresa promovida.

Assim é que, restando evidenciado que o infortúnio que acometera o Sr. WALTER GOMES DE AZEVEDO decorreu de culpa exclusiva de terceiro, não tendo sido a conduta da empresa demandada que desencadeou tamanha infelicidade, não há como imputar à ré a responsabilização pela indenização por danos morais e materiais dele decorrentes, visto como fato de terceiro, que constitui excludente de responsabilidade civil da parte acionada.

Nesse trilhar conforme bem ressaltou-se na origem "nas atividades de risco: a responsabilidade objetiva por acidentes de trabalho deve ser restrita ao empregador nas relações de emprego. não podendo tal responsabilidade ser atribuída a eventual tomador de serviços prestados por profissional autônomo iá que nesta modalidade de contratação' inexiste obrigação do contratante de fiscalizar o cumprimento das normas de segurança por parte do profissional autônomo contratado. É certo que acidentes de trânsito podem ser identificados como riscos inerentes à atividade de motorista que desempenha a atividade de condução de passageiros, o que, em tese, permitiria configurar tal atividade como sendo atividade de risco.9págs. 764/766 – grifos pela parte reclamante)|

Nas razões de recurso de revista, a parte reclamante sustenta que o caso remete à responsabilidade civil objetiva da empresa, detentora de aplicativo de serviços de transporte, decorrente de morte de seu trabalhador. Afirma ter demonstrado ofensa aos artigos 186 e 927, parágrafo único, do Código Civil e 6º e 7º, XXII, da CR. Afirma que o fato de terceiro não é excludente do nexo de causalidade em situações previsíveis, inerentes, e imanentes à atividade prestada pelo trabalhador. Transcreve julgados.

Cinge-se a controvérsia à tese de caracterização de responsabilidade civil de empresa que organiza atividade de transporte por meio de plataforma digital e oferece o serviço público de transporte por meio de motoristas cadastrados em seu aplicativo, por fato decorrente do acidente de trânsito sofrido pelo trabalhador na execução do trabalho a serviço do Uber, e à competência da Especializada para apreciar a questão como decorrência de relação de trabalho que não deriva de relação de emprego.

Da apreciação dessa tese sobressai outra, consistente no ponto nodal da questão submetida à apreciação desta Corte Superior, se o fato de terceiro – no caso, os tiros disparados de arma de fogo por motoqueiro que resultaram na morte do trabalhador após desentendimento no trânsito– constituiria excludente do nexo de causalidade, tal como decidiu o col. Tribunal Regional. Caso contrário, a fixação dos efeitos da responsabilidade.

Depreende-se dos autos, como fato incontroverso, que o motorista estava logado (conectado ao aplicativo digital), para atendimento de uma corrida, quando ocorreu o desentendimento que culminou os vários disparos de arma de fogo do motoqueiro com quem ocorreu a discussão, e que ceifaram a sua vida.

Ressalte-se que o debate em torno da configuração da relação de trabalho e da competência da Especializada para apreciar a questão ficou superado, em face do desprovimento do agravo de instrumento da reclamada, por meio do qual pretendida destrancar o recurso adesivo destinado a esse debate, pelo que, ao menos nestes autos, está assentada a tese de que a competência para exame de responsabilidade civil decorrente de acidente de trânsito quando o motorista está a serviço da UBER é da Justiça do Trabalho, independentemente do questionamento de se tratar de relação de emprego ou simplesmentes de trabalho, como decidido pelo Regional.

Resta assim apenas fixar a tese se o fato de terceiro descaracteriza a responsabilidade da UBER.

A UBER não possui frota, utilizando-se de motoristas com veículos próprios na exploração, no caso presente, da atividade de transporte de pessoas, mediante organização da atividade por aplicativo digital, pelo que, considerando a atividade desenvolvida, deve ser caracterizada como transportadora, aplicando-se-lhe o disposto nos arts. 734 a 742 do Código Civil e, em termos de responsabilidade civil, o art.927, par.único do CCB.

No tocante ao relacionamento com o motorista, neste processo ficou assentado tratar-se de relação de trabalho, pelo que o recorrente principal deve ser tido como prestador de serviços ou preposto, utilizado pela UBER em atividade de risco por ela criado. 

O art. 927, parágrafo único, do Código Civil consagra cláusula geral de responsabilidade objetiva, ou seja, sem culpa, ao dispor que "Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem".

Trata-se de responsabilidade que é fundada na teoria do risco e que atribui a obrigação de indenizar a todo aquele que exerce alguma atividade que cria risco ou perigo de dano para terceiro.

