PENHORA Terceiro de boa fé

Data da publicação:

Acordão - TST

Cilene Ferreira Amaro Santos - TST - Convocada



EXECUÇÃO. PENHORA SOBRE BEM IMÓVEL. BOA-FÉ DOS TERCEIROS ADQUIRENTES COMPROVADA. NEGÓCIO JURÍDICO CELEBRADO ANTES DO AJUIZAMENTO DA AÇÃO PRINCIPAL. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA.



RECURSO DE REVISTA. LEI 13.467/2017. EXECUÇÃO.  PENHORA SOBRE BEM IMÓVEL. BOA-FÉ DOS TERCEIROS ADQUIRENTES COMPROVADA. NEGÓCIO JURÍDICO CELEBRADO ANTES DO AJUIZAMENTO DA AÇÃO PRINCIPAL. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA.

1. Há transcendência política da causa, nos termos do inciso II do § 1º do art. 896-A da CLT, uma vez que o entendimento adotado pelo eg. TRT, ao determinar a manutenção da penhora, contraria entendimento desta c. Corte sobre a matéria, no sentido de que, nos casos de boa-fé dos terceiros adquirentes e da anterioridade da celebração do contrato de compra e venda ao ajuizamento da ação principal, a ausência do registro imobiliário do título translativo da propriedade do bem (art. 1.245 do CC) não tem o condão de invalidar o negócio jurídico realizado, sob pena de violação do direito de propriedade do terceiro adquirente de boa-fé (art. 5º, XXII, da CF).

2. A exigência do registro do título translativo possui, primordialmente, a finalidade de publicidade do ato perante terceiros, e deve ser analisada em consonância com os princípios informadores do CC/02, que trata da boa-fé, sendo esta, principalmente, a existente no plano da conduta de lealdade das partes (boa-fé objetiva).

3. In casu, delimitada a boa-fé dos adquirentes e descaracterizada a fraude à execução, a ausência do registro imobiliário do título translativo da propriedade não enseja a invalidação do negócio jurídico celebrado, devendo prevalecer o direito de propriedade dos recorrentes, constitucionalmente assegurado, com o afastamento da penhora realizada sobre seu imóvel, mormente se considerado que a alienação ocorrera anteriormente ao ajuizamento da ação trabalhista, e, portanto, antes do gravame sobre o bem.

Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento. (TST-RR-1001011-58.2020.5.02.0004, Convocada Cilene Ferreira Amaro Santos, DEJT 11/04/2022).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-1001011-58.2020.5.02.0004, em que são Recorrentes ANTONIO CARLOS COSTA DOS ANJOS E OUTRO e é Recorrido FRANCISCO ANTONIO SILVA DE LIMA.

Trata-se de recurso de revista interposto de decisão do eg. TRT publicada em 11/05/21, na vigência da Lei nº 13.467/17.

O eg. Tribunal Regional do Trabalho deu provimento ao agravo de petição do exequente, para determinar a manutenção da penhora efetivada nos autos principais (nº 0202900-37.2007.5.02.0004) sobre a unidade autônoma nº 33 do Conjunto Residencial Piazza Lacchini.

Antonio Carlos Costa dos Anjos e Carlos Alfredo Pinto, autores dos embargos de terceiro anteriormente apresentados, inconformados com o acórdão proferido em agravo de petição, interpõem recurso de revista, sustendo a irregularidade da penhora.

O r. despacho de admissibilidade admitiu o recurso de revista da Reclamante, por contrariedade ao art. 5º, XXII, da CF.

Houve apresentação de contrarrazões.

O d. Ministério Público do Trabalho não emitiu parecer.

É o relatório.

V O T O

EXECUÇÃO.  PENHORA SOBRE BEM IMÓVEL. BOA-FÉ DOS TERCEIROS ADQUIRENTES COMPROVADA. NEGÓCIO JURÍDICO CELEBRADO ANTES DO AJUIZAMENTO DA AÇÃO PRINCIPAL.  PROCESSO AJUIZADO APÓS A LEI 13.467/2017

CONHECIMENTO

Eis o trecho transcrito e grifado nas razões de recurso de revista pelos recorrentes:

"1.2.Pugna o agravante pela reforma da sentença, porquanto os agravados não trouxeram a certidão de matrícula do imóvel; explicita, ainda que nos termos do art. 1245 do Código Civil, a aquisição da propriedade somente se faz com o registro do título translativo no Cartório de Registro de Imóveis, condição não observada nos presentes autos.

