NULIDADE PROCESSUAL Cerceamento de defesa

Data da publicação:

Acordão - TST

José Roberto Freire Pimenta - TST



Testemunha terá de ser ouvida para reconhecer vínculo de emprego de engenheiro. A Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho acolheu o recurso de revista de um engenheiro, deferindo pedido dele para que a Justiça ouça, em audiência, testemunha que poderia comprovar seu vínculo de emprego com a Autotrac Comércio e Telecomunicações S.A. A oitiva foi dispensada pelo juízo da 12ª Vara do Trabalho de Brasília (DF) e pelo Tribunal Regional Trabalho da 10ª Região. O TRT entendeu suficiente para afastar o vínculo documento que demonstrava a existência de relação comercial entre o profissional e a empresa.



CERCEAMENTO DE DEFESA. INDEFERIMENTO DE OITIVA DE TESTEMUNHA. PROVA DOCUMENTAL NÃO SE SOBREPÕE À PROVA ORAL. ART. 443, INCISO I, DA CLT NÃO TEM APLICAÇÃO AUTOMÁTICA NO PROCESSO DO TRABALHO. NULIDADE CONFIGURADA.

A caracterização do cerceamento do direito de defesa está jungida às hipóteses em que determinada prova, cuja produção foi indeferida pelo juiz, revela-se indispensável ao desfecho da controvérsia. A dispensa da oitiva de testemunha não caracteriza, por si só, cerceamento de defesa. No caso, a pretensão autoral consiste na comprovação de vínculo empregatício, por meio de prova oral. O Regional, por sua vez, indeferiu a oitiva de testemunha, ao considerar que a prova documental existente nos autos, referente à caracterização de relação comercial entre os litigantes, seria suficiente para o julgamento da demanda. Ressalta-se, todavia, que, em razão do princípio da primazia da realidade, no Processo do Trabalho, a prova documental não se sobrepõe à prova oral, não havendo falar em aplicação automática do artigo 443, inciso I, do CPC/2015 ao caso dos autos.

Importante salientar que a oitiva de testemunha postulada pelos reclamantes tinha por finalidade justamente comprovar a tese de fraude na constituição da concessionária atestada na prova documental utilizada pelo Juízo de origem para descaracterizar o vínculo empregatício. Desse modo, tendo em vista que a controvérsia dos autos consiste na configuração de vínculo empregatício, cuja prova oral seria a única capaz de elucidar a verdade real acerca da constituição de concessionária pelos reclamantes, constata-se que o indeferimento de oitiva de testemunha inviabilizou o direito à ampla defesa da parte autora, em desacordo com o artigo 5º, inciso LV, da Constituição da República.

Recurso de revista conhecido e provido. (TST-RR-1457-08.2015.5.10.0012, José Roberto Freire Pimenta, DEJT 01.07.19).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-1457-08.2015.5.10.0012, em que são Recorrentes ALEXANDRE VINHAL TATICO BORGES E OUTRA e Recorrida AUTOTRAC COMÉRCIO E TELECOMUNICAÇÕES S.A.

O agravo de instrumento interposto pelos reclamantes foi provido na sessão de 29/05/2019 para determinar o processamento do seu recurso de revista.

É o relatório.

V O T O

AGRAVO DE INSTRUMENTO

O Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região denegou seguimento ao recurso de revista interposto pelos reclamantes, nos termos seguintes:

"PRESSUPOSTOS EXTRÍNSECOS

Tempestivo o recurso (publicação em 02/02/2018 - fls. 1790; recurso apresentado em 09/02/2018 - fls. 1791).

Regular a representação processual (fls. 55/56 e 1754/v).

Dispensado o preparo (fls. 1667).

PRESSUPOSTOS INTRÍNSECOS

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DO TRABALHO / ATOS PROCESSUAIS / NULIDADE / CERCEAMENTO DE DEFESA.

Alegação(ões):

- contrariedade à(s) Súmula(s) nº 331 do colendo Tribunal Superior do Trabalho.

- violação do(s) Consolidação das Leis do Trabalho, artigo 2º; artigo 3º; artigo 9º.

A egr. 1ª Turma rejeitou a preliminar de nulidade por cerceamento de defesa, ante o indeferimento do pedido de oitiva de testemunhas apresentadas pelos reclamantes, conforme os seguintes fundamentos:

‘(...) Entretanto, após divergência suscitada pelos Exmos. Desembargadores André R. P. V. Damasceno, Flávia Simões Falcão e Dorival Borges de Souza Neto, restei vencido. Isso porque a prova documental foi considerada suficiente para o deslinde da causa, notadamente, para afastar o vínculo de emprego, segundo restou acentuado pelo Desembargador André Damasceno, que abriu a divergência e enfatizou que os documentos colacionados aos autos demonstravam a existência de relação meramente comercial entre as partes litigantes.

Dessa forma, totalmente vencido o relator, rejeita-se a preliminar de cerceamento de defesa’.

No recurso, os reclamantes buscam a nulidade do acórdão, reiterando que lhes foi obstado produzir a prova testemunhal que comprovaria a veracidade da tese de ingresso. Reputam violados os dispositivos em destaque.

Todavia, a exegese extraída dos artigos 370 e 371 do CPC e 765 da CLT é a de que o julgador dispõe de ampla liberdade na direção do processo, cabendo a ele determinar as provas necessárias à instrução processual, indeferindo, por outro lado, as diligências inúteis ou meramente protelatórias, em prol da celeridade processual, princípio alçado, inclusive, ao âmbito constitucional (artigo 5º, LXXVIII).

Constatado pelo julgador que as provas produzidas nos autos já eram suficientes para a formação do seu convencimento, não há óbice ao indeferimento da oitiva de testemunhas.