Seguindo a linha da cláusula geral de responsabilidade objetiva, estatuída pelo aludido dispositivo, o art. 735 do Código Civil, referente ao transporte de pessoas, prevê que "a responsabilidade contratual do transportador por acidente com o passageiro não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva".

Os fundamentos do dispositivo legal são o tamanho e a  habitualidade do risco existentes no transporte, criados pela ação intencional ou culposa, que quando não é originada do próprio transportador, provém exatamente da intervenção de terceiros.

Conforme a doutrina, embora o dispositivo (art. 735 do CCB) consagre a responsabilidade do transportador, essa responsabilidade civil deve ser sempre afastada nas hipóteses em que o acidente decorre de fato de terceiro, inevitável e imprevisível, e que não guarda relação de conexão com o transporte, por se equiparar ao caso fortuito externo.

Nesse sentido, Sérgio Cavalieri ressalta que, "quando o fato de terceiro não guardar conexão com o ato de transporte e, por conseguinte, com os riscos da atividade, será equiparado o caso fortuito (externo) com a exclusão da responsabilidade do transportador" (Programa de responsabilidade civil, 2ª ed., São Paulo: Malheiros, 199, p. 222).

Outra não é a lição de Gustavo Tepedino:

"O fato exclusivo de terceiro que, nos termos do art. 14, § 3º, do CDC, mostra-se apto a romper o nexo de causalidade é aquele equiparável ao fortuito externo, ou seja, sem conexão com o contrato de transporte, porque de alguma relacionado ao serviço de transporte. Já o ato de terceiro que constitui risco imputável ao transportador, porque de alguma forma relacionado ao serviço prestado, não exime da responsabilidade pelos danos causados aos passageiros.

O Código Civil, inspirado pelo Enunciado da Súmula 187 do STF, definiu, no art. 735, que ‘a responsabilidade contratual do transportador por acidente com o passageiro não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva’. O dispositivo, todavia, não logrou alterar a orientação antes esposada, e o seu rigor é mitigado pela admissão da exclusão da responsabilidade do transportador quando o fato de terceiro equivale à noção de fortuito externo, como se passa com o arremesso de pedra contra trem ou ônibus que lesiona passageiro; a queda de janela na cabeça de passageiro em razão de apedrejamento coletivo; os tiros suportados por passageiro ‘causados por balas perdidas de tiroteio entre policiais e meliantes quando de assalto de caixa eletrônico’ (...) Por outro lado, quando a origem do dano corresponde a fato de terceiro relacionado aos riscos da atividade desenvolvida, não se afasta a responsabilidade do transportador, já que se cuida de hipótese equiparada ao fortuito interno (...) (Tependino,Gustavo; TERRA, Aline de Miranda Valverde; GUEDES, Gisela Sampaio da Cruz. Fundamentos do direito civil: responsabilidade civil. Vol. 4, 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021, págs. 359/360 - destaquei).

Merece, também, destaque o entendimento de José Carlos Maldonado de Carvalho:

"...Os modernos doutrinadores, em razão da responsabilidade objetiva do transportador e da obrigação de resultado que se reconhece como ínsita em todo contrato de transporte, fazem a divisão do caso fortuito em fortuito interno e fortuito externo. Apregoam, com a nossa adesão, que, sendo o fato causador do dano imprevisível e, por conseguinte, inevitável, ligado, porém, à organização da empresa transportadora e relacionado aos riscos com a atividade por ela desenvolvida, como, por exemplo, o rompimento de um pneu ou a pane do veículo transportador que dê causa a um incêndio por problemas elétricos, caracteriza o fortuito interno que, ligado ao risco do empreendimento, não afasta a responsabilidade civil pelos danos daí decorrentes." (in A Responsabilidade Civil do Transportador Rodoviário Urbano, Revista da EMERJ, v; 9, n.36., 2006, pág. 7 - destaquei)

No presente caso, o desentendimento no trânsito - que resultou na morte do motorista -, não pode ser equiparado ao caso fortuito externo, de caráter imprevisível, porque guarda relação direta com a atividade perigosa e estressante de transporte em grandes cidades caracterizadas pela violência e, portanto, não se traduz em fato de terceiro equiparado à imprevisibilidade do fortuito apto a excluir a responsabilidade do transportador.

Trata-se, em verdade, de fato que se insere nos riscos próprios do deslocamento - tais como ocorre nas situações em que há choques com outros veículos, estouros de pneus, mal estar do motorista, perda da direção por fechada de terceiro e demais falhas mecânicas, eventos imprevisíveis, mas que são esperados e estão contidos na atividade de transporte – e que se difere das situações causadas por eventos extraordinários, imprevisíveis e que são alheios às atividades de transporte, como raios, enchentes, balas perdidas e apedrejamentos, hipóteses em que o Superior Tribunal de Justiça, inclusive, afasta a responsabilidade civil do transportador.

