TST - INFORMATIVOS 2019 0197 - 03 de junho

Data da publicação:

Acordãos na integra

Márcio Eurico Vitral Amaro - TST



INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. MOTORISTA. PERNOITE NO VEÍCULO. Esta Corte entende que o simples fato de o motorista pernoitar no caminhão não é considerado degradante e não enseja o pagamento de indenização por danos morais, devendo haver demonstração concreta do prejuízo. Recurso de revista de que não se conhece.



I – AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA – HORAS EXTRAS. MOTORISTA. ATIVIDADE EXTERNA. POSSIBILIDADE DE CONTROLE DE JORNADA. SÚMULA 126 DO TST - MULTA CONVENCIONAL. ART. 896, "B", DA CLT. Nega-se provimento ao agravo de instrumento que não logra desconstituir os fundamentos da decisão que denegou seguimento ao recurso de revista. Agravo de instrumento a que se nega provimento.

II - RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE - JORNADA DE TRABALHO. AUSÊNCIA DOS CARTÕES DE PONTO. PRESUNÇÃO RELATIVA DE VERACIDADE DA JORNADA ALEGADA NA INICIAL. PROVA EM CONTRÁRIO. A presunção de veracidade da jornada alegada na inicial é meramente relativa, podendo ser elidida por prova em contrário (Súmula 338, I, do TST), caso dos autos. Recurso de revista de que não se conhece.

INTERVALO INTRAJORNADA E INTERJORNADAS. É incabível o recurso de revista para reexame de fatos e provas, nos termos da Súmula 126 do TST. Recurso de revista de que não se conhece.

INTERVALO DO ART. 235-D DA CLT. Não se cogita de afronta ao art. 235-D, I, da CLT, tendo em vista que ficou consignado no acórdão regional que o reclamante não trabalhava por 4h seguidas sem usufruir de intervalos, seja ele de 1h, ou fracionados de 20 minutos após determinado período de tempo ininterrupto de direção. Recurso de revista de que não se conhece.

TEMPO DE ESPERA. ART. 235-C, § 9º, DA CLT. Não se cogita de afronta ao art. 235-C, § 9º, da CLT, pois o Regional tão somente manteve o indeferimento do pleito por reputar que incumbia ao reclamante o ônus da prova do fato constitutivo do seu direito. Recurso de revista de que não se conhece.

TEMPO À DISPOSIÇÃO DO EMPREGADOR. MOTORISTA. PERNOITE NO VEÍCULO. O entendimento dominante desta Corte é no sentido de que o fato de o motorista dormir no caminhão não configura tempo à disposição do empregador, pois não permanece aguardando ordens da empresa, mas em descanso. Julgados. Recurso de revista de que não se conhece.

INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. MOTORISTA. PERNOITE NO VEÍCULO. Esta Corte entende que o simples fato de o motorista pernoitar no caminhão não é considerado degradante e não enseja o pagamento de indenização por danos morais, devendo haver demonstração concreta do prejuízo. Recurso de revista de que não se conhece. (TST-ARR-7-21.2014.5.09.0003, Márcio Eurico Vitral Amaro, DEJT, 31.05.19).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista com Agravo n° TST-ARR-7-21.2014.5.09.0003, tendo por Agravante e Recorrida PEPSICO DO BRASIL LTDA. e Agravado e Recorrente RUDNEI RIBEIRO DE LIMA.

 TRT da 9ª Região, pelo acórdão de fls. 552/598, e-SIJ, negou provimento aos recursos ordinários do reclamante e da reclamada.

Inconformado, o reclamante interpôs recurso de revista às fls. 629/660, e-SIJ, o qual foi admitido pelo despacho de fls. 713/722, e-SIJ.

Por sua vez, a reclamada interpõe agravo de instrumento às fls. 747/760, e-SIJ, contra o despacho denegatório de admissibilidade do seu recurso de revista.

Contrarrazões apresentadas pela reclamada às fls. 725/746, e-SIJ; e contraminuta e contrarrazões respectivamente apresentadas pelo reclamante às fls. 779/787 e 764/778, e-SIJ.

Não houve remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, nos termos do Regimento Interno do TST.

É o relatório.

V O T O

I – AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA

1 – CONHECIMENTO

Preenchidos os pressupostos extrínsecos de admissibilidade do recurso, dentre os quais a tempestividade às fls. 723 e 747; a representação processual às fls. 278/285; e o preparo satisfeito às fls. 477, 619 e 761.

