Data da publicação:
Seção Especializada em Dissídios Coletivos
Ives Gandra Martins Filho - TST
Cláusula coletiva. Contribuição assistencial profissional. Imposição de cobrança para trabalhadores não associados. Ofensa à liberdade de associação constitucionalmente assegurada. Existência de interesse recursal do sindicato patronal.
Cláusula coletiva. Contribuição assistencial profissional. Imposição de cobrança para trabalhadores não associados. Ofensa à liberdade de associação constitucionalmente assegurada. Existência de interesse recursal do sindicato patronal.
Resumo do voto.
A imposição de cobrança de contribuição assistencial a empregados não associados em favor da entidade sindical afronta, diretamente, a liberdade de associação constitucionalmente assegurada, independentemente de eventual autorização em assembleia geral da categoria. Neste sentido, destacam-se o Precedente Normativo nº 119 e a Orientação Jurisprudencial nº 17, ambos da SDC. Reforçam o referido entendimento os julgados do STF: ARE 1.018.459/PR, que fixou tese de repercussão geral (Tema 935), e ADI 5.794/DF. Ademais, evidencia-se o interesse recursal do sindicato patronal a fim de impugnar a cláusula que institui a contribuição assistencial profissional, pelas seguintes razões: a) o custo que terá com elaboração de cálculos, burocracia e trabalho para efetuar os descontos; b) os ônus processuais a que estará sujeito, em caso de eventual não desconto e repasse das aludidas contribuições, com encargo de multa, juros e correção monetária, além de gastos com advogados para possível defesa, tendo em vista que os descontos de trabalhadores não associados são considerados inconstitucionais pelo STF; c) a necessidade de se dar cumprimento aos precedentes vinculantes do STF sobre esta matéria, que se tornariam inócuos se não reconhecida legitimidade recursal das entidades sindicais patronais. Tais razões justificam-se, ainda, pelo fato de que os sindicatos obreiros, beneficiários das contribuições sobre os empregados não associados, não irão recorrer, tampouco o MPT, que se manifesta contrariamente à limitação contributiva aos associados, ou os próprios trabalhadores, se considerada a relação custo benefício dessa demanda. Deste modo, para evitar lesão à garantia constitucional de acesso à justiça, faz-se patente reconhecer o interesse recursal dos sindicatos patronais. Sob esses fundamentos, a SDC, por maioria, conheceu do recurso ordinário e, no mérito, deu-lhe parcial provimento para que a redação da cláusula 66ª do instrumento normativo em apreço seja adequada aos termos da OJ 17 da SDC e do Precedente Normativo 119, ambos do TST, bem como ao entendimento vinculante fixado pelo STF no ARE 1.018.459/PR e na ADI 5.794/DF, a fim de limitar os descontos da contribuição apenas aos empregados associados ao sindicato profissional, mantida, no mais, a redação da cláusula. Vencidos os Ministros Maurício Godinho Delgado, relator, Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, vistor, e a Ministra Kátia Magalhães Arruda.
ACORDÃO
RECURSO ORDINÁRIO DA FEDERAÇÃO PATRONAL - DISSÍDIO COLETIVO DE NATUREZA ECONÔMICA – CONTRIBUIÇÃO ASSISTENCIAL PROFISSIONAL ABRANGENDO EMPREGADOS NÃO ASSOCIADOS – IMPOSSIBILIDADE – INTERESSE RECURSAL DA ENTIDADE SINDICAL PATRONAL - ADEQUAÇÃO DA REDAÇÃO DA CLÁUSULA À ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL 19 DA SDC E AO PRECEDENTE NORMATIVO 119, AMBOS DO TST – PRECEDENTES DO ARE 1.018.459 (TEMA 935 DE REPERCUSSÃO GERAL) E DA ADI 5.794 DO STF – PROVIMENTO PARCIAL.
1. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido da impossibilidade de se instituir contribuição assistencial a empregados não associados em favor da entidade sindical, independentemente de eventual autorização em assembleia geral da categoria, porquanto afronta diretamente a liberdade de associação constitucionalmente assegurada. O Precedente Normativo 119 e a Orientação Jurisprudencial 17, ambos desta SDC, abraçam essa mesma diretriz.
