TST - INFORMATIVOS 2018 0178 - 14 a 21 de maio de 2018

Data da publicação:

Seção Especializada em Dissídios Coletivos

Aloysio Corrêa da Veiga - TST



01 -Ação anulatória. Acordo coletivo de trabalho. Cláusula que fixa percentual máximo de 50% do salário base para desconto em folha de pagamento. Validade. A Lei nº 10.820/2003, que dispõe sobre a consignação em folha nos casos de prestações decorrentes de operações financeiras, não fixa limites mínimo ou máximo para o desconto salarial.



Resumo do voto.

Ação anulatória. Acordo coletivo de trabalho. Cláusula que fixa percentual máximo de 50% do salário base para desconto em folha de pagamento. Validade. A Lei nº 10.820/2003, que dispõe sobre a consignação em folha nos casos de prestações decorrentes de operações financeiras, não fixa limites mínimo ou máximo para o desconto salarial. O percentual de 35% determinado no art. 1º, § 1º, da referida lei alude apenas ao limite de comprometimento das verbas rescisórias e não ao limite de desconto nos salários. No caso, a norma coletiva fixou o percentual máximo de desconto de 50% sobre o salário base em folha de pagamento, em consonância, portanto, com a Orientação Jurisprudencial nº 18 da SDC, que delimita os descontos salariais autorizados por meio de norma coletiva a 70% do salário base. Sob esse fundamento, a SDC, por unanimidade, conheceu do recurso ordinário interposto pelo Ministério Público do Trabalho e, no mérito, negou-lhe provimento, mantendo, portanto, a decisão do Tribunal Regional que julgara improcedente a ação anulatória, ante a validade da cláusula em questão. 

 

A C Ó R D Ã O

RECURSO ORDINÁRIO. DISSÍDIO COLETIVO. AÇÃO ANULATÓRIA DE CLÁUSULA DE ACORDO COLETIVO DE TRABALHO. PREVISÃO DE DESCONTOS EM FOLHA DE PAGAMENTO DE ATÉ 50% DO SALÁRIO BASE. ARTIGO 1º, § 1º, DA LEI Nº 10.820/2003. A Lei nº 10.820/2003 dispõe sobre a consignação em folha nos casos de prestações decorrentes de operações financeiras (empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e arrendamento mercantil). O caput do seu artigo 1º não fixa limites mínimo ou máximo para o desconto salarial e o percentual de 35% determinado no parágrafo primeiro do dispositivo refere-se aos valores devidos ao empregado a título de verbas rescisórias. O percentual, portanto, refere-se ao limite de comprometimento das verbas rescisórias e não ao limite de desconto salarial. Assim, não impondo a Lei nº 10.820/2003 expressamente os limites para os descontos salariais de que tratam a norma coletiva, não há falar em invalidade da cláusula que fixa o percentual máximo de desconto de 50% sobre o salário base em folha de pagamento, uma vez que em consonância com a diretriz fixada na OJ 18 da SDC, a qual delimitou o mínimo de 30% de intangibilidade salarial a ser observado nos descontos autorizados por meio de norma coletiva. Recurso ordinário conhecido e desprovido. (TST-RO-560-36.2016.5.08.0000, SDC, rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, 18.5.2018)

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso Ordinário n° TST-RO-560-36.2016.5.08.0000, em que é Recorrente MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO DA 8ª REGIÃO e são Recorridos SINDICATO DOS TRABALHADORES NAS INDÚSTRIAS DA CONSTRUÇÃO PESADA E AFINS DO ESTADO DO PARÁ - SINTRAPAV e ELETROTEL ENGENHARIA E TELECOMUNICAÇÕES LTDA..

O eg. TRT julgou totalmente improcedente a ação anulatória da cláusula de norma coletiva que autorizou os descontos salariais até o limite de 50% do salário base, relativos aos convênios firmados pelo sindicato da categoria profissional.

Em face dessa decisão o Ministério Público do Trabalho interpõe recurso ordinário. Alega, em síntese, a ilegalidade da cláusula coletiva por inobservar o limite percentual previsto no artigo 1º, § 1º, da Lei nº 10.280/2003.

Apresentadas contrarrazões.

Não há parecer do Ministério Público do Trabalho.

É o relatório.

V O T O

CONHECIMENTO

O recurso é tempestivo, a representação está regular e as custas são dispensadas. Conheço.

