Data da publicação:
Subseção I Especializada em Dissídios Individuais
Alexandre de Souza Agra Belmonte - TST
Execução. Bem de família. Penhora. Reconhecimento de ofensa constitucional. Possibilidade. É possível conhecer de recurso de revista, em fase de execução, por violação dos arts. 5º, XXII, e 6º, da CF, na hipótese de penhora de imóvel que fora caracterizado como bem de família, por ser o único destinado à residência e à moradia do executado, sem registro de outros de sua propriedade que sejam utilizados com o mesmo caráter de habitação. Não obstante o bem de família possa ser penhorado em determinadas circunstâncias, a regra primeira a ser observada é a de sua impenhorabilidade. Assim, a inobservância de tal garantia, ainda que contida em norma infraconstitucional, implica violação, por via direta, da proteção constitucional relativa aos bens jurídicos da família que se referem à vida, à dignidade humana, à moradia e à propriedade. Sob esses fundamentos, a SBDI-I decidiu, por maioria, conhecer do recurso de embargos, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, ainda por maioria, negou-lhe provimento para manter a decisão turmária que, vislumbrando violação dos art. 5º, XXII, e 6º, da CF, desconstituiu a penhora de bem imóvel e invalidou os atos posteriores dela decorrentes. Vencidos parcialmente no conhecimento e totalmente no mérito os Ministros João Oreste Dalazen e Brito Pereira. (TST-E-EDRR- 767-88.2011.5.01.0005, SBDI-I, rel. Min. Alexandre Agra Belmonte, 15.09.2017).
Resumo do voto.
Execução. Bem de família. Penhora. Reconhecimento de ofensa constitucional. Possibilidade. É possível conhecer de recurso de revista, em fase de execução, por violação dos arts. 5º, XXII, e 6º, da CF, na hipótese de penhora de imóvel que fora caracterizado como bem de família, por ser o único destinado à residência e à moradia do executado, sem registro de outros de sua propriedade que sejam utilizados com o mesmo caráter de habitação. Não obstante o bem de família possa ser penhorado em determinadas circunstâncias, a regra primeira a ser observada é a de sua impenhorabilidade. Assim, a inobservância de tal garantia, ainda que contida em norma infraconstitucional, implica violação, por via direta, da proteção constitucional relativa aos bens jurídicos da família que se referem à vida, à dignidade humana, à moradia e à propriedade. Sob esses fundamentos, a SBDI-I decidiu, por maioria, conhecer do recurso de embargos, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, ainda por maioria, negou-lhe provimento para manter a decisão turmária que, vislumbrando violação dos art. 5º, XXII, e 6º, da CF, desconstituiu a penhora de bem imóvel e invalidou os atos posteriores dela decorrentes. Vencidos parcialmente no conhecimento e totalmente no mérito os Ministros João Oreste Dalazen e Brito Pereira.
A C Ó R D Ã O
RECURSO DE EMBARGOS INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. EXECUÇÃO. BEM DE FAMÍLIA. DESCONSTITUIÇÃO DE PENHORA PELA C. TURMA. POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DE OFENSA CONSTITUCIONAL. INEXISTÊNCIA DE CONTRARIEDADE ÀS SÚMULAS 126, 266 E 297 DO TST. Discutem-se no presente caso as alegações de revolvimento de fatos e provas, ausência de prequestionamento e de possibilidade de se conhecer de recurso de revista em fase de execução por violação dos artigos 5º, XXII, e 6º, da Constituição Federal, na hipótese de penhora de imóvel alegado como bem de família. Há tese explícita sobre a matéria no acórdão regional que tratou extensamente sobre a caracterização/configuração ou prova da condição do bem penhorado como "de família" e, embora o TRT não tenha reconhecido tal condição, apresentou os elementos fáticos e jurídicos suficientes para a apreciação e o deslinde da matéria pela c. Turma, que em face deles conferiu o enquadramento jurídico que entendeu pertinente. Assim, não há falar em revolvimento de fatos e provas, nem em ausência de prequestionamento, não se verificando contrariedade às Súmulas 126 e 297 desta Corte. A c. Turma reconheceu a violação dos artigos 5º, XXII e 6º, da Constituição Federal, por entender inviável a constrição do único imóvel destinado à residência e à moradia do executado e sua família, sem registro de outros de sua propriedade que sejam utilizados com o mesmo caráter de habitação. A única tese do acórdão da Turma contrastada pelos arestos paradigmas diz respeito à possibilidade ou não de violação dos artigos 5º, XXII, e 6º da Constituição Federal, na hipótese de desconstituição de penhora por se reconhecer comprovado que o imóvel constrito é destinado à moradia familiar. As garantias de propriedade e moradia não se revelam absolutas e impõem em muitos casos a análise prévia de norma legal, a caracterizar ofensa reflexa de norma constitucional. Bem assim, o direito à moradia deve ser analisado casuisticamente e não se confunde com o direito de propriedade que pode sucumbir pela garantia de solvabilidade das dívidas com o patrimônio do