TST - INFORMATIVOS 2015 - EXECUÇÃO 2015 010 - 16 de dezembro a 09 de fevereiro

Data da publicação:

Subseção II Especializada em Dissídios Individuais

Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira - TST



Ação rescisória. Desconstituição da penhora efetivada sobre bem imóvel. Aquisição ocorrida em momento anterior ao redirecionamento da execução ao sócio da reclamada. Adquirente de boafé. Fraude à execução não configurada. Violação dos arts. 472 e 615-A do CPC. Para a caracterização da fraude à execução, quando inexistente penhora inscrita no registro imobiliário, não basta a constatação de que o negócio jurídico se operou no curso de processo distribuído em desfavor do devedor (requisito objetivo), mas também a demonstração de má-fé do terceiro adquirente (requisito subjetivo), sob pena de desrespeito ao princípio da segurança jurídica. No caso, a autora adquiriu o imóvel em 23.12.2005, antes do direcionamento da execução em desfavor do sócio da executada, em 24.4.2006, o que revela sua condição de adquirente de boa-fé. Com esse entendimento, a SBDI-II, à unanimidade, conheceu do recurso ordinário interposto pelo réu, e, no mérito, negou-lhe provimento, mantendo incólume a decisão rescindenda que, entendendo configurada a violação dos arts. 472 e 615-A, § 3º, do CPC, desconstituiu a penhora efetivada nos autos da reclamação trabalhista. (TST-RO-5875-32.2011.5.04.0000, SBDI-II, rel. Min. Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, 16.12.2014



Resumo do voto.

Ação rescisória. Desconstituição da penhora efetivada sobre bem imóvel. Aquisição ocorrida em momento anterior ao redirecionamento da execução ao sócio da reclamada. Adquirente de boa -fé. Fraude à execução não configurada. Violação dos arts. 472 e 615-A do CPC. Para a caracterização da fraude à execução, quando inexistente penhora inscrita no registro imobiliário, não basta a constatação de que o negócio jurídico se operou no curso de processo distribuído em desfavor do devedor (requisito objetivo), mas também a demonstração de má-fé do terceiro adquirente (requisito subjetivo), sob pena de desrespeito ao princípio da segurança jurídica. No caso, a autora adquiriu o imóvel em 23.12.2005, antes do direcionamento da execução em desfavor do sócio da executada, em 24.4.2006, o que revela sua condição de adquirente de boa-fé. Com esse entendimento, a SBDI-II, à unanimidade, conheceu do recurso ordinário interposto pelo réu, e, no mérito, negou-lhe provimento, mantendo incólume a decisão rescindenda que, entendendo configurada a violação dos arts. 472 e 615-A, § 3º, do CPC, desconstituiu a penhora efetivada nos autos da reclamação trabalhista. 

A C Ó R D Ã O

RECURSO ORDINÁRIO EM AÇÃO RESCISÓRIA.

1. INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL. NÃO CARACTERIZAÇÃO. AUSÊNCIA DE CUMULAÇÃO DOS PEDIDOS DE RESCISÃO E DE NOVO JULGAMENTO DA CAUSA. Esta Corte, a despeito das disposições do art. 488, I, do CPC, firmou posicionamento no sentido da prescindibilidade de cumulação, na petição inicial da ação rescisória, dos pedidos de desconstituição da decisão rescindenda e de novo julgamento.

