MULHER Isonomia

Data da publicação:

Acordão - TST

Dora Maria da Costa - TST



Empregadas (mulheres) de supermercado não terão preferência em folgas aos domingos, em ralação aos empregados (homens).



A) AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA RECLAMADA. APLICABILIDADE DO ART. 386 DA CLT. O agravo de instrumento merece provimento, com consequente processamento do recurso de revista, haja vista que a reclamada logrou demonstrar a configuração de possível ofensa ao art. 5°, I, da CF. Agravo de instrumento conhecido e provido. B) RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA RECLAMADA. APLICABILIDADE DO ART. 386 DA CLT. 1. No Capítulo III, no qual dispõe sobre a proteção do trabalho da mulher, o art. 386 da CLT estabelece que, "havendo trabalho aos domingos, será organizada uma escala de revezamento quinzenal, que favoreça o repouso dominical". 2. Por sua vez, a Constituição Federal veda a discriminação em razão do sexo, consoante os termos do inciso I do art. 5°, segundo o qual "homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição". 3. Se não bastasse, nos termos do art. 7°, XV, da CF, o repouso semanal remunerado deve ser concedido preferencialmente aos domingos, e o art. 6°, parágrafo único, da Lei n° 10.101/00 determina que "o repouso semanal remunerado deverá coincidir, pelo menos uma vez no período máximo de três semanas, com o domingo, respeitadas as demais normas de proteção ao trabalho e outras a serem estipuladas em negociação coletiva". 4. Como se observa, a Constituição Federal, além de consignar que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, não determina que o repouso semanal remunerado ocorra sempre no dia de domingo, sendo certo haver disposição legal de que o repouso semanal remunerado deverá coincidir, pelo menos uma vez no período máximo de três semanas, com o referido dia. 5. Dentro desse contexto, se as empregadas substituídas tinham assegurada a folga semanal, nos moldes do art. 6°, parágrafo único, da Lei n° 10.101/00, têm-se por compensados os demais domingos trabalhados, não havendo falar em condenação ao pagamento do descanso dominical, na forma deferida pelo Tribunal a quo, sob pena de ofensa ao princípio constitucional da isonomia, mormente porque, não obstante homens e mulheres diferenciarem-se em alguns pontos, especialmente no concernente ao aspecto fisiológico, esse diferencial não dá amparo ao gozo de mais folgas no dia de domingo às mulheres do que aos homens, já que o gozo da folga semanal em outro dia da semana não resulta em desgaste físico maior. 6. Ademais, o art. 7°, XX, da CF estabelece a proteção do trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, razão pela qual se repelem regras que resultem em desestímulo ao trabalho da mulher, de modo que, com fulcro no referido dispositivo consitucional, tem-se pela aplicabilidade do comando do art. 6°, parágrafo único, da Lei n° 10.101/00 a todos os trabalhadores, sem distinção de sexo. Recurso de revista conhecido e provido. (TST-RR-1606-35.2016.5.12.0037, Dora Maria da Costa, DEJT 10.05.19).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-1606-35.2016.5.12.0037, em que é Recorrente EMPRESA CATARINENSE DE SUPERMERCADOS LTDA. e Recorrido SINDICATO DOS EMPREGADOS NO COMÉRCIO DE FLORIANÓPOLIS.

A Presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região, por meio da decisão de fls. 638/639 (seq. n° 7), denegou seguimento ao recurso de revista interposto pela reclamada, em face da incidência dos óbices insculpidos na Súmula n° 297 do TST e no art. 896, "c", da CLT.

Irresignada, a reclamada interpôs o presente agravo de instrumento, alegando que a sua revista deve ser admitida (fls. 643/667 – seq. n° 7).

Regularmente intimado, o sindicato reclamante apresentou contraminuta ao agravo de instrumento (fls. 673/685 – seq. n° 7) e contrarrazões ao recurso de revista (fls. 686/701 – seq. n° 7).

Dispensada a remessa dos autos à Procuradoria-Geral do Trabalho, nos termos do art. 95 do RITST.

É o relatório.

V O T O

A) AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA

I. CONHECIMENTO

O agravo de instrumento é tempestivo e tem representação regular, razão pela qual dele conheço.