devedor, pois o fato da propriedade de imóvel, só por isso, não protege o devedor contra suas dívidas. O bem de família desfruta de proteção especial a amparar o seu detentor, inclusive com a cláusula de função social da propriedade (art. 5º, XXIII, CF) e sob o manto também de especial proteção da família (art. 226 da CF), de modo a legitimar a intervenção nessa esfera peculiar do domínio privado somente nas hipóteses admitidas pelo ordenamento jurídico. A regra primeira a ser observada é a de que a impenhorabilidade do imóvel residencial instrumentaliza e satisfaz a proteção da família quanto à necessidade material de moradia. Esta traduz, sempre numa primeira perspectiva, a garantia de subsistência individual e familiar, dá resguardo à dignidade da pessoa humana e concretiza o direito material social assegurado pelo mencionado artigo 6º, caput, da Constituição Federal. O direito à moradia é, portanto, a própria ratio legis desse dispositivo e a impenhorabilidade do imóvel destinado à residência ou habitação, embora nele não esteja expressa, dele decorre naturalmente como instrumento de proteção do indivíduo e de sua família. Assim, decorre da própria Constituição Federal a imposição de respeito à proteção à família, bem como a garantia de sua subsistência. Logo, diante de cada caso concreto, é perfeitamente viável se reconhecer ofensa aos artigos 5º, XXII e 6º, caput, da Constituição Federal, porque a inobservância dessas garantias, ainda que contidas em norma infraconstitucional, implica violação por via direta da proteção constitucional aos bens jurídicos da família que se referem à vida, à dignidade humana, à propriedade e à moradia. Desse modo, não se constata contrariedade à Súmula 266 do TST, nem violação do artigo 896, § 2º, da CLT na decisão da c. Turma que reconheceu ofensa a esses dispositivos constitucionais. Recurso de embargos conhecido por divergência jurisprudencial e desprovido. (TST-E-EDRR-767-88.2011.5.01.0005, SBDI-I, rel. Min. Alexandre Agra Belmonte, 15.09.2017).
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Embargos em Embargos de Declaração em Recurso de Revista n° TST-E-ED-RR-767-88.2011.5.01.0005, em que é Embargante SEC CONSULTORIA LTDA. e são Embargados ANTÔNIO MATIAS DA SILVA, RAMON RODRIGUES CRESPO, THRILLER RESTAURANTE BAR E BOITE LTDA., FRANCISCO RECAREY VILAR, PEDRO GONZALES MENDEZ, MÁRCIO GUIMARÃES CARDOSO, RICARDO MOREIRA DE SOUZA e VERA MARIA DE ALMEIDA RECAREY.
Por meio da decisão às fls. 610/628, complementada às fls. 643-646, a 1ª Turma conheceu e deu provimento ao recurso de revista interposto pela terceira embargante, Vera Maria de Almeida Recarey, quanto ao bem de família, por violação dos artigos 5º, XXII, e 6º, da Constituição Federal, para desconstituir e invalidar a penhora e os atos posteriores decorrentes.
Inconformada, a SEC interpõe recurso de embargos. Afirma que a decisão recorrida incorreu em análise de matéria jurídica infraconstitucional, não houve prequestionamento da matéria constitucional relacionada à proteção do bem de família, e a Primeira Turma revolveu o conjunto fático-probatório para extrair a conclusão alcançada. Aponta contrariedade às Súmulas 126, 266 e 297 do TST. Transcreve arestos para confronto de teses.
O recurso de embargos foi admitido por caracterizada a divergência jurisprudencial, nos termos do artigo 894, II, da CLT.
Foi apresentada impugnação.
Dispensada a remessa dos autos ao d. Ministério Público do Trabalho.
É o relatório.
V O T O
O recurso é tempestivo. O acórdão prolatado em sede de embargos de declaração foi publicado em 22/5/2015, sexta-feira (fl. 647), e as razões recursais protocolizadas em 1º/6/2015, segunda-feira (fl. 733). Regular a representação processual (fls. 323 e 597). A recorrente não foi condenada em custas processuais.
1 – CONHECIMENTO
1.1 – EXECUÇÃO - DESCONSTITUIÇÃO DE PENHORA - BEM DE FAMÍLIA - POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DE OFENSA CONSTITUCIONAL
A e. 1ª Turma assim decidiu:
2.2. BEM DE FAMÍLIA. CARACTERIZAÇÃO. IMPENHORABILIDADE.
Quanto ao tema, eis os termos registrados no acórdão recorrido:
‘DA ALEGAÇÃO DE BEM DE FAMÍLIA
A recorrente alega que hipótese seria de bem de família, pois seria ‘o único onde a embargante pode residir’ (fl. 105), de acordo com o art. 50 da Lei n° 8.009/90.
A Lei especial n° 8.009/90, diploma que trata da impenhorabilidade do bem de família, assim dispõe em seu art. 1º:
‘Art. 1° O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietárias e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei’.
Da intelecção do dispositivo em tela tem-se que a impenhorabilidade é consectário da natureza residencial do imóvel, natureza essa, portanto, que advém de uma destinação efetiva, em concreto, a ele atribuída por seus ocupantes. Nessa ótica, o bem de família pode ser conceituado como aquele utilizado como residência pela unidade familiar; e, em linhas gerais, impenhorável é o imóvel utilizado como residência pelo casal ou pela entidade familiar.