2. ART. 485, V, DO CPC. SENTENÇA RESCINDENDA PROFERIDA EM EMBARGOS DE TERCEIRO OBJETIVANDO A DESCONSTITUIÇÃO DE PENHORA EFETIVADA SOBRE BEM IMÓVEL ADQUIRIDO PELA TERCEIRA EMBARGANTE, AUTORA DA AÇÃO RESCISÓRIA. VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 472 E 615-A, § 3º, DO CPC. CONFIGURAÇÃO. ADQUIRENTE DE BOA-FÉ. 2.1. Acórdão recorrido mediante o qual o Regional julgou procedente a ação rescisória, por violação dos arts. 472 e 615-A, § 3º, do CPC, por entender caracterizada a condição da autora de adquirente de boa-fé do bem imóvel constrito em execução trabalhista redirecionada ao sócio da empresa reclamada. 2.2. A Súmula 410/TST não constitui óbice à pesquisa das ofensas manejadas nesta ação rescisória, uma vez que os elementos suficientes à verificação da violação dos arts. 472 e 615-A, § 3º, do CPC estão revelados no acórdão em agravo de petição proferido pelo Tribunal Regional nos autos da reclamação trabalhista em que efetuada e penhora sobre o bem imóvel, julgamento esse expressamente mencionado na sentença rescindenda como fundamento que norteou a improcedência dos embargos de terceiro. 2.3. "O pronunciamento explícito exigido em ação rescisória diz respeito à matéria e ao enfoque específico da tese debatida na ação, e não, necessariamente, ao dispositivo legal tido por violado. Basta que o conteúdo da norma reputada violada haja sido abordado na decisão rescindenda para que se considere preenchido o pressuposto." Incidência da compreensão depositada no item II da Súmula 298/TST. 2.4. A evidência de que a autora adquiriu o imóvel em 23.12.2005, antes do direcionamento da execução contra o sócio da empresa reclamada, em 24.4.2006, revela sua condição de adquirente de boa-fé. Recurso ordinário conhecido e desprovido. (TST-RO-5875-32.2011.5.04.0000, SBDI-II, rel. Min. Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, 19.12.2014).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Ordinário n° TST-RO-5875-32.2011.5.04.0000, em que é Recorrente ANTÔNIO SILVINO DE OLIVEIRA e Recorrida HERTA DOS SANTOS MELLO.

O Eg. 4º Regional, pelo acórdão de fls. 206/215, complementado pela decisão em embargos de declaração de fls. 220/223, julgou procedente a ação rescisória ajuizada por Herta dos Santos Mello, com base no art. 485, V, do CPC, pretendendo desconstituir a sentença proferida no julgamento dos embargos de terceiro nº 0104200-92.2009.5.04.0103, pela qual foi mantida a penhora efetivada nos autos da reclamação trabalhista nº 0163100-54.1998.5.04.0103.

Recurso ordinário do réu, pelas razões de fls. 226/228.

Contrarrazões a fls. 234/237-v.

Os autos não foram remetidos ao d. Ministério Público do Trabalho (art. 83, RI/TST).

É o relatório.

V O T O

I – CONHECIMENTO.

Presentes os pressupostos extrínsecos de admissibilidade, pois tempestivo o apelo (fls. 224/225), dispensado o preparo (fl. 214-v) e regular a representação (fl. 102).

As folhas indicadas no voto acompanham a numeração originária, conforme referência extraída do processo físico, e estão inseridas na peça sequencial nº 1.

As peças essenciais ao julgamento da ação rescisória foram declaradas autênticas pela autora (fl. 90-v).

II – PRELIMINAR DE EXTINÇÃO DO PROCESSO POR FALTA DE PEDIDO DE NOVO JULGAMENTO.

O recorrente, inicialmente, renova a preliminar de extinção do processo sem resolução de mérito, em face da ausência de pedido de novo julgamento.

Sem razão.

O art. 488, I, do CPC dispõe que o autor da ação rescisória deverá "cumular ao pedido de rescisão, se for o caso, o de novo julgamento da causa", ao passo que o art. 494, primeira parte, do mesmo Diploma Legal estabelece que, "julgando procedente a ação, o tribunal rescindirá a sentença, proferirá, se for o caso, novo julgamento e determinará a restituição do depósito" (negritei).

Esta Corte, a despeito das disposições do art. 488, I, do CPC, firmou posicionamento no sentido da prescindibilidade de cumulação, na petição inicial da ação rescisória, dos pedidos de desconstituição da decisão rescindenda e de novo julgamento, mesmo porque, como previu o legislador ordinário, há situações que não comportam o juízo rescisório.

Nego provimento ao recurso, no particular.

III – MÉRITO.

ART. 485, V, DO CPC. VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 472 E 615-A, § 3º, DO CPC. EMBARGOS DE TERCEIRO. ADQUIRENTE DE BOA-FÉ.

