Data da publicação:
Órgão Especial
Maria Cristina Irigoyen Peduzzi - TST
Agravo interno. Pedido de suspensão de liminar e de sentença. Pessoa jurídica de direito privado integrante da Administração Pública Indireta. Ilegitimidade ativa por não resultar configurada atuação na defesa de interesse público primário, mas interesse meramente patrimonial.
Resumo do Voto.
Agravo interno. Pedido de suspensão de liminar e de sentença. Pessoa jurídica de direito privado integrante da Administração Pública Indireta. Ilegitimidade ativa por não resultar configurada atuação na defesa de interesse público primário, mas interesse meramente patrimonial.
Com fulcro na jurisprudência deste colendo Tribunal Superior do Trabalho e do egrégio Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que a legitimidade ativa de pessoa jurídica de direito privado integrante da Administração Pública Indireta para apresentar pedido de suspensão de liminar e de sentença restringe-se às hipóteses em que atua na defesa de interesse público primário, o Órgão Especial, por unanimidade, manteve a decisão agravada que reconheceu não configurada a legitimidade excepcional da requerente, uma vez que as alegações veiculadas pelo pedido de suspensão não evidenciam a necessidade de tutela da economia e da ordem públicas, mas sim estão relacionadas ao exercício de atividade econômica pela requerente, revelando a defesa de interesse estritamente patrimonial. Nesse contexto, resultou mantida a decisão que julgou extinto o processo sem resolução do mérito, com espeque no art. 485, VI, do CPC de 2015, por ilegitimidade ativa.
AGRAVO INTERNO – SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA – ILEGITIMIDADE ATIVA
1. A decisão agravada ampara-se na doutrina e na jurisprudência desta Corte e do Eg. STJ no sentido de que a legitimidade de pessoa jurídica de Direito Privado integrante da Administração Pública Indireta para apresentar medida de suspensão somente se configura quando atua na defesa de interesse público primário.
2. No presente caso, não restou configurada a legitimidade excepcional da Requerente, porquanto as alegações veiculadas pelo pedido de suspensão não evidenciam a necessidade de tutela da economia e da ordem públicas. Com efeito, são referidos eventos relacionados ao exercício de atividade econômica pela Requerente, revelando a defesa de interesse meramente patrimonial.
3. Assim, deve ser mantida a decisão que julgou extinto o processo sem resolução do mérito, com fundamento no art. 485, VI, do CPC/2015, por ilegitimidade ativa da Requerente.
Agravo a que se nega provimento. (TST-OESLS-1001214-86.2020.5.00.0000, Órgão Especial, rel. Min. Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, 19/8/2021).
Vistos, relatados e discutidos estes autos de SLS-1001214-86.2020.5.00.0000, em que é REQUERENTE PETROLEO BRASILEIRO S A PETROBRAS e é REQUERIDO Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região.
Trata-se de Agravo interposto por Petróleo Brasileiro S.A. – PETROBRAS contra decisão da Presidência desta Corte (ID. 9b91ef9), que julgou o processo extinto, sem resolução do mérito, com fundamento no art. 485, VI, do CPC/2015.
O D. Ministério Público do Trabalho foi intimado para emissão de parecer (ID. 91af01f).
É o relatório.
V O T O
I - CONHECIMENTO
Conheço do Agravo, porque é tempestivo (Id. a5ecd9e e ID. a75a58c) e tem representação regular (Id f3c012f).
II - MÉRITO
Eis os temos da decisão agravada, em que a Presidência desta Corte julgou extinto o processo sem resolução do mérito, por ilegitimidade ativa da Requerente, nos termos do 485, VI, do CPC/2015:
A PETRÓLEO BRASILEIRO S.A. – PETROBRAS apresenta, com fundamento nos arts. 4º da Lei nº 8.437/92 e 309 do RITST, pedido de suspensão de liminar proferida em Ação Civil Pública (processo nº 0100301-71.2020.5.01.0075) ajuizada por sindicatos profissionais.