O diploma especial da Lei n° 8.009/90, que não foi revogado pela lei geral do Código Civil de 2002 (Lei n° 10.406/2002) não exige, em regra, nenhuma formalidade para que se reconheça a condição de bem de família, é bem verdade.
Contenta-se o legislador com o requisito da utilização residencial do imóvel, não cogitando da necessidade de registro, como bem de família, no competente Cartório de Registro de Imóveis.
A proteção especial da moradia, no entanto, não é absoluta, e tem exceção prevista na mesma Lei n° 8.009/90, em seu art. 50, in verbis:
‘Art. 50 Para os efeitos de impenhorabilidade, de que trata esta lei, considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente.
Parágrafo único. Na hipótese de o casal, ou entidade familiar, ser possuidor de vários imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, salvo se outro tiver sido registrado, para esse fim, no Registro de Imóveis e na forma do art. 70 do Código Civil.’
Assim é que a pluralidade de imóveis passíveis de utilização como residência implica o estreitamento do escopo da impenhorabilidade, que recairá, como diz a Lei, em tal hipótese, sobre o imóvel de menor valor. Tem-se, aí, exceção à impenhorabilidade do bem de família. A penhora do bem de família, assim, é permitida quando o casal ou entidade familiar possuir, e puder utilizar, mais de um imóvel como residência. Nessa exceção, contudo, incide regra geral de que admitir-se-á a penhora do imóvel de menor valor. Qual seria, porém, a ‘exceção dentro da exceção’? A ‘exceção da exceção’ consistiria exatamente na possibilidade de ser considerado impenhorável imóvel que não aquele de menor valor. Essa é a inteligência da parte final do § único do art. 5º da Lei n° 8.009/90. O que a lei exige, então, nessa hipótese? Sim, nesse caso, e somente nesse caso, exige a norma que o imóvel de maior valor tenha sido registrado como bem de família ‘no Registro de Imóveis e na forma do art. 70 do Código Civil’.
A exigência do registro a que se refere § único do art. 5º da Lei n° 8.009/90, como exceção que é a impenhorabilidade de bem de família de maior valor, não alcança, por óbvio, o requisito da configuração do bem de família previsto no art. 1º da referida Lei.
Feitas tais considerações, detenho-me no conjunto probatório dos autos.
Em que pese a afirmação feita às fls. 103 do Agravo, constato que não há prova alguma de que o bem seja ‘de família’. Meros comprovantes de residência, vale frisar, não se prestam à finalidade almejada pela Agravante. Os documentos de fls. 37/78 servem como comprovantes da residência, sim, mas não de que o bem em questão seja o ‘único’ da Agravante, na forma exigida no art. 5º da Lei n° 8.009/90.
Não há elementos nos autos que permitam a conclusão de que a Agravante e seu marido, ou a entidade familiar, possuam um único imóvel, passível de utilização como residência. Muito pelo contrário.
De fato, nem mesmo cuidou a Agravante de trazer aos autos as cópias de suas declarações de imposto de renda, diversamente do que afirma às fls. 103.
Na verdade, a Agravante não alega que é possuidora de um único bem; limita-se a afirmar que o bem constrito ‘é o único onde a embargante pode residir’ (fl. 04), e sequer prova esta última alegação. A Agravante, implicitamente, admite que é possuidora de outros bens.
Em síntese, da exegese do art. 5º da Lei n° 8.009/90 resulta que a utilização do imóvel como residência, per se, não constitui óbice intransponível à penhorabilidade do bem, quando não provada a sua singularidade - como é o caso - entendimento que se adota, com muito mais razão, quando a Agravante admite a propriedade de bens outros.
Não se pode desperceber, por outro lado, que as informações contidas em declarações de Imposto de Renda, por produzidas unilateralmente que são, estão longe de se revestirem de presunção absoluta de veracidade, quanto ao efetivo patrimônio do declarante.
A prova da inexistência da titularidade de bens imóveis se faz pelas competentes certidões emitidas pelo 5º e 6º Ofícios do Registro de Distribuição da Comarca da Capital, por força da Lei n 8.935/94, o que não foi atendido na hipótese.
Por fim, quanto ao requerimento de que seja preservada a sua meação, este também não prospera.
Segundo o documento de fl. 19, a Agravante contraiu matrimônio com o executado, em maio de 1971, sob o regime de comunhão universal de bens. Dispõe o Código Civil de 2002, em seu art. 2.039, que ‘o regime de bens nos casamentos celebrados na vigência do Código Civil anterior, Lei n.° 3071, de 1º de janeiro de 1916, é o por ele estabelecido’. Já o art. 262 do Código de 1916, reproduzido, na íntegra, pelo art. integralmente 1.667 do diploma atual, assim preceitua:
‘Art. 262. O regime da comunhão universal importa a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas, com as exceções dos artigos seguintes.’
Desse modo, comunicam-se os bens, presentes e futuros, assim como as dívidas, não se aplicando à hipótese as exceções de que trata o artigo 263 do extinto Código. A meação da Agravante, portanto, responde pela execução.