1.3. O MMº Juízo de origem entendeu pela insubsistência da penhora, pelos seguintes fundamentos: "O termo de quitação, ID 72a2db7, data de 2005, com firma reconhecida no mesmo ano, o que compra a boa-fé do documento. No mesmo ID consta o recibo de quitação de dívida da empresa junto a administradora, deixando comprovada a alegação de que a formalização não ocorreu anteriormente por culpa daquela empresa (embargada-executada) e não dos embargantes. Os boletos ID 90d00d9, datados de 2007 demonstram que os embargantes já haviam assumidos as despesas condominiais em 2007, conforme alegado. A embargada-executada é devedora em várias frentes, pois gerou transtornos aos embargantes, ao embargado-exequente, não podendo, contudo, os embargantes serem responsabilizados por ato que não deram causa. A boa-fé, na condição de terceiros, legítimos proprietários do imóvel, antes da existência da dívida, está fartamente comprovada. Os embargantes não participaram da relação processual trabalhista, não podem ter bens próprios atingidos por dívida que não deram causa e, mais importante, se desincumbem do ônus de comprovar a posse e propriedade do imóvel objeto de penhora antes da existência da dívida trabalhista, o que consolida a incorreção na declaração de fraude a execução apta a ensejar a penhora do bem. Julgo procedente o embargo, para declarar a boa-fé dos terceiros e determinar a desoneração de penhora sobre o imóvel referido, com comunicação a todos os órgãos públicos necessários, em especial o cartório de imóveis".

1.4. Os documentos de fls. 124/125 evidenciam que os agravados honraram com os valores estipulados contratualmente com vistas à aquisição do imóvel objeto da penhora (unidade autônoma nº 33 do Conjunto Residencial Piazza Lacchini), em data anterior ao ajuizamento da ação nº 0202900-37.2007.5.02.0004 (ação principal).

1.5.Penso que a discussão a respeito da boa-fé se afigura estéril, tendo em vista que não há controvérsia acerca da liceidade do negócio jurídico entabulado (descaracterização de fraude à execução); o que se pretende avaliar é se a quitação outorgada pode ser considerada como título translativo com os efeitos previstos no art. 1.245 do Código Civil.

(...)

 1.7.A despeito de judiciosas opiniões em contrário, entendo que se reconhecer a efetiva transmissão da propriedade sem o necessário registro previsto no Código Civil, significa relegar ao oblívio, sem nenhuma justificativa, texto de lei, ou o que é pior, a admissão de investidura do Poder Judiciário em função legislativa típica em ato de derrogação da Lei nº 10.406/2002.

1.8.O art. 1.245 do Código Civil preconiza que: "Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis - § 1º - Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel"(grifei).

1.9.O supracitado artigo de lei não comporta intepretação extensiva, ao revés, é taxativo quanto a necessidade de se registrar o título translativo com vistas à alteração da titularidade do bem.

1.10.Passada mais de uma década após a ultimação do negócio, os agravados não lograram intentar o ato jurídico de vinculação obrigatória, com o que, forçoso concluir não ter havido a transmissão de propriedade do bem imóvel.

(....)

"Isto posto, ACORDAM os Magistrados da 16ª. Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª. Região em: por unanimidade de votos, conhecer e por maioria de votos, dar provimento ao agravo de petição a fim de manter a penhora efetivada nos autos principais sobre a unidade autônoma nº 33 do Conjunto Residencial Piazza Lacchini, sito à rua Padre Francisco João de Azevedo, 33, Lauzane Paulista, São Paulo/SP, nos termos da fundamentação. Vencido o MM. Juiz Márcio Granconato, que negava provimento ao apelo pelos fundamentos da r. sentença."  (destaques do recorrente)