No presente caso, verifica-se que em nenhum momento houve desobediência ao princípio do devido processo legal, contraditório e da ampla defesa, notadamente se considerarmos que a matéria vem sendo debatida nas diversas instâncias onde tem sido entregue a prestação jurisdicional, inclusive nesta oportunidade, por ocasião da apreciação deste recurso de revista.

Ressalte-se que o posicionamento do egr. Colegiado se coaduna com a jurisprudência emanada do col. TST, conforme denotam os seguintes precedentes:

‘CERCEAMENTO DE DEFESA. INDEFERIMENTO DE OITIVA DE TESTEMUNHA. A caracterização do cerceamento do direito de defesa está jungida às hipóteses em que determinada prova, cuja produção fora indeferida pelo juiz, revela-se indispensável ao desfecho da controvérsia. No caso dos autos, o indeferimento da oitiva de testemunhas não importou em cerceamento do direito de defesa da reclamada, tendo em vista que a Corte regional esclareceu que "o Juízo, ao ouvir o depoimento pessoal do autor (f.209), mais 2 testemunhas indicadas pelo empregado (f.206 e 207) e 1 pelo empregador (f.208), firma seu entendimento, não sendo obrigado a prosseguir com oitiva de testemunhas se a prova dos autos é suficiente para seu convencimento". Destaca-se, ainda, que, tanto a matéria ligada ao pagamento ou compensação de dias trabalhados em feriados, bem como a integração da taxa de serviço, dependeria de prova testemunhal por parte do reclamante, visto tratar-se de fato constitutivo de direito. Por outro lado, a contraprova da reclamada, ante a natureza dos pedidos em questão, deveria ser primordialmente documental, não se cogitando de efetivo prejuízo com o indeferimento de prova testemunhal. Ressalta-se que a ordem jurídica atribui ao magistrado ampla liberdade na condução do processo com vistas ao rápido andamento das causas trabalhistas, conforme prevê a norma do artigo 765 da CLT. Com efeito, os princípios norteadores do processo devem harmonizar-se no caso concreto, cabendo ao Juízo atentar para a regular e célere tramitação do feito, em observância não apenas ao disposto no artigo 5º, LV, da Constituição Federal, como também no seu inciso LXXVIII, bem como ao artigo 131 do CPC de 1973, atualmente previsto no artigo 371 do CPC de 2015. Recurso de revista não conhecido" (TST, RR - 1164-26.2011.5.01.0013 Data de Julgamento: 22/02/2017, Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 03/03/2017)’.

‘NULIDADE POR CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA. INDEFERIMENTO DE PROVA ORAL. O Regional consignou que foram ouvidas duas testemunhas apresentadas pela reclamante e duas testemunhas de indicação patronal que prestaram informações acerca do labor em domingos e feriados, razão pela qual concluiu ser desnecessária a oitiva de mais duas testemunhas da reclamada. Nesse contexto, não há falar em cerceamento de defesa pelo indeferimento de oitiva de testemunhas, uma vez que, nos termos dos arts. 370 do NCPC e 765 da CLT, o magistrado detém ampla liberdade na condução do processo, sendo-lhe permitido indeferir diligências inúteis ou protelatórias quando existentes elementos probatórios suficientes ao julgamento do feito. Agravo de instrumento a que se nega provimento’ (TST, AIRR - 1433-25.2012.5.24.0002 Data de Julgamento: 28/03/2017, Relatora Ministra: Maria Helena Mallmann, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 31/03/2017).

‘CERCEAMENTO DE DEFESA. INDEFERIMENTO DA OITIVA DE TESTEMUNHA. O Tribunal Regional registrou que a prova documental foi suficiente para o deslinde da questão atinente às horas extras, sendo desnecessária, portanto, a oitiva das testemunhas. Cumpre ao Juiz, na condução do processo, indeferir as provas e diligências que julgar inúteis ou meramente protelatórias (artigo 130 do CPC/73), de modo que não há como se vislumbrar, na hipótese, o cerceamento de defesa alegado. Vale salientar que no ordenamento jurídico brasileiro vige o sistema da livre motivação da prova, segundo o qual o magistrado terá ampla liberdade para apreciar os elementos probatórios produzidos nos autos, para que assim venha a formar o seu convencimento, sempre indicando na decisão os motivos que o embasaram (artigo 131 do CPC/73), procedimento adotado no caso. Indene, assim, o artigo 5º, LV, da CF/88. Agravo de instrumento a que se nega provimento’ (TST, Processo: AIRR - 483-48.2012.5.01.0069 Data de Julgamento: 15/03/2017, Relator Ministro: Cláudio Mascarenhas Brandão, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 24/03/2017).

Em relação aos arestos colacionados com o objetivo de comprovar a existência de divergência jurisprudencial, verifico que este não atendem ao critério da especificidade exigido pela Súmula n.º 296, I, do C. TST.

Inexistentes as violações legais apontadas, nego seguimento ao recurso.

- divergência jurisprudencial.

CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO / RECONHECIMENTO DE RELAÇÃO DE EMPREGO.

Alegação(ões):

- violação do(s) Consolidação das Leis do Trabalho, artigo 818; Código de Processo Civil 2015, artigo 373.