Em suma, por todo o arrazoado, nego provimento ao Agravo.
Opostos embargos de declaração, o Colegiado a quo registrou que,
no que se refere à questão do bem de família, o que se considera como necessário e suficiente à sua caracterização está adredemente enunciado no Acórdão. E nessa moldura, por óbvio, não se inclui o tempo de residência que se possa estabelecer no imóvel, não bastasse que a prova dos autos é robusta no sentido da pluralidade de bens pela Embargante.
Nas razões do recurso de revista, a terceira embargante alega que "o imóvel penhorado e arrematado em leilão é o único onde a recorrente e sua família podem residir, uma vez que conforme o próprio v. Acórdão a quo cita a recorrente possui apenas porcentagens de terrenos e de bem imóvel comercial, o que se comprova pela análise das declarações de renda". Afirma que a "recorrente e sua família residem no referido imóvel há pelo menos 30 anos, conforme demonstra a farta documentação acostada aos autos". Sustenta que "o imóvel penhorado, situado na Avenida Vieira Souto 328/301, é o imóvel residencial único do recorrente, no qual reside com sua família há mais de 30 anos, configurando-se como bem de família, motivo pelo qual o referido imóvel é impenhorável". Aponta violação dos arts. 5º, XXII, e 6º da Constituição Federal e 1º da Lei 8.0009/90. Colaciona arestos.
Ao exame.
É certo que o princípio da efetividade da prestação jurisdicional determina a satisfação da decisão judicial trabalhista em sua integralidade, respondendo o devedor pelo débito da coisa julgada na forma da expropriação de seus bens (no caso de execução por quantia certa contra devedor solvente). A execução da sentença se faz integralmente voltada ao interesse do credor trabalhista, detentor de crédito de natureza alimentar.
Entretanto, não estão sujeitos à execução os bens que a lei considera impenhoráveis ou inalienáveis, em resguardo a determinadas situações em que a dignidade da pessoa humana poderia ser afrontada justamente pela continuidade da execução, gerando, assim, um encargo social muito maior do que o não pagamento da dívida.
É o caso da proteção do bem de família, assim considerado aquele destinado à moradia do devedor e de sua família, segundo o disposto no artigo 1º da Lei n.º 8.009/90, verbis:
"O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar é impenhorável por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei".
A norma em questão visa, precipuamente, proteger o imóvel familiar e os bens que lá se encontram, resguardando a dignidade dos membros da família.
E, de acordo com o disposto no art. 5º da Lei 8009/90, "para os efeitos de impenhorabilidade, de que trata esta Lei, considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente". Portanto, o imóvel protegido pela impenhorabilidade em questão é aquele que se destina à moradia da família.
No caso dos autos, a penhora recaiu sobre imóvel no qual residem a terceira embargante, esposa do executado, e sua família, consoante se depreende dos seguintes excertos do acórdão regional: a recorrente alega que "a hipótese seria de bem de família, pois seria o único imóvel onde pode residir"; "os documentos de fls. 37/78 servem como comprovantes de residência, sim"; e "a utilização do imóvel como residência, per se, não constitui óbice intransponível à penhorabilidade do bem, quando não provada a sua singularidade - como é o caso". Trata-se, portanto, o imóvel penhorado, de um bem de família, nos exatos termos da lei, sendo forçoso concluir pela sua impenhorabilidade.
Acresça-se que é irrelevante para fins da impenhorabilidade prevista na Lei 8.009/90 o fato de o executado eventualmente possuir outros bens imóveis (estes sim poderão eventualmente ser objeto de constrição judicial). Com efeito, o fato de o imóvel ser utilizado para habitação do executado e de sua família é o bastante para assegurar a garantia da impenhorabilidade preconizada pela Lei 8.009/90.
Nesse sentido, rememoro precedentes deste Tribunal:
(...)
Na mesma linha já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, verbis:
(...)
Registre-se, por fim, que, a teor do art. 5º, parágrafo único, da Lei 8.009/1990, "na hipótese de o casal, ou entidade familiar, ser possuidor de vários imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, salvo se outro tiver sido registrado, para esse fim, no Registro de Imóveis".
Depreende-se, assim, da leitura do dispositivo transcrito, que só haverá necessidade de constituição voluntária de um bem de família, mediante registro no Cartório de Registro de Imóveis, nas hipóteses em que o casal, ou entidade familiar, utilizar mais de um imóvel de sua propriedade como moradia, ou seja, na hipótese de pluralidade de residências.