Nas razões de recurso de revista, os recorrentes alegam que a oposição dos embargos de terceiro decorreu da irregularidade da penhora realizada sobre imóvel de sua propriedade, nos autos da reclamação trabalhista 202900-37.2007.5.02.000. Esclarecem não possuir qualquer relação com os reclamados da ação principal, a não ser o fato de terem adquirido o imóvel penhorado em 2004, com finalização em 2009, o que foi conhecido na sentença de procedência dos embargos. Alegam que o eg. TRT, ao reformar a sentença, manteve a penhora, violando o art. 5º, XXII e XXXVI, da CF. Ressaltam a existência de transcendência política, haja vista o acórdão recorrido divergir do entendimento desta c. Corte Superior. Mencionam a existência de transcendência social, notadamente quanto ao princípio da segurança jurídica (art. 5º, XXXVI, da CF), invocando, ainda, a transcendência econômica, haja vista valor aproximado do bem penhorado (R$ 300.000,00) e a valor da condenação (R$ 16.714,75), a demonstrar o excesso de penhora. Sustentam que o entendimento do eg. TRT, ao invocar o art. 1.245 do CC para não reconhecer a aquisição do imóvel em questão pelos recorrentes, não merece prosperar, haja vista ter ocorrido, em verdade, antes mesmo da propositura da ação principal, não havendo qualquer ilicitude no negócio jurídico firmado entre as partes, sem fraude à execução e, tampouco, má-fé - o que foi reconhecido pelo próprio acórdão regional. Nesse sentido, sustentam ser irrelevante a existência de registro translativo no Registro de Imóveis, conforme precedentes desta c. Corte Superior,  aduzindo que não podem ser penalizados com a penhora do imóvel. Invocam o teor da Súmula 84 do STJ  e indicam arestos a cotejo de teses. Caso se entenda de forma diversa, requer o reconhecimento do excesso de penhora, a teor do art. 874 do CPC.

Nos termos do art. 896-A da CLT "O Tribunal Superior do Trabalho, no recurso de revista, examinará previamente se a causa oferece transcendência com relação aos reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica".  

O objetivo da norma é de que os temas a serem alçados à análise em instância extraordinária detenham os indicadores de transcendência, que justifiquem o julgamento do recurso de revista interposto, em respeito aos princípios constitucionais que informam a razoável duração do processo, viabilizando que a Corte Superior se manifeste apenas em causas distintas, que detenham repercussão.

A causa diz respeito em se definir se a ausência de registro do título translativo no Cartório de Imóveis é condição suficiente à manutenção da penhora sobre bem imóvel dos terceiros adquirentes, ainda que demonstrados a sua boa-fé no negócio jurídico firmado com a PB 500 Empreendimento Ltda. (empresa reclamada nos autos principais - 0202900-37.2007.5.02.0004), a ausência de ilicitude no negócio firmado e o registro de que a quitação do imóvel ocorreu em momento anterior ao ajuizamento da ação, não tendo a formalização ocorrido anteriormente por culpa "daquela empresa (embargada-executada), não dos embargantes".

O Tribunal Regional, ao reformar a sentença que havia consignado pela procedência dos embargos de terceiro, em que pese registre que o caso não trata de fraude à execução, determinou a manutenção da penhora anteriormente efetivada, por entender não ter havido a transmissão da propriedade aos recorrentes, diante da inobservância ao art. 1.245 do CC, quanto ao registro do título translativo, a atrair o disposto no seu §1º.

transcendência política da causa, nos termos do inciso II do § 1º do art. 896-A da CLT, uma vez que o entendimento adotado pelo eg. TRT, ao determinar a manutenção da penhora, contraria entendimento desta c. Corte sobre a matéria, no sentido de que, nos casos de boa-fé dos terceiros adquirentes e da anterioridade da celebração do contrato de compra e venda ao ajuizamento da ação principal, a ausência do registro imobiliário do título translativo da propriedade do bem não tem o condão de invalidar o negócio jurídico realizado, sob pena de violação do direito de propriedade do terceiro de boa-fé. Nesse sentido, o seguinte precedente:

"AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. EXECUÇÃO. INTERPOSIÇÃO EM FACE DE ACÓRDÃO PUBLICADO APÓS A VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. FRAUDE À EXECUÇÃO - NÃO CONFIGURAÇÃO - ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL SEM REGISTRO ANTERIOR AO AJUIZAMENTO DA AÇÃO TRABALHISTA - VALIDADE - TERCEIRO DE BOA-FÉ - REGISTRO DO TÍTULO TRANSLATIVO DE PROPRIEDADE NO CURSO DA AÇÃO - IRRELEVÂNCIA. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. Tratando-se de recurso de revista interposto em face de decisão regional que se mostra contrária à jurisprudência consolidada desta Corte, revela-se presente a transcendência política da causa , a justificar o prosseguimento do exame do apelo. De outra parte, ante a provável violação ao artigo 5º, XXII, da Constituição Federal, recomendável o processamento do recurso de revista, para melhor exame da matéria veiculada em suas razões. Agravo de instrumento provido. RECURSO DE REVISTA. EXECUÇÃO. FRAUDE À EXECUÇÃO - NÃO CONFIGURAÇÃO - ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL SEM REGISTRO ANTERIOR AO AJUIZAMENTO DA AÇÃO TRABALHISTA - VALIDADE - TERCEIRO DE BOA-FÉ - REGISTRO DO TÍTULO TRANSLATIVO DE PROPRIEDADE NO CURSO DA AÇÃO - IRRELEVÂNCIA. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. Tratando-se de recurso de revista interposto em face de decisão regional que se mostra contrária à jurisprudência consolidada desta Corte, revela-se presente a transcendência política da causa , a justificar o prosseguimento do exame do apelo. Em relação à questão de fundo, n a hipótese, o Tribunal Regional presumiu a fraude à execução, mantendo a subsistência da penhora do bem imóvel objeto do título executivo, uma vez que ausente o registro da escritura pública de compra e venda, entendendo que a transferência de propriedade ocorrida somente após a ação trabalhista estava desprovida do requisito de publicidade perante terceiros. Assim, o Colegiado reputou inválida a transferência do imóvel que fora adquirido mesmo antes da ação judicial, concluindo pela fraude à execução. Contudo, ainda que a transferência da propriedade de bem imóvel se efetive com o registro translativo (art. 1.245 do Código Civil), esse requisito de validade objetiva, primordialmente, a publicidade do ato perante terceiros, não se sobrepondo ao direito de propriedade garantido constitucionalmente pelo artigo 5º, XXII, da Lei Maior. Esse entendimento encontra-se consolidado na jurisprudência, consoante se observa do teor da Súmula nº 84 do Superior Tribunal de Justiça, que preconiza: " é admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro ". Nessa esteira, a ausência do registro imobiliário do título translativo da propriedade do bem não tem o condão de invalidar o negócio jurídico de compra e venda, e, portanto, a escritura pública permanece válida, prevalecendo o direito de propriedade nessas circunstâncias, mormente no caso em que a alienação ocorrera anteriormente ao ajuizamento da ação trabalhista, e, via de consequência, antes do gravame sobre o bem, o que demonstra a boa-fé do terceiro adquirente. Nesse cenário, não evidenciada a má-fé do terceiro adquirente, impossível presumir a fraude à execução, devendo ser desconstituída a penhora sobre o imóvel de propriedade do terceiro embargante, em respeito ao direito de propriedade, nos termos do artigo 5º, XXII, da Constituição Federal. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido " (RR-625-19.2017.5.07.0034, 7ª Turma, Relator Ministro Renato de Lacerda Paiva, DEJT 18/09/2020). (grifou-se)

Citam-se, ainda, os seguintes julgados desta c. Corte: AgR-E-ED-RR-451-34.2011.5.15.0119, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Redator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 22/03/2019; RR-451-34.2011.5.15.0119, 8ª Turma, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, DEJT 06/11/2015; RR-337-80.2013.5.09.0026, Rel. Min. Maria de Assis Calsing, 4ª Turma, DEJT 14/02/2014.