II. MÉRITO

APLICABILIDADE DO ART. 386 DA CLT

O Regional, no que interessa, deu provimento ao recurso ordinário interposto pelo sindicato reclamante, para "condenar a ré, observando a prescrição reconhecida na sentença, ao pagamento de um descanso dominical para cada empregada, durante a contratualidade de cada uma, em dobro nas hipóteses em que houve desrespeito à regra de que, a cada mês, no mínimo, dois descansos mensais recaiam em domingos, com reflexos no aviso prévio, nas férias com o terço constitucional, nas gratificações natalinas, e no FGTS com o acréscimo da indenização pecuniária de 40% (quarenta por cento), conforme as particularidades de cada trabalhadora representada pelo sindicato autor", in verbis:

"CONSTITUCIONALIDADE E APLICAÇÃO DO ARTIGO 386 DA CLT

O sindicato autor busca a reforma da sentença, a fim de condenar a ré ao pagamento de um descanso dominical, com adicional de 100% e reflexos, para cada empregada substituída (processualmente), nas hipóteses em que o descanso foi usufruído sem a observância da escala quinzenal prevista no artigo 386 da CLT, bem como a adoção imediata de escala de revezamento quinzenal a todas as trabalhadoras, nos termos do artigo 386 da CLT, sob pena de multa.

O Magistrado acolheu a tese defensiva apresentada pela ré e indeferiu o pedido, sob a alegação de que o artigo 386 da CLT não foi recepcionado pela Constituição Federal, por ferir o princípio da isonomia, e que a ré obedece ao disposto na Lei 10.101/2000, que autoriza o funcionamento do comércio aos domingos e estabelece que o repouso deve coincidir com o domingo pelo menos uma vez no período de três semanas.

Analiso.

O ponto central do litígio diz respeito a constitucionalidade ou não do artigo 386 da CLT, ou seja, se tal norma, supostamente contrária ao princípio da igualdade foi recepcionado ou não pela Constituição Federal. O Supremo Tribunal Federal já enfrentou tal questão, em julgamento com repercussão geral reconhecida. Transcrevo abaixo ao conclusões da Suprema Corte acerca do tema.

O art. 384 da CLT [‘Em caso de prorrogação do horário normal, será obrigatório um descanso de quinze (15) minutos no mínimo, antes do início do período extraordinário do trabalho’] foi recepcionado pela CF/1988 e se aplica a todas as mulheres trabalhadoras. Essa a conclusão do Plenário que, por maioria, desproveu recurso extraordinário em que discutida a compatibilidade do referido dispositivo com a Constituição vigente, à luz do princípio da isonomia, para fins de pagamento, pela empresa empregadora, de indenização referente ao intervalo de 15 minutos, com adicional de 50% previsto em lei. Preliminarmente, o Colegiado, por decisão majoritária, rejeitou questão de ordem, suscitada pelo Ministro Marco Aurélio, no sentido de não haver quórum para julgamento, tendo em conta se tratar de conflito de norma com a Constituição, e a sessão contar com menos de oito integrantes. No ponto, o Ministro Celso de Mello frisou que não se cuidaria de juízo de constitucionalidade, mas de discussão em torno de direito pré-constitucional. Assim, o juízo da Corte seria positivo ou negativo de recepção. Vencido o suscitante. No mérito, o Colegiado ressaltou que a cláusula geral da igualdade teria sido expressa em todas as Constituições brasileiras, desde 1824. Entretanto, somente com a CF/1934 teria sido destacado, pela primeira vez, o tratamento igualitário entre homens e mulheres. Ocorre que a essa realidade jurídica não teria garantido a plena igualdade entre os sexos no mundo dos fatos. Por isso, a CF/1988 teria explicitado, em três mandamentos, a garantia da igualdade. Assim: a) fixara a cláusula geral de igualdade, ao prescrever que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza; b) estabelecera cláusula específica de igualdade de gênero, ao declarar que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações; e c) excepcionara a possibilidade de tratamento diferenciado, que seria dado nos termos constitucionais. Por sua vez, as situações expressas de tratamento desigual teriam sido dispostas formalmente na própria Constituição, a exemplo dos artigos 7º, XX; e 40, § 1º, III, a e b. Desse modo, a Constituição se utilizara de alguns critérios para o tratamento diferenciado. Em primeiro lugar, considerara a histórica exclusão da mulher do mercado regular de trabalho e impusera ao Estado a obrigação de implantar políticas públicas, administrativas e legislativas de natureza protetora no âmbito do direito do trabalho. Além disso, o texto constitucional reputara existir componente biológico a justificar o tratamento diferenciado, tendo em vista a menor resistência física da mulher. Ademais, levara em conta a existência de componente social, pelo fato de ser comum o acúmulo de atividades pela mulher no lar e no ambiente de trabalho. No caso, o dispositivo legal em comento não retrataria mecanismo de compensação histórica por discriminações socioculturais, mas levara em conta os outros dois critérios (componentes biológico e social). O Plenário assinalou que esses parâmetros constitucionais legitimariam tratamento diferenciado, desde que a norma instituidora ampliasse direitos fundamentais das mulheres e atendesse ao princípio da proporcionalidade na compensação das diferenças.