O MM. Juiz da 3ª Vara do Trabalho de Pelotas, mediante a sentença rescindenda, julgou improcedentes os embargos de terceiro ajuizados por Herta dos Santos Mello (processo nº 0104200-92.2009.5.04.0103), pretendendo a desconstituição da penhora efetivada nos autos da reclamação trabalhista nº 0163100-54.1998.5.04.0103, movida por Antônio Silvino de Oliveira contra Comercial Trilho Otero S.A.

Eis o teor da sentença rescindenda (sic, fls. 27/29):

"VISTOS, ETC.

HERTA DOS SANTOS MELLO ajuíza EMBARGOS DE TERCEIROS pretendendo a desconstituição da penhora efetivada nos autos do Proc. 01631.903/98-5, para pagamento de créditos trabalhistas decorrentes da reclamatória trabalhista oposta contra o Comercial Trilho Otero S.A. Alega que o imóvel não mais pertence ao executado, pois foi vendido à embargante, que o adquiriu de boa-fé em 22 de dezembro de 2005, quando não constavam restrições.

Os embargos são contestados pelas razões expostas às fls. 22-25.

É o relatório.

ISTO POSTO:

Alega que a embargante que o imóvel constrito não mais pertence ao executado, pois o adquiriu de boa-fé em 22 de dezembro de 2005, quando não constavam restrições à venda.

O embargado alega que a matéria em debate já foi objeto de decisão proferida pelo E. TRT da Região, nos autos do processo principal, na qual foi reconhecida a ocorrência de fraude à execução na doação realizada pelo sócio da empresa executada e posterior alienação do imóvel descrito na matrícula n. 27.272, tendo sido determinado o prosseguimento da execução. Apregoa o entendimento que, sendo fraudulenta a doação, ficam maculadas todas as transferências posteriores, posto que viciada a cadeia dominial.  Imputa aos executados a prática de atos fraudulentos, relatando-os, para, ao final reiterar que as transferências dos bens dos sócios e das empresas, livres de qualquer ônus, são clara fraude à execução, ante as várias reclamatórias que existiam na data da venda e/ou doação, fato, inclusive, verificado e confirmado pelo Ministério Público do Trabalho. 

Afirma a embargante que o imóvel constrito não mais pertence ao executado, pois o adquiriu de boa-fé em 22 de dezembro de 2005, quando não constavam restrições à venda.

O embargado alega que a matéria em debate já foi objeto de decisão proferida pelo E. TRT da Região, nos autos do processo principal, na qual foi reconhecida a ocorrência de fraude à execução na doação realizada pelo sócio da empresa executada e posterior alienação do imóvel descrito na matrícula n. 27.272, tendo sido determinado o prosseguimento da execução. Apregoa o entendimento que, sendo fraudulenta a doação, ficam maculadas todas as transferências posteriores, posto que viciada a cadeia dominial.  Imputa aos executados a prática de atos fraudulentos, relatando-os, para, ao final reiterar que as transferências dos bens dos sócios e das empresas, livres de qualquer ônus, são clara fraude à execução, ante as várias reclamatórias que existiam na data da venda e/ou doação, fato, inclusive, verificado e confirmado pelo Ministério Público do Trabalho. 

A matéria posta nos presentes embargos já foi efetivamente decidida em segundo grau, a rigor do acórdão proferido nos autos do processo principal, conforme cópias juntadas às fls. 28-32, no qual a 1ª. Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª. Região deu provimento ao agravo de petição para, reconhecendo a ocorrência de fraude à execução na doação realizada pelo sócio da empresa executada e posterior alienação do imóvel descrito na matricula n. 27.272 determinou o prosseguimento da execução em relação ao bem.

Assim, a fraude à execução declarada em segundo grau em relação ao imóvel objeto dos presentes embargos macula todos os atos de alienação posteriores. Impõe-se, pois, a improcedência dos presentes embargos." (NEGRITEI)

O Eg. 4º Regional, por maioria, nos termos dos votos condutores das Exmas. Desembargadoras Carmen Gonzalez e Maria Helena Lisot (vencidos os Exmos. Desembargadores relator, revisor e José Felipe Ledur), julgou procedente a ação rescisória ajuizada por Herta dos Santos Mello, fazendo-o sob os seguintes fundamentos (fls. 206-v/207-v e 213/214-v):