Demonstrada, pelos recorrentes, mediante cotejo analítico, que a decisão regional, ao determinar a manutenção da penhora sob bem imóvel adquirido de boa-fé, viola o artigo 5º, XXII, da CF, que dispõe quanto ao direito de propriedade.

Conheço, pois, do recurso de revista por violação do artigo 5º, XXII, da Constituição Federal.

MÉRITO

Discute-se nos autos se a ausência de registro do título translativo da propriedade no Cartório de Registro de Imóveis, na forma prevista no art. 1.245, caput e §1º, do CC, é condição suficiente à manutenção da penhora sob bem imóvel adquirido por terceiro de boa-fé, mediante contrato de compra e venda celebrado anteriormente ao ajuizamento da ação principal (nº 0202900-37.2007.5.02.0004).

No caso em exame, conforme se vislumbra dos autos, o contrato de compra e venda fora celebrado em 2004 entre empresa que tem como únicos sócios os recorrentes e a PB 500 Empreendimentos Ltda. - reclamada no processo trabalhista acima mencionado. Há registro quanto à quitação ocorrida em 2005, com firma reconhecida no mesmo ano, e ao fato de a formalização não ter ocorrido em momento anterior por culpa da executada, e não dos adquirentes. Há delimitação, ainda, no sentido de que, desde 2007, o condomínio já vem sendo pago por estes.

A sentença proferida quando do exame dos embargos de terceiro opostos, desse contexto, constatou a boa-fé dos embargantes, que não participaram da relação processual trabalhista que deu causa à penhora, ajuizada posteriormente à celebração do negócio jurídico, com comprovação da posse e propriedade antes da existência da dívida. Nesse sentido, afastou a existência de fraude à execução apta a ensejar a penhora do imóvel.

O eg. Tribunal Regional, no entanto, em que pese também tenha entendido pela descaracterização da fraude à execução, ressaltando a boa-fé dos adquirentes e  o fato de terem honrado os valores estipulados no contrato - com vistas à aquisição do imóvel objeto da penhora -  em data anterior ao ajuizamento da ação,  consignou que a ausência de registro no Registro de Imóveis, na forma prevista no art. 1.245, caput e §1º, do CC,  inviabilizava o reconhecimento da transmissão da propriedade do bem aos recorrentes, em razão do que determinou a manutenção da penhora efetivada nos autos principais.

Com efeito, o §1º art. 1.245 do CC/02 dispõe no sentido de que, "enquanto não se de registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel".

No entanto, referido requisito possui, primordialmente, a finalidade de publicidade do ato perante terceiros, e deve ser analisado em consonância com os princípios informadores do CC/02, notadamente a eticidade, que trata da valorização da ética e da boa-fé, sendo esta, principalmente, a existente no plano da conduta de lealdade das partes (boa-fé-objetiva).

Assim, demonstrada a boa-fé do terceiro adquirente -  a teor do período em que celebrado o contrato de compra e venda e realizada a sua quitação  (anteriormente ao ajuizamento da ação principal) e, ainda o registro de que a formalização não ocorreu em momento anterior por culpa da  reclamada dos autos principais - , a formalidade prevista no art. 1.245 do CC não pode se sobrepor ao direito de propriedade dos recorrentes, constitucionalmente assegurado (art. 5º, XXII, da CF). 

Oportuno registrar, desse contexto, o entendimento consubstanciado na Súmula nº 84 do Superior Tribunal de Justiça, que assim dispõe:

"É admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro." (grifou-se)

Delimitada, in casu, a boa-fé dos adquirentes, a ausência do registro imobiliário do título translativo da propriedade não possui o condão de invalidar o negócio jurídico celebrado, prevalecendo o direito de propriedade dos recorrentes, mormente se considerado que a alienação ocorrera anteriormente ao ajuizamento da ação trabalhista, e, portanto, antes do gravame sobre o bem.