Precedentes:

CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. TRANSPORTE DE PASSAGEIROS. Arremesso de pedra, de fora do trem, causando lesões em passageiro, é ato de terceiro, estranho ao contrato de transporte, pelo qual a companhia transportadora não responde. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 154.311/SP, Relator Ministro Ari Pargendler, Terceira Turma, julgado em 10.04.2001, DJ 28.05.2001) –

CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. EMPRESA DE ÔNIBUS. APEDREJAMENTO. PASSAGEIRA. FERIMENTO. CASO FORTUITO. CONFIGURAÇÃO. SOCORRO MÉDICO. PRESTADO. RESPONSABILIDADE. INEXISTÊNCIA. FATO EXTERNO. RECURSO NÃO CONHECIDO.

I. Tendo o arremesso da pedra sido ocasionado por terceira pessoa, que se encontrava inclusive fora do coletivo, não há que se falar em responsabilidade da transportadora, ainda mais por haver esta prestado o correto socorro e atendimento à passageira. Precedentes do STJ.

II. Recurso especial não conhecido. (REsp 919.823/RS, Relator Ministro Aldir Passarinho Júnior, Quarta Turma, julgado em 04.03.2010, DJe 29.03.2010)

PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL APRECIAÇÃO À LUZ DO CPC/73. RESPONSABILIDADE CIVIL. TRANSPORTE DE PASSAGEIROS. ARREMESSO DE PEDRA DE FORA DA COMPOSIÇÃO FÉRREA. LESÃO EM PASSAGEIRO. FATO DE TERCEIRO. EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE. PRECEDENTES. ACÓRDÃO PARADIGMA QUE EXCEPCIONA A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. PECULIARIDADE ENCONTRADA NO PARADIGMA QUE NÃO SE VERIFICA NO CASO DOS AUTOS. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO CARACTERIZADO. SÚMULA 168/STJ. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.

1. A orientação harmonicamente firmada em ambas as Turmas que compõem a Segunda Seção é no sentido de que, por se tratar de fortuito externo, não se incluindo nos riscos normais da atividade de transporte, não pode a transportadora ser responsabilizada pelo dano causado ao passageiro que é atingido por objeto arremessado por terceiro, fora da composição ferroviária, havendo, pois, exclusão do nexo de causalidade nessa hipótese.

[...] 5. Agravo interno improvido. (AgInt nos EREsp 1.325.225/SP, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, julgado em 14.09.2016, DJe 19.09.2016)

De fato, nas grandes cidades onde a violência é frequente, o evento ocorrido não é imprevisível em relação à atividade. O risco, em se tratando de transporte de passageiros por táxis e veículos de aplicativos, diz respeito não apenas à condução em relação aos passageiros, como também abrange a sujeição do motorista a acidentes por furos de pneus, mal súbito, sequestros e agressões, risco esse criado por essa atividade típica de transporte, o que o caracteriza como fortuito interno. Fortuito externo seria a bala perdida, como já antes mencionada, a árvore que cai em virtude de uma ventania, a ponte que desaba em razão de um raio no momento de atravessá-la.

Além disso, o risco de se levar um tiro, tal como ocorreu na presente situação, ou de ser agredido fisicamente ou com bastão de beisebol em uma discussão está contido no estresse do trânsito e também decorre da própria violência das grandes cidades, deixando, portanto, de serem fatos estranhos a quem atua diuturnamente na atividade de transporte, assim não exonerando a responsabilidade objetiva do transportador tanto pelas pessoas por ele transportadas, como pelo profissional que por ele, como empregado ou como preposto, atua fisicamente no transporte.

Conforme a jurisprudência do STJ, na responsabilidade objetiva do transportador compreende "qualquer acontecimento casual, fortuito, inesperado inerente à prestação do serviço de transporte de pessoas, ou seja, acidente que tenha nexo causal com o serviço prestado, ainda que causado por terceiro, desde que tenha nexo causal interno".

Nesse sentido, os precedentes:

CIVIL E CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSPORTADOR. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ATO LIBIDINOSO PRATICADO POR USUÁRIO CONTRA PASSAGEIRA NO INTERIOR DE ESTAÇÃO DE TREM METROPOLITANO. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DO TRANSPORTADOR. FATO EXCLUSIVO DE TERCEIRO E ESTRANHO AO CONTRATO DE TRANSPORTE. FORTUITO EXTERNO. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL.