Em prosseguimento, a Turma negou provimento ao recurso ordinário interposto pelos reclamantes, conforme fundamentos sintetizados na ementa:

‘2. RELAÇÃO DE EMPREGO. INEXISTÊNCIA. A relação de emprego caracteriza-se pela reunião de todos os requisitos previstos nos artigos 2º e 3º, da CLT, quais sejam: pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação. Destartes, demonstrada que a relação jurídica entre as partes tratou-se de vínculo empresarial, mister concluir pela inexistência de liame empregatício entre as partes. Portanto, tendo em conta apenas a prova existente nos autos, não há como reconhecer o vínculo de emprego entre as partes.Os documentos atestam a existência de relação de natureza distinta(comercial). Outra poderia ser a conclusão, em tese, caso a prova oral, em sua integralidade, pudesse ser produzida. O colegiado da 1ª Turma do TRT 10, porém, por maioria de votos, vencido este relator, decidiu que não havia cerceamento de defesa no indeferimento da produção de prova testemunhal, até porque as provas já existentes nos autos, segundo foi dito pelos demais julgadores, eram suficientes para revelar a ausência do liame empregatício’ (fls. 1764)

Recorrem os autores, argumentando má avaliação da prova, eis que o colegiado      ‘valeu-se apenas do depoimento das partes e do documento que supostamente representaria o contrato comercial de prestação de serviços entre empresas’ (fls. 1795/verso - destaques do original)

Contudo, a análise das alegações dos reclamantes, nos moldes propostos no recurso de revista, depende do reexame de fatos e provas, o que não se admite diante do contido na Súmula n.º 126 do colendo TST, inviabilizando, desse modo, o processamento do recurso de revista.

CONCLUSÃO

Ante o exposto, DENEGO seguimento ao recurso de revista" (págs. 1.916-1.920, grifou-se).

Em minuta de agravo de instrumento, os reclamantes insistem na alegação de nulidade processual por cerceamento de defesa, em razão do indeferimento de oitiva de testemunhas, ao argumento de que seu depoimento seria essencial para a comprovação do vínculo empregatício, objeto da demanda em discussão.

Nesse contexto, os reclamantes repisam a alegação de ofensa ao artigo 5º, incisos LIV e LV, da Constituição da República, 442 e 443 do CPC/2015 e 821 da CLT.

Na sequência, os reclamantes reiteram a tese de que o contrato realidade evidencia a formação de vínculo empregatício, motivo pelo qual o reconhecimento da natureza jurídica de contrato comercial com a reclamada estaria em desacordo com os artigos 2º, 3º e 9º da CLT e com a Súmula nº 331 do TST. Defendem, ainda, a inaplicabilidade da Súmula nº 126 do TST. 

Ao exame.

Quanto ao cerceamento de defesa, o acórdão regional tem o seguinte teor:

"2.1- RECURSO ORDINÁRIO DOS RECLAMANTES

2.1.1 - PRELIMINAR DE NULIDADE. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. CERCEAMENTO DO DIREITO DE PRODUZIR PROVA

Em recurso ordinário, os reclamantes aduzem que o indeferimento da prova oral (fl. 1633) não observou os comandos legais, uma vez que impossibilitou a prova do vínculo de emprego. Requereu a nulidade da sentença e a reabertura da instrução.

O Sr. Alexandre Vinhal, em exordial, alegou que fora contratado como gerente da filial de Recife, sem assinatura da CTPS (em 15/07/2006). Afirmou que a referida unidade fora transformada em concessionária/autorizada, ficando o autor como suposto proprietário (de 01/12/2006 até 20/01/2011). Para tanto, disse que a ré disponibilizou uma linha de financiamento junto ao Banco ltaú, a fim de que o empregado, por meio de outra pessoa jurídica (Empresa Quattro), adquirisse a filial.

Informou, ainda, que a reclamada (Autotrac) tinha total controle dos negócios e da administração da Empresa Quattro.

Pontuou que a Sra. Vânia José (2ª reclamante) também integrou o quadro social da empresa autorizada e que seus serviços também beneficiaram a reclamada.

Por fim, os reclamantes pleitearam o reconhecimento do vínculo de emprego, bem como as verbas trabalhistas decorrentes.

Os autores pretendiam a oitiva de testemunhas com a finalidade de comprovar suas alegações, o que foi indeferido pela MM. julgador originário, que encerrou a instrução processual, nos seguintes termos:

As partes pretendiam a produção de prova oral pela oitiva dos reclamantes e do preposto da reclamada, bem como, prova testemunhal e ainda, pela reclamada, a produção de prova pericial contábil (registrado na ata da audiência inaugural).

Referidas provas são indeferidas, porquanto entende este Juiz que a prova documental produzida é suficiente para a formação de sua convicção.

Registro os protestos por ambas as partes’ (fl. 1633)’.

O magistrado sentenciante julgou improcedentes todas as pretensões veiculadas na exordial, sob os seguintes fundamentos (fls. 1663/1667):

1.1 - Vínculo de emprego

Pretendem os reclamantes o reconhecimento do vínculo de emprego com a reclamada e pagamentos de verbas rescisórias, além daquelas decorrentes do vínculo de emprego e enumeradas na petição inicial.

Os reclamantes relatam na petição inicial que a Reclamada eram composta por filiais em todo o território nacional. Referidas filiais, prosseguem na narrativa, foram transformadas em autorizadas, argumentando os reclamantes que assim foi feito para ‘desvincular as revendas da matriz e retirar da Reclamada as responsabilidades trabalhistas e fiscais decorrentes da formação de grupo econômico na forma do § 2° do art. 2° da CLT’ (fls. 2).

Informam os reclamantes que foram contatados em Goiânia, em janeiro/2006, sendo que o 1º reclamante negociou seu ingresso para assumir, à época, a filial de Jaboatão dos Guararapes.

Os reclamantes confessam que ‘(...) nesta negociação a Reclamada informou ao Autor sobre a transformação das filiais em empresas independentes no modelo de concessionária autorizada (...)’(fls. 04).