2. Ademais, o Plenário do STF, ao julgar o ARE 1.018.459/PR, de relatoria do Min. Gilmar Mendes (DJe de 10/03/17), fixou a seguinte tese de Repercussão Geral para o Tema 935: "É inconstitucional a instituição, por acordo, convenção coletiva ou sentença normativa, de contribuições que se imponham compulsoriamente a empregados da categoria não sindicalizados".
3. Reforça, ainda, essa linha argumentativa o julgamento da ADI 5.794/DF (Red. Min. Luiz Fux, DJe de 23/04/19), acerca das contribuições sindicais, em que a Suprema Corte afirmou a validade do novo regime voluntário de cobrança das referidas contribuições, instituído pela Lei 13.467/17.
4. In casu, o 2º Regional, ao deferir a cláusula de contribuição para custeio da negociação coletiva – norma não preexistente, extensiva a todos os empregados da categoria, filiados ou não ao Sindicato obreiro -, decidiu em contraposição à referida orientação jurisprudencial.
5. Tem o Sindicato Patronal interesse recursal em opor-se à instituição da referida cláusula basicamente por três razões: a) o custo que se lhe impõe com a elaboração de cálculos, burocracia e trabalho para efetuar os descontos (§ 2º da cláusula 66ª), em que pese outros ônus financeiros ou tributários sejam assumidos pelo sindicato beneficiário das contribuições (§ 7º da cláusula 66ª); b) os ônus processuais a que está sujeito, pelo eventual não desconto e repasse das contribuições, com multa de 10%, juros e correção monetária (caput, in fine, da cláusula 66ª), tendo de pagar advogados para se defender, quando acionado pelo sindicato, quando não efetuado os descontos de trabalhadores não associados, uma vez que são considerados inconstitucionais pelo STF; c) a necessidade de se dar cumprimento aos precedentes vinculantes do STF em matéria de contribuição sindical e assistencial, que se tornariam inócuos se não reconhecida a legitimidade recursal das entidades sindicais patronais. Isso porque os sindicatos obreiros são os beneficiários das contribuições sobre os trabalhadores não associados e não irão recorrer, como também não o MPT, que, mesmo após o julgamento da ADI 5.794/DF pelo STF, manifesta-se declaradamente avesso à limitação contributiva aos associados ("a cobrança do não associado abrangido pela negociação coletiva não viola a liberdade sindical negativa, pois não resulta em necessária ou obrigatória filiação ao sindicato, assegurado o direito de oposição" - Nota Técnica 3, de 14/05/19, item 17). Ademais, também os trabalhadores não irão acionar a Justiça em face de um desconto de "1% (um por cento) ao mês dos salários, a partir do mês de julho/2017, limitado ao teto de R$ 53,65 (cinquenta e três reais e sessenta e cinco centavos)" (pág. 553), dada a relação custo benefício, pois nessa demanda nem sequer terão a assistência judiciária dos sindicatos, a par do ônus para os trabalhadores não associados de terem de apresentar sua oposição na sede ou sub-sedes do sindicato (§ 3º da cláusula 66ª). Nesse sentido, em caso de não reconhecimento do interesse recursal dos sindicatos patronais, ou mesmo de interesse de agir para propor ação anulatória, teríamos lesão a direito cujo acesso ao Judiciário seria vedado na prática, em detrimento do art. 5º, XXXV, da CF.
6. Assim, o apelo do Sindicato patronal merece conhecimento e parcial provimento, no aspecto, para que a redação da cláusula 66ª do instrumento normativo em apreço seja adequada aos termos da OJ 17 da SDC e do Precedente Normativo 119, ambos do TST, bem como ao entendimento vinculante fixado pelo STF no ARE 1.018.459/PR e na ADI 5.794/DF, a fim de limitar os descontos da contribuição apenas aos empregados associados ao sindicato profissional, mantidos os demais termos da cláusula.
Recurso ordinário parcialmente provido. (TST-RO-1004102-76.2017.5.02.0000, SDC, Ives Gandra da Silva Martins Filho, 12/4/2021).
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Ordinário n° TST-RO-1004102-76.2017.5.02.0000, em que é Recorrente FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO ESTADO DE SÃO PAULO e são Recorridos SINDICATO DOS TRABALHADORES NA INDÚSTRIA DE CALÇADOS DE SÃO PAULO E OUTRA.