O Colegiado reputou que, ao se analisar o teor da norma discutida, seria possível inferir que ela trataria de forma proporcional de aspectos de evidente desigualdade, ao garantir período mínimo de descanso de 15 minutos antes da jornada extraordinária de trabalho à mulher. Embora, com o tempo, tivesse ocorrido a supressão de alguns dispositivos a cuidar da jornada de trabalho feminina na CLT, o legislador teria mantido a regra do art. 384, a fim de garantir à mulher diferenciada proteção, dada sua identidade biossocial peculiar. Por sua vez, não existiria fundamento sociológico ou comprovação por dados estatísticos a amparar a tese de que essa norma dificultaria ainda mais a inserção da mulher no mercado de trabalho. O discrímen não violaria a universalidade dos direitos do homem, na medida em que o legislador vislumbrara a necessidade de maior proteção a um grupo de trabalhadores, de forma justificada e proporcional. Inexistiria, outrossim, violação da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, recepcionada pela Constituição, que proclamara, inclusive, outros direitos específicos das mulheres: a) nas relações familiares, ao coibir a violência doméstica; e b) no mercado de trabalho, ao proibir a discriminação e garantir proteção especial mediante incentivos específicos. Dessa forma, tanto as disposições constitucionais como as infraconstitucionais não impediriam tratamentos diferenciados, desde que existentes elementos legítimos para o discrímen e que as garantias fossem proporcionais às diferenças existentes entre os gêneros ou, ainda, definidas por conjunturas sociais. Na espécie, não houvera tratamento arbitrário em detrimento do homem. A respeito, o Colegiado anotou outras espécies normativas em que concebida a igualdade não a partir de sua formal acepção, mas como um fim necessário em situações de desigualdade: direitos trabalhistas extensivos aos trabalhadores não incluídos no setor formal; licença maternidade com prazo superior à licença paternidade; prazo menor para a mulher adquirir direito à aposentadoria por tempo de serviço e contribuição; obrigação de partidos políticos reservarem o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo; proteção especial para mulheres vítimas de violência doméstica; entre outras. Além disso, a jurisprudência da Corte entenderia possível, em etapa de concurso público, exigir-se teste físico diferenciado para homens e mulheres quando preenchidos os requisitos da necessidade e da adequação para o discrímen. Não obstante, o Colegiado concluiu que, no futuro, poderia haver efetivas e reais razões fáticas e políticas para a revogação da norma, ou mesmo para ampliação do direito a todos os trabalhadores.

O Ministro Gilmar Mendes sublinhou que a Corte só poderia invalidar a discriminação feita pelo legislador se ela fosse arbitrária, o que não seria o caso. O Ministro Celso de Mello frisou que o juízo negativo de recepção do art. 384 da CLT implicaria transgressão ao princípio que veda o retrocesso social, que cuidaria de impedir que os níveis de concretização de prerrogativas inerentes aos direitos sociais, uma vez atingidos, viessem a ser reduzidos ou suprimidos, exceto nas hipóteses em que políticas compensatórias viessem a ser implementadas. A Ministra Cármen Lúcia acrescentou que a Constituição atual teria inovado no sentido de estabelecer um sistema jurídico capaz de possibilitar novos espaços de concretização de direitos que sempre existiram - notadamente o princípio da igualdade. Vencidos os Ministros Luiz Fux e Marco Aurélio, que proviam o recurso, para assentar a não-recepção do art. 384 da CLT pela CF/1988. O Ministro Luiz Fux ponderava que, em atendimento à isonomia, o dispositivo deveria ser aplicável somente em relação às atividades que demandassem esforço físico. O Ministro Marco Aurélio considerava que o preceito trabalhista não seria norma protetiva, mas criaria discriminação injustificada no mercado de trabalho, em detrimento da mulher.