Nessa negociação, informam ainda os reclamantes na petição inicial, ficou acertado que ‘Para viabilizar a transformação das filiais em concessionárias, a própria Autotrac providenciaram a contratação de uma linha de financiamento junto ao Banco ltaú, de forma a que os atuais gerentes e o Reclamante Alexandre tomassem empréstimos dos valores necessários, cujas prestações seriam quitadas mensalmente pela própria Autotrac através de recursos retirados das concessionárias’ (fls. 04).

Em 01/12/2006, foi constituída a Empresa Quattro Assistência Técnica Autorizada e Representação de Veículos Ltda., para viabilizar a transformação da filial em concessionária, conforme entabulado entre as partes.

Alegam os reclamantes, então, que a reclamada - Autotrac - tinha o total controle dos negócios e administração da própria Quattro Assistência Técnica Autorizada e Representação de Veículos Ltda..

O contrato social em que os reclamantes figuram como sócios da Quattro Assistência Técnica Autorizada e Representação de Veículos Ltda. encontra-se às fls. 74/76.

Incontroverso que os reclamantes constituíram referida pessoa jurídica para viabilizar a contratação com a Reclamada para a transformação da filial para a concessionária autorizada, de que passaram a ser proprietários.

A Quattro Assistência Técnica Autorizada e Representação de Veículos Ltda. figurou em contrato de financiamento bancário (fls. 85195).

Os reclamantes, sem pretender a declaração de nulidade da pessoa jurídica por eles constituída - Quattro Assistência Técnica Autorizada e Representação de Veículos Ltda. - querem o reconhecimento do vínculo de emprego diretamente com a reclamada - AUTOTRAC TELECOMUNICAÇÕES S. A.

Pergunta-se: como seria possível ignorar a constituição da pessoa jurídica da Quattro, todos os atos jurídicos por ela praticados, em âmbito comercial (contrato de financiamento, entre tantos outros no dia a de sua prática comercial), em âmbito fiscal-tributário, em âmbito trabalhista (contratação de empregados por eles próprios), além de atos declarados pelos próprios reclamantes como retiradas ou adiantamento de lucros (vide, por exemplo, fls. 244) para, agora, simplesmente reconhecer o vínculo de emprego com a reclamada? O controle da concessionária de propriedade dos reclamantes não desnatura, como os próprios reclamantes anunciaram na petição inicial, pela reclamada, a natureza comercial do vínculo estabelecido entre as duas empresas, porquanto formaram um grupo econômico.

O Ministro e doutrinador Maurício Godinho Delgado leciona que o primeiro requisito da figura do grupo econômico é que deve ser formada por entidades estruturadas como empresas. Repita-se, então, que os reclamantes não pretenderam a declaração de nulidade da pessoa jurídica que constituíram para a concretização do negócio de transformação do que era uma filial (antes de propriedade da reclamada) para a concessionária autorizada, em que figuram como sócios proprietários.

Outro requisito para a formação do grupo econômico é que as empresas tenham dinâmica e fins econômicos, fato que é incontroverso, afinal, a empresa Quattro Assistência Técnica Autorizada e Representação de Veículos Ltda. existiu validamente, e praticou diversos atos em diversos segmentos do ordenamento jurídico: comerciais, fiscais, tributários, trabalhistas.

No tocante ao nexo relacional interempresarial, ‘O jurista Octávio Bueno Magno inscreve-se na primeira vertente, ao sustentar que deve haver uma relação de dominação interempresarial, através da direção, controle ou administração da empresa principal sobre as filiadas. O texto literal celetista aproxima-se dessa leitura, uma vez que, de fato, a Consolidação utiliza-se da expressão sob direção, controle ou administração de outra 2’.

Dessa sorte, os e-mails em que os reclamantes enviavam à reclamada (matriz) solicitando autorização, por exemplo, para elevar seus pro labores, ou formulando outra solicitação, de aporte de valores, não desnatura o vínculo comercial havido, porquanto resta caracterizada a clássica figura do grupo econômico, a proteger, sim, os empregados contratados pela Quattro, de propriedade dos reclamantes, na medida em que podem formular pedidos de verbas trabalhistas porventura sonegadas pela Quattro também à Autotrac.

Por todo o exposto, julgo improcedentes os pedidos formulados na presente reclamação, restando prejudicado o exame dos pedidos formulados na reconvenção, na medida em que não se vislumbra qualquer natureza trabalhista no vínculo havido entre as partes de sorte, se alguma reparação pretende a reclamada em face dos reclamantes, deverá formulá-lo em juízo competente’.

Em recurso, diz o recorrente que teve inibida a sua defesa pelo indeferimento da produção de prova oral, imprescindível à demonstração da realidade vivenciada, quanto ao vínculo de emprego.

Com a devida vênia ao entendimento adotado pela instância a quo, a ausência de pedido, na exordial, de declaração de nulidade da pessoa jurídica criada (empresa Quattro) não impede o enfrentamento do pleito de vínculo. Com efeito, trata-se apenas de matéria prejudicial a ser enfrentada pelo Juízo. Ademais, registre-se que os pleitos autorais devem ser enfrentados considerando o conjunto da peça introdutória (CPC, art. 322, § 2º).

Outrossim, ainda que não afastada a condição formal de pessoa jurídica, mostra-se plenamente aceitável o liame de emprego entre os reclamantes e a reclamada. Isso porque, havendo grupo econômico, é possível que a qualidade de sócio tenha sido constituída apenas para mascarar verdadeira relação de emprego ou, ainda que válida, tem-se como viável a relação de trabalho entre empregador e sócio empregado.

Nesse contexto, mostra-se de suma importância a produção da prova testemunhal com o fito de comprovar a existência ou não da relação empregatícia, considerando a insuficiência, para esse fim, do acervo probatório existente nos autos.

Não será despiciendo lembrar que o ordenamento jurídico pátrio consagra, no texto do artigo 371 do Código de Processo Civil, o princípio da livre persuasão racional do Juiz.

