TST - INFORMATIVOS 2019 0193 - 01 de abril

Data da publicação:

Subseção II Especializada em Dissídios Individuais

Delaíde Miranda Arantes - TST



Cônjuge não terá contas bloqueadas para pagamento de dívidas trabalhistas do marido.



RECURSO ORDINÁRIO EM AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. ATO COATOR PROFERIDO NA VIGÊNCIA DO CPC DE 2015. BLOQUEIO EM CONTA-SALÁRIO, CONTA-POUPANÇA E APLICAÇÃO FINANCEIRA DO CÔNJUGE DO EXECUTADO. REGIME DE COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. 1 – Hipótese em que a determinação de penhora, contida no ato coator proferido sob a vigência do CPC de 2015, recaiu sobre a conta-salário, conta-poupança e aplicação financeira do cônjuge do executado. 2 - Embora o art. 833, § 2º, do CPC de 2015 possibilite a penhora de salário e de quantia depositada em poupança para fins de pagamento de prestação alimentícia, o caso em exame ostenta uma peculiaridade, a saber, a penhora recaiu sobre bens do cônjuge do executado e, não, sobre os do próprio executado. 3 - De acordo com os documentos acostados aos autos, o executado e a impetrante são casados em regime de comunhão parcial de bens. Em sendo assim, a penhora não poderia ter recaído sobre a conta-salário, conta-poupança e aplicação financeira do cônjuge do executado, em virtude do art. 1.659, VI, do Código Civil, que excepciona os proventos decorrentes do trabalho pessoal de cada cônjuge da comunicação dentre os bens daqueles casados em regime de comunhão parcial. Recurso ordinário conhecido e provido. (TST-RO-80085-43.2017.5.22.0000,  Delaíde Miranda Arantes, DEJT 05.04.19)

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Ordinário n° TST-RO-80085-43.2017.5.22.0000, em que é Recorrente FRANCISCA DAS CHAGAS DE OLIVEIRA PORTELA LEITE e são Recorridos ATMA REGIA GUEDES DE SOUSA, FRANCISCO ANTONIO LEITE e ASSOCIAÇÃO DOS PAIS E ALUNOS DO ESTADO DO PIAUÍ e Autoridade Coatora ELISABETH RODRIGUES - JUÍZA DA 2ª VARA DO TRABALHO DE TERESINA.

Francisca das Chagas de Oliveira Portela Leite impetrou mandado de segurança, com pedido liminar, em face do ato praticado pelo Juízo da 2ª Vara do Trabalho de Teresina/PI que, nos autos da RTOrd-36700-06.1998.5.22.0002, determinou a penhora em sua conta-salário, conta-poupança e aplicação financeira, por ser ela cônjuge do executado, com vistas a garantir a execução trabalhista.

O desembargador relator deferiu parcialmente o pedido liminar, para determinar o desbloqueio apenas da conta-salário, mantendo a constrição incidente sobre os ativos financeiros aplicados em conta-poupança, observados o limite do art. 833, X, do CPC de 2015.

A impetrante requereu a imediata devolução do valor de R$ 11.000,00 (onze mil reais), alusivos ao remanescente da aplicação de renda fixa.

O desembargador relator indeferiu o pedido, consignando que a decisão liminar foi cumprida integralmente.

A impetrante interpôs agravo regimental, ao qual foi negado provimento.

O Tribunal Regional do Trabalho da 22ª Região, por maioria, concedeu parcialmente a segurança, adotando os fundamentos sintetizados na ementa:

 MANDADO DE SEGURANÇA. EXECUÇÃO TRABALHISTA. PENHORA INCIDENTE SOBRE ATIVOS FINANCEIROS DO CÔNJUGE DO EXECUTADO. ART. 1.659, VI, DO CC. LIBERAÇÃO DA CONTA-SALÁRIO. O art. 1.664 do Código Civil dispõe que "os bens da comunhão respondem pelas obrigações contraídas pelo marido ou pela mulher para atender aos encargos da família, às despesas de administração e às decorrentes de imposição legal". Por seu turno, o art. 1.659 excepciona os bens que não se comunicam do regime de comunhão parcial. O inciso VI do art. 1.659 disciplina que são excluídos da comunhão "os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge". No caso, infrutíferas as tentativas de localização de bens do executado, a constrição judicial recaiu sobre ativos financeiros do cônjuge, casado em regime de comunhão parcial de bens. Nessa situação, o ordenamento jurídico autoriza medida executiva em face do cônjuge do devedor, porém resguarda os proventos de seu trabalho. Demonstrado que o bloqueio atingiu a conta-salário e aplicações em poupança, concede-se em parte a segurança para determinar o desbloqueio da conta-salário da impetrante, mantendo-se, porém, a constrição incidente sobre os ativos financeiros aplicados em conta-poupança, observado o limite de quarenta salários mínimos (art. 833, X, do CPC/2015). Segurança concedida em parte.

Inconformada, a impetrante interpõe recurso ordinário.

O recurso ordinário foi admitido.

Foram apresentadas contrarrazões.

O Ministério Público do Trabalho oficia pelo prosseguimento do feito.

É o relatório.

V O T O

1 – CONHECIMENTO

Atendidos os pressupostos legais de admissibilidade, CONHEÇO do recurso ordinário.

2 – MÉRITO

Francisca das Chagas de Oliveira Portela Leite impetrou mandado de segurança, com pedido liminar, em face do ato praticado pelo Juízo da 2ª Vara do Trabalho de Teresina/PI que, nos autos da RTOrd-36700-06.1998.5.22.0002, determinou a penhora em sua conta-salário, conta-poupança e aplicação financeira, por ser ela cônjuge do executado, com vistas a garantir a execução trabalhista. Alegou que a penhora foi realizada via BacenJud e resultou no bloqueio do valor total depositado em conta-salário, no importe de R$ 38.148,13 (trinta e oito mil e cento e quarenta e oito reais e treze centavos). Mencionou que a reclamação trabalhista foi ajuizada por Átma Régea Guedes de Sousa em face da Associação dos Pais e Alunos do Estado do Piauí, da qual o seu esposo, Francisco Antônio Leite, era presidente. Assegurou que Francisco Antônio Leite foi condenado injustamente ao pagamento das verbas trabalhistas, pois a reclamação trabalhista tramitou à revelia, sendo certo que a desconsideração da personalidade jurídica da reclamada ocorreu de forma indevida. Acrescentou que ela mesma não integrou o polo passivo da lide e, portanto, houve cerceamento do seu direito de defesa. Asseverou que o ato impugnado é ilegal, pois os salários são impenhoráveis e a conta bloqueada é individual, apenas de sua titularidade. Defendeu o cabimento do mandado de segurança para atacar decisão interlocutória contra a qual não há recurso próprio. Pontuou que o valor bloqueado na conta-poupança supera o limite de 40 (quarenta) salários mínimos. Disse que restaram preenchidos os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora. Indicou violação dos arts. 5º, LXIX, da Constituição Federal, e 833, IV, § 2º, do CPC de 2015, além de contrariedade à Orientação Jurisprudencial 153 da SBDI-2.

O desembargador relator deferiu parcialmente o pedido liminar, nos seguintes termos:

O mandado de segurança é remédio admissível contra atos estatais que lesarem ou ameaçarem direitos líquidos e certos (Lei nº 12.016/2009 - LMS, art. 1º).

Como decisão judicial enquadra-se no conceito de ato estatal, é cabível, em tese, a impetração, salvo contra "decisão judicial transitada em julgado" e "decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo" (LMS, art. 5º, III e II).

Em sede de liminar, examina-se a configuração ou não de arbitrariedade ou ilegalidade capaz de violar direito líquido e certo, verificando-se a plausibilidade do direito alegado e o risco de ineficácia da tutela jurisdicional.

O objeto do mandamus consiste no desbloqueio da conta bancária do cônjuge do executado.

Consta do ato coator:

Vistos etc.