Ressalto que o artigo 384 da CLT, que teve a constitucionalidade reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, em julgamento com repercussão geral reconhecida, encontra-se no mesmo capítulo que o artigo 386 da CLT, questionado na presente demanda (Capítulo III, Da Proteção do Trabalho da Mulher), que estabelece inúmeras medidas com a finalidade de proteger a mulher em seu ambiente de trabalho e nas relações de emprego. Nota-se que os artigos 384 e 386 se assemelham em essência, pois tratam da jornada de trabalho da mulher, mais especificamente do período de descanso (intra e interjornada, respectivamente). Deste modo, reconhecida a constitucionalidade do artigo 384, não há a menor lógica em afirmar que o artigo 386 não é constitucional, vez que ambos tratam de garantias com enormes semelhanças entre si.

Ademais, não é outro o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho, conforme precedentes elencados abaixo.

1 - AGRAVO DE INSTRUMENTO DA RECLAMADA. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DAS LEIS Nºs 13.015/2014 E 13.105/2015 - DESCABIMENTO. 1. HORAS EXTRAS. ESCALA DE REVEZAMENTO PREVISTA NO ART. 386 DA CLT. CONSTITUCIONALIDADE. O art. 386 da CLT, inserido no capítulo III, que cuida da proteção do trabalho da mulher, foi recepcionado pela Constituição Federal, que, embora estabeleça a igualdade entre homens e mulheres (art. 5º, I), não desconsidera as peculiaridades, máxima de ordem fisiológica, entre ambos os gêneros, hábeis a autorizar o tratamento diferenciado, quando houver justificativa razoável para tanto (art. 7º, XX). (TST-ARR-1714-98.2014.5.12.0016, Relator Ministro: Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, Data de Julgamento: 05/04/2017, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 11/04/2017).

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. PROTEÇÃO AO TRABALHO DA MULHER. ESCALA DE REVEZAMENTO PREVISTA NO ART. 386 DA CLT. No Capítulo III que dispõe sobre a proteção do trabalho da mulher, o art. 386 da CLT estabelece que ‘havendo trabalho aos domingos, será organizada uma escala de revezamento quinzenal, que favoreça o repouso dominical’. Esta Corte Superior, em caso análogo, sobre a recepção do art. 384 da CLT, que também trata de norma de proteção ao trabalho da mulher, ao apreciar o Incidente de Inconstitucionalidade em Recurso de Revista nº TST-IIN-RR-1540/2005-046-12-00.5, entendeu que o artigo 384 da CLT foi recepcionado pela Constituição Federal. Decisão do Tribunal Regional em sintonia com o entendimento desta Corte Superior. Agravo de instrumento a que se nega provimento. (TST-AIRR-1808-06.2009.5.10.0007, Relator Ministro: Pedro Paulo Manus, Data de Julgamento: 26/09/2012, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 28/09/2012).

Superada a questão acerca da constitucionalidade do dispositivo legal questionado, deve-se esclarecer qual a lei aplicada ao presente caso, se o artigo 386 da CLT ou a Lei 10.101/2000, conforme alegado pela ré.

A Lei 10.101/2000, em seu artigo 6º parágrafo único dispõe o seguinte acerca do tema:

Art. 6º. Fica autorizado o trabalho aos domingos nas atividades do comércio em geral, observada a legislação municipal, nos termos do art. 30, inciso I, da Constituição. (Redação dada pela Lei nº 11.603, de 2007)

Parágrafo único. O repouso semanal remunerado deverá coincidir, pelo menos uma vez no período máximo de três semanas, com o domingo, respeitadas as demais normas de proteção ao trabalho e outras a serem estipuladas em negociação coletiva. (Redação dada pela Lei nº 11.603, de 2007).

Inicialmente, ressalto que a Lei 10.101/2000 não derroga a previsão contida na CLT. A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657, de 1942), em seu artigo 2º, § 2º estabelece que ‘A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior’. Como a lei 10.101/2000 trata de disposições gerais acerca do comércio, não tem o poder para revogar disposições especificas acerca do trabalho da mulher.