1. A responsabilidade decorrente do contrato de transporte de pessoas é objetiva (CC, arts. 734 e 735), sendo obrigação do transportador a reparação do dano causado ao passageiro quando demonstrado o nexo causal entre a lesão e a prestação do serviço, pois o contrato de transporte acarreta para o transportador a assunção de obrigação de resultado, impondo ao concessionário ou permissionário do serviço público o ônus de levar o passageiro incólume ao seu destino. É a chamada cláusula de incolumidade, que garante que o transportador irá empregar todos os expedientes que são próprios da atividade para preservar a integridade física do passageiro contra os riscos inerentes ao negócio, durante todo o trajeto, até o destino final da viagem. Essa responsabilidade, entretanto, não é por risco integral.

2. A teor da Súmula 187 do Supremo Tribunal Federal: "a responsabilidade contratual do transportador, pelo acidente com o passageiro, não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva". Compreende-se na responsabilidade objetiva do transportador "pelo acidente com o passageiro", qualquer acontecimento casual, fortuito, inesperado inerente à prestação do serviço de transporte de pessoas, ou seja, acidente que tenha nexo causal com o serviço prestado, ainda que causado por terceiro, desde que caracterize o denominado fortuito interno. A expressão "acidente com o passageiro" não atrai a responsabilidade do transportador quanto a eventos, causados por terceiro, sem que tenham mínima relação direta com os serviços de transporte, isto é, por ocorrências estranhas ao serviço de transporte, provocadas por terceiro, as quais fujam completamente ao alcance preventivo do transportador, pois caracterizam o chamado fortuito externo.

3. O Código de Defesa do Consumidor, por sua vez, estatui: "o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços", não sendo responsabilizado quando provar "a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro" (art. 14, caput e § 3º).

4. Portanto, o ato, doloso ou culposo, estranho à prestação do serviço de transporte, causado por terceiro, não guarda nexo de causalidade com o serviço prestado e, por isso, exonera a responsabilidade objetiva do transportador, caracterizando fortuito externo. Noutro giro, o ato, doloso ou culposo de terceiro, conexo com a atividade do transportador e relacionado com os riscos próprios da atividade econômica explorada, caracteriza o chamado fortuito interno, atraindo a responsabilidade do transportador.

5. Assim, nos contratos onerosos de transporte de pessoas, desempenhados no âmbito de uma relação de consumo, o fornecedor de serviços não será responsabilizado por assédio sexual ou ato libidinoso praticado por usuário do serviço de transporte contra passageira, por caracterizar fortuito externo, afastando o nexo de causalidade.

6. Recurso especial a que se nega provimento.

(REsp 1833722/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 03/12/2020, DJe 15/03/2021)

PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. TRANSPORTE DE PASSAGEIROS. ATO OBSCENO. FATO DE TERCEIRO. EXCLUDENTE DE RESPONSABILIDADE. PRECEDENTES. DECISÃO MANTIDA.

1. De acordo com a jurisprudência da Segunda Seção do STJ, "o ato, doloso ou culposo, estranho à prestação do serviço de transporte, causado por terceiro, não guarda nexo de causalidade com o serviço prestado e, por isso, exonera a responsabilidade objetiva do transportador, caracterizando fortuito externo. Noutro giro, o ato, doloso ou culposo de terceiro, conexo com a atividade do transportador e relacionado com os riscos próprios da atividade econômica explorada, caracteriza o chamado fortuito interno, atraindo a responsabilidade do transportador. 5. Assim, nos contratos onerosos de transporte de pessoas, desempenhados no âmbito de uma relação de consumo, o fornecedor de serviços não será responsabilizado por assédio sexual ou ato libidinoso praticado por usuário do serviço de transporte contra passageira, por caracterizar fortuito externo, afastando o nexo de causalidade" (REsp n.1.833.722/SP, Relator Ministro RAUL ARAÚJO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 3/12/2020, DJe 15/3/2021).

2. No caso, observa-se que os danos alegados pela agravante decorreram de ato de terceiro, qual seja, ato atentatório de cunho sexual (ato obsceno), quando utilizava o serviço de transporte da agravada, tratando-se, portanto, de caso fortuito externo que rompe o nexo causal. Desse modo, era de rigor a reforma do acórdão recorrido, a fim de reconhecer a causa excludente da responsabilidade da empresa agravada.