Defere-se o pedido formulado pelo exequente em sua petição de fls. 435/435 por entender ser possível a penhora de bens do cônjuge do executado, ante a presunção de que as dívidas contraídas por um dos cônjuges tenham resultado em benefício para o casal, cabendo a parte que se achar prejudicada com a penhora provar o contrário. Ademais, a presente execução já se arrasta desde 1998, não obstante reiteras tentativas de penhora de bens do devedor, todas infrutíferas. Assim, providências pela Secretaria de Bacenjud, Renajud e Infojud visando a localização de bens da Sra. Francisca das Chagas de Oliveira Portela Leite (CPF: 727.591.943-53), tantos quantos bastem para a garantia da execução.

A prova constituída informa a existência de processo executivo em figuram como executados a Associação dos Pais de Alunos do Estado do Piauí e Francisco Antônio Leite, cuja obrigação totaliza R$ 146.430,38 (id. 5e5d053 - p. 8).

A autoridade coatora motivou seu ato nas várias tentativas infrutíferas de constrição de bens do executado, bem como na presunção de que as dívidas contraídas por um dos cônjuges resultaram em benefício para o casal.

Sobre a penhora de salários para fins de quitação de dívida trabalhista, este magistrado posiciona-se no sentido de que a regra da impenhorabilidade de salário prevista no art. 833, I, do CPC/2015, sofre exceção quando se tratar de crédito trabalhista.

Isso porque o termo "prestação alimentícia", de que trata o art. 833, § 2º, do CPC/2015, deve ser visto na perspectiva de uma interpretação ampliativa, objetivando assegurar a tutela judicial efetiva, corolário da garantia da inafastabilidade da jurisdição (CF, art. 5º, XXXV).

Essa orientação justifica a penhora de salários e de numerário em conta bancária para satisfação do crédito trabalhista em razão de sua natureza alimentar, desde que compatibilizada a constrição com a necessidade de assegurar a subsistência do devedor.

Todavia, na hipótese em análise, a constrição atingiu os proventos da impetrante, cônjuge do executado, sendo penhorado todos os ativos financeiros localizados em sua conta bancária.

O primeiro aspecto a ser ponderado diz respeito ao limite da responsabilidade patrimonial do cônjuge, a fim de identificar quais os bens sujeitos à medidas executivas.

Da leitura da peça do constata-se que o juízo da execução adotou várias medidas na tentativa de cumprir a obrigação, inclusive com bloqueio de salários do executado, porém infrutíferas, em razão de decisão judicial.

O art. 790, IV, do CPC/2015, estabelece que são sujeitos à execução os bens do cônjuge ou companheiro, nos casos em que seus bens próprios ou de sua meação respondem pela dívida.

Assim, o dispositivo amplia a responsabilidade patrimonial para incluir no processo executivo pessoas não contempladas no título judicial.

Dessa forma, concluindo-se pela responsabilidade do cônjuge, cumpre examinar seus limites, conforme a própria norma processual determina.

Na hipótese, a impetrante afirma que é casada com o executado sob o regime de comunhão parcial de bens.

O art. 1.658 do CC estabelece que "no regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com as exceções dos artigos seguintes".

O art. 1.664 do CC dispõe que "os bens da comunhão respondem pelas obrigações contraídas pelo marido ou pela mulher para atender aos encargos da família, às despesas de administração e às decorrentes de imposição legal".

Por seu turno, o Código Civil, no art. 1.659, excepciona os bens que não se comunicam do regime de comunhão parcial.

O inciso VI do art. 1.659 disciplina que são excluídos da comunhão "os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge".

Nesse sentido, é que o art. 674, I, CPC/2015 considera terceiro, para fins de oposição de embargos, "o cônjuge ou companheiro, quando defende a posse de bens próprios ou de sua meação, ressalvado o disposto no art. 843".

No caso, a impetrante defende que o bloqueio recaiu sobre sua conta salário, bloqueando valores que são de sua titularidade e, portanto, incomunicáveis.