MÉRITO

Eis o teor da decisão recorrida:

"CLÁUSULA DE NORMA COLETIVA - DESCONTOS SALARIAIS INCIDENTES SOBRE O SALÁRIO-BASE - VALIDADE - Observada a boa-fé das partes no contrato coletivo e a equivalência da participação de ambas na formulação do pactuado, como no presente caso, é válida cláusula de norma coletiva que permite descontos salariais de convênios com os comerciantes locais e levando esta alternativa benéfica ao trabalhador abrindo-lhe a possibilidade de negociação e aquisição de bens que levem a sua melhoria de condição de vida pessoal e/ou familiar. A cláusula impugnada trata de convênios diversos que convergem com as disposições da Súmula n. 342 do C. TST, condicionada a existência dos referidos convênios terem sido firmados pelo sindicato reclamado.

  1. RELATÓRIO

Trata-se de Ação Anulatória, em que são partes, como autor, e como réus, os acima indicados.

O Ministério Público do Trabalho propôs a presente Ação Anulatória com pedido liminar 'inaudita altera parte’ sob a alegação que padece de manifesta ilegalidade, a cláusula quadragésima terceira parágrafo terceiro (43ª§3) estabelecida no Acordo Coletivo de vigência entre 2 de janeiro de 2016 a 1 de janeiro de 2017, o qual está registrado no Ministério do Trabalho e Emprego sob nº PA 000128/2016.

A liminar foi indeferida, sob ID fa20ce2.

O réu Sindicato dos trabalhadores nas indústrias da Construção Pesada e afins do Estado do Pará foi regularmente notificada (ID 6805b27) . O réu Eletrotel Engenharia e Telecomunicações Ltda- EPP não apresentou contestação embora notificado( certidão de ID 91 a8271).

(...)

MÉRITO - NULIDADE DA CLÁUSULA QUADRAGÉSIMA TERCEIRA- CONVÊNIOS DIVERSOS

O Ministério Público do Trabalho pretende ver anulada a cláusula Quadragésima Terceira parágrafo terceiro, que trata de desconto em folha de pagamento em até 50% do salário base, a ser paga pelos empregados da categoria. Dispõe a cláusula:

CLÁUSULA QUADRAGÉSIMA TERCEIRA- CONVÊNIOS DIVERSOS.

A empresa, providenciará o desconto do salário base do empregado em folha de pagamento, mediante autorização do empregado em comprovantes dos convênios firmados pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Pesada e Afins do Estado do Pará.

Parágrafo 3º- Os valores referentes aos convênios mencionados no "caput" e nos parágrafos anteriores não poderão ultrapassar a 50% ( cinquenta por cento ) do salário - base do empregado, mensalmente.

O autor argumenta que, a cláusula acima transcrita, é a sobreposição da vontade expressada pelas assembléias gerais das organizações profissionais em face da limitação legal prevista na Lei 10.820/2003 a qual dispôe um limite percentual para o desconto de 35%. Afirma que, a cláusula esta eivada de ilegalidade porque preve o desconto de até 50% do salário base do empregado para fins de empréstimo em folha de pagamento, o que vai contra a previsão legal.

Enfim, aduz não ser possível ao sindicato aumentar o limite estabelecido pela Lei 10.820/2003, sendo assim requer seja declarada nula a cláusula Quadragésima Terceria Paragrafo Terceiro do Acordo Coletivo de Trabalho em análise.

Entendo que a irresignação do autor não é pertinente.

Não assiste razão à argumentação autoral, tendo em conta que a Constituição de 1988 prestigiou a autonomia coletiva da vontade como mecanismo pelo qual o trabalhador contribuirá para a formulação das normas que regerão a sua própria vida, inclusive no trabalho (art. 7º, XXVI CF/88).

O reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho celebrados entre os respectivos sindicatos de classe, servem de fontes do direito de trabalho e que auxiliam na construção de realidades jurídicas mais dignas e benéficas em prol das relações cada vez mais complexas entre capital e trabalho, entre empregados e empregadores, especialmente em um país em desenvolvimento econômico constante como o Brasil. E mais: o acordo de vontade faz LEI entre as partes.

O acordo coletivo de trabalho que é estipulado pelos sindicatos das categorias profissionais e uma ou mais empresas do segmento daquela categoria econômica, estipulam condições de trabalho aplicáveis no âmbito das empresas ou em virtude das respectivas relações de trabalho, confronte o art. 611, §1º, da CLT. O acordo coletivo do trabalho, com a participação de ambas as classes, traz enunciados acordados pelas partes interessadas. Embora possa restringir certos direitos, há o acordo de aumentar outros, em contrapartida.