Informa ter sido deferida liminar que impediu a alteração das condições de trabalho previstas em normas internas até que houvesse negociação coletiva (ID 1317140, p. 2). Alega ter impetrado Mandado de Segurança, que teve pedido liminar indeferido. Destaca ter apresentado pedido de suspensão de liminar à Presidência do Eg. TRT da 1ª Região, que indeferiu a contracautela em decisão mantida pelo colegiado no julgamento do Agravo Interno.
Sustenta que a decisão violou a ordem e a economia públicas.
Decido.
A medida postulada se fundamenta nos arts. 4º da Lei 8.437/1992, e 309 do RITST:
Art. 4° Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.
Art. 309. O Presidente, nos termos da lei, a requerimento do Ministério Público do Trabalho ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, poderá, por decisão fundamentada, suspender a execução de liminar ou a efetivação de tutela provisória de urgência ou da evidência concedida ou mantida pelos Tribunais Regionais do Trabalho nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes.
Quanto à legitimidade da sociedade de economia mista, não se desconhece que o Eg. TST admite a legitimidade excepcional de pessoas jurídicas de Direito Privado para postular medidas de contracautela, conforme decidido no TST-AgR-ED-SLAT-5151-29.2017.5.00.0000.
Contudo, a legitimidade não se evidencia pela mera natureza da Requerente de integrante da Administração Pública ou pela condição de existência de qualquer tipo de interesse público suscitado no pedido de suspensão.
Sob essa perspectiva, é importante ressaltar a diferença entre interesse público primário (inerente à coletividade) e interesse público secundário (referente ao patrimônio da pessoa jurídica).
Nesse sentido, cito a doutrina de Diogo de Figueiredo Moreira Neto:
(...) deve-se partir da ideia de que o interesse público primário é um conceito substantivo, definido a partir das necessidades, das aspirações, dos valores, dos anseios, das tendências e das opções gerados e manifestados numa sociedade, enquanto o interesse público derivado ou secundário é um conceito adjetivo, definido ou inferido a partir das necessidades organizativas e funcionais do Estado. (Curso de Direito Administrativo: parte introdutória, parte geral e parte especial, 16. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 613)
Quando a controvérsia envolve apenas interesses patrimoniais da empresa estatal, é inviável reconhecer sua legitimidade excepcional para apresentar pedido de suspensão, já que não se verifica atuação com o objetivo de tutelar a economia, a saúde, a ordem e a segurança públicas.
De acordo com o Eg. STJ, a legitimidade de pessoa jurídica de Direito Privado para apresentar medida de suspensão se configura apenas quando ela atua na defesa de interesse público primário:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SUSPENSÃO DE LIMINAR. LEGITIMIDADE DE PESSOA JURÍDICA DE INTERESSE PRIVADO PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO. INTERESSE PATRIMONIAL SUBJACENTE. TUTELA DO INTERESSE PÚBLICO. CONFIGURAÇÃO. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. ÓBICE DA SÚMULA 7/STJ. 1. Há legitimidade ativa das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público (empresas públicas, sociedades de economia mista, concessionárias e permissionárias de serviço público) para a propositura de pedido de suspensão, quando na defesa do interesse público primário. Precedentes: AgRg no AREsp 784.604/MG, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 25/5/2016; AgRg no AREsp 50.887/AM, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 12/2/2016. 2. No caso concreto, a Corte de origem concluiu que o interesse patrimonial subjacente da Companhia não obsta a tutela do interesse público. Portanto, rever tal entendimento demandaria o revolvimento de matéria fático-probatória, óbice da Súmula 7/STJ. 3. Agravo interno não provido. (AgInt no AREsp 916.084/BA, Relator Ministro Benedito Gonçalves, 1ª Turma, DJe 3/2/2017 - destaquei)