Ademais, o próprio dispositivo legal invocado pela ré estabelece que serão respeitadas as demais normas de proteção ao trabalho, como a prevista no artigo 386 da CLT, inserida no capítulo próprio de Proteção do Trabalho da Mulher.

Este Regional vem se manifestando sistematicamente favorável à constitucionalidade do artigo 386 da CLT e pela sua aplicação, em detrimento à previsão contida na Lei 10.101/2000, que prevê intervalos aos domingos em um período máximo de três semanas, conforme ementas a seguir:

TRABALHO DA MULHER. ESCALA DE REVEZAMENTO QUINZENAL PARA O TRABALHO AOS DOMINGOS. A concessão do repouso aos domingos apenas a cada três semanas para as mulheres, viola direito assegurado no art. 386 da CLT ‘Havendo trabalho aos domingos, será organizada uma escala de revezamento quinzenal, que favoreça o repouso dominical.’ Tal fato afeta a convivência de uma família e de uma comunidade, o que dificulta relacionamentos e promove o isolamento. A conduta gera efeitos não apenas no aspecto individual de uma trabalhadora, mas na visão macro, da sociedade, uma vez que a mulher que se isola no trabalho deixa de ser cidadã, mãe, irmã, filha, enfim, deixa de cumprir outros papéis que são essenciais de igual forma ao papel da trabalhadora, sendo necessário o equilíbrio para a formação da sociedade livre, justa e igualitária que buscamos. Destaco que a Convenção nº 106 da OIT, ratificada pelo Decreto nº 58.823/66, preceitua que o dia de repouso, se possível, seja compatível com o dia consagrado pela tradição de cada país como dia de descanso, preservando, desse modo, a convivência humana, o bem-estar do trabalhador e da coletividade em geral. (RO 0001747-72.2016.5.12.0031, Desembargador-Relator JOSÉ ERNESTO MANZI, Publicado em 17.08.2017).

TRABALHO DA MULHER. DSR. ESCALA DE REVEZAMENTO AOS DOMINGOS. ART. 386 DA CLT. O art. 386 da CLT destina-se a beneficiar não somente a trabalhadora, mas também, seu grupo familiar e, de modo mais abrangente, social. Não deve, portanto, ser suprimido em razão do princípio da isonomia. O que se revelaria um contrassenso, visto que se trata de um princípio protetivo. Subsiste, assim, a obrigatoriedade de que, ao menos, dois descansos semanais remunerados recaiam, a cada mês, em domingos. (RO 0000694-56.2016.5.12.0031, Desembargadora-Relatora VIVIANE COLUCCI, Publicado em 10.02.2017).

Ante o exposto, dou provimento ao recurso do sindicato autor para condenar a ré, observando a prescrição reconhecida na sentença, ao pagamento de um descanso dominical para cada empregada, durante a contratualidade de cada uma, em dobro nas hipóteses em que houve desrespeito à regra de que, a cada mês, no mínimo, dois descansos mensais recaiam em domingos, com reflexos no aviso prévio, nas férias com o terço constitucional, nas gratificações natalinas, e no FGTS com o acréscimo da indenização pecuniária de 40% (quarenta por cento), conforme as particularidades de cada trabalhadora representada pelo sindicato autor. Condeno a ré, ainda, a adotar escala de revezamento quinzenal para suas trabalhadoras, nos termos do artigo 386 da CLT, após o trânsito em julgado, sob pena de multa diária de R$ 500,00." (fls. 573/577 – seq. n° 7 – grifos no original)

Opostos embargos de declaração, foram rejeitados pelo Tribunal a quo, in verbis:

"O acórdão embargado tratou de forma expressa e exaustiva sobre a aplicabilidade do art. 386 da CLT (id d911985), do qual extrai-se: ‘Este Regional vem se manifestando sistematicamente favorável à constitucionalidade do artigo 386 da CLT e pela sua aplicação, em detrimento à previsão contida na Lei 10.101/2000, que prevê intervalos aos domingos em um período máximo de três semanas’.