"R E L A T Ó R I O

HERTA DOS SANTOS MELLO, ex-terceira embargante, ajuíza a presente Ação Rescisória contra ANTÔNIO SILVINO DE OLIVEIRA, ex-embargado e ex-reclamante, objetivando a desconstituição da Sentença proferida nos autos da Ação de Embargos de Terceiro nº 0104200- 92.2009.5.04.0103, em face de penhora efetivada na Reclamatória Trabalhista nº 01631.903/98-5. A execução é processada via Carta Precatória nº 00311900-46.2007.5.04.0122, que tramita junto a 2ª Vara do Trabalho de Rio Grande. A Ação de Embargos de Terceiro foi ajuizada perante a 3ª Vara do Trabalho de Pelotas/RS, onde tramita a reclamatória.

A Ação Rescisória tem fulcro no inciso V, do artigo 485, do CPC. Sustenta ter havido violação aos artigos 472, 593 e 615-A, parágrafo 3º, todos do CPC, bem como incisos XXXVI e LV e caput do artigo 5º da Constituição Federal. Em síntese, segundo razões das fls.02/19, e aditamento das fls.74/77, a autora, ex-terceira embargante, assevera que é legítima proprietária de um apartamento de 42 m2, no bairro Cassino, na cidade de Rio Grande/RS, registrado sob matrícula nº 27.272, do Ofício de Registro de Imóveis da Comarca de Rio Grande. Afirma que adquiriu o imóvel, em 23.12.2005, livre de qualquer gravame, de Anacirema Maria Mello de Mesquita e de seu esposo, Joaquim Correa de Mesquita, em condição de perfeita solvência, como atesta a escritura. Diz que somente em 29.10.2009, quando foi nomeada depositária de seu imóvel, tomou conhecimento da penhora ocorrida em 19.06.2007. Buscou, então, a desconstituição da penhora através da Ação de Embargos de Terceiro. É esta decisão que busca rescindir. Foi de Improcedência a Sentença proferida na Ação de Embargos de Terceiro n.0104200- 92.2008.5.04.0103, fls. 27/29. Segundo a ora autora, ex-terceira embargante, o juiz prolator da Sentença dos Embargos de Terceiro baseou a Decisão rescindenda em julgamento de Agravo de Petição, pela 1ª Turma deste Tribunal. Sustenta que aquela decisão do Agravo de Petição somente produz efeitos em relação às partes litigantes, conforme artigo 472 do CPC.

A autora deduz vários argumentos em seu favor, inclusive referindo a Súmula 375 do STJ, no sentido de afirmar a sua boa-fé negocial. Requer a concessão de medida antecipatória de tutela, para o fim de suspender a praça judicial do imóvel. Informa haver hasta pública em data próxima.

Argumenta que depende dos locativos do imóvel penhorado para sobreviver. Reitera que adquiriu o imóvel de justo título e de boa-fé. Alega que a avaliação do imóvel de R$40.000,00 data de junho de 2007, sendo que o valor atual é de aproximadamente R$180.000,00, conforme avaliação que junta. Requer o deferimento da Assistência Judiciária Gratuita. Em julgamento definitivo, pugna pela procedência da Ação Rescisória, com a rescisão da Sentença proferida nos autos dos Embargos de Terceiro e a consequente determinação de seu regular processamento, com condenação do réu em custas processuais e honorários advocatícios.

Atribui à causa o valor de R$24.916,21 (vinte e quatro mil, novecentos e dezesseis reais e vinte e um centavos). Junta documentos das fls.20/63.

[...]

DESEMBARGADORA CARMEN GONZALEZ:

Divirjo no nobre Relator.

Dispositivos legais apontados como violados (todos do CPC):

Art. 472. A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros. Nas causas relativas ao estado de pessoa, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação a terceiros.

Art. 593. Considera-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens:

I - quando sobre eles pender ação fundada em direito real;

II - quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência;

III - nos demais casos expressos em lei.

615-A, § 3º:

§ 3º Presume-se em fraude à execução a alienação ou oneração de bens efetuada após a averbação (art. 593).