Não vejo qualquer ilegalidade da cláusula 43ª, §3º do ACT 2016/17 celebrado entre o SINTRAPAV/PA e a empresa Eletrotel Engenharia, que fixou o limite de até 50% (cinquenta por cento) de desconto por estar dentro da permissão legal e constitucional para flexibilização de normas laborais por negociação coletiva e em virtude da aplicação da autonomia da vontade.

O trabalhador pode permitir o desconto em folha de pagamento de valores que sirvam para pagamento de dívidas relacionadas com empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil, concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil. O STF entende que empregados e empregadores podem pactuar da melhor forma as normas que regerão a sua própria vida na relação de emprego.

Ademais, a cláusula abre a possibilidade do sindicato reclamado, como representante sindical dos obreiros, exercer atuação em benefício dos mesmos, fazendo uma cadeia de convênios com os comerciantes locais e levando esta alternativa benéfica ao uso de seus representados, não havendo qualquer tipo de ilegalidade em tal situação. O acordo coletivo é, assim, um instrumento válido para reger as relações de trabalho.

Em verdade a cláusula em questão trata-se de beneficiar os trabalhadores no âmbito local, junto ao comércio local, lhe abrindo possibilidade de negociação e aquisição de bens que levem a sua melhoria de condição de vida pessoal e/ou familiar.

O desconto em folha de pagamento questionado pelo Ministério Público do Trabalho é restrito aos convênios que sejam ou forem firmados pelo Sindicato não se aplicam a toda e qualquer situação. Além do mais o desconto em folha de pagamento está condicionado a autorização do empregado ou seja, a vontade do trabalhador está presente, assim como a vontade livre de utilizar os benefícios decorrentes de convênios firmados.

Conforme já mencionado na liminar a ilicitude do desconto encontraria amparo se fosse promovida aleatoriamente pelo empregador, sem a autorização e expressa vontade do trabalhador.

Enfim a cláusula impugnada trata de convênios diversos que convergem com as disposições da Súmula n. 342 do C. TST, condicionada a existência dos referidos convênios terem sido firmados pelo sindicato reclamado.

Sendo assim, inexiste ilegalidade da cláusula 43º e §3º do ACT impugnado, dado seu benefício aos trabalhadores representados.

Conclui-se, portanto, que tal claúsula deve ser mantida pois conforme com a legalidade, sendo indeferido o pedido de anulação da referida cláusula julgando-se improcedente o objeto da presente ação.

DA OBRIGAÇÃO DE FAZER - AFIXAÇÃO DE CÓPIAS DO PRESENTE ACÓRDÃO

Por se tratar de obrigação de fazer, complementar ao pleito principal, e por ser acessório, segue a mesma sorte do principal."

O eg. TRT considerou válida a Cláusula 43ª, § 3º, da norma coletiva que autoriza o desconto em folha de pagamento de até 50% do salário base mensal em relação aos convênios firmados pelo sindicato da categoria profissional.

O Ministério Público do Trabalho alega que, ao permitir o desconto em folha de até 50% do salário base, a cláusula viabiliza descontos superiores ao percentual de 35% do salário do trabalhador fixado no artigo 1º da Lei nº 10.820/2003.

Aduz que fixado o limite percentual legal para o desconto, a cláusula está eivada de ilegalidade, uma vez que possibilita descontos contrários à previsão legal. E, a partir do momento em que os trabalhadores como consumidores comprometem 50% dos seus salários por "facilidades", colocam em risco o mínimo existencial, estando vinculados a uma dívida constante e sem saída, vez que metade do salário está comprometido antecipadamente.

Assinala que o c. TST optou por sumular entendimentos que condicionam e limitam os descontos salarias, como nos casos da OJ nº 18 da SDC, e, nesse sentido, o trabalhador é vulnerável na relação trabalhista e consumerista, motivo pelo qual merece proteção especial do Estado.

Sustenta que os artigos 7º, XXVI e 8º, I, da CF asseguram o reconhecimento dos instrumentos negociais que estipulam a possibilidade de descontos nos salários. No entanto, tal regra não deve ser interpretada de forma ampla, autorizando-se descontos nos salários do trabalhador em um percentual que ponha em risco a proteção mínima à intangibilidade salarial.