Com efeito, em exame aos extratos bancários, constata-se que na conta corrente da impetrante consta depósito mensal de seus proventos, tratando-se de conta salário.

Entretanto, o bloqueio também atingiu ativos financeiros aplicados em sua conta poupança.

Em conclusão, considerando que o ordenamento jurídico autoriza medida executiva em face do cônjuge do devedor, porém resguarda os proventos de seu trabalho, defere-se em parte o pedido liminar determinando o desbloqueio da conta-salário, porém mantendo-se a constrição incidente sobre ativos financeiros aplicados em conta-poupança, observado o limite do art. 833, X, do CPC/2015.

A impetrante requereu a imediata devolução do valor de R$ 11.000,00 (onze mil reais) alusivos ao remanescente da aplicação de renda fixa.

O desembargador relator assim se manifestou:

Cuida-se de mandado de segurança em que houve deferimento parcial do pedido liminar, liberando-se a conta salário da impetrante.

Em cumprimento à determinação judicial, a autoridade coatora manteve a constrição de valores constantes em carteira de ativos de renda fixa (BB Agronegócio), no importe de R$ 11.000,00.

A execução atingiu os bens do cônjuge do executado, consignando a decisão liminar que "considerando que o ordenamento jurídico autoriza medida executiva em face do cônjuge do devedor, porém resguarda os proventos de seu trabalho, defere-se em parte o pedido liminar determinando o desbloqueio da conta-salário, porém mantendo-se a constrição incidente sobre ativos financeiros aplicados em conta-poupança, observado o limite do art. 833, X, do CPC/2015".

Todavia, o valor aplicado em fundo de investimento não constitui parcela de caráter alimentar, tampouco se submete à regra da impenhorabilidade prevista no CPC/2015, art. 833.

Ao contrário, figura como primeira no rol de gradação da penhora estabelecida no art. 835 do CPC/2015:

"Art. 835. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem: I - dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira;"

Desta feita, cumprida integralmente a decisão liminar, indefere-se o pedido de desbloqueio de valores localizados em fundo de investimentos.

A impetrante interpôs agravo regimental, ao qual foi negado provimento. Na oportunidade, consignou o Colegiado de origem:

Trata-se de agravo regimental interposto em face da decisão que não acolheu a alegação de descumprimento de tutela de urgência e consequente desbloqueio de todo o valor constrito.

A ação mandamental objetiva o desbloqueio de todos os ativos financeiros localizados em conta bancária da impetrante.

Em 21/3/2017, este relator deferiu em parte o pedido liminar determinando o desbloqueio da conta-salário, mas permanecendo a constrição sobre conta-poupança, observado o limite do art. 833, X, do CPC/2015.

Eis a tutela deferida em sede mandamental:

(...)

A decisão foi publicada no DeJT de 28/3/2017.

Em seguida, a impetrante peticiona alegando descumprimento integral da decisão, uma vez que não houve desbloqueio dos valores localizados em carteira de ativos de renda fixa (BB Agronegócio).

Analisando a petição, este relator consignou que a tutela foi parcialmente concedida e em face disso rejeitou o pedido de desbloqueio integral de todos os ativos financeiros.

Consta da segunda decisão adotada na ação mandamental:

(...)

A decisão foi disponibilizada no DeJT de 3/5/2017 e o agravo regimental foi oposto em 12/5/2017.

Em suas razões, alega a agravante que impetrou o mandado de segurança pretendendo a liberação de sua conta-salário, inclusive dos valores investidos em aplicação financeira porque decorrentes de sua remuneração.

Acrescenta que, em tutela de urgência, o relator deferiu em parte sua pretensão, desbloqueando a conta-salário mas mantendo a constrição sobre a conta-poupança.

Informa que, como não houve a liberação total, peticionou noticiando o descumprimento da liminar e requerendo o desbloqueio de todos os valores constritos, inclusive os localizados em aplicação financeira.

Sustenta que não importa a nomenclatura do investimento, uma vez que todas as quantias originam-se do salário da agravante.