PROCESSUAL CIVIL. CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO. PEDIDO DE SUSPENSÃO DE LIMINAR. DEFESA DE INTERESSES PARTICULARES. LEGITIMIDADE ATIVA. INEXISTÊNCIA. (...) 2. O STJ reconhece legitimidade ativa às pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público (empresas públicas, sociedades de economia mista, concessionárias e permissionárias de serviço público), quando na defesa do interesse público primário, para ajuizar o pedido de Suspensão de Liminar. 3. A Corte de origem consignou que a recorrente, pessoa jurídica de direito privado, busca, "ao ajuizar a presente medida de contracautela, preservar a sua própria receita, à medida em que a decisão liminar guerreada reduz o valor do serviço público em questão, qual seja, o transporte coletivo", o que inviabiliza o conhecimento do excepcional pedido suspensivo. 4. In casu, não se vislumbra a presença de interesse público primário da Concessionária apto a justificar a sua legitimidade processual ativa para pleitear a presente medida suspensiva. 5. Agravo Regimental não provido. (AgRg no AREsp 50.887/AM, Relator Ministro Herman Benjamin, 2ª Turma, DJe 12/2/2016 - destaquei)
AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE LIMINAR E DE SENTENÇA. PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO. INTERESSE PARTICULAR. ILEGITIMIDADE. PEDIDO NÃO CONHECIDO. I - Nos termos da legislação de regência (Lei nº 8.437/1992 e 12.016/2009) e da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do colendo Pretório Excelso, será cabível o pedido de suspensão quando a decisão proferida em ação movida contra o poder público puder provocar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança ou à economia públicas. II - As pessoas jurídicas de direito privado possuem, excepcionalmente, legitimidade para formular pedido de suspensão de decisão ou de sentença nesta Corte Superior apenas quando buscam tutelar bens relacionados, diretamente, ao interesse público. Precedentes da Corte Especial. (...) (AgRg na SLS 1.956/ES, Rel. Ministro Francisco Falcão, Corte Especial, DJe 23/3/30215 - destaquei)
A doutrina também se orienta pela legitimidade excepcional das empresas estatais em medidas de suspensão apenas quando há atuação efetiva na defesa de interesse público em sentido estrito.
Cito, por exemplo, as lições de Leonardo Carneiro da Cunha acerca da legitimidade excepcional das pessoas jurídicas de Direito Privado integrantes da Administração Pública Indireta para formular pedido de suspensão:
As concessionárias de serviço público, que se revistam da condição de empresas públicas ou sociedades de economia mista, são pessoas jurídicas de direito privado, não se encartando, portanto, no conceito de Fazenda Pública. Por essa razão, não estariam legitimadas, em princípio, a intentar o pedido de suspensão junto ao presidente do tribunal competente.
Embora não se encaixem no conceito de Fazenda Pública nem desfrutem da condição de pessoas jurídicas de direito público, as concessionárias de serviço público integram a Administração Pública indireta, exercendo atividade pública. Se, no exercício dessa atividade, houver algum provimento de urgência ou de cumprimento imediato que cause lesão à ordem, à economia, à saúde ou à ordem pública, cabe o pedido de suspensão pela concessionária de serviço público. (A Fazenda Pública em Juízo. 17. ed., Rio de Janeiro: Forense, 2020, Livro Eletrônico - destaquei)
Entretanto, no presente caso, não resta configurada a legitimidade excepcional da Requerente.
A queda do valor do petróleo, a diminuição na demanda de combustíveis, a inadimplência de clientes, a manutenção de obrigações fixas, os custos adicionais de perda de produtividade e o aumento da percepção de risco de mercado são ínsitos ao exercício da atividade econômica da empresa requerente.
Não há relação direta dos eventos com a necessidade de tutelar a economia e a ordem públicas.
Eventual alteração do preço do combustível é inerente ao mercado e sempre dependeu de fatores econômicos, políticos e sociais, inclusive em razão de ocorrências internacionais.
A Requerente argumenta que as medidas adotadas “buscaram atingir o equilíbrio entre a drástica redução das atividades operacionais e produtivas da empresa, a redução de receita advinda da brusca diminuição de operações comerciais (venda de produtos), a inadimplência dos seus clientes, de um lado e, do outro, a preservação dos empregos” (ID 1317140, p. 10).
Essa finalidade exposta não difere daquela buscada por qualquer empresa privada que teve que se adequar à nova realidade imposta pela pandemia da Covid-19.
Ressalto que a presente decisão não trata da validade das medidas adotadas pela Requerente, mas apenas da sua ilegitimidade para a pretensão específica deste feito.