O que pretende a ora recorrente é a modificação do julgado, para o que não se prestam os embargos de declaração, nos termos art. 897-A da CLT e art. 1.022 do CPC, cujo objeto limita-se aos casos de obscuridade, contradição, omissão ou erro material na decisão embargada, ou, ainda, nos casos em que detectado manifesto erro na verificação dos pressupostos extrínsecos de admissibilidade do recurso.

Desse modo, nada a reparar no acórdão recorrido.

Rejeito os presentes embargos." (fl. 609 – seq. n° 7)

À referida decisão a reclamada, pautada em violação dos arts. 5°, I, e 7°, XV, da CF, 1° e 9° da Lei n° 605/49 e 6°, parágrafo único, da Lei n° 10.101/00 e em contrariedade à Súmula n° 146 do TST, interpôs recurso de revista, sustentando que o art. 386 da CLT não foi recepcionado pela Constituição Federal. Alega, ainda, que a questão alusiva ao art. 384 da CLT não guarda relação com a controvérsia dos autos bem como que existe amparo legal para haver o trabalho aos domingos. Afirma, também, o fato de todas as empregadas sempre gozarem do repouso semanal remunerado, nos moldes do art. 6° da Lei n° 10.101/00 e da Orientação Jurisprudencial n° 410 da SDI-1 do TST. Conforme sustenta, o art. 386 da CLT foi, inclusive, derrogado pela Lei n° 605/49. Por fim, postula que, na hipótese de manutenção da condenação, deve ser extirpada do respectivo comando a determinação de pagamento em dobro, na medida em que o domingo trabalhado foi devidamente compensado (fls. 620/633 - seq. n° 7).

No Capítulo III, no qual dispõe sobre a proteção do trabalho da mulher, o art. 386 da CLT estabelece que, "havendo trabalho aos domingos, será organizada uma escala de revezamento quinzenal, que favoreça o repouso dominical".

Por sua vez, a Constituição Federal veda a discriminação em razão do sexo, consoante os termos do inciso I do art. 5°, segundo o qual "homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição".

Se não bastasse, nos termos do art. 7°, XV, da CF, o repouso semanal remunerado deve ser concedido preferencialmente aos domingos, e o art. 6°, parágrafo único, da Lei n° 10.101/00 determina que "o repouso semanal remunerado deverá coincidir, pelo menos uma vez no período máximo de três semanas, com o domingo, respeitadas as demais normas de proteção ao trabalho e outras a serem estipuladas em negociação coletiva".

Como se observa, a Constituição Federal, além de consignar que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, não determina que o repouso semanal remunerado ocorra sempre no dia de domingo, sendo certo haver disposição legal de que o repouso semanal remunerado deverá coincidir, pelo menos uma vez no período máximo de três semanas, com o referido dia.

Dentro desse contexto, se as empregadas substituídas tinham assegurada a folga semanal, nos moldes do art. 6°, parágrafo único, da Lei n° 10.101/00, têm-se por compensados os demais domingos trabalhados, não havendo falar em condenação ao pagamento do descanso dominical, na forma deferida pelo Tribunal a quo, sob pena de ofensa ao princípio constitucional da isonomia, mormente porque, não obstante homens e mulheres diferenciarem-se em alguns pontos, especialmente no concernente ao aspecto fisiológico, esse diferencial não dá amparo ao gozo de mais folgas no dia de domingo às mulheres do que aos homens, já que o gozo da folga semanal em outro dia da semana não resulta em desgaste físico maior.

Ademais, o art. 7°, XX, da CF estabelece a proteção do trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, razão pela qual se repelem regras que resultem em desestímulo ao trabalho da mulher, de modo que, com fulcro no referido dispositivo consitucional, tem-se pela aplicabilidade do comando do art. 6°, parágrafo único, da Lei n° 10.101/00 a todos os trabalhadores, sem distinção de sexo.

Pelo exposto, demonstrada a configuração de possível ofensa ao art. 5°, I, da CF, dou provimento ao agravo de instrumento a fim de determinar o processamento do recurso de revista.

B) RECURSO DE REVISTA

I. CONHECIMENTO

Preenchidos os pressupostos comuns de admissibilidade recursal, passa-se ao exame dos específicos do recurso de revista.