R E L A T Ó R I O
Adoto, na forma regimental, o relatório do Relator vencido:
"Trata-se de dissídio coletivo de natureza econômica ajuizado pelo Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Calçados de São Paulo e pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Calçados, Roupas e Acessórios do Vestuário de Cotia e Região em face da FIESP-Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, pretendendo o estabelecimento de reajuste do piso salarial, estabilidade de 180 dias e manutenção das demais condições de trabalho previstas no ACT 2016/2017 (fls. 6-8).
Acordo parcial entabulado pelas Partes Coletivas (ata de audiência às fls. 439-444).
O TRT da 2ª Região, por maioria, homologou o acordo parcial entabulado pelas Partes Coletivas; e julgou procedente o dissídio coletivo quanto às cláusulas controvertidas, a saber, Cláusula 26 – Rescisão Contratual - e Cláusula 66 – Contribuição Assistencial Profissional (fls. 494-527).
Em sede de embargos de declaração, o TRT da 2ªRegião, à unanimidade, acolheu parcialmente os embargos de declaração, para prestar esclarecimentos e acrescentar ao parágrafo terceiro da cláusula sexagésima sexta, ao final, a seguinte expressão: "ou por qualquer outro meio que demonstre que exerceu o direito de oposição junto ao sindicato" (fls. 701-708).
Recurso ordinário da FIESP, no qual alega a nulidade do acórdão do Tribunal Regional por ausência de fundamentação e se insurge contra o teor da Cláusula 66 - Contribuição Assistencial Profissional (fls. 746-762).
Decisão de admissibilidade (fls. 769-770).
Contrarrazões dos Sindicatos da categoria profissional, nas quais requerem a manutenção da decisão recorrida (fls. 771-781).
O Ministério Público do Trabalho (PGT) opinou pelo conhecimento e não provimento do recurso ordinário (fls. 789-791).
PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/2017.
PROCESSO ELETRÔNICO.
É o relatório".
V O T O
I) CONHECIMENTO
O recurso ordinário é tempestivo, a representação regular e foi efetuado o preparo, preenchendo os pressupostos de admissibilidade comuns a qualquer recurso.
Discute-se, no entanto, o interesse recursal da FIESP na impugnação da cláusula 66ª da sentença normativa, relativa à contribuição assistencial profissional, uma vez que não teria ônus com o seu estabelecimento.
A referida cláusula foi instituída pelo Regional com a seguinte redação:
"CLÁUSULA SEXAGÉSIMA SEXTA – CONTRIBUIÇÃO ASSISTENCIAL PROFISSIONAL
As empresas descontarão dos empregados beneficiados por esta Sentença Normativa, nas respectivas bases territoriais, em folha de pagamento, a título de contribuição assistencial autorizada pela assembleia geral dos trabalhadores realizada em 23/05/2017, o percentual equivalente a 1% (um por cento) ao mês dos salários, a partir do mês de julho/2017, limitado ao teto de R$ 53,65 (cinquenta e três reais e sessenta e cinco centavos).
Parágrafo primeiro - Os valores descontados serão repassados ao respectivo sindicato profissional, no prazo de 05 (cinco) dias úteis após a data do desconto, sob pena de multa de 10% (dez por cento), além de correção monetária e juros legais, a favor do referido sindicato.
Parágrafo segundo - No prazo de 10 (dez) dias contados do recolhimento da contribuição assistencial, as Empresas fornecerão uma listagem dos empregados contribuintes ao sindicato dos trabalhadores respectivo, na qual conste o valor do salário nominal, desconto e data de admissão dos mesmos.
Parágrafo terceiro - Assegura-se aos empregados o direito de oposição ao desconto da referida contribuição desde que o faça por ato de livre consciência, no prazo de 30 dias, a contar do primeiro desconto sofrido pelo empregado, mediante qualquer forma de manifestação, desde que no horário de expediente normal, das 8:00 às 17:00 horas, na sede e subsedes, de segunda-feira a sexta-feira. Em igual prazo de 30 dias, os referidos empregados deverão entregar nas empresas a referida cópia do documento de oposição devidamente protocolada pelo sindicato.
Parágrafo quarto - Fica vedado à Empresa empregadora, sob pena de configurar prática antissindical, a realização de quaisquer manifestações, atos, campanhas ou condutas similares no sentido de incentivar ou instigar os trabalhadores não filiados ao Sindicato apresentarem o seu direito de oposição por escrito.