Acerca do art. 5º da Lei 8.009/90, Álvaro Villaça Azevedo leciona que "o dispositivo analisado deixa claro que os efeitos da impenhorabilidade beneficiam somente um imóvel, desde que utilizado como moradia permanente do casal ou da entidade familiar. O examinado artigo justifica-se, com essa reprise de entendimento, porque quis o legislador enfrentar, em seu parágrafo único, a questão da pluralidade de domicílios ou residências, admitida pelo art. 71 do Código Civil, verbis: ‘Se, porém, a pessoa natural tiver diversas residências, onde, alternadamente, viva, considerar-se-á domicílio seu qualquer delas’. Para efeito de proteção, como bem de família, entretanto, estabelece o legislador de emergência, no parágrafo único do art. 5º sob cogitação, que, possuindo o casal ou entidade familiar vários imóveis, utilizados como residência ou como domicílio, o benefício de isenção de penhora recairá, tão somente, sobre o imóvel de menor valor, a não ser que, voluntariamente, tenha sido criado bem de família, sob o modelo do art. 1.711 do Código Civil, com a observância, então, de todas as formalidades exigidas legalmente para a existência do mesmo. Aí, então, este será o bem de família imobiliário e voluntário, deixando consequentemente de existir o instituído pela Lei 8.009/90" (Bem de Família. São Paulo: Atlas, 2010, p. 226, destaquei).
Sobre o mesmo dispositivo – art. 5º, parágrafo único, da Lei 8.009/90 -, Milton Paulo de Carvalho Filho afirma que "o bem de família legal foi instituído em nosso ordenamento pela Lei n. 8.009/90 e tem por objeto o imóvel, rural ou urbano, que constitui a morada da família, incluindo-se todos os móveis e pertences que o guarnecem. Esses bens são, por imposição legal, impenhoráveis, independentemente de ato de vontade dos integrantes da família. (...) O Código Civil, por sua vez, disciplina o bem de família voluntário, aquele cuja destinação decorre da vontade do seu instituidor, integrante da própria família, visando à proteção do patrimônio contra dívidas. (...) Com a previsão do bem de família legal, o bem de família voluntário terá lugar somente no caso de a entidade familiar possuir mais de um bem imóvel utilizado para sua residência e não pretender que a regra da impenhorabilidade recaia sobre aquele de menor valor (art. 5º, parágrafo único, da Lei n. 8.009/90)" (PELUZO, Cezar (coord.). Código Civil Comentado. Barueri: Manole, 2014, pp. 1853-4).
E, na hipótese dos autos, não há notícia no acórdão recorrido, tampouco alegação das partes, acerca de eventual utilização pela entidade familiar da terceira embargante de outro bem imóvel, além daquele ora penhorado, como residência, sendo inaplicáveis, portanto, as disposições contidas no art. 5º, parágrafo único, da Lei 8.009/90.
Nesse sentido, transcrevo decisões deste Tribunal:
(...)
Nesse contexto, o Tribunal de origem, ao negar provimento ao agravo de petição da terceira embargante, declarando subsistente a penhora, não obstante restar comprovado que o imóvel é destinado à moradia familiar, violou os arts. 5º, XXII, e 6º da Carta Magna.
Conheço do recurso, por violação dos arts. 5º, XXII, e 6º da Lei Maior.
II – MÉRITO
BEM DE FAMÍLIA. CARACTERIZAÇÃO. IMPENHORABILIDADE.
Conhecido o recurso de revista, por violação dos arts. 5º, XXII, e 6º da Carta Magna, dou-lhe provimento para desconstituir a penhora sobre o bem imóvel descrito no Auto de Penhora da fl. 38, invalidando os atos posteriores dela decorrentes. Prejudicado o exame dos temas remanescentes, quais sejam, "do valor depositado – satisfação do crédito – direito à remição"; "da execução pelo meio menos oneroso ao devedor"; "do preço vil" e "das nulidades por falta de citação da recorrente e do fiel depositário".
Recurso de revista provido. (Grifamos e destacamos)
Ao responder os embargos de declaração, complementou:
Contra o acórdão das fls. 610-28, pelo qual esta Primeira Turma deu provimento ao recurso de revista da terceira embargante, para desconstituir a penhora sobre o imóvel descrito no Auto de Penhora da fl. 38, invalidando os atos posteriores dela decorrentes, opõe embargos de declaração (fls. 630-8) a arrematante do referido bem (SEC CONSULTORIA LTDA.). Com amparo nos arts. 535 do CPC e 897-A da CLT, reputa omisso o julgado acerca: (i) da incidência do art. 896, § 2º, da CLT e aplicação da Súmula 266 do TST, pois "o reconhecimento da condição de bem de família resultou da análise e interpretação da legislação infraconstitucional, em especial arts. 1º e 5º da Lei 8.009/90"; (ii) da necessidade de manifestação do Tribunal Regional acerca do entendimento contido nos arts. 5º, XXII, e 6º, caput, da Constituição Federal, sob pena de preclusão, nos moldes da Súmula 297 do TST; (iii) de "não ter sido provada a condição de bem de família do imóvel arrematado" "e se qualquer conclusão diversa não importaria em contrariedade à Súmula 126 do TST"; e (iv) das razões pelas quais o Colegiado Turmário entendeu pela violação dos arts. 5º, XXII, e 6º, caput, da Constituição Federal, "uma vez que contou do acórdão do Tribunal Regional" "que ‘a agravante, implicitamente, admite que é possuidora de outros bens’". Requer seja sanada a contradição existente no acórdão embargado, entre a afirmação nele contida, "de que ‘A execução da sentença se faz integralmente voltada ao interesse do credor trabalhista, detentor de crédito de natureza alimentar’", e a conclusão "pelo reconhecimento do imóvel constrito como bem de família", "mesmo tendo sido comprovado que a executada possuía inúmeros outros imóveis", bem como esclarecido "se mesmo tendo a executada outros bens passíveis de residir o caráter alimentar do crédito" "não se sobreporia ao direito de propriedade.