Requer assim o provimento do agravo regimental a fim de que a determinação de desbloqueio seja estendida ao importe de R$ 11.000,00, aplicados em cédula de Agronegócio-LCA.

Confirma-se a decisão agravada, sem retratação por este relator.

Agravo regimental desprovido. (grifos no original)

O Tribunal Regional do Trabalho da 22ª Região, por maioria, concedeu parcialmente a segurança, nos seguintes termos:

O mandado de segurança é remédio admissível contra atos estatais que lesarem ou ameaçarem direitos líquidos e certos (Lei nº 12.016/2009 - LMS, art. 1º).

Como decisão judicial enquadra-se no conceito de ato estatal, é cabível, em tese, a impetração, salvo contra "decisão judicial transitada em julgado" e "decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo" (LMS, art. 5º, III e II).

A ação mandamental foi impetrada por parte regularmente representada (id. e34fc24), no prazo decadencial (id. 5e5d053)

O objeto do mandamus consiste no desbloqueio da conta bancária do cônjuge do executado.

Consta do ato coator:

Vistos etc.

Defere-se o pedido formulado pelo exequente em sua petição de fls. 435/435 por entender ser possível a penhora de bens do cônjuge do executado, ante a presunção de que as dívidas contraídas por um dos cônjuges tenham resultado em benefício para o casal, cabendo a parte que se achar prejudicada com a penhora provar o contrário. Ademais, a presente execução já se arrasta desde 1998, não obstante reiteras tentativas de penhora de bens do devedor, todas infrutíferas. Assim, providências pela Secretaria de Bacenjud, Renajud e Infojud visando a localização de bens da Sra. Francisca das Chagas de Oliveira Portela Leite (CPF: 727.591.943-53), tantos quantos bastem para a garantia da execução.

A prova constituída informa a existência de processo executivo em que figuram como executados a Associação dos Pais de Alunos do Estado do Piauí e Francisco Antônio Leite, cuja obrigação totaliza R$ 146.430,38 (id. 5e5d053 - p. 8).

A autoridade coatora motivou o ato nas várias tentativas infrutíferas de constrição de bens do executado, bem como na presunção de que as dívidas contraídas por um dos cônjuges resultaram em benefício para o casal.

Sobre a penhora de salários para fins de quitação de dívida trabalhista, este magistrado posiciona-se no sentido de que a regra da impenhorabilidade de salário, prevista no art. 833, I, do CPC/2015, sofre exceção quando se tratar de crédito trabalhista.

Isso porque o termo "prestação alimentícia", de que trata o art. 833, § 2º, do CPC/2015, deve ser visto na perspectiva de uma interpretação ampliativa, objetivando assegurar a tutela judicial efetiva, corolário da garantia da inafastabilidade da jurisdição (CF, art. 5º, XXXV).

Essa orientação justifica a penhora de salários e de numerário em conta bancária para satisfação do crédito trabalhista em razão de sua natureza alimentar, desde que compatibilizada a constrição com a necessidade de assegurar a subsistência do devedor.

Todavia, na hipótese em análise, a constrição atingiu os proventos da impetrante, cônjuge do executado, sendo penhorado todos os ativos financeiros localizados em sua conta bancária.

O primeiro aspecto a ser ponderado diz respeito ao limite da responsabilidade patrimonial do cônjuge, a fim de identificar quais os bens sujeitos à medidas executivas.

Da leitura da peça mandamus, constata-se que a impetrante é casada em regime de comunhão parcial de bens (p. 9), bem como que o juízo da execução adotou várias medidas na tentativa de cumprir a obrigação, inclusive com bloqueio de salários do executado, porém infrutíferas, por força de decisão judicial.

O art. 790, IV, do CPC/2015 estabelece que são sujeitos à execução os bens do cônjuge ou companheiro, nos casos em que seus bens próprios ou de sua meação respondem pela dívida.

Assim, o dispositivo amplia a responsabilidade patrimonial para incluir no processo executivo pessoas não contempladas no título judicial.