Saliento que, no caso, conforme narrado pelo Relator, a autora adquiriu o bem imóvel em 2005, ANTES AINDA do ajuizamento da ação trabalhista que gerou a execução onde, em 2009, veio a ser penhorado o bem. Poder-se-ia falar em fraude contra credores (que desafia ação própria, dita Pauliana), mas não em fraude à execução. Entendo violada a literalidade do art. 615-A, § 3º, do CPC, em relação à autora.

DESEMBARGADOR RICARDO HOFMEISTER DE ALMEIDA MARTINS COSTA:

Peço vênia para divergir do Relator, acompanhando a divergência levantada pelas Desª Carmen Gonzales e Maria Helena Lisot.

DESEMBARGADOR MARCELO GONÇALVES DE OLIVEIRA:

Peço vênia ao Relator para acompanhar a divergência.

DESEMBARGADORA MARIA HELENA LISOT:

Peço vênia para divergir do Exmo. Relator em relação ao mérito da pretensão da autora.

Com efeito, verifico dos autos que a autora adquiriu o imóvel objeto da presente ação rescisória em 23.12.2005, quando não havia qualquer gravame sobre ele, como dá conta a matrícula constante nas fls. 38/42.

Referido documento inclusive, contém averbação de notícia de penhora somente em 14.06.2007.

Por outro lado, observo que o sócio executado na reclamatória trabalhista, Sr. José Ary de Almeida, vendeu o imóvel para Paulo Roberto Oliveira Antonello em maio de 2001 (vide fls. 40/41), o qual posteriormente o vendeu para Anacirema Maria Mello de Mesquita em 2004 (fl. 41), que foi a última proprietária antes da autora.

Portanto, a par da discussão acerca de ter havido fraude à execução ou fraude a credores, o fato é que a alienação que se quer nulificar ocorreu em 2001, quando se tinha apenas uma reclamatória trabalhista ajuizada pelo ora réu em 30.11.1998, na qual foi proferida uma decisão em sede de agravo de petição pela 1ª Turma deste Tribunal, a qual então reconheceu a ocorrência de fraude à execução na doação realizada pelo sócio da empresa executada acima referido (fl. 39, R. 4/27.272), somente em 19.03.2009 (vide fls. 33/37).

Destaco, por relevante, que o sócio da empresa executada somente teve a execução voltada contra si em 24.04.2006, como consta na fl. 02 do acórdão supra referido, após, portanto, à alienação do imóvel pela autora.

Deste modo, entendo que a fraude reconhecida por este Tribunal não pode prejudicar terceiros de boa-fé, como a autora e os demais adquirentes do imóvel, sob pena de se desestabilizar as relações jurídicas, bem como a credibilidade do registro público imobiliário, cuja função precípua é justamente dar conhecimento das situações jurídicas (e ônus) que envolvem determinado bem, presumindo-se a inexistência de gravames não levados a registro. Nesse sentido é o art. 472 do CPC, verbis: ‘A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros. Nas causas relativas ao estado de pessoa, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação a terceiros’.

Nesse contexto, reconheço a violação ao dispositivo legal acima transcrito, motivo pelo qual julgo procedente a presente ação rescisória, para em juízo rescindendo, rescindir a sentença proferida nos autos dos embargos de terceiro nº 0104200-92.2008.5.04.0103, e em juízo rescisório, julgar procedente os citados embargos de terceiro, para desconstituir a penhora efetivada nos autos do processo nº 01631.903/98-5, sobre o imóvel descrito na matrícula nº 27.272 do Ofício de Registro de Imóveis da Comarca de Rio Grande-RS, cuja cópia se encontra nas fls. 38/42 dos presentes autos.

Custas de R$498,32 (quatrocentos e noventa e oito reais e trinta e dois centavos), calculadas sobre o valor de R$24.916,21 (vinte e quatro mil, novecentos e dezesseis reais e vinte e um centavos), e honorários advocatícios de 15% sobre o valor da causa, pelo réu e dispensados, em razão de ora lhe ser deferido o benefício da assistência judiciária gratuita requerido na contestação, diante da declaração de pobreza juntada à fl. 103.

DESEMBARGADORA IRIS LIMA DE MORAES:

Peço vênia ao Relator para acompanhar a divergência."