Ao exame.
Restou consignado no acórdão embargado que "o Tribunal de origem, ao negar provimento ao agravo de petição da terceira embargante, declarando subsistente a penhora, não obstante restar comprovado que o imóvel é destinado à moradia familiar, violou os arts. 5º, XXII, e 6º da Carta Magna". Depreende-se, assim, do excerto transcrito, que o entendimento desta Primeira Turma é no sentido de que a questão relativa à caracterização do bem de família – sobre a qual há tese explícita na decisão regional – está situada na esfera constitucional, não havendo falar, assim, em omissão concernente à incidência do art. 896, § 2º, da CLT e à aplicação das Súmulas 266 e 297 do TST.
Noutro giro, este Colegiado concluiu que as premissas retratadas no acórdão recorrido, quais sejam, que "os documentos de fls. 37/78 servem como comprovantes de residência" e que "a utilização do imóvel como residência, per se, não constitui óbice intransponível à penhorabilidade do bem, quando não provada a sua singularidade - como é o caso", são suficientes a demonstrar que a penhora recaiu sobre imóvel no qual residem a terceira embargante e sua família, e, em decorrência, a caracterizar o apartamento penhorado como bem de família, sendo irrelevante para fins da impenhorabilidade prevista na Lei 8.009/90 o fato de o executado eventualmente possuir outros bens imóveis. Não há falar, assim, em omissão acerca da condição de bem de família do imóvel arrematado ou da incidência do art. 1º da Lei 8.009/90 nas hipóteses em que o executado possui outros bens imóveis, não sendo passível de exame a partir de embargos de declaração, cujas hipóteses de cabimento estão previstas nos arts. 897-A da CLT e 535 do CPC, as alegações no sentido de "não ter sido provada a condição de bem de família do imóvel arrematado" e de que "qualquer conclusão diversa não importaria em contrariedade à Súmula 126 do TST".
Por fim, está registrado na decisão embargada que "é certo que o princípio da efetividade da prestação jurisdicional determina a satisfação da decisão judicial trabalhista em sua integralidade, respondendo o devedor pelo débito da coisa julgada na forma da expropriação de seus bens (no caso de execução por quantia certa contra devedor solvente). A execução da sentença se faz integralmente voltada ao interesse do credor trabalhista, detentor de crédito de natureza alimentar. Entretanto, não estão sujeitos à execução os bens que a lei considera impenhoráveis ou inalienáveis, em resguardo a determinadas situações em que a dignidade da pessoa humana poderia ser afrontada justamente pela continuidade da execução, gerando, assim, um encargo social muito maior do que o não pagamento da dívida. É o caso da proteção do bem de família, assim considerado aquele destinado à moradia do devedor e de sua família". Claramente explicitado que, não obstante o caráter alimentar do crédito trabalhista, é inviável a penhora do imóvel no qual reside o devedor, não há vício a sanar no particular.
Acresça-se que a contradição que enseja oposição de embargos declaratórios é aquela que se constata entre a fundamentação e o dispositivo da própria decisão, não havida em absoluto na hipótese, à medida que coerente o decisum do acórdão embargado com os fundamentos nele expendidos.
Não se ressentindo, o acórdão embargado, dos vícios apontados nos embargos de declaração, constata-se apenas o inconformismo da parte com a decisão que lhe foi desfavorável, hipótese para a qual desserve a via eleita.
Embargos de declaração rejeitados.
Nas razões de embargos, a SEC alega, em síntese, a impossibilidade na hipótese de conhecimento do recurso de revista por violação reflexa da Constituição Federal.
Sustenta que a decisão recorrida incorreu em análise de matéria jurídica infraconstitucional; não houve prequestionamento da matéria constitucional relacionada à proteção do bem de família; e a 1ª Turma revolveu o conjunto fático probatório para extrair a conclusão alcançada.
Aponta contrariedade às Súmulas 126, 266 e 297 do TST e divergência jurisprudencial.
Vejamos.
Discutem-se no presente caso as alegações de revolvimento de fatos e provas, ausência de prequestionamento e a possibilidade de se conhecer de recurso de revista em fase de execução por violação dos artigos 5º, XXII, e 6º, da Constituição Federal, na hipótese de penhora de imóvel alegado como bem de família.
Por primeiro, há que se afastar a indicação de contrariedade à Súmula 126 do TST, tendo em vista o registro expresso no julgado embargado de que:
...foram utilizadas as premissas retratadas no acórdão recorrido, quais sejam, os documentos de fls. 37/78 servem como comprovantes de residência" e que "a utilização do imóvel como residência, per se, não constitui óbice intransponível à penhorabilidade do bem, quando não provada a sua singularidade - como é o caso", são suficientes a demonstrar que a penhora recaiu sobre imóvel no qual residem a terceira embargante e sua família, e, em decorrência, a caracterizar o apartamento penhorado como bem de família, sendo irrelevante para fins da impenhorabilidade prevista na Lei 8.009/90 o fato de o executado eventualmente possuir outros bens imóveis. (Grifamos)
No caso concreto, o acórdão regional tratou extensamente sobre a caracterização/configuração ou prova da condição do bem penhorado como "de família" e, embora não tenha reconhecido tal condição, apresentou os elementos fáticos e jurídicos suficientes para a apreciação e o deslinde da matéria pela c. Turma.