2 – MÉRITO

2.1 – HORAS EXTRAS. MOTORISTA. ATIVIDADE EXTERNA. POSSIBILIDADE DE CONTROLE DE JORNADA

O Regional denegou seguimento ao apelo com fulcro no art. 896, § 8º, da CLT.

A reclamada sustenta que não havia a possibilidade de efetiva fiscalização da jornada de trabalho do reclamante, o qual desempenhava atividade externa incompatível com a fixação de jornada. Indica violação do art. 62, I, da CLT e transcreve arestos para demonstrar o dissenso de teses.

Não tem razão, contudo.

O Regional, quanto ao tema, assentou os seguintes fundamentos:

"Depreende-se da prova oral, compreendendo-se os depoimentos do preposto da Reclamada e das testemunhas,  que era possível fiscalizar a jornada do Reclamante, pois havia os relatórios de viagem em que o trabalhador anotava o horário de saída, quilometragem, destino e horário de chegada. Não obstante os argumentos recursais, os relatórios de viagem se enquadram nos preceitos celetistas de controle de jornada para os trabalhadores externos. O art. 74, § 3º, prevê que "se o trabalho for executado fora do estabelecimento, o horário dos empregados constará, explicitamente, de ficha ou papeleta em seu poder". Na mesma senda, a Lei 12.619/2012 e a Lei 13.103/15 dispõem a necessidade de controle da jornada do motorista mediante anotação em diário de borde, papeleta ou ficha de trabalho externo, ou, ainda, de sistemas e meios eletrônicos instalados nos veículos, a critério do empregador. Eventual inconsistência das anotações realizadas pelo obreiro pode ser verificada mediante cotejo com os documentos de  rotas predeterminadas, nos quais constam os horários de saída e chegada previstos.

O início dessa proposição, de possibilidade de controle da jornada dos motoristas, parte da posição ocupada pelo art. 62 da CLT perante as leis do trabalho: a de exceção à regra geral. Justamente por desviar os empregados nele referidos das normas que tratam da duração do labor, o mencionado preceito legal sempre teve aplicação restrita à menor parte dos destinatários da legislação trabalhista.

Desde sua redação original, dirigida aos ocupantes de "funções de serviço externo não subordinado a horário", até a sua atual dicção, destinada aos que "exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho", o art. 62 da CLT nunca se referiu a todos os trabalhadores externos, mas pretendeu regular apenas certos empregados que executam atividades externas.

Ainda na época em que vigorava a antiga letra do art. 62 da CLT, e antes da Constituição Federal de 1988, a doutrina mais autorizada difundia que a exceção nele contida não se aplicava a qualquer empregado que trabalhasse fora do estabelecimento patronal, mas somente àquele cuja atividade impedia o controle de jornada. Arnaldo Süssekind já dizia que, "se o trabalho do empregado é executado fora do estabelecimento do empregador (serviço externo), mas vigora condição que, indiretamente, lhe impõe um horário, afigura-se-nos que não poderá prosperar a exceção consubstanciada na alínea "a"" (Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho e à Legislação Complementar, 1960, vol. I, p. 351). No mesmo sentido, Délio Maranhão já asseverava que, "se o empregado exerce função externa, mas está subordinado a horário, deve-se-lhe, sem restrição, aplicar o regime legal de duração do trabalho; é o que resulta, a contrário, da alíena a do art. 62" (Direito do Trabalho, 11ª ed. rev. e atual., Rio de Janeiro : Ed. da Fundação Getúlio Vargas, 1983, p. 92).

O posicionamento defendido pela melhor doutrina de outrora, e por muitos doutrinadores atuais, foi acolhido pelo c. TST. Em sua atribuição de uniformizar a jurisprudência, a Corte Superior afastou as teses em sentido contrário e consolidou entendimento de que o art. 62, I, da CLT se refere apenas às hipóteses em que é impossível o controle da jornada de empregado que executa atividades fora do estabelecimento patronal. No entender do c. TST, a circunstância que atrai a aplicação do mencionado preceito não é a simples inexistência de controle de jornada (o só fato de o empregador deixar de aferir a duração do trabalho diário de seu empregado), mas a impossibilidade desse controle, advinda das condições em que o labor externo é executado. Esse firme posicionamento pode ser aferido não apenas nos julgados a seguir transcritos, oriundos da SBDI-1 daquele c. Tribunal, como também em inúmeros outros precedentes de suas Turmas:

(…)

Se é correto dizer que sempre foi restrito o âmbito de aplicação do art. 62 da CLT, ante o caráter excepcional da norma nele contida, não menos correto é afirmar que sua abrangência se restringiu ainda mais ao longo do tempo.

Em 1943, quando editada a CLT, não era difícil constatar a inviabilidade de fixação de horários e de controle de jornada do trabalhador externo. O desenvolvimento tecnológico e produtivo então existente ainda não permitia ao empregador fiscalizar à distância o tempo de trabalho de seu empregado, de modo que grande parte dos trabalhadores externos laboravam em condições que impedia sua sujeição a controle de jornada.

A realidade atual é bastante diversa. Se antes era difícil aferir o tempo de efetiva prestação de serviços pelo empregado que permanece fora do estabelecimento patronal, atualmente o difícil é encontrar situação na qual o trabalho externo não possa ser direta ou indiretamente controlado pelo empregador. Na maior parte dos casos, a tecnologia hoje disponível (que não só possibilita a aferição exata do local em que se encontra o trabalhador, como também permite a comunicação e a transmissão de dados por meio de aparelhos móveis) faz desaparecer a circunstância para a qual sempre se dirigiu o art. 62 da CLT: execução de atividade externa incompatível com controle de jornada. A esse respeito, interessante a leitura de artigo recentemente publicado na revista LTr:

                            

"(...)

Mesmo sem o rastreamento, motoristas se deslocam em estradas federais ou estaduais, pelas quais trafegam com frequência e cujas distâncias e estado de preservação são conhecidos por força do costume de serem essas as vias de acesso comumente usadas no interesse das empresas.

Há, então, a possibilidade de discernir com facilidade se ele gastará mais de oito horas para concretizar o percurso e muito dificilmente poderá haver redução importante no tempo estimado. Os acidentes e as paradas imprevistas, a seu turno, são normalmente comunicados porque interferem no resultado a que visa a produção que é a entrega de algo em algum lugar.

É comum perceber, nas provas feitas, a exigência de períodos de permanência nos veículos que ultrapassam em muito o limite de 8 horas. A aferição desta realidade não se faz apenas pelo depoimento das testemunhas, mas por um conjunto de dados inerentes na atividade. O controle da velocidade pelas leis da mecânica, que considera a distância e velocidade média, associado à ideia da rota e de que o motorista pode ter que entregar um volume determinado de mercadorias (o que se dá em certas condições previsíveis pelo costume da empresa) permitem saber se houve extrapolação da jornada ou se o empregado teve o tempo livre para cuidar do que lhe aprouvesse no curso do dia, levando em conta que há o risco da segurança como fator limitante da mobilidade e da escolha sobre aonde ir.

Não é razoável presumir o desconhecimento da empresa sobre essa duração aproximada da viagem, principalmente quando o movimento por locais determinados constitui dado fulcral de suas operações. Há alguém em algum lugar a esperar a carga e ela deve chegar dentro de certo prazo ou aquele alguém entrará em contato e fará a cobrança do resultado que é também objetivo da produção da empresa. Por isto, é natural que ela conheça as distância, estime uma velocidade média de controle para o veículo de sua propriedade dirigido pelo empregado e, assim, pela comparação entre as várias viagens realizadas, fixe quanto tempo ele levará para o cumprimento da tarefa. Hoje em dia não se pode supor que um motorista saia para fazer suas entregas como se estivesse indo para o desconhecido e se perdesse em tempo e espaço. As conclusões sobre o tempo gasto por um veículo para percorrer um trajeto cuja extensão se conhece pertencem aos parâmetros da mecânica básica e isto não se altera porque há um motorista ou um trabalhador que está fora do estabelecimento da empresa. Ele, na verdade, carrega-o para uma rota cuja extensão é definida.

Outra situação que não discrepa da mencionada, é a dos vendedores ou dos motoristas que fazem rotas em pontos de venda nas regiões urbanas (a distribuição de bebidas, por exemplo).

O controle nestes casos baseia-se na própria rota, elaborada a partir de uma previsibilidade de locais-clientes (30 a 50 por dia) a que deve comparecer, do tempo de trânsito entre eles, do tempo médio de parada para carga e descarga e/ou venda de mercadorias. Para a compreensão dos controles, devem observar-se a expectativa das empresas de receberem os produtos do fornecedor, a dos vendedores de atenderem sua clientela, a possibilidade de aferir pelo disco de tacógrafo o tempo de movimento e de paradas do veículo (quando o veículo seja dotado do equipamento), o telefone celular que acompanha o processo de distribuição de seus produtos e, a partir da introdução de novas tecnologias, o palm top ou o laptop que permitem o acesso direto, ainda que remoto, do empregado à empresa e vice-versa fazendo com qeu ela se instale nas suas mãos, se conecte ao seu corpo em movimento.

Também neste caso a rotina da atividade e sua previsibilidade a partir do conhecimento da empresa que estima um volume de pontos de venda a serem visitados no dia (para vendas ou entregas) e da expectativa conhecida de tempo a ser gasto afastam o enquadramento na exceção contida no art. 62, I, da CLT. O vendedor ou motorista-entregador é usualmente esperado e ele passa por caminhos conhecidos - normalmente numa região definida.

Há ainda tarefas que envolvem o processo de busca da carga e a ida a locais outros para descarga. A espera pode implicar o fluxo de uma fila de caminhões e, nestes casos, há uma fusão dos estabelecimentos da transportadora e da empresa onde se dará a carga e/ou a descarga. O acompanhamento do andamento das filas, do tempo de carga, de distância a ser percorrida até a descarga e, às vezes, do retorno para novo carregamento e reinício do processo também compõem uma rotina que é detidamente acompanhada pela empregadora na figura de um preposto que precisa emitir documentos e organizar escalas. Esse preposto pode estar longe, numa sala de controles, com um telefone e/ou um computador, mas ele precisa saber quantos caminhões foram carregados e quantos ainda devem ser carregados naquele dia e, por isto, ele acompanhará a ordem de carregamento de cada um deles e, assim, saberá quanto tempo será devido de cada um dos empregados. O trabalho é apenas aparentemente externo, porque embute idas e vindas a pontos nos quais se projetam fatores os mais intensos do estabelecimento em sua composição móvel.

Na mesma linha de intelecção, estão os empregados que fazem atendimento (de manutenção ou instalação como as ligadas à telefonia e a televisão a cabo) em residências ou em empresas clientes. Eles recebem as ordens de serviço, muitas vezes na rua, por telefone celular, e necessitam prestar contas do tempo gasto e de providências técnicas adotadas. Os atendimentos observam demandas dos empregadores ou dos tomadores dos serviços de bem atender os clientes e a urgência é um fator que comanda a definição dos horários de trabalho até pela interseção do plano de tutela do Código de Defesa do Consumidor. É comum, portanto, como prestação de contas, que haja a comunicação a uma central de todo serviço encerrado e ainda a contrapartida de um contato da empresa com o cliente para checar a sua satisfação. Tudo isto implica que o empregado não trabalha de forma livre: ele deve observar os prazos estipulados para o atendimento dos consumidores. Na perspectiva da empresa, há uma previsibilidade de duração dos atendimentos. A disponibilização do empregado é controlada pela projeção da demanda de trabalho, não se caracterizando a liberdade do serviço externo sem limitação de jornada. A fixação de jornada é compatível com as atividades. O empregado permanece ao longo do dia literalmente aguardando ou executando ordens (art. 4º da CLT).

Disponibilização do tempo para atendimento de clientes, rotas conhecidas, distâncias previsíveis, velocidade média, prática das viagens como costume da empresa implicam aproximação indireta e significativa da duração da jornada e, por consequência, compatibilidade com a fixação de um horário ajustado ao tempo limite máximo.

Trabalhando o empregado em atividade rotineira da empresa, renovada todas as semanas, com rotas determinadas para a distribuição de seus produtos ou para a prestação de seus serviços, não se pode entender que se trate de atividade externa para a qual não seja possível estipular duração, a partir do mesmo costume.

(...)" (Mônica Sette Lopes. O tempo e o art. 62 da CLT - impressões do cotidiano. Revista LTr, ano 76, nº 01, janeiro/2012, p. 75/76 - destaques acrescidos).

Inegável que o art. 62 da CLT já não mais encontra, hoje, a mesma organização social então existente quando de seu ingresso no ordenamento jurídico. Se em 1960 Arnaldo Süssekind já dizia que "aos motoristas, por exemplo, pela natureza do trabalho realizado, não deve ter aplicação a exceção prevista na alínea a do art. 62, estando beneficiados pela jornada de oito horas e pelas normas reguladoras do trabalho suplementar" (obra citada acima), atualmente é possível afirmar com segurança que, na maioria dos casos, essa atividade é exercida sob vigorosa fiscalização patronal. Seria ingênuo acreditar que, nos dias atuais, o empregador não tenha ideia do tempo gasto por seu empregado no cumprimento de atividade externa ou esteja impedido de aferi-la, ainda mais quando se trata de empresa de grande porte econômico (como a ora reclamada) e fácil acesso a equipamentos que permitem o controle da jornada, mesmo que à distância.

No caso específico dos motoristas, a possibilidade de controle da jornada pelo empregador é tão evidente, que chegou a ser reconhecida na legislação.

Ao dispor sobre o exercício da profissão de motorista profissional e introduzir significativas alterações na CLT, a Lei 12.619/12 não apenas tornou explícita a viabilidade de aferição da jornada desses trabalhadores, como obrigou o empregador a fazê-lo. Referido diploma, cuja vigência se iniciou em 16/06/12, estabelece ser direito do empregado motorista o controle da jornada e do tempo de direção, "de maneira fidedigna pelo empregador", bem como a remuneração das horas extras porventura laboradas. É o que se retira dos seguintes preceitos:

"Art. 2º. São direitos dos motoristas profissionais, além daqueles previstos no Capítulo II do Título II e no Capítulo II do Título VIII da Constituição Federal:

(...)

V - jornada de trabalho e tempo de direção controlados de maneira fidedigna pelo empregador, que poderá valer-se de anotação em diário de bordo, papeleta ou ficha de trabalho externo, nos termos do § 3º do art. 74 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, ou de meios eletrônicos idôneos instalados nos veículos, a critério do empregador" (art. 2º da Lei 12.619/12 - destaques acrescidos).

"Art. 235-C. A jornada diária de trabalho do motorista profissional será a estabelecida na Constituição Federal ou mediante instrumentos de acordos ou convenção coletiva de trabalho.

§ 1º. Admite-se a prorrogação da jornada de trabalho por até 2 (duas) horas extraordinárias.

§ 2º. Será considerado como trabalho efetivo o tempo que o motorista estiver à disposição do empregador, excluídos os intervalos para refeição, repouso, espera e descanso.

§ 3º. Será assegurado ao motorista profissional intervalo mínimo de 1 (uma) hora para refeição, além de intervalo de repouso diário de 11 (onze) horas a cada 24 (vinte e quatro) horas e descanso semanal de 35 (trinta e cinco) horas.

§ 4º. As horas consideradas extraordinárias serão pagas com acréscimo estabelecido na Constituição Federal ou mediante instrumentos de acordos ou convenção coletiva de trabalho.

§ 5º. À hora de trabalho noturno aplica-se o disposto no art. 73 desta Consolidação.

§ 6º. O excesso de horas de trabalho realizado em um dia poderá ser compensado, pela correspondente diminuição em outro dia, se houver previsão em instrumentos de natureza coletiva, observadas as disposições previstas nesta Consolidação.

§ 7º. (VETADO).

§ 8º. São consideradas tempo de espera as horas que excederem à jornada normal de trabalho do motorista de transporte rodoviário de cargas que ficar aguardando para carga ou descarga do veículo no embarcador ou destinatário ou para fiscalização da mercadoria transportada em barreiras fiscais ou alfandegárias, não sendo computadas como horas extraordinárias.

§ 9º. As horas relativas ao período do tempo de espera serão indenizadas com base no salário-hora normal acrescido de 30% (trinta por cento)" (Artigo 235-C da CLT, incluído pelo art. 3º da Lei 12.619/12 - destaques acrescidos).

As disposições acima transcritas deixam claro que, a partir da vigência da Lei 12.619/12, não se pode mais cogitar a inexistência de controle da jornada do empregado motorista, muito menos seu enquadramento no art. 62, I, da CLT. Tamanha é a compatibilidade de seu ofício com o controle de jornada, que o diploma obriga o empregador a adotá-lo. É tão inegável seu direito ao pagamento de horas extras, que a lei obriga o empregador a remunerá-las.

E nem se afirme que a Lei 12.619/12 instituiu regulamentação absolutamente inédita ao empregado motorista. É verdade que ela estabeleceu direitos que ainda não haviam sido estendidos a esse trabalhador (v.g., indenização do tempo de espera), mas também é verdade que algumas de suas disposições têm o objetivo de confirmar a melhor exegese do art. 62, I, da CLT (e, com isso, afastar qualquer interpretação em sentido contrário).

A obrigação patronal de controlar a jornada e o direito do motorista ao pagamento de horas extras, previstos na Lei 12.619/12, já poderiam ser plenamente reconhecidos antes mesmo de sua vigência. Para chegar a tal conclusão, bastava interpretar o art. 62, I, da CLT nos exatos termos de sua letra e de sua finalidade (estão afastados da tutela de duração do trabalho apenas os empregados que prestam atividades externas incompatíveis com controle de jornada) e abster-se de aplicá-lo indiscriminadamente a quaisquer situações de serviço prestado fora do estabelecimento do empregador.

Nesse raciocínio, é possível concluir que a disciplina estendida pela Lei 12.619/12 aos motoristas profissionais, no que concerne ao