Ressalte-se, todavia, que, nos termos da regra sediada no artigo 442 do CPC, o indeferimento da inquirição de testemunhas somente se justifica em face de fatos já provados por documentos ou confissão, ou quando passíveis de prova meramente documental ou pericial.

O acervo probatório produzido nos autos não é capaz de convencer este julgador quanto à existência ou não dos vínculos de emprego, haja vista que a prova oral é fundamental para aferir a verdade. Por certo, prevalece na seara trabalhista o princípio da primazia da realidade sobre a forma.

Sob este ângulo, respeitando a opinião em sentido contrário, percebo com clareza o cerceio de defesa presente no ato do julgador de origem que indeferiu a produção de prova testemunhal requerida genericamente pelos autores, resultando violado, portanto, o artigo 5º, LIV e LV, da Constituição Federal.

Entretanto, após divergência suscitada pelos Exmos. Desembargadores André R. P. V. Damasceno, Flávia Simões Falcão e Dorival Borges de Souza Neto, restei vencido. Isso porque a prova documental foi considerada suficiente para o deslinde da causa, notadamente, para afastar o vínculo de emprego, segundo restou acentuado pelo Desembargador André Damasceno, que abriu a divergência e enfatizou que os documentos colacionados aos autos demonstravam a existência de relação meramente comercial entre as partes litigantes.

Dessa forma, totalmente vencido o relator, rejeita-se a preliminar de cerceamento de defesa" (págs. 1.855-1.859, grifou-se).

Os embargos de declaração foram rejeitados quanto ao cerceamento de defesa, nos termos seguintes:

"2-MÉRITO

2.1 - OMISSÃO I

O embargante alega omissão no acordão turmário, no tópico relativo ao cerceamento do direito de produzir provas. Argumenta que o decisum não se manifestou sobre a fraude documental arguida na inicial.

In casu, a decisão embargada considerou a prova documental suficiente para o deslinde da causa, notadamente para afastar o vínculo de emprego.

Assim, com base no art. 443, I, do CPC, rejeitou-se a preliminar de nulidade, cujo objetivo era ouvir a prova testemunhal indeferida na origem.

Conquanto o embargante suscite fraude documental para mascarar o contrato realidade, não há prova do falseamento, limitando-se o autor aos argumentos expostos na exordial.

Portanto, não há vício no acórdão turmário.

Assim sendo, dou parcial provimento no particular apenas para prestar esclarecimentos" (págs. 1.895-1.896, grifou-se).

A caracterização do cerceamento do direito de defesa está jungida às hipóteses em que determinada prova, cuja produção foi indeferida pelo juiz, revela-se indispensável ao desfecho da controvérsia.

A dispensa da oitiva de testemunha não caracteriza, por si só, cerceamento de defesa.

Ressalta-se que a ordem jurídica atribui ao magistrado ampla liberdade na condução do processo, com vistas ao rápido andamento das causas trabalhistas, conforme prevê a norma do artigo 765 da CLT.

Com efeito, os princípios norteadores do processo devem harmonizar-se no caso concreto, cabendo ao Juízo atentar para a regular e célere tramitação do feito, em observância não apenas ao disposto no artigo 5º, inciso LV, como também no inciso LXXVIII da Constituição Federal.

No caso, conforme se depreende do acórdão regional, os reclamantes pretendiam comprovar o vínculo empregatício com a reclamada por meio da prova oral, oitiva de testemunha, com fundamento na teoria do contrato realidade.

O Regional, por sua vez, concluiu que a prova documental existente nos autos "demonstravam a existência de relação meramente comercial entre as partes litigantes" (pág. 1.859).

Nesse contexto, em face da existência de prova documental a respeito da formação de vínculo comercial entre a empresa constituída pelos reclamantes e a reclamada, a Corte de origem considerou desnecessária a produção de prova oral, com fundamento no artigo 443 do CPC/2015.

Ressalta-se, todavia, que, em razão do princípio da primazia da realidade, no Processo do Trabalho, a prova documental não se sobrepõe à prova oral, não havendo falar em aplicação automática do artigo 443, inciso I, do CPC/2015 ao caso dos autos.

Importante salientar que é irrelevante não haver pedido na inicial de declaração de nulidade da pessoa jurídica constituída pelos reclamantes, na medida em que a oitiva de testemunha por eles postulada tinha por finalidade justamente comprovar a tese de fraude na constituição da concessionária.

Considerando, portanto, que a controvérsia dos autos consiste na configuração de vínculo empregatício, cuja prova oral seria a única capaz de elucidar a verdade real, acerca da constituição de concessionária pelos reclamantes, constata-se que o indeferimento de oitiva de testemunha inviabilizou o direito à ampla defesa da parte autora, em desacordo com o artigo 5º, inciso LV, da Constituição da República.

Diante do exposto, dou provimento ao agravo de instrumento interposto pelos reclamantes, em razão de potencial violação do artigo 5º, inciso LV, da Constituição da República, para determinar o processamento do seu recurso de revista apenas quanto ao tema em que se discute a preliminar de nulidade do acórdão regional por negativa de prestação jurisdicional, cujo julgamento dar-se-á na 14ª Sessão Ordinária do dia 12/06/2019, às 09h.

RECURSO DE REVISTA

PRELIMINAR DE INEXISTÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA, ARGUÍDA PELA RECORRIDA EM CONTRARRAZÕES.

Segundo o artigo 896-A, § 1º, da CLT, oferecem transcendência causas que possuam reflexos de natureza econômica, política, social e jurídica, "entre outros", ou seja, não são aqueles os únicos indicadores de causas transcendentes.