Nesse mesmo sentido, os seguintes julgados desta c. Corte:

"AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. EXECUÇÃO. INTERPOSIÇÃO EM FACE DE ACÓRDÃO PUBLICADO APÓS A VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. FRAUDE À EXECUÇÃO - NÃO CONFIGURAÇÃO - ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL SEM REGISTRO ANTERIOR AO AJUIZAMENTO DA AÇÃO TRABALHISTA - VALIDADE - TERCEIRO DE BOA-FÉ - REGISTRO DO TÍTULO TRANSLATIVO DE PROPRIEDADE NO CURSO DA AÇÃO - IRRELEVÂNCIA. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. Tratando-se de recurso de revista interposto em face de decisão regional que se mostra contrária à jurisprudência consolidada desta Corte, revela-se presente a transcendência política da causa , a justificar o prosseguimento do exame do apelo. De outra parte, ante a provável violação ao artigo 5º, XXII, da Constituição Federal, recomendável o processamento do recurso de revista, para melhor exame da matéria veiculada em suas razões. Agravo de instrumento provido. RECURSO DE REVISTA. EXECUÇÃO. FRAUDE À EXECUÇÃO - NÃO CONFIGURAÇÃO - ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL SEM REGISTRO ANTERIOR AO AJUIZAMENTO DA AÇÃO TRABALHISTA - VALIDADE - TERCEIRO DE BOA-FÉ - REGISTRO DO TÍTULO TRANSLATIVO DE PROPRIEDADE NO CURSO DA AÇÃO - IRRELEVÂNCIA. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. Tratando-se de recurso de revista interposto em face de decisão regional que se mostra contrária à jurisprudência consolidada desta Corte, revela-se presente a transcendência política da causa , a justificar o prosseguimento do exame do apelo. Em relação à questão de fundo, n a hipótese, o Tribunal Regional presumiu a fraude à execução, mantendo a subsistência da penhora do bem imóvel objeto do título executivo, uma vez que ausente o registro da escritura pública de compra e venda, entendendo que a transferência de propriedade ocorrida somente após a ação trabalhista estava desprovida do requisito de publicidade perante terceiros. Assim, o Colegiado reputou inválida a transferência do imóvel que fora adquirido mesmo antes da ação judicial, concluindo pela fraude à execução. Contudo, ainda que a transferência da propriedade de bem imóvel se efetive com o registro translativo (art. 1.245 do Código Civil), esse requisito de validade objetiva, primordialmente, a publicidade do ato perante terceiros, não se sobrepondo ao direito de propriedade garantido constitucionalmente pelo artigo 5º, XXII, da Lei Maior. Esse entendimento encontra-se consolidado na jurisprudência, consoante se observa do teor da Súmula nº 84 do Superior Tribunal de Justiça, que preconiza: " é admissível a oposição de embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro ". Nessa esteira, a ausência do registro imobiliário do título translativo da propriedade do bem não tem o condão de invalidar o negócio jurídico de compra e venda, e, portanto, a escritura pública permanece válida, prevalecendo o direito de propriedade nessas circunstâncias, mormente no caso em que a alienação ocorrera anteriormente ao ajuizamento da ação trabalhista, e, via de consequência, antes do gravame sobre o bem, o que demonstra a boa-fé do terceiro adquirente. Nesse cenário, não evidenciada a má-fé do terceiro adquirente, impossível presumir a fraude à execução, devendo ser desconstituída a penhora sobre o imóvel de propriedade do terceiro embargante, em respeito ao direito de propriedade, nos termos do artigo 5º, XXII, da Constituição Federal. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido " (RR-625-19.2017.5.07.0034, 7ª Turma, Relator Ministro Renato de Lacerda Paiva, DEJT 18/09/2020). (grifou-se)