Ainda que se admitisse a legitimidade pela mera condição de sociedade de economia mista, o que não se reconhece, a Requerente não demonstrou que a tutela provisória deferida em sede de Ação Civil Pública gera impacto na economia e ordem públicas.
A mera defesa do interesse patrimonial da empresa estatal não justifica a suspensão dos efeitos da decisão, o que subtrai o requisito essencial para o manejo da contracautela suspensiva.
Ante o exposto, diante da ilegitimidade ativa da Requerente, julgo extinto o processo sem resolução do mérito, com fundamento no art. 485, VI, do CPC/2015. (ID. 9b91ef9)
No presente Agravo, a Petrobras S.A. sustenta a legitimidade ativa para formular o pedido de suspensão, ao argumento de que objetiva a proteção de interesse público primário por exercer atividade essencial ao desempenho econômico do Estado. Afirma que a manutenção da liminar impugnada acarreta risco de grave lesão à ordem e economia públicas, relacionadas ao abastecimento do país. Aduz que não se trata de mero interesse patrimonial de empresa privada, mas de “grave interferência em medidas essenciais para garantir a manutenção do fornecimento de bens e serviços essenciais à população brasileira, sem falar nos empregos diretos e indiretos de milhares de pessoas”.
A Requerente postula a suspensão de tutela de urgência concedida nos autos Ação Civil Pública nº 0100301-71.2020.5.01.0075, que restou mantida pelo Eg. TRT de origem no Mandado de Segurança nº 0100835-46.2020.5.01.0000 e na Suspensão de Liminar nº 0101386-26.2020.5.01.0000. Em síntese, a liminar impugnada impede a implementação de medidas de redução de jornada e de remuneração na forma do Plano de Resiliência, com a manutenção das condições de trabalho previstas em normas internas até negociação coletiva.
A jurisprudência desta Corte assentou a legitimidade excepcional de pessoas jurídicas de Direito Privado para postular medidas de contracautela. Não obstante, conforme acentua a decisão agravada, a legitimidade não decorre do fato de integrar a Administração Pública indireta, tampouco da menção a interesse público no pedido de suspensão.
No particular, afigura-se relevante a distinção entre interesse público primário, ligado à coletividade, e interesse público secundário, relativo ao patrimônio da pessoa jurídica. Isso porque o interesse meramente patrimonial não deflagra a legitimidade excepcional da empresa estatal para formular o pedido de suspensão, porquanto não é possível vislumbrar como objetivo a tutela da economia, da saúde, da ordem, ou da segurança públicas.
A decisão agravada ampara-se na doutrina e na jurisprudência do Eg. Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a legitimidade da pessoa jurídica de Direito Privado integrante da Administração Pública Indireta para apresentar medida de suspensão somente se configura quando atua na defesa de interesse público primário.
No presente caso, não restou configurada a legitimidade excepcional da Requerente, pois as alegações veiculadas pelo pedido de suspensão não evidenciam a necessidade de tutela da economia e da ordem públicas. Com efeito, são referidos eventos relacionados ao exercício da atividade econômica, como a queda do valor do petróleo, a diminuição na demanda de combustíveis, a inadimplência de clientes, a manutenção de obrigações fixas, os custos adicionais de perda de produtividade e o aumento da percepção de risco de mercado.
Ademais, a Requerente não logrou demonstrar a aptidão da tutela provisória concedida em Ação Civil Pública para repercutir sobre a economia e ordem públicas.
Nesse contexto, conclui-se que a defesa de interesse patrimonial pela empresa estatal não a legitima para o manejo do pedido de suspensão.
Assim, deve ser mantida a decisão que julgou extinto o processo sem resolução do mérito, com fundamento no art. 485, VI, do CPC/2015, por ilegitimidade ativa da Requerente.
Ante o exposto, nego provimento.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros do Órgão Especial do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, negar provimento ao Agravo Interno.
Brasília, 9 de agosto de 2021.
MARIA CRISTINA IRIGOYEN PEDUZZI
Ministra Presidente do Tribunal Superior do Trabalho
Instituto Valentin Carrion © Todos direitos reservados | LGPD Desen. e Adm by vianett