Em razões de recurso ordinário, o réu, inicialmente, alega a ausência de prequestionamento, na decisão rescindenda, quanto aos preceitos indicados como violados na ação rescisória, a saber: arts. 5º, "caput" e incisos XXXVI a LV, da Constituição Federal e 472, 593 e 615-A, § 3º, do CPC.

Ocorre que, na defesa, o recorrente indicou a ausência de pronunciamento explícito a respeito dos artigos "593 e 615-A, parágrafo 3º, ambos do CPC, bem como os incisos XXXVI a LV e caput do artigo 5º da CF" (fl. 97).

Naquela oportunidade, não foi mencionada a falta de prequestionamento com relação ao art. 472 do CPC.

A indicação deste preceito, somente nas razões de recurso ordinário, representa flagrante e reprovável inovação recursal.

Ademais, a hipótese dos autos atrai a incidência da compreensão depositada no item II da Súmula 298 desta Corte, segundo o qual "o pronunciamento explícito exigido em ação rescisória diz respeito à matéria e ao enfoque específico da tese debatida na ação, e não, necessariamente, ao dispositivo legal tido por violado. Basta que o conteúdo da norma reputada violada haja sido abordado na decisão rescindenda para que se considere preenchido o pressuposto".

Como exposto pelo Regional, no acórdão recorrido, ao rejeitar a arguição ora renovada pelo réu, "na Decisão Rescindenda foi dirimida controvérsia sobre a fraude à execução, que afasta a alegada falta de prequestionamento dos artigos 593 e 615, parágrafo 3°, ambos do CPC" (fl. 209). 

Prosseguindo em suas razões de insurreição, o recorrente, após transcrever trechos dos fundamentos dos votos vencidos dos Desembargadores relator e José Felipe Ledur (fls. 227/227-v), defende a impossibilidade de procedência da rescisória, pelos seguintes argumentos (fls. 227-verso/228):

"O acolhimento da ação rescisória colocou em risco a segurança jurídica, posto que adentrou, em sede de ação rescisória, no reexame de fatos e de provas, o que não pode ser admitido por este Tribunal Superior.

A decisão rescindenda, ao julgar improcedentes os embargos de terceiro e manter a penhora sobre o imóvel doado em fraude à execução em nenhum momento afrontou a literalidade dos artigos 472, 593, 615-A, parágrafo 3º, todos do CPC, nem os incisos XXXVI a LV e caput do artigo 5º da CF.

Tal decisão baseou-se em reconhecimento, por parte do E. Regional da 4ª Região ao julgar agravo de petição junto ao processo 01631.1998.103.04.00-4, da ocorrência de fraude à execução na doação realizada por sócio da empresa executada e, consequentemente, de todas as alienações posteriores, tendo determinado o prosseguimento da execução com relação ao bem penhorado.

Assim, a sentença rescindenda põe fim a lide em coerência como que consta da ação principal, como muito bem exposto pelo Ministério Público do Trabalho em seu parecer.

Destarte, não havendo violação a qualquer dispositivo legal, merece reforma o v. acórdão para que seja mantida integralmente a sentença rescindenda e, por consequência, mantida a penhora sobre o imóvel objeto dos embargos de terceiro."

Pois bem.

Da leitura da decisão recorrida, verifica-se que a ação rescisória foi julgada procedente porque configurada a violação dos arts. 472 e 615-A, § 3º, do CPC.

Ressalte-se, por oportuno, que o óbice da Súmula 410/TST não foi evocado em defesa.

Ainda assim, note-se que, para o reconhecimento da violação dos preceitos, ao contrário do sustentado no apelo, não há necessidade de revolvimento de fatos e provas.

No acórdão mencionado na sentença rescindenda, proferido pelo TRT da 4ª Região na reclamação trabalhista, no julgamento do agravo de petição do reclamante - o qual, volto a frisar, serviu de fundamento para a improcedência dos embargos de terceiro -, está expressamente consignado que a alienação do imóvel objeto de constrição ocorreu anteriormente à existência de execução trabalhista redirecionada ao sócio diretor da executada (fls. 33/34).

A evidência de que a autora adquiriu o imóvel em 23.12.2005, antes do direcionamento da execução contra o sócio da empresa reclamada, em 24.4.2006, revela sua condição de adquirente de boa-fé.