"AGRAVO REGIMENTAL. EMBARGOS NÃO ADMITIDOS. AÇÃO ANULATÓRIA DE PENHORA E ARREMATAÇÃO. VALIDADE DA ESCRITURA DE COMPRA E VENDA. ADQUIRENTE DE BOA-FÉ. AUSÊNCIA DE REGISTRO. IRRELEVÂNCIA. CONHECIMENTO DO RECURSO DE REVISTA POR VIOLAÇÃO DO ART. 5º, XXII, DA CF. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO CONFIGURADA. INCIDÊNCIA DA DIRETRIZ DA SÚMULA N°296, ITEM I, DO TST. 1. Trata-se de ação anulatória de ato judicial - arrematação - que tem por objeto imóvel que sofreu penhora em execução de reclamação trabalhista. 2. A c. Turma reconheceu a condição do autor de adquirente de boa-fé, porquanto a escritura pública de compra e venda do imóvel fora celebrada em data anterior ao ajuizamento da reclamação trabalhista , ainda que não tenha sido observada a disposição do artigo 1.245 do Código Civil , quanto à formalização do registro no Cartório de Registro de Imóveis. Concluiu, nesse contexto, pela violação do art. 5º, XXII, da Constituição Federal , que culminou com o provimento do recurso de revista e, consequentemente, a procedência da ação anulatória a fim de declarar a nulidade da arrematação do bem imóvel constrito. 3. O aresto paradigma colacionado nos embargos não parte das mesmas premissas concretas de especificidade erigidas pelo acórdão paragonado para reconhecer a violação perpetrada ao direito de propriedade, mormente quanto à prova da existência de contrato de compra e venda, inviabilizando, por completo , o estabelecimento de tese jurídica contraposta, nos moldes da Súmula n° 296, I, do TST. 4. Decisão de inadmissibilidade dos embargos que se confirma. Agravo regimental conhecido e desprovido" (AgR-E-ED-RR-451-34.2011.5.15.0119, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Redator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 22/03/2019).

"A) AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. AÇÃO ANULATÓRIA DE PENHORA E ARREMATAÇÃO. VALIDADE DA ESCRITURA DE COMPRA E VENDA. ADQUIRENTE DE BOA-FÉ. AUSÊNCIA DE REGISTRO. IRRELEVÂNCIA . O agravo de instrumento merece provimento, com consequente processamento do recurso de revista, haja vista que o autor logrou demonstrar possível ofensa ao art. 5°, XXII, da CF. Agravo de instrumento conhecido e provido. B) RECURSO DE REVISTA. 1. NULIDADE DO ACÓRDÃO REGIONAL POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL . Tendo em vista o princípio da celeridade processual insculpido no inciso LXXVIII do art. 5° da CF, bem como a possibilidade de êxito do recurso de revista no tocante ao mérito da questão arguida, deixa-se de analisar a nulidade do acórdão regional por negativa de prestação jurisdicional, nos termos do § 2° do art. 249 do CPC. 2. AÇÃO ANULATÓRIA DE PENHORA E ARREMATAÇÃO. VALIDADE DA ESCRITURA DE COMPRA E VENDA. ADQUIRENTE DE BOA-FÉ. AUSÊNCIA DE REGISTRO. IRRELEVÂNCIA . Consoante o acórdão regional, o autor, José Miguel Alves, adquiriu do sócio da empresa executada, em 12/4/1984, ou seja, 17 anos antes do ajuizamento da reclamação trabalhista, ocorrido em 2001, o imóvel objeto de penhora e arrematação que o autor pretende desconstituir por meio da presente ação anulatória. Contudo, o Tribunal a quo manteve a subsistência da penhora e da arrematação do imóvel porque concluiu que o autor permaneceu inerte no cumprimento da obrigação prevista no artigo 1.245 do Código Civil, não podendo invocar em seu favor o entendimento retratado na Súmula nº 84 do STJ, diante da publicidade do negócio jurídico entabulado. Tal quadro fático revela que, embora o autor não tenha cumprido o procedimento inscrito no artigo 1.245 do Código Civil, a escritura pública de compra e venda foi celebrada em 12/4/1984, data anterior ao ajuizamento da reclamação trabalhista, proposta em 2001, e, por conseguinte, anterior à penhora realizada por força da reclamação trabalhista ajuizada por Nilson Luiz de Almeida Salles. Outrossim, importa registrar que não há nenhuma prova de que o autor tenha agido de má-fé. Pelo contrário, o acórdão regional demonstra que o autor adquiriu o imóvel de boa-fé. Conquanto o artigo 1.245 do Código Civil discipline que a transferência da propriedade de bem imóvel se perfaz mediante o registro translativo, tal condição de validade do negócio jurídico não tem caráter absoluto, diante da proteção ao direito de propriedade assegurada pelo artigo 5º, XXII, da Constituição Federal. Oportuno salientar que o registro, embora constitua requisito de validade, tem por escopo principal a publicidade do ato perante terceiros, de modo que a forma não pode sobrepor-se à questão de fundo, qual seja a efetiva propriedade do imóvel. Acresça-se, ainda, que o novo Código Civil salvaguardou expressamente o princípio da boa-fé objetiva nas relações contratuais, consoante previsão do artigo 422 do referido diploma. É de se salientar que a ciência, pelo adquirente, da existência de demanda contra o alienante, constitui elemento subjetivo essencial para se perquirir sua qualidade, ou não, de terceiro de boa-fé, sendo que, no caso vertente, frise-se, a reclamação trabalhista foi proposta 17 anos após a alienação do imóvel pelo sócio da executada. Nesse passo, entendo evidente o caráter de boa-fé do recorrente, que, embora tenha sido imprudente em não diligenciar a transferência e o registro do título translativo no cartório competente, é legítimo adquirente do imóvel em debate. Recurso de revista conhecido e provido " (RR-451-34.2011.5.15.0119, 8ª Turma, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, DEJT 06/11/2015). (grifou-se)