Não há, portanto, falar em revolvimento de fatos e provas, uma vez que a conclusão da Turma observou os elementos contidos na decisão regional e em face deles conferiu o enquadramento jurídico que entendeu pertinente.
Do mesmo modo, incólume a Súmula 297 desta Corte, porque observado o disposto no item I desse verbete e nas Orientações Jurisprudenciais 118 e 256 desta SBDI-1, no sentido de que para fins de prequestionamento há necessidade de tese explícita sobre a matéria e haja no acórdão regional, de maneira clara, elementos que levem à conclusão de que o Tribunal a quo adotou uma tese contrária à lei.
Superadas as alegações de revolvimento de fatos e provas e de ausência de prequestionamento, a questão remanescente diz respeito à necessidade de demonstração de ofensa direta e literal de norma constitucional para efeito de conhecimento de recurso de revista em fase de execução de sentença (artigo 896, § 2º, da CLT [Lei 9.756/98] e Súmula 266 do TST).
A tese do acórdão da 1ª Turma é a de que, não obstante restar comprovado que o imóvel é destinado à moradia familiar, a penhora do bem viola os artigos 5º, XXII, e 6º da Constituição Federal.
Os arestos às fls. 654 e 655/656, oriundos da 6ª e 3ª Turmas, publicados no DEJT, apresentam teses divergentes, no sentido de que a controvérsia relativa à penhora de bem de família envolve matéria infraconstitucional, sendo inviável o conhecimento por violação direta e literal dos arts. 5º, XXII, e 6º, da Constituição Federal:
(...) PENHORA. BEM DE FAMÍLIA NÃO PROVADO. A admissibilidade do recurso de revista em processo de execução depende de violação direta de dispositivo da Constituição Federal, nos termos do § 2º do art. 896 da CLT e da Súmula nº 266 do TST. Assim, é inviável a análise dos arestos colacionados. Quanto à alegada impenhorabilidade e à qualificação do imóvel como bem de família, o Tribunal Regional decidiu em consonância com a legislação infraconstitucional vigente aplicável ao caso (arts. 1º e 5º da Lei nº 8.009/90), e não há violação direta e literal dos dispositivos da Constituição Federal indicados (5º, XXII, e 6º da CF). O Tribunal Regional disse que "não restou comprovada de maneira robusta e inequívoca" a condição de bem de família do imóvel penhorado. Agravo de instrumento a que se nega provimento. (AIRR - 179800-71.1996.5.02.0252, Relatora Ministra: Kátia Magalhães Arruda, Data de Julgamento: 11/3/2015, 6ª Turma, DEJT 13/3/2015)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO. PENHORA. BEM DE FAMÍLIA. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. ARTIGO 896, § 2º, DA CLT. DESPROVIMENTO. Diante da ausência de violação dos dispositivos constitucionais invocados, não há como admitir o recurso de revista. Agravo de instrumento desprovido." (AIRR-174000-04.1999.5.02.0011, Relator Ministro: Aloysio Corrêa da Veiga, Data de Julgamento: 16/6/2014, 6ª Turma, DEJT 20/6/2014)
EXECUÇÃO. IMPENHORABILIDADE. BEM DE FAMÍLIA. Há que ser desprovido o Agravo de Instrumento para manter-se a decisão denegatória que deve subsistir por seus próprios fundamentos, assim atraindo denegar-se processamento ao Recurso de Revista, já que pretende rever questão que se exaure na interpretação de legislação infraconstitucional que regulamenta a matéria atinente ao bem de família, sem afrontar, de forma direta e literal, as disposições invocadas como fundamento para conhecimento deste recurso. Agravo de instrumento conhecido e desprovido. (AIRR-983-84.2013.5.09.0513, Relatora Des. Convocada: Vania Maria da Rocha Abensur, Data de Julgamento: 18/6/2014, 3ª Turma, DEJT 24/6/2014)
Ante o exposto, CONHEÇO do recurso de embargos.
2 – MÉRITO
Discute-se no presente caso a possibilidade de se conhecer de recurso de revista em fase de execução por violação dos artigos 5º, XXII, e 6º, da Constituição Federal, na hipótese de penhora de imóvel alegado como bem de família.
A c. Turma reconheceu a impossibilidade da constrição do único imóvel destinado à residência e à moradia do executado e sua família, sem registro de outros de sua propriedade que sejam utilizados com o mesmo caráter de habitação.
Não se cogita de má ou inadequada aplicação ou interpretação de normas legais ou constitucionais que implique por isso ofensa ao direito à moradia ou à subsistência da penhora.