Com efeito, nos termos do inciso II do art. 593 do CPC, considera-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens quando, ao seu tempo, "corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência".

Todavia, para a caracterização de fraude à execução, quando inexistente penhora inscrita no registro imobiliário, não basta a constatação de que o negócio jurídico se operou no curso de processo distribuído em desfavor do devedor (requisito objetivo), mas também a demonstração de má-fé do terceiro adquirente (requisito subjetivo), o que consiste na verificação de que, à época da alienação, o adquirente tinha ciência desse processo e do estado de insolvência do alienante (devedor).

Sem a presença de ambos os requisitos (objetivo e subjetivo), não se cogita de fraude à execução, sob pena de desrespeito ao princípio da segurança jurídica.

Essa é a lição de Fredie Didier Jr. (Curso de direito processual civil, 2ª ed., Editora JusPodivm, 2010, p. 311-312):

"A exigência de demonstração da ciência pelo terceiro da litispendência é corolário da aplicação do princípio da boa-fé. Consciente da dificuldade de provar tal fato, o legislador vale-se de presunções para facilitar a tarefa do credor, como as que decorrem do § 4º do art. 659 e do art. 615-A. Não havendo presunção legal, caberá ao credor o ônus da prova da fraude.

O problema é o mesmo para a comprovação da ciência pelo terceiro da pendência de processo capaz de levar o devedor-alienante à insolvência, pressuposto do inciso II do art. 593.

[...]

A má-fé do terceiro adquirente é pressuposto da fraude à execução e se caracteriza pelo conhecimento das suas hipóteses de cabimento." [grifei]

Nesse sentido, os seguintes julgados provenientes do Eg. Superior Tribunal de Justiça:

"RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. FRAUDE À EXECUÇÃO. ALIENAÇÃO NA PENDÊNCIA DE EXECUÇÃO. INEXISTÊNCIA DE INSCRIÇÃO DA PENHORA. BOA-FÉ PRESUMIDA DOS TERCEIROS ADQUIRENTES. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 375/STJ.

1. O Tribunal de origem reconheceu a boa-fé dos adquirentes, por isso descabe divergir desse entendimento, conforme teor do enunciado da Súmula 7 desta Corte. Agindo o adquirente do imóvel com boa-fé e não havendo registro da penhora anterior à alienação, não há como configurar a fraude à execução.

2. Incidência da Súmula 375 do STJ, ‘O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente’.

3. Recurso especial provido." (REsp 809.760/RJ, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, 4ª Turma, DJe 26.5.2011)

"CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. PRESCRIÇÃO. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO. PREQUESTIONAMENTO. FRAUDE À EXECUÇÃO. REQUISITOS OBJETIVO E SUBJETIVO. NECESSIDADE DE EXAME DE PROVAS. DEVOLUÇÃO DOS AUTOS À ORIGEM.

[...]

II - De acordo com a Jurisprudência desta Corte, a simples existência de ação em curso no momento da alienação do bem não é suficiente para instaurar a presunção de fraude à execução, sendo necessário, quando não haja penhora anterior, devidamente registrada, prova de que o adquirente do bem tinha conhecimento da referida ação judicial, sem o que não se poderá ter por caracterizado o consilium fraudis.

III - No caso presente, o Acórdão recorrido não se manifestou sobre o referido requisito subjetivo, tendo se baseado no argumento de que seria suficiente para o reconhecimento da fraude a circunstância objetiva de a alienação ter ocorrido já no curso da ação que poderia reduzir do devedor à insolvência.

IV - Recurso especial provido para determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem, para que aprecie a presença do requisito subjetivo, com análise da prova, como de Direito." (REsp 1073042/RS, Relator Ministro Sidnei Beneti, 3ª Turma, DJe 27.3.2009)

"PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE TERCEIRO. ALIENAÇÃO DE IMÓVEL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE QUE O ADQUIRENTE TINHA CIÊNCIA DA DEMANDA EM CURSO. FRAUDE À EXECUÇÃO NÃO CARACTERIZADA. INSOLVÊNCIA DO DEVEDOR. PRESUNÇÃO. DESCABIMENTO.