In casu, os reclamantes, por meio da oitiva de testemunhas, pretendem produzir contraprova aos documentos constantes dos autos, para demonstrar suas alegações iniciais de que, na realidade, a relação havida com a reclamada (recorrida) era de emprego e não comercial.

Sem a menor dúvida, a garantia fundamental prevista no artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal, que assegura a todos os jurisdicionados o direito à produção da prova, insere-se na expressão "entre outros" indicadores de transcendência prevista no artigo 896-A, § 1º, da CLT. Assim, como a questão sub judice oferece transcendência, inexiste o óbice apontado pela recorrida ao exame do recurso de revista.

CERCEAMENTO DE DEFESA. INDEFERIMENTO DE OITIVA DE TESTEMUNHA. PROVA DOCUMENTAL NÃO SE SOBREPÕE À PROVA ORAL. ART. 443, INCISO I, DA CLT NÃO TEM APLICAÇÃO AUTOMÁTICA NO PROCESSO DO TRABALHO. NULIDADE CONFIGURADA

I - CONHECIMENTO

Quanto ao cerceamento de defesa, o acórdão regional tem o seguinte teor:

"2.1- RECURSO ORDINÁRIO DOS RECLAMANTES

2.1.1 - PRELIMINAR DE NULIDADE. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. CERCEAMENTO DO DIREITO DE PRODUZIR PROVA

Em recurso ordinário, os reclamantes aduzem que o indeferimento da prova oral (fl. 1633) não observou os comandos legais, uma vez que impossibilitou a prova do vínculo de emprego. Requereu a nulidade da sentença e a reabertura da instrução.

O Sr. Alexandre Vinhal, em exordial, alegou que fora contratado como gerente da filial de Recife, sem assinatura da CTPS (em 15/07/2006). Afirmou que a referida unidade fora transformada em concessionária/autorizada, ficando o autor como suposto proprietário (de 01/12/2006 até 20/01/2011). Para tanto, disse que a ré disponibilizou uma linha de financiamento junto ao Banco ltaú, a fim de que o empregado, por meio de outra pessoa jurídica (Empresa Quattro), adquirisse a filial.

Informou, ainda, que a reclamada (Autotrac) tinha total controle dos negócios e da administração da Empresa Quattro.

Pontuou que a Sra. Vânia José (2ª reclamante) também integrou o quadro social da empresa autorizada e que seus serviços também beneficiaram a reclamada.

Por fim, os reclamantes pleitearam o reconhecimento do vínculo de emprego, bem como as verbas trabalhistas decorrentes.

Os autores pretendiam a oitiva de testemunhas com a finalidade de comprovar suas alegações, o que foi indeferido pela MM. julgador originário, que encerrou a instrução processual, nos seguintes termos:

As partes pretendiam a produção de prova oral pela oitiva dos reclamantes e do preposto da reclamada, bem como, prova testemunhal e ainda, pela reclamada, a produção de prova pericial contábil (registrado na ata da audiência inaugural).

Referidas provas são indeferidas, porquanto entende este Juiz que a prova documental produzida é suficiente para a formação de sua convicção.

Registro os protestos por ambas as partes’ (fl. 1633)’.

O magistrado sentenciante julgou improcedentes todas as pretensões veiculadas na exordial, sob os seguintes fundamentos (fls. 1663/1667):

1.1 - Vínculo de emprego

Pretendem os reclamantes o reconhecimento do vínculo de emprego com a reclamada e pagamentos de verbas rescisórias, além daquelas decorrentes do vínculo de emprego e enumeradas na petição inicial.

Os reclamantes relatam na petição inicial que a Reclamada eram composta por filiais em todo o território nacional. Referidas filiais, prosseguem na narrativa, foram transformadas em autorizadas, argumentando os reclamantes que assim foi feito para ‘desvincular as revendas da matriz e retirar da Reclamada as responsabilidades trabalhistas e fiscais decorrentes da formação de grupo econômico na forma do § 2° do art. 2° da CLT’ (fls. 2).

Informam os reclamantes que foram contatados em Goiânia, em janeiro/2006, sendo que o 1º reclamante negociou seu ingresso para assumir, à época, a filial de Jaboatão dos Guararapes.

Os reclamantes confessam que ‘(...) nesta negociação a Reclamada informou ao Autor sobre a transformação das filiais em empresas independentes no modelo de concessionária autorizada (...)’(fls. 04).

Nessa negociação, informam ainda os reclamantes na petição inicial, ficou acertado que ‘Para viabilizar a transformação das filiais em concessionárias, a própria Autotrac providenciaram a contratação de uma linha de financiamento junto ao Banco ltaú, de forma a que os atuais gerentes e o Reclamante Alexandre tomassem empréstimos dos valores necessários, cujas prestações seriam quitadas mensalmente pela própria Autotrac através de recursos retirados das concessionárias’ (fls. 04).

Em 01/12/2006, foi constituída a Empresa Quattro Assistência Técnica Autorizada e Representação de Veículos Ltda., para viabilizar a transformação da filial em concessionária, conforme entabulado entre as partes.

Alegam os reclamantes, então, que a reclamada - Autotrac - tinha o total controle dos negócios e administração da própria Quattro Assistência Técnica Autorizada e Representação de Veículos Ltda..

O contrato social em que os reclamantes figuram como sócios da Quattro Assistência Técnica Autorizada e Representação de Veículos Ltda. encontra-se às fls. 74/76.

Incontroverso que os reclamantes constituíram referida pessoa jurídica para viabilizar a contratação com a Reclamada para a transformação da filial para a concessionária autorizada, de que passaram a ser proprietários.

A Quattro Assistência Técnica Autorizada e Representação de Veículos Ltda. figurou em contrato de financiamento bancário (fls. 85195).