A única tese do acórdão da Turma contrastada pelos arestos paradigmas diz respeito à desconstituição de penhora por se reconhecer comprovado que o imóvel constrito é destinado à moradia familiar e, nessa hipótese, à possibilidade de violação dos artigos 5º, XXII, e 6º da Constituição Federal, que assim dispõem:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXII - é garantido o direito de propriedade;
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
As garantias de propriedade e moradia não se revelem absolutas e impõem em muitos casos a análise prévia de norma legal, a caracterizar ofensa reflexa a norma constitucional.
Bem assim, o direito à moradia deve ser analisado casuisticamente, como, aliás, vinha decidindo o e. STF, que admitia a penhorabilidade do bem de família em situações como a do fiador (v.g., AgR-RE 53.825/RJ, DJe 27/2/2009) e daí não se confundir com o direito de propriedade que pode sucumbir pela garantia de solvabilidade das dívidas com o patrimônio do devedor, e, na hipótese citada, alavancar a discussão sobre o direito ao domínio (art. 5º, XXII, CF), pois o fato da propriedade de imóvel, só por isso, não protege o devedor contra suas dívidas. De toda forma, para dar reforço ao entendimento que será mantido neste feito, da impossibilidade da penhora, convém registrar que o STF reconheceu a repercussão geral do tema alusivo à constitucionalidade da penhora do bem de família do fiador, no RE 612.360/SP, acenando, assim, com a possibilidade da mudança de entendimento quanto à legalidade da penhora do bem de família do fiador.
Por outro lado, a penhora é ato inicial da execução, sujeita-se a modificações e pode resultar até em substituição de seu objeto.
Tanto no caso do direito social à moradia, como no de penhora para cumprimento de decisão judicial, o Estado pode definir-lhes o objeto e o conteúdo para o fim da concretização material de seus exercícios.
Daí admitir-se, por exemplo, a penhora do bem de família para pagamento de dívida em relação a empregado doméstico ou mesmo à ordem de preferência de bens passíveis de penhora.
É nessa ordem de ideias que José Eduardo Faria assinala que os direitos sociais não configuram direito de igualdade, baseado em regras de julgamento que impliquem tratamento uniforme, "são isto sim, um direito das preferências e das desigualdades, ou seja, um direito discriminatório com propósitos compensatórios" (Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça, apud Sarlet, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. 4ª ed.. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, in RE 407.688/SP, Plenário do STF, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ de 6/10/2006).
A sociedade brasileira é organizada de forma democrática, segundo valores de harmonia, e destinada a assegurar o exercício efetivo da realização dos direitos sociais.
Nesse contexto, o bem de família desfruta de proteção especial a amparar o seu detentor, inclusive com a cláusula de função social da propriedade (art. 5º, XXIII, CF) e sob o manto também de especial proteção da família (art. 226 da CF), de modo a legitimar a intervenção nessa esfera peculiar do domínio privado somente nas hipóteses admitidas pelo ordenamento jurídico.
Não obstante todos esses aspectos a determinarem a casuística com que deve ser apreciada a matéria, a regra primeira a ser observada é a de que a impenhorabilidade do imóvel residencial instrumentaliza e satisfaz a proteção da família quanto à necessidade material de moradia, a qual traduz, sempre numa primeira perspectiva, a garantia de subsistência individual e familiar, dá resguardo à dignidade da pessoa humana e concretiza o direito material social assegurado pelo mencionado artigo 6º, caput, da Constituição Federal.
O direito à moradia é, portanto, a própria ratio legis desse dispositivo e a impenhorabilidade do imóvel destinado à residência ou habitação, embora nele não esteja expressa, dele decorre naturalmente como instrumento de proteção do indivíduo e de sua família.
Assim, decorre da própria Constituição Federal a imposição de a sociedade em geral dever respeitar a proteção à família, bem como a garantia de sua subsistência mediante ações da coletividade e a obrigação do Estado de criar condições objetivas que possibilitem o efetivo acesso à moradia.
Ademais, numa ponderação de princípios, o que prevaleceria: o direito dos executados à moradia ou o direito do arrematante a obter o bem imóvel? Por óbvio que o direito à moradia tem preponderância, diante de todo o acervo constitucional de proteção à família.
Logo, diante de cada caso concreto, é perfeitamente viável se reconhecer ofensa aos artigos 5º, XXII e 6º, caput, da Constituição Federal, porque a inobservância dessas garantias, ainda que contidas em norma infraconstitucional, implica violação por via direta da proteção constitucional relativa aos bens jurídicos da família que se referem à vida, à dignidade humana, à moradia e à propriedade.
Portanto, não estando em discussão o acerto ou desacerto da decisão recorrida quanto ao mérito da desconstituição da penhora, mas tão somente se foi ou não atendido o pressuposto específico de admissibilidade do recurso de revista em fase de execução, não se constata contrariedade à Súmula 266 do TST, nem violação do artigo 896, § 2º, da CLT.
Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso de embargos.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, por maioria, vencidos parcialmente os Exmos. Ministros João Oreste Dalazen e João Batista Brito Pereira, conhecer do recurso de embargos, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, ainda por maioria, negar-lhe provimento, vencidos os Exmos. Ministros João Oreste Dalazen e João Batista Brito Pereira.
Brasília, 4 de maio de 2017.
Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)
ALEXANDRE AGRA BELMONTE
Ministro Relator
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