Dessa forma, concluindo-se pela responsabilidade do cônjuge, cumpre examinar seus limites, conforme a própria norma processual determina.

Na hipótese, a impetrante afirma que é casada com o executado sob o regime de comunhão parcial de bens.

O art. 1.658 do Código Civil estabelece que "no regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com as exceções dos artigos seguintes".

O art. 1.664 dispõe que "os bens da comunhão respondem pelas obrigações contraídas pelo marido ou pela mulher para atender aos encargos da família, às despesas de administração e às decorrentes de imposição legal".

Por seu turno, o art. 1.659 excepciona os bens que não se comunicam no regime de comunhão parcial.

O inciso VI do art. 1.659 disciplina que são excluídos da comunhão "os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge’.

Nesse sentido, é que o art. 674, I, CPC/2015, considera terceiro, para fins de oposição de embargos, "o cônjuge ou companheiro, quando defende a posse de bens próprios ou de sua meação, ressalvado o disposto no art. 843".

No caso, infrutíferas as tentativas de localização de bens do executado, a constrição judicial recaiu sobre ativos financeiros do cônjuge, casado em regime de comunhão parcial de bens.

Com efeito, em exame aos extratos bancários, constata-se que na conta corrente da impetrante consta depósito mensal de seus proventos, tratando-se efetivamente de conta-salário.

Entretanto, o bloqueio também atingiu ativos financeiros aplicados em sua conta-poupança.

Nessa situação, o ordenamento jurídico autoriza medida executiva em face do cônjuge do devedor, porém resguarda os proventos de seu trabalho.

Demonstrado que o bloqueio atingiu a conta-salário e aplicações em poupança, concede-se em parte a segurança para determinar o desbloqueio da conta-salário da impetrante, mantendo-se a constrição incidente sobre ativos financeiros aplicados em conta-poupança, observado o limite de quarenta salários mínimos (art. 833, X, do CPC/2015).

Segurança parcialmente concedida.

ISTO POSTO

ACORDAM os Exmos. Srs. Desembargadores do E. Tribunal Pleno do Tribunal Regional do Trabalho da 22ª Região, por unanimidade, admitir a ação mandamental e, no mérito, por maioria, conceder em parte a segurança para determinar o desbloqueio da conta-salário da impetrante, mantendo-se a constrição incidente sobre ativos financeiros aplicados em conta-poupança, observado o limite de quarenta salários mínimos (art. 833, X, do CPC/2015). Sem custas. Vencidos os Exmos. Srs. Desembargadores Wellington Jim Boavista, Fausto Lustosa Neto e Liana Chaib, que concediam totalmente a segurança pleiteada. Proferiu o voto de desempate o Exmo. Sr. Desembargador Manoel Edilson Cardoso (no exercício da Presidência). (grifos no original)

Nas razões do recurso ordinário, alega a impetrante, em síntese, que, na condição de cônjuge do executado, não integrou o polo passivo da lide e a execução não poderia ter sido direcionada contra si. Argumenta que não há prova inequívoca do aproveitamento econômico por parte do cônjuge executado, para que fossem bloqueados a conta salário e os ativos financeiros. Aduz que é ilegal a penhora sobre o valor da aplicação financeira em LCA, no importe de R$ 11.000,00 (onze mil reais). Afirma que não foi observado o limite de 40 (quarenta) salários mínimos, previsto em lei, para proteger a conta-poupança. Requer a procedência total do mandado de segurança, com a finalidade de determinar a liberação de todos os valores ainda bloqueados. Indica violação dos arts. 833, IV e X, do CPC de 2015, 1.659 e 1.663 do Código Civil.

Inicialmente, cumpre aferir se, na hipótese, é cabível o mandado de segurança impetrado para atacar ato proferido pelo Juízo o qual determinou a penhora de bens do cônjuge do executado, que culminou com o bloqueio de conta-salário, conta-poupança e ativos financeiros, visando garantir a execução trabalhista.

 O mandado de segurança foi impetrado na vigência da Lei 12.016/2009, que em seu art. 5º dispõe: "não se concederá mandado de segurança quando se tratar de decisão judicial da qual caiba recurso com efeito suspensivo".