Parágrafo quinto - Fica vedado ao Sindicato e seus dirigentes, sob pena de configurar prática antissindical, a realização de quaisquer manifestações, atos ou condutas similares no sentido de constranger os trabalhadores não filiados ao Sindicato profissional apresentarem o seu direito de oposição por escrito.
Parágrafo sexto - As contribuições assistenciais devidas e não descontadas ou descontadas parcialmente previstas nesta cláusula, serão descontadas no mês de dezembro de 2018, reajustados pelos índices negociados da cláusula quinta (reajuste salarial) do presente instrumento coletivo, para vigorar a partir de julho de 2017, sendo certo que o prazo para recolhimento das aludidas contribuições obedecerá ao que consta no parágrafo primeiro acima.
Parágrafo sétimo - A presente cláusula constitui mera reprodução da deliberação das Assembleias realizadas pelas entidades profissionais, ficando pelas partes convencionado que toda e qualquer divergência, esclarecimentos, dúvidas ou ações de ordem econômica, administrativa ou judicial deverão ser tratadas direta e exclusivamente com os sindicatos profissionais elencados, bem como qualquer ônus financeiro e/ou impostos incidentes sobre as referidas contribuições serão integralmente assumidos pelos sindicatos representativos dos trabalhadores, únicos beneficiários da contribuição prevista nesta cláusula, os quais assumem toda e qualquer responsabilidade pela sua fixação, estando isentas as Empresas representadas pela FIESP" (págs. 553-554 – grifos nossos).
Quanto ao interesse recursal, considero-o presente.
Com efeito, tem o Sindicato Patronal interesse recursal em opor-se à instituição da referida cláusula basicamente por três razões:
a) o custo que se lhe impõe com a elaboração de cálculos, burocracia e trabalho para efetuar os descontos (§ 2º da cláusula 66ª), em que pese outros ônus financeiros ou tributários sejam assumidos pelo sindicato beneficiário das contribuições (§ 7º da cláusula 66ª);
b) os ônus processuais a que está sujeito, pelo eventual não desconto e repasse das contribuições, com multa de 10%, juros e correção monetária (caput, in fine, da cláusula 66ª), tendo de pagar advogados para se defender, quando acionado pelo sindicato, quando não efetuado os descontos de trabalhadores não associados, uma vez que são considerados inconstitucionais pelo STF;
c) a necessidade de se dar cumprimento aos precedentes vinculantes do STF em matéria de contribuição sindical e assistencial, que se tornariam inócuos se não reconhecida a legitimidade recursal das entidades sindicais patronais.
Isso porque os sindicatos obreiros são os beneficiários das contribuições sobre os trabalhadores não associados e não irão recorrer, como também não o MPT, que, mesmo após o julgamento da ADI 5.794/DF pelo STF, manifesta-se declaradamente avesso à limitação contributiva aos associados ("a cobrança do não associado abrangido pela negociação coletiva não viola a liberdade sindical negativa, pois não resulta em necessária ou obrigatória filiação ao sindicato, assegurado o direito de oposição" - Nota Técnica 3, de 14/05/19, item 17).
Ademais, também os trabalhadores não irão acionar a Justiça em face de um desconto de "1% (um por cento) ao mês dos salários, a partir do mês de julho/2017, limitado ao teto de R$ 53,65 (cinquenta e três reais e sessenta e cinco centavos)" (pág. 553), dada a relação custo benefício, pois nessa demanda nem sequer terão a assistência judiciária dos sindicatos, a par do ônus para os trabalhadores não associados de terem de apresentar sua oposição na sede ou sub-sedes do sindicato (§ 3º da cláusula 66ª).
Nesse sentido, em caso de não reconhecimento do interesse recursal dos sindicatos patronais, ou mesmo de interesse de agir para propor ação anulatória, teríamos lesão a direito cujo acesso ao Judiciário seria vedado na prática, em detrimento do art. 5º, XXXV, da CF.
Assim sendo, preenchidos os pressupostos de admissibilidade comuns a qualquer recurso, CONHEÇO do recurso sindical patronal.