Ocorre que a referida lei dispõe sobre a consignação em folha nos casos de prestações decorrentes de operações financeiras (empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e arrendamento mercantil). Assim está redigido o dispositivo na parte em que trata da autorização dos descontos salariais:

"Art. 1º  Os empregados regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, poderão autorizar, de forma irrevogável e irretratável, o desconto em folha de pagamento ou na sua remuneração disponível dos valores referentes ao pagamento de empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e sociedades de arrendamento mercantil, quando previsto nos respectivos contratos.        (Redação dada pela Lei nº 13.172, de 2015)

§ 1º  O desconto mencionado neste artigo também poderá incidir sobre verbas rescisórias devidas pelo empregador, se assim previsto no respectivo contrato de empréstimo, financiamento, cartão de crédito ou arrendamento mercantil, até o limite de 35% (trinta e cinco por cento), sendo 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente para:         (Redação dada pela Lei nº 13.172, de 2015)

I - a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito; ou        (Incluído pela Lei nº 13.172, de 2015)

II - a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito.         (Incluído pela Lei nº 13.172, de 2015)

§ 2º O regulamento disporá sobre os limites de valor do empréstimo, da prestação consignável para os fins do caput e do comprometimento das verbas rescisórias para os fins do § 1o deste artigo.

§ 3º  Os empregados de que trata o caput poderão solicitar o bloqueio, a qualquer tempo, de novos descontos.           (Incluído pela Lei nº 13.097, de 2015)

§ 4º  O disposto no § 3o não se aplica aos descontos autorizados em data anterior à da solicitação do bloqueio.            (Incluído pela Lei nº 13.097, de 2015)

(...)" (Grifamos)

Embora tenha razão o Ministério Público do Trabalho quando assinala a generalidade do termo "convênios" contido na cláusula coletiva a fim de possibilitar todo e qualquer desconto, inclusive os decorrentes de contratos com instituições financeiras, o dispositivo legal, no seu caput, não fixa limites mínimo ou máximo para o desconto salarial e o percentual de 35% determinado no parágrafo primeiro refere-se aos valores devidos ao empregado a título de verbas rescisórias.

Note-se, ainda, conforme o parágrafo segundo, que os limites de valor do empréstimo, da prestação consignável e do comprometimento das verbas rescisórias foram remetidos para regulamento, o qual nunca foi editado, apesar de previsto inclusive no projeto original da MPV 130/2003 convertida na referida lei.

O percentual de 35%, portanto, refere-se ao limite de comprometimento das verbas rescisórias e não ao limite de desconto salarial.

A Orientação Jurisprudencial 18 da SDC desta Corte fixou o limite mínimo de 30% de intangibilidade salarial a ser observado nos descontos autorizados por meio de norma coletiva:

18. DESCONTOS AUTORIZADOS NO SALÁRIO PELO TRABALHADOR. LIMITAÇÃO MÁXIMA DE 70% DO SALÁRIO BASE (inserida em 27.03.1998)

Os descontos efetuados com base em cláusula de acordo firmado entre as partes não podem ser superiores a 70% do salário base percebido pelo empregado, pois deve-se assegurar um mínimo de salário em espécie ao trabalhador.

Não obstante a edição do verbete seja anterior à vigência da Lei nº 10.820/2003, inaplicável para a hipótese conforme já referido, o princípio da proteção do trabalhador que rege a cláusula de intangibilidade salarial deve ser ponderado com a liberdade e a autonomia da negociação coletiva, observados em cada caso concreto conforme haja ou não benefícios e a melhoria da condição social do trabalhador.

No caso foi estabelecida condição mais benéfica até em relação ao percentual de que trata o verbete, pois, como consignado na defesa e no acórdão regional, sem impugnação específica do Parquet, a cláusula coletiva viabiliza a formação de uma cadeia de convênios com o comércio local, beneficia os trabalhadores locais junto a tal comércio, criando a possibilidade de negociação e aquisição não só de bens, mas também de remédios, alimentos e vestuário, tudo visando à melhoria da condição da vida pessoal, familiar e até da comunidade local.

Assim, não impondo a Lei nº 10.820/2003 expressamente os limites para os descontos salariais de que tratam a norma coletiva, não há falar em invalidade em relação ao percentual de desconto de 50% do salário base autorizado em folha de pagamento, uma vez que em consonância com a diretriz fixada na OJ 18 da SDC.

Ante o exposto, nego provimento.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Seção Especializada em Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso ordinário e, no mérito, negar-lhe provimento.

Brasília, 14 de maio de 2018.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

Aloysio Corrêa da Veiga

Ministro Relator

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