Ao lado disso e com fulcro nesse dispositivo, a jurisprudência do TST (Orientação Jurisprudencial 92 da SBDI-2) e do Supremo Tribunal Federal (Súmula 267) firmou-se no sentido de que o mandado de segurança é cabível quando a parte se encontrar prestes a sofrer prejuízos irreparáveis, desde que não exista recurso próprio para lhe socorrer.

Todavia, esse rigor tem sido mitigado para os casos em que possa resultar grave lesão à parte ao se aguardar o prosseguimento da controvérsia pela via ordinária, aliada à teratologia do ato praticado pela autoridade coatora.

Em razão disso, no caso, reputa-se cabível o mandado de segurança.

De outra parte, verifica-se que o ato impugnado, o qual determinou a penhora de conta-salário, conta-poupança e aplicação financeira do cônjuge do executado, foi proferido em 6/3/2017, na vigência do CPC de 2015.

Dispõe o art. 833, IV e X, e § 2º, do CPC de 2015:

Art. 833. São impenhoráveis:

(...)

IV - os vencimentos, os subsídios, os soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as pensões, os pecúlios e os montepios; bem como as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, ressalvado o § 2º.

(...)

X - a quantia depositada em caderneta de poupança, até o limite de 40 (quarenta) salários-mínimos;

(...)

§ 2º O disposto nos incisos IV e X do caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição observar o disposto no art. 528, § 8º, e no art. 529, § 3º. (grifos nossos)

O Tribunal Pleno desta Corte, em respeito às alterações introduzidas pelo CPC de 2015, deu nova redação à Orientação Jurisprudencial 153 da SBDI-2, que assim dispõe:

MANDADO DE SEGURANÇA. EXECUÇÃO. ORDEM DE PENHORA SOBRE VALORES EXISTENTES EM CONTA SALÁRIO. ART. 649, IV, DO CPC DE 1973. ILEGALIDADE. (atualizada em decorrência do CPC de 2015) - Res. 220/2017, DEJT divulgado em 21, 22 e 25.09.2017

Ofende direito líquido e certo decisão que determina o bloqueio de numerário existente em conta salário, para satisfação de crédito trabalhista, ainda que seja limitado a determinado percentual dos valores recebidos ou a valor revertido para fundo de aplicação ou poupança, visto que o art. 649, IV, do CPC de 1973 contém norma imperativa que não admite interpretação ampliativa, sendo a exceção prevista no art. 649, § 2º, do CPC de 1973 espécie e não gênero de crédito de natureza alimentícia, não englobando o crédito trabalhista.  (grifos nossos)

Em sendo assim, a diretriz da Orientação Jurisprudencial 153 da SBDI-2, em sua atual redação, aplica-se tão somente às penhoras realizadas em data em que ainda vigente o CPC de 1973, que não é a hipótese em debate.

Entretanto, há de se observar que, embora o art. 833, § 2º, do CPC de 2015 possibilite a penhora de salário e de quantia depositada em poupança para fins de pagamento de prestação alimentícia, o caso em exame ostenta uma peculiaridade, a saber, a penhora recaiu sobre bens do cônjuge do executado, e, não, sobre os do próprio executado.

De acordo com os documentos acostados aos autos, o executado e a impetrante são casados em regime de comunhão parcial de bens.

O art. 1.658 do Código Civil dispõe que "no regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com as exceções dos artigos seguintes".

Já o art. 1.664 do Código Civil estabelece que "os bens da comunhão respondem pelas obrigações contraídas pelo marido ou pela mulher para atender aos encargos da família, às despesas de administração e às decorrentes de imposição legal".

E o art. 1.659, VI, do Código Civil excepciona os bens que não se comunicam do regime de comunhão parcial, dentre eles os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge.

Em assim sendo, a penhora não poderia ter recaído sobre a conta-salário do cônjuge do executado.