I - Sem o registro da penhora, o reconhecimento de fraude à execução depende de prova do conhecimento por parte do adquirente do imóvel, de ação pendente contra o devedor capaz de reduzi-lo à insolvência. Precedentes desta Corte.

II - Não há falar em presunção de insolvência do devedor em favor do credor quando não efetivado o ato de constrição sobre o bem alienado, na medida em que ‘a dispensabilidade da prova da insolvência do devedor decorre exatamente da alienação ou oneração de bens que já se encontram sob constrição judicial.’ (REsp 867.502/SP, Relatora Ministra Nancy Andrighi, DJ 20.8.2007). Recurso não conhecido." (REsp 921160/RS, Relator Ministro Sidnei Beneti, 3ª Turma, DJe 10/03/2008)

"PROCESSUAL CIVIL. FRAUDE À EXECUÇÃO. ALIENAÇÃO ANTES DA PENHORA E SUA INSCRIÇÃO. CPC, ART. 593, II. BOA-FÉ PRESUMIDA DOS TERCEIROS ADQUIRENTES.

I. Ainda que relativamente a casos anteriores à Lei n. 8.953/94, hipótese dos autos, não basta à configuração da fraude à execução a existência, anteriormente à venda de imóvel, de execução movida contra o alienante, somente se admitindo tal situação se já tivesse, antes, a inscrição da penhora no cartório competente, salvo se inequívoco o conhecimento dos adquirentes sobre a pendência judicial, prova que incumbe ao credor fazer.

II. Recurso especial conhecido e provido, para cancelar a constrição." (REsp 442583/MS, Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Relator p/ Acórdão Ministro Aldir Passarinho Junior, 2ª Seção, DJ 16.2.2004)

"RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. ADQUIRENTE DE BOA-FÉ. PENHORA. REGISTRO. ÔNUS DA PROVA.

1 - Ao terceiro adquirente de boa-fé é facultado o uso dos embargos de terceiro para defesa da posse. Não havendo registro da constrição judicial, o ônus da prova de que o terceiro tinha conhecimento da demanda ou do gravame transfere-se para o credor. A boa-fé neste caso (ausência do registro) presume-se e merece ser prestigiada.

2 - Recurso especial conhecido e provido." (REsp 493914/SP, Relator Ministro Fernando Gonçalves, 4ª Turma, DJe 5.5.2008)

Assim também a inteligência da Súmula nº 375 do STJ:

"O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente."

Para o caso dos autos, tem-se, rememore-se, que o Julgador de primeiro grau, nos autos do processo matriz, julgou improcedentes os embargos de terceiro, ao fundamento de que "a fraude à execução declarada em segundo grau em relação ao imóvel objeto dos presentes embargos macula todos os atos de alienação posteriores" (fl. 28).

Assim decidindo, o Julgador desprezou a pesquisa quanto ao requisito subjetivo consistente na ausência ou não de má-fé do terceiro adquirente (consilium fraudis), o que importa violação do disposto no inciso II do art. 593 do CPC.

O recorrente, por outro lado, a despeito de afirmar, de forma genérica, a inexistência de vulneração aos arts. 472, 593, 615-A, § 3º, CPC, e aos incisos XXXVI a LV e "caput" do art. 5º da Constituição Federal, jamais ataca os fundamentos da decisão recorrida quanto à impossibilidade de a fraude à execução reconhecida pelo TRT na reclamação trabalhista prejudicar terceiros de boa-fé, como a autora e os demais adquirentes do imóvel que a antecederam.

Igualmente, não impugna o fundamento do acórdão recorrido no sentido de que o sócio da empresa executada somente teve a execução voltada contra si em 24.4.2006, após, portanto, a aquisição do imóvel pela autora em 22.12.2005.

A situação traz à memória os termos da Súmula 422/TST.

Por qualquer ângulo que se analise, não há provimento possível.

À vista do exposto, nego provimento ao recurso.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Subseção II Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso ordinário, rejeitar a preliminar de inépcia da petição inicial e, no mérito, negar-lhe provimento.

Brasília, 16 de dezembro de 2014.

Firmado por Assinatura Eletrônica (Lei nº 11.419/2006)

Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira

Ministro Relator

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