II) MÉRITO
CONTRIBUIÇÃO PARA CUSTEIO DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA ABRANGENDO EMPREGADOS NÃO ASSOCIADOS – IMPOSSIBILIDADE - ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL 19 DA SDC E PRECEDENTE NORMATIVO 119, AMBOS DO TST - PRECEDENTES DO ARE 1.018.459 E DA ADI 5.794 DO STF – ADEQUAÇÃO DA REDAÇÃO DA CLÁUSULA
Em seu recurso ordinário, a FIESP postula, ao final:
"Requer-se, ainda, seja dado provimento ao apelo para o fito de declarar a nulidade da sentença normativa por ausência de fundamentação conforme razões expostas anteriormente e, com base na teoria da causa madura (art. 1013, § 3º do CPC), profira decisão de mérito, desta feita, levando-se em conta os argumentos esposados pelo recorrente ao longo do processo.
Alternativamente, no que se refere à contribuição assistencial, requer seja reformada a decisão inferior, que acarreta insegurança jurídica ao determinar o desconto de associados ou não do sindicato mediante autorização dada em assembleia, ferindo a lei e a jurisprudência deste C.TST e E.STF.
Em caso de manutenção, requer-se, ao menos que o desconto seja limitado a 5% (cinco por cento) em substituição aos 12% (doze por cento) estabelecidos pelo Regional, que violou seu próprio PN 21. Deve, ainda, ser determinado que os descontos somente sejam procedidos após o final do prazo de oposição, não ao contrário, como ficou equivocadamente estabelecido na decisão ora combatida" (pág. 762 – grifos nossos).
Ora, a jurisprudência desta Corte é firme no sentido da impossibilidade de se instituir contribuição assistencial a empregados não associados em favor da entidade sindical, independentemente de eventual autorização em assembleia geral da categoria, porquanto afronta diretamente a liberdade de associação constitucionalmente assegurada (cfr. RR-20346-79.2014.5.04.0022, Rel. Min. Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, 7ª Turma, DEJT 29/09/17; RR-21007-68.2015.5.04.0751, Rel. Min. Alexandre de Souza Agra Belmonte, 3ª Turma, DEJT 18/08/17; AIRR- 10048-29.2015.5.15.0073, Rel. Min. Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, 3ª Turma, DEJT 04/08/17; RR-140-16.2012.5.04.0733, Rel. Min. Delaíde Miranda Arantes, 2ª Turma, DEJT 03/07/17; AIRR- 24694-36.2014.5.24.0006, Rel. Min. Antonio José de Barros Levenhagen, 5ª Turma, DEJT 31/03/17; AIRR-11046-94.2014.5.15.0052, Rel. Min. Maria Helena Mallmann, 2ª Turma, DEJT 23/06/17; AIRR-458-50.2010.5.02.0401, Rel. Min. Cláudio Mascarenhas Brandão, 7ª Turma, DEJT de 13/05/16; RR- 59300-57.2006.5.17.0009, Rel. Min. Lélio Bentes Corrêa, 1ª Turma, DEJT 22/05/15).
A propósito, o Precedente Normativo 119 e a Orientação Jurisprudencial 17, ambos desta SDC, abraçam a mesma diretriz, verbis:
"PN-119. Contribuições sindicais - inobservância de preceitos constitucionais - (mantido) DEJT divulgado em 25.08.2014.
‘A Constituição da República, em seus arts. 5º, XX, e 8º, V, assegura o direito de livre associação e sindicalização. É ofensiva a essa modalidade de liberdade cláusula constante de acordo, convenção coletiva ou sentença normativa estabelecendo contribuição em favor de entidade sindical a título de taxa para custeio do sistema confederativo, assistencial, revigoramento ou fortalecimento sindical e outras da mesma espécie, obrigando trabalhadores não sindicalizados. Sendo nulas as estipulações que inobservem tal restrição, tornam-se passíveis de devolução os valores irregularmente descontados".
"OJ-SDC-17. CONTRIBUIÇÕES PARA ENTIDADES SINDICAIS. INCONSTITUCIONALIDADE DE SUA EXTENSÃO A NÃO ASSOCIADOS (mantida) DEJT divulgado em 25.08.2014.