No tocante ao bloqueio em conta-poupança e em aplicação em renda fixa do tipo LCA, passa-se a adotar a fundamentação sufragada na sessão de julgamento pelo Ministro Douglas Alencar Rodrigues:

Sabemos que o processo de execução representa o "calcanhar de Aquiles" da jurisdição universal, na medida em que, muitas vezes, a expectativa de satisfação de um direito é frustrada, apesar de seu reconhecimento pelo Poder Judiciário, em razão da inviabilidade de obtenção de meios ou da impossibilidade de se alcançar o patrimônio do devedor.

O caso presente demonstra esse esforço que os Juízes do Trabalho devotam nessa atividade de tornar efetivos os comandos judiciais passados em julgado, mas o cenário fático que se desenhou nos autos da ação matriz sugere uma reflexão por parte deste Colegiado um pouco mais profunda.

A eminente Relatora nos apresenta um voto muito bem elaborado, propondo o conhecimento do recurso e o seu provimento parcial para excluir da penhora os valores que foram apreendidos na conta salário. Porém, o que aconteceu? Numa execução movida contra uma associação de pais e alunos, promoveu-se a desconsideração da personalidade jurídica e atingiu-se o patrimônio de um dos presidentes. É uma associação que possui natureza de cooperativa e que já foi até extinta. Atingiu-se o patrimônio deste senhor que foi presidente desta cooperativa. Só que o que aconteceu não foi suficiente, os valores alcançados para satisfazer a coisa julgada. Sobreveio, então, a penhora de valores mantidos em instituição bancária em nome da esposa desse ex-presidente da entidade executada.

A premissa que animou essa decisão foi a suposição de que teria havido proveito comum do casal em razão do exercício daquela atividade pelo presidente daquela cooperativa. A impetrante, que é esposa desse ex-presidente da entidade executada, impetrou esse mandado de segurança salientando absoluta incomunicabilidade dos seus bens e demonstrando, com prova documental fartíssima, consubstanciada em extratos bancários, que os valores que foram alvos da apreensão judicial têm origem nos seus rendimentos do trabalho exercido. Ela possui aplicações em caderneta de poupança, Ourocap e LCA, e os extratos demonstram que os valores eram transferidos a partir do recebimento das quantias recebidas na condição de empregada, eram valores oriundos do salário.

Poderíamos aqui divagar sobre o cabimento do mandado de segurança, e é uma divagação importante, porque, na condição de terceiro, essa senhora poderia embargar a execução, mas, o que aconteceu foi a opção pelo mandado de segurança, que foi regularmente julgado no âmbito do egrégio Regional da 22.ª Região. E sobrevém, então, o presente recurso ordinário. É um caso inusitado, atípico.

Examinando os autos, parece-me estar configurada a absoluta ilegalidade da apreensão dos valores oriundos do trabalho da impetrante. A presunção de que esses recursos teriam sido frutos obtidos em razão do exercício da atividade do cônjuge à frente da entidade executada é absolutamente destruída pela prova documental pré-constituída que foi apresentada. De sorte tal, parece-me que estamos diante de uma situação inusitada, poderíamos qualificá-la, com a máxima vênia ao Juízo condutor da execução, como teratológica para ensejar o cabimento da ação mandamental e consequente concessão da ordem. Com esses fundamentos, (...) considero violado o direito líquido e certo e impositivo, por isso, o provimento do recurso ordinário para determinar a liberação de todos os valores que foram ilegalmente apreendidos no curso da execução processada nos autos da ação matriz.

Diante do exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso ordinário, para conceder a segurança, a fim de liberar integralmente a penhora que recaiu sobre a conta-salário, conta poupança e aplicação em renda fixa do tipo LCA da impetrante.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Subseção II Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso ordinário e, no mérito, dar-lhe provimento para conceder a segurança, a fim de liberar integralmente a penhora que recaiu sobre a conta-salário, conta poupança e aplicação em renda fixa do tipo LCA da impetrante.

Brasília, 26 de março de 2019.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

DELAÍDE MIRANDA ARANTES

Ministra Relatora

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