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO. FRAUDE. CONTRATO DE COMPRA E VENDA ANTERIOR AO AJUIZAMENTO DA AÇÃO TRABALHISTA. TERCEIRO DE BOA-FÉ. Demonstrada violação da norma constitucional (art. 5.º, XXII), nos termos do artigo 896, -c-, da CLT, dá-se provimento ao Agravo de Instrumento. Agravo de Instrumento conhecido e provido. RECURSO DE REVISTA. EXECUÇÃO. FRAUDE. CONTRATO DE COMPRA E VENDA ANTERIOR AO AJUIZAMENTO DA AÇÃO TRABALHISTA. TERCEIRO DE BOA-FÉ. O artigo 593, II, do CPC estabelece que para a configuração da fraude à execução é necessário que -ao tempo da alienação ou oneração- exista contra o devedor -demanda capaz de reduzi-lo à insolvência-. Vê-se, pois, como requisito para a constatação da fraude, que o terceiro adquirente do bem imóvel tenha ciência de que contra o devedor corre demanda capaz de reduzi-lo à insolvência ou, ainda, a prova inequívoca de que houve má-fé na aquisição do bem. No caso dos autos, de acordo com os dados fáticos delineados pelo Regional, o Terceiro Embargante adquiriu o imóvel objeto de penhora em 24/11/2009, por meio do contrato de compra e venda, sendo o registro da matrícula realizado em 12/1/2010, data em que já se encontrava em curso Ação Trabalhista, ajuizada em 14/12/2009. Nesta senda, ainda que o registro da venda do imóvel tenha ocorrido após o ajuizamento da ação, sendo a aquisição do bem anterior e, conforme destacado, não tendo sido comprovada a má-fé do adquirente ou, ainda, que ao tempo da alienação corria ação trabalhista capaz de reduzir o devedor à insolvência, não há como presumir a fraude à execução, devendo ser desconstituída a penhora sobre o imóvel de propriedade do Terceiro Embargante. Precedentes. Recurso de Revista conhecido e provido." (RR-337-80.2013.5.09.0026, Rel. Min. Maria de Assis Calsing, 4ª Turma, DEJT 14/02/2014) (grifou-se)

Ante o exposto, dou provimento ao recurso de revista para desconstituir a penhora incidente sobre o imóvel em questão (unidade autônoma nº 33 do Conjunto Residencial Piazza Lacchini, sito na rua Padre Francisco João de Azevedo, 33, Lauzane Paulista, São Paulo/SP). Custas de R$44,26 pela executada.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Oitava Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, reconhecer a transcendência política da causa, conhecer do recurso de revista por violação do artigo 5º, XXII, da CF e, no mérito, dar-lhe provimento para desconstituir a penhora incidente sobre o imóvel. Custas de R$44,26 pela executada.

Brasília, 6 de abril de 2022.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

CILENE FERREIRA AMARO SANTOS

Desembargadora Convocada Relatora

 

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