‘As cláusulas coletivas que estabeleçam contribuição em favor de entidade sindical, a qualquer título, obrigando trabalhadores não sindicalizados, são ofensivas ao direito de livre associação e sindicalização, constitucionalmente assegurado, e, portanto, nulas, sendo passíveis de devolução, por via própria, os respectivos valores eventualmente descontados".
Ademais, o Plenário do STF, ao julgar o ARE 1.018.459/PR, de relatoria do Min. Gilmar Mendes (DJe de 10/03/17), fixou a seguinte tese de Repercussão Geral – Tema 935: "É inconstitucional a instituição, por acordo, convenção coletiva ou sentença normativa, de contribuições que se imponham compulsoriamente a empregados da categoria não sindicalizados".
Reforça ainda essa linha argumentativa o julgamento da ADI 5.794/DF, acerca das contribuições sindicais, em que a Suprema Corte afirmou a validade do novo regime voluntário de cobrança das referidas contribuições, instituído pela Lei 13.467/17, verbis:
"EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL E TRABALHISTA. REFORMA TRABALHISTA. FACULTATIVIDADE DA CONTRIBUIÇÃO SINDICAL. CONSTITUCIONALIDADE. INEXIGÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR. DESNECESSIDADE DE LEI ESPECÍFICA. INEXISTÊNCIA DE OFENSA À ISONOMIA TRIBUTÁRIA (ART. 150, II, DA CRFB). COMPULSORIEDADE DA CONTRIBUIÇÃO SINDICAL NÃO PREVISTA NA CONSTITUIÇÃO (ARTIGOS 8º, IV, E 149 DA CRFB). NÃO VIOLAÇÃO À AUTONOMIA DAS ORGANIZAÇÕES SINDICAIS (ART. 8º, I, DA CRFB). INOCORRÊNCIA DE RETROCESSO SOCIAL OU ATENTADO AOS DIREITOS DOS TRABALHADORES (ARTIGOS 1º, III E IV, 5º, XXXV, LV E LXXIV, 6º E 7º DA CRFB). CORREÇÃO DA PROLIFERAÇÃO EXCESSIVA DE SINDICATOS NO BRASIL. REFORMA QUE VISA AO FORTALECIMENTO DA ATUAÇÃO SINDICAL. PROTEÇÃO ÀS LIBERDADES DE ASSOCIAÇÃO, SINDICALIZAÇÃO E DE EXPRESSÃO (ARTIGOS 5º, INCISOS IV E XVII, E 8º, CAPUT, DA CRFB). GARANTIA DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO (ART. 5º, IV, DA CRFB). AÇÕES DIRETAS DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADAS IMPROCEDENTES. AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE.
1. À lei ordinária compete dispor sobre fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes quanto à espécie tributária das contribuições, não sendo exigível a edição de lei complementar para a temática, ex vi do art. 146, III, alínea ‘a’, da Constituição.
2. A extinção de contribuição pode ser realizada por lei ordinária, em paralelismo à regra segundo a qual não é obrigatória a aprovação de lei complementar para a criação de contribuições, sendo certo que a Carta Magna apenas exige o veículo legislativo da lei complementar no caso das contribuições previdenciárias residuais, nos termos do art. 195, § 4º, da Constituição. Precedente (ADI 4697, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 06/10/2016).
3. A instituição da facultatividade do pagamento de contribuições sindicais não demanda lei específica, porquanto o art. 150, § 6º, da Constituição trata apenas de "subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão", bem como porque a exigência de lei específica tem por finalidade evitar as chamadas "caudas legais" ou "contrabandos legislativos", consistentes na inserção de benefícios fiscais em diplomas sobre matérias completamente distintas, como forma de chantagem e diminuição da transparência no debate público, o que não ocorreu na tramitação da reforma trabalhista de que trata a Lei nº 13.467/2017. Precedentes (ADI 4033, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 15/09/2010; RE 550652 AgR, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 17/12/2013).
4. A Lei nº 13.467/2017 emprega critério homogêneo e igualitário ao exigir prévia e expressa anuência de todo e qualquer trabalhador para o desconto da contribuição sindical, ao mesmo tempo em que suprime a natureza tributária da contribuição, seja em relação aos sindicalizados, seja quanto aos demais, motivos pelos quais não há qualquer violação ao princípio da isonomia tributária (art. 150, II, da Constituição), até porque não há que se invocar uma limitação ao poder de tributar para prejudicar o contribuinte, expandindo o alcance do tributo, como suporte à pretensão de que os empregados não-sindicalizados sejam obrigados a pagar a contribuição sindical.