3. Agravo interno a que se nega provimento.

(AgInt no REsp 1738374/SP, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 25/05/2021, DJe 04/06/2021)

DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ATO LIBIDINOSO PRATICADO CONTRA PASSAGEIRA NO INTERIOR DE UMA COMPOSIÇÃO DE METRÔ NA CIDADE DE SÃO PAULO/SP ("ASSÉDIO SEXUAL"). RESPONSABILIDADE DA TRANSPORTADORA. NEXO CAUSAL. ROMPIMENTO. FATO EXCLUSIVO DE TERCEIRO. CONEXIDADE COM A ATIVIDADE DE TRANSPORTE. RESPONSABILIDADE DA CPTM.

1. Ação ajuizada em 02/07/2014. Recurso especial interposto em 28/10/2015 e distribuído ao Gabinete em 31/03/2017.

2. O propósito recursal consiste em definir se a concessionária do metrô da cidade de São Paulo/SP deve responder pelos danos morais sofridos por passageira que foi vítima de ato libidinoso ou assédio sexual praticado por outro usuário, no interior de um vagão.

3. A cláusula de incolumidade é ínsita ao contrato de transporte, implicando obrigação de resultado do transportador, consistente em levar o passageiro com conforto e segurança ao seu destino, salvo se demonstrada causa de exclusão do nexo de causalidade, notadamente o caso fortuito, a força maior ou a culpa exclusiva da vítima ou de terceiro.

4. O fato de terceiro, conforme se apresente, pode ou não romper o nexo de causalidade. Exclui-se a responsabilidade do transportador quando a conduta praticada por terceiro, sendo causa única do evento danoso, não guarda relação com a organização do negócio e os riscos da atividade de transporte, equiparando-se a fortuito externo. De outro turno, a culpa de terceiro não é apta a romper o nexo causal quando se mostra conexa à atividade econômica e aos riscos inerentes à sua exploração, caracterizando fortuito interno.

5. Na hipótese, conforme consta no acórdão recorrido, a recorrente foi vítima de ato libidinoso praticado por outro passageiro do trem durante a viagem, isto é, um conjunto de atos referidos como assédio sexual.

6. É evidente que ser exposta a assédio sexual viola a cláusula de incolumidade física e psíquica daquele que é passageiro de um serviço de transporte de pessoas.

7. Na hipótese em julgamento, a ocorrência do assédio sexual guarda conexidade com os serviços prestados pela recorrida CPTM e, por se tratar de fortuito interno, a transportadora de passageiros permanece objetivamente responsável pelos danos causados à recorrente. Precedente.

8. Recurso especial não provido.

(REsp 1747637/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/06/2019, DJe 01/07/2019)

Nesse contexto, em que se mostra configurado o fato de terceiro equiparado ao fortuito interno, por certo que o col. Tribunal Regional, ao afastar a responsabilidade civil objetiva da reclamada, incorreu em afronta ao art. 927, parágrafo único, do Código Civil.

Conheço, pois, do recurso de revista, por violação do art. 927, parágrafo único, do Código Civil.

2.1. MÉRITO

RESPONSABILILIDADE CIVIL OBJETIVA. EMPRESA DETENTORA DE APLICATIVO DE TRANSPORTE. BRIGA DE TRÂNSITO. MORTE DO MOTORISTA. FATO DE TERCEIRO RELACIONADO COM A ATIVIDADE DESEMPENHADA. EXCLUDENTE DO NEXO DE CAUSALIDADE NÃO CONFIGURADA. TRANSCENDÊNCIA SOCIAL E JURÍDICA

Em face do conhecimento do recurso de revista por violação do art. 927, parágrafo único, do Código Civil, dou provimento ao recurso de revista para reconhecer a responsabilidade civil objetiva da reclamada e determinar o retorno dos autos ao Tribunal Regional de origem, a fim de que prossiga no exame do pedido de indenização por danos moral e material decorrentes do acidente sofrido pelo motorista de aplicativo, conforme entender de direito.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade: I – inverter a ordem de julgamento, conhecer e negar provimento ao agravo de instrumento da reclamada Uber do Brasil Tecnologia Ltda. em recurso de revista adesivo; II – conhecer e prover o agravo de instrumento da parte reclamante para determinar o processamento do recurso de revista; III – conhecer do recurso de revista da parte reclamante, por violação do art. 927, parágrafo único, do Código Civil, e, no mérito, dar-lhe provimento para reconhecer a responsabilidade civil objetiva da reclamada e determinar o retorno dos autos ao Tribunal Regional de origem, a fim de que prossiga no exame do pedido de indenização por danos moral e material decorrentes do acidente sofrido pelo motorista de aplicativo, conforme entender de direito.

Brasília, 7 de dezembro de 2021.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

ALEXANDRE AGRA BELMONTE

Ministro Relator

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