1. ARGUMENTOS SUSTENTADOS NA TRIBUNA PELO PATRONO DO SINDICATO RECLAMANTE

O advogado do Sindicato reclamante, Dr. Eduardo Soares, sustentou na Tribuna que o presente recurso de revista não tinha o condão de ultrapassar a barreira do conhecimento, tendo em vista que não atendeu aos ditames do art. 896, § 1°-A, I, da CLT, na medida em que a recorrente teria, nas razões da revista, transcrito o acórdão regional de forma integral, sem nenhum destaque ou grifo.

Alega, ainda, que a recorrente também deixou de fazer o confronto analítico das teses adotadas pelo Regional.

Aduz, além disso, que a matéria objeto do recurso de revista se encontra superada no âmbito desta Corte Superior, no sentido de que o art. 386 da CLT foi recepcionado pela Constituição Federal, não tendo sido revogado pelo art. 6° da Lei n° 10.101/06. Para tanto, cita precedente de minha lavra, proferido nos autos do processo n° TST-AIRR-235-45.2017.5.17.0010, bem como precedentes das 1ª, 2ª e 3ª Turmas, prolatados, respectivamente, nos processos nos TST-RR-20-83.2011.5.04.0352, TST-Ag-AIRR-1748-57.2016.5.12.0031 e TST-ARR-1714-98.2014.5.12.0016.

Não lhe assiste razão.

Com efeito, do que se infere dos autos, a reclamada, de fato, não transcreveu a íntegra do acórdão regional, consoante se verifica às fls. 620/626 (seq. n° 7), não obstante tenha transcrito longo trecho do acórdão regional sem realizar nenhum destaque.

Mesmo que assim não fosse, verifica-se que a reclamada atendeu aos ditames do art. 896, § 1°-A, I, da CLT, não em face da transcrição suso mencionada, mas sim tendo em vista a transcrição realizada à fl. 627 (seq. n° 7 – item 18 do recurso), em que satisfez o requisito preconizado no referido comando consolidado, trazendo o trecho pertinente do acórdão regional, o qual consubstancia o prequestionamento da tese que pretende debater.

Se não bastasse, verifica-se, também, que a recorrente atendeu inclusive ao disposto nos itens II e III do art. 896-A da CLT, pois, além de transcrever o trecho do acórdão regional, destacou os fundamentos contra os quais articula sua insurgência, estabelecendo o necessário confronto analítico entre o acórdão recorrido, os comandos legais e constitucionais reputados violados, o verbete sumulado reputado contrariado e as teses desenvolvidas, ou seja, além de indicar o trecho da decisão recorrida, realizou o confronto analítico com a fundamentação jurídica expressa nas razões do recurso.

Por outro lado, tem-se por descabida a alegação de que quatro precedentes desta Corte Superior teriam o condão de resultar em matéria superada no âmbito desta Corte Superior, mormente quando não se tem notícia de que o órgão uniformizador de jurisprudência interna corporis do TST, a SDI-1, já teria se pronunciado acerca da matéria ora controverdida.

Mesmo que assim não fosse, nos autos do processo n° TST-AIRR-235-45.2017.5.17.0010, esta Turma negou provimento ao agravo de instrumento, sem adentrar no mérito da controvérsia.

Rejeito.

2. APLICABILIDADE DO ART. 386 DA CLT

Conforme consignado por ocasião da análise do agravo de instrumento, o recurso de revista tem trânsito garantido pela demonstração de violação do art. 5°, I, da CF.

Pelo exposto, conheço do recurso de revista por violação do art. 5°, I, da CF.

II. MÉRITO

APLICABILIDADE DO ART. 386 DA CLT

Como consequência lógica do conhecimento do recurso por violação do art. 5°, I, da CF, dou provimento à revista para reformar o acórdão regional e restabelecer a sentença que havia julgado a presente reclamatória trabalhista totalmente improcedente.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Oitava Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade: a) conhecer do agravo de instrumento e dar-lhe provimento para determinar o processamento do recurso de revista; e b) conhecer do recurso de revista, por violação do art. 5°, I, da CF, e, no mérito, dar-lhe provimento para reformar o acórdão regional e restabelecer a sentença que havia julgado a presente reclamatória trabalhista totalmente improcedente.

Brasília, 8 de maio de 2019.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

Dora Maria da Costa

Ministra Relatora

Instituto Valentin Carrion © Todos direitos reservados | LGPD   Desen. e Adm by vianett

Politica de Privacidade