5. A Carta Magna não contém qualquer comando impondo a compulsoriedade da contribuição sindical, na medida em que o art. 8º, IV, da Constituição remete à lei a tarefa de dispor sobre a referida contribuição e o art. 149 da Lei Maior, por sua vez, limita-se a conferir à União o poder de criar contribuições sociais, o que, evidentemente, inclui a prerrogativa de extinguir ou modificar a natureza de contribuições existentes.
6. A supressão do caráter compulsório das contribuições sindicais não vulnera o princípio constitucional da autonomia da organização sindical, previsto no art. 8º, I, da Carta Magna, nem configura retrocesso social e violação aos direitos básicos de proteção ao trabalhador insculpidos nos artigos 1º, III e IV, 5º, XXXV, LV e LXXIV, 6º e 7º da Constituição.
7. A legislação em apreço tem por objetivo combater o problema da proliferação excessiva de organizações sindicais no Brasil, tendo sido apontado na exposição de motivos do substitutivo ao Projeto de Lei nº 6.787/2016, que deu origem à lei ora impugnada, que o país possuía, até março de 2017, 11.326 sindicatos de trabalhadores e 5.186 sindicatos de empregadores, segundo dados obtidos no Cadastro Nacional de Entidades Sindicais do Ministério do Trabalho, sendo que, somente no ano de 2016, a arrecadação da contribuição sindical alcançou a cifra de R$ 3,96 bilhões de reais.
8. O legislador democrático constatou que a contribuição compulsória gerava uma oferta excessiva e artificial de organizações sindicais, configurando uma perda social em detrimento dos trabalhadores, porquanto não apenas uma parcela dos vencimentos dos empregados era transferida para entidades sobre as quais eles possuíam pouca ou nenhuma ingerência, como também o número estratosférico de sindicatos não se traduzia em um correspondente aumento do bem-estar da categoria.
9. A garantia de uma fonte de custeio, independentemente de resultados, cria incentivos perversos para uma atuação dos sindicatos fraca e descompromissada com os anseios dos empregados, de modo que a Lei nº 13.467/2017 tem por escopo o fortalecimento e a eficiência das entidades sindicais, que passam a ser orientadas pela necessidade de perseguir os reais interesses dos trabalhadores, a fim de atraírem cada vez mais filiados.
10. Esta Corte já reconheceu que normas afastando o pagamento obrigatório da contribuição sindical não configuram indevida interferência na autonomia dos sindicatos: ADI 2522, Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 08/06/2006.
11. A Constituição consagra como direitos fundamentais as liberdades de associação, sindicalização e de expressão, consoante o disposto nos artigos 5º, incisos IV e XVII, e 8º, caput, tendo o legislador democrático decidido que a contribuição sindical, criada no período autoritário do estado novo, tornava nula a liberdade de associar-se a sindicatos.
12. O engajamento notório de entidades sindicais em atividades políticas, lançando e apoiando candidatos, conclamando protestos e mantendo estreitos laços com partidos políticos, faz com que a exigência de financiamento por indivíduos a atividades políticas com as quais não concordam, por meio de contribuições compulsórias a sindicatos, configure violação à garantia fundamental da liberdade de expressão, protegida pelo art. 5º, IV, da Constituição. Direito Comparado: Suprema Corte dos Estados Unidos, casos Janus v. American Federation of State, County, and Municipal Employees, Council 31 (2018) e Abood v. Detroit Board of Education (1977).
13. A Lei nº 13.467/2017 não compromete a prestação de assistência judiciária gratuita perante a Justiça Trabalhista, realizada pelos sindicatos inclusive quanto a trabalhadores não associados, visto que os sindicatos ainda dispõem de múltiplas formas de custeio, incluindo a contribuição confederativa (art. 8º, IV, primeira parte, da Constituição), a contribuição assistencial (art. 513, alínea ‘e’, da CLT) e outras contribuições instituídas em assembleia da categoria ou constantes de negociação coletiva, bem assim porque a Lei n.º 13.467/2017 ampliou as formas de financiamento da assistência jurídica prestada pelos sindicatos, passando a prever o direito dos advogados sindicais à percepção de honorários sucumbenciais (nova redação do art. 791-A, caput e § 1º, da CLT), e a própria Lei n.º 5.584/70, em seu art. 17, já dispunha que, ante a inexistência de sindicato, cumpre à Defensoria Pública a prestação de assistência judiciária no âmbito trabalhista.