Os reclamantes, sem pretender a declaração de nulidade da pessoa jurídica por eles constituída - Quattro Assistência Técnica Autorizada e Representação de Veículos Ltda. - querem o reconhecimento do vínculo de emprego diretamente com a reclamada - AUTOTRAC TELECOMUNICAÇÕES S. A.

Pergunta-se: como seria possível ignorar a constituição da pessoa jurídica da Quattro, todos os atos jurídicos por ela praticados, em âmbito comercial (contrato de financiamento, entre tantos outros no dia a de sua prática comercial), em âmbito fiscal-tributário, em âmbito trabalhista (contratação de empregados por eles próprios), além de atos declarados pelos próprios reclamantes como retiradas ou adiantamento de lucros (vide, por exemplo, fls. 244) para, agora, simplesmente reconhecer o vínculo de emprego com a reclamada? O controle da concessionária de propriedade dos reclamantes não desnatura, como os próprios reclamantes anunciaram na petição inicial, pela reclamada, a natureza comercial do vínculo estabelecido entre as duas empresas, porquanto formaram um grupo econômico.

O Ministro e doutrinador Maurício Godinho Delgado leciona que o primeiro requisito da figura do grupo econômico é que deve ser formada por entidades estruturadas como empresas. Repita-se, então, que os reclamantes não pretenderam a declaração de nulidade da pessoa jurídica que constituíram para a concretização do negócio de transformação do que era uma filial (antes de propriedade da reclamada) para a concessionária autorizada, em que figuram como sócios proprietários.

Outro requisito para a formação do grupo econômico é que as empresas tenham dinâmica e fins econômicos, fato que é incontroverso, afinal, a empresa Quattro Assistência Técnica Autorizada e Representação de Veículos Ltda. existiu validamente, e praticou diversos atos em diversos segmentos do ordenamento jurídico: comerciais, fiscais, tributários, trabalhistas.

No tocante ao nexo relacional interempresarial, ‘O jurista Octávio Bueno Magno inscreve-se na primeira vertente, ao sustentar que deve haver uma relação de dominação interempresarial, através da direção, controle ou administração da empresa principal sobre as filiadas. O texto literal celetista aproxima-se dessa leitura, uma vez que, de fato, a Consolidação utiliza-se da expressão sob direção, controle ou administração de outra 2’.

Dessa sorte, os e-mails em que os reclamantes enviavam à reclamada (matriz) solicitando autorização, por exemplo, para elevar seus pro labores, ou formulando outra solicitação, de aporte de valores, não desnatura o vínculo comercial havido, porquanto resta caracterizada a clássica figura do grupo econômico, a proteger, sim, os empregados contratados pela Quattro, de propriedade dos reclamantes, na medida em que podem formular pedidos de verbas trabalhistas porventura sonegadas pela Quattro também à Autotrac.

Por todo o exposto, julgo improcedentes os pedidos formulados na presente reclamação, restando prejudicado o exame dos pedidos formulados na reconvenção, na medida em que não se vislumbra qualquer natureza trabalhista no vínculo havido entre as partes de sorte, se alguma reparação pretende a reclamada em face dos reclamantes, deverá formulá-lo em juízo competente’.

Em recurso, diz o recorrente que teve inibida a sua defesa pelo indeferimento da produção de prova oral, imprescindível à demonstração da realidade vivenciada, quanto ao vínculo de emprego.

Com a devida vênia ao entendimento adotado pela instância a quo, a ausência de pedido, na exordial, de declaração de nulidade da pessoa jurídica criada (empresa Quattro) não impede o enfrentamento do pleito de vínculo. Com efeito, trata-se apenas de matéria prejudicial a ser enfrentada pelo Juízo. Ademais, registre-se que os pleitos autorais devem ser enfrentados considerando o conjunto da peça introdutória (CPC, art. 322, § 2º).

Outrossim, ainda que não afastada a condição formal de pessoa jurídica, mostra-se plenamente aceitável o liame de emprego entre os reclamantes e a reclamada. Isso porque, havendo grupo econômico, é possível que a qualidade de sócio tenha sido constituída apenas para mascarar verdadeira relação de emprego ou, ainda que válida, tem-se como viável a relação de trabalho entre empregador e sócio empregado.

Nesse contexto, mostra-se de suma importância a produção da prova testemunhal com o fito de comprovar a existência ou não da relação empregatícia, considerando a insuficiência, para esse fim, do acervo probatório existente nos autos.

Não será despiciendo lembrar que o ordenamento jurídico pátrio consagra, no texto do artigo 371 do Código de Processo Civil, o princípio da livre persuasão racional do Juiz.

Ressalte-se, todavia, que, nos termos da regra sediada no artigo 442 do CPC, o indeferimento da inquirição de testemunhas somente se justifica em face de fatos já provados por documentos ou confissão, ou quando passíveis de prova meramente documental ou pericial.

O acervo probatório produzido nos autos não é capaz de convencer este julgador quanto à existência ou não dos vínculos de emprego, haja vista que a prova oral é fundamental para aferir a verdade. Por certo, prevalece na seara trabalhista o princípio da primazia da realidade sobre a forma.

Sob este ângulo, respeitando a opinião em sentido contrário, percebo com clareza o cerceio de defesa presente no ato do julgador de origem que indeferiu a produção de prova testemunhal requerida genericamente pelos autores, resultando violado, portanto, o artigo 5º, LIV e LV, da Constituição Federal.

Entretanto, após divergência suscitada pelos Exmos. Desembargadores André R. P. V. Damasceno, Flávia Simões Falcão e Dorival Borges de Souza Neto, restei vencido. Isso porque a prova documental foi considerada suficiente para o deslinde da causa, notadamente, para afastar o vínculo de emprego, segundo restou acentuado pelo Desembargador André Damasceno, que abriu a divergência e enfatizou que os documentos colacionados aos autos demonstravam a existência de relação meramente comercial entre as partes litigantes.

Dessa forma, totalmente vencido o relator, rejeita-se a preliminar de cerceamento de defesa" (págs. 1.855-1.859, grifou-se).

Os embargos de declaração foram rejeitados quanto ao cerceamento de defesa, nos termos seguintes:

"2-MÉRITO

2.1 - OMISSÃO I

O embargante alega omissão no acordão turmário, no tópico relativo ao cerceamento do direito de produzir provas. Argumenta que o decisum não se manifestou sobre a fraude documental arguida na inicial.

In casu, a decisão embargada considerou a prova documental suficiente para o deslinde da causa, notadamente para afastar o vínculo de emprego.

Assim, com base no art. 443, I, do CPC, rejeitou-se a preliminar de nulidade, cujo objetivo era ouvir a prova testemunhal indeferida na origem.

Conquanto o embargante suscite fraude documental para mascarar o contrato realidade, não há prova do falseamento, limitando-se o autor aos argumentos expostos na exordial.

Portanto, não há vício no acórdão turmário.

Assim sendo, dou parcial provimento no particular apenas para prestar esclarecimentos" (págs. 1.895-1.896, grifou-se).

Nas razões de recurso de revista, os reclamantes alegam nulidade processual, por cerceamento de defesa, em razão do indeferimento de oitiva de testemunhas, ao argumento de que seu depoimento seria essencial para a comprovação do vínculo empregatício, objeto da demanda em discussão.

Nesse contexto, os reclamantes alegam ofensa ao artigo 5º, incisos LIV e LV, da Constituição da República, 442 e 443 do CPC/2015 e 821 da CLT.

Ao exame.

A caracterização do cerceamento do direito de defesa está jungida às hipóteses em que determinada prova, cuja produção foi indeferida pelo juiz, revela-se indispensável ao desfecho da controvérsia.

A dispensa da oitiva de testemunha não caracteriza, por si só, cerceamento de defesa.

Ressalta-se que a ordem jurídica atribui ao magistrado ampla liberdade na condução do processo, com vistas ao rápido andamento das causas trabalhistas, conforme prevê a norma do artigo 765 da CLT.

Com efeito, os princípios norteadores do processo devem harmonizar-se no caso concreto, cabendo ao Juízo atentar para a regular e célere tramitação do feito, em observância não apenas ao disposto no artigo 5º, inciso LV, como também no inciso LXXVIII da Constituição Federal.

No caso, conforme se depreende do acórdão regional, os reclamantes pretendiam comprovar o vínculo empregatício com a reclamada por meio da prova oral, oitiva de testemunha, com fundamento na teoria do contrato realidade.

O Regional, por sua vez, concluiu que a prova documental existente nos autos "demonstravam a existência de relação meramente comercial entre as partes litigantes" (pág. 1.859).

Nesse contexto, em face da existência de prova documental a respeito da formação de vínculo comercial entre a empresa constituída pelos reclamantes e a reclamada, a Corte de origem considerou desnecessária a produção de prova oral, com fundamento no artigo 443 do CPC/2015.

Ressalta-se, todavia, que, em razão do princípio da primazia da realidade, no Processo do Trabalho, a prova documental não se sobrepõe à prova oral, não havendo falar em aplicação automática do artigo 443, inciso I, do CPC/2015 ao caso dos autos.

Importante salientar que é irrelevante não haver pedido na inicial de declaração de nulidade da pessoa jurídica constituída pelos reclamantes, na medida em que a oitiva de testemunha por eles postulada tinha por finalidade justamente comprovar a tese de fraude na constituição da concessionária.

Considerando, portanto, que a controvérsia dos autos consiste na configuração de vínculo empregatício, cuja prova oral seria a única capaz de elucidar a verdade real acerca da constituição de concessionária pelos reclamantes, constata-se que o indeferimento de oitiva de testemunha inviabilizou o direito à ampla defesa da parte autora, em desacordo com o artigo 5º, inciso LV, da Constituição da República.

Diante do exposto, conheço do recurso de revista por violação do artigo 5º, inciso LV, da Constituição da República.

II - MÉRITO

A consequência lógica do conhecimento do recurso de revista por violação do artigo 5º, inciso LV, da Constituição da República é o provimento do apelo.

Assim, dou provimento ao recurso de revista para declarar a nulidade do processo a partir da audiência de indeferimento da prova testemunhal, e, em consequência, determinar o retorno dos autos à Vara do Trabalho de origem para que proceda à oitiva das testemunhas de ambas as partes e profira novo julgamento sobre a demanda a respeito da caracterização ou não do vínculo emprego, conforme entender de direito.  

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho, sob a presidência do Exmo. Ministro José Roberto Freire Pimenta, Relator, com participação das Exmas. Ministras Delaíde Miranda Arantes, Maria Helena Mallmann e do Exmo. Subprocurador-Geral do Trabalho, Dr. Ronaldo Tolentino da Silva, decidiu, por unanimidade, conhecer do recurso de revista, por violação do artigo 5º, inciso LV, da Constituição da República, para declarar a nulidade do processo a partir da audiência de indeferimento da prova testemunhal, e, em consequência, determinar o retorno dos autos à Vara do Trabalho de origem para que proceda à oitiva das testemunhas de ambas as partes e profira novo julgamento sobre a demanda a respeito da caracterização ou não do vínculo emprego, conforme entender de direito. Prejudicado o exame do tema remanescente (vínculo de emprego).   

Brasília, 12 de junho de 2019.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

JOSÉ ROBERTO FREIRE PIMENTA

Ministro Relator

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