14. A autocontenção judicial requer o respeito à escolha democrática do legislador, à míngua de razões teóricas ou elementos empíricos que tornem inadmissível a sua opção, plasmada na reforma trabalhista sancionada pelo Presidente da República, em homenagem à presunção de constitucionalidade das leis e à luz dos artigos 5º, incisos IV e XVII, e 8º, caput, da Constituição, os quais garantem as liberdades de expressão, de associação e de sindicalização.
15. Ações Diretas de Inconstitucionalidade julgadas improcedentes e Ação Declaratória de Constitucionalidade julgada procedente para assentar a compatibilidade da Lei n.º 13.467/2017 com a Carta Magna" (STF-ADI 5.794/DF, Red. Min. Luiz Fux, DJe de 23/04/19) .
Por sua vez, em relação às contribuições assistenciais ou negociais, o STF também entendeu inadmissível a imposição do desconto assistencial a empregados não sindicalizados, conforme o precedente do ARE 1018459, cuja ementa assenta que:
"Recurso Extraordinário. Repercussão Geral. 2. Acordos e convenções coletivas de trabalho. Imposição de contribuições assistenciais compulsórias descontadas de empregados não filiados ao sindicato respectivo. Impossibilidade. Natureza não tributária da contribuição. Violação ao princípio da legalidade tributária. Precedentes. 3. Recurso extraordinário não provido. Reafirmação de jurisprudência da Corte" (ARE 1018459, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJE 10/03/17).
Em tal precedente fixou-se a tese para o Tema 935 de Repercussão Geral, no sentido de que "é inconstitucional a instituição, por acordo, convenção coletiva ou sentença normativa, de contribuições que se imponham compulsoriamente a empregados da categoria não sindicalizados".
Ora, tendo a maioria do Plenário do STF declarado constitucional a supressão do caráter compulsório das contribuições sindicais e a inconstitucionalidade da instituição de contribuição assistencial ou negocial para trabalhadores não sindicalizados, a decisão regional do 2º Regional, ao legitimar a instituição de contribuição a todos os membros da categoria, acaba por esvaziar o conteúdo do comando vinculante da Suprema Corte e das alterações da novel Lei 13.467/17, declaradas constitucionais pelo STF no julgamento da ADI 5.794/DF.
Desse modo, no caso vertente, a instituição de contribuição assistencial devida por todos os membros da categoria, associados ou não, nos termos propostos pela cláusula guerreada, é ofensiva aos princípios constitucionais que norteiam o direito sindical, notadamente a liberdade de associação consagrada no art. 8º, V, da CF.
Assim, o apelo do Sindicato patronal merece parcial provimento, no aspecto, para que a redação da cláusula 66ª do instrumento normativo em apreço seja adequada aos termos da OJ 17 da SDC e do Precedente Normativo 119, ambos do TST, bem como ao entendimento vinculante fixado pelo STF no ARE 1.018.459/PR e na ADI 5.794/DF, a fim de limitar os descontos da contribuição apenas aos empregados associados ao sindicato profissional, mantido, no mais, a redação da cláusula.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Seção de Especializada em Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho, por maioria, em conhecer do recurso ordinário e, no mérito, dar-lhe parcial provimento para que a redação da cláusula 66ª do instrumento normativo em apreço seja adequada aos termos da OJ 17 da SDC e do Precedente Normativo 119, ambos do TST, bem como ao entendimento vinculante fixado pelo STF no ARE 1.018.459/PR e na ADI 5.794/DF, a fim de limitar os descontos da contribuição apenas aos empregados associados ao sindicato profissional, mantido, no mais, a redação da cláusula. Vencidos os Exmos. Ministros Maurício Godinho Delgado, Relator, Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Vistor e Kátia Magalhães Arruda, que votaram no sentido de não conhecer do recurso ordinário quanto à cláusula 66ª, por ausência de interesse recursal.
Brasília, 12 de abril de 2021.
Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)
IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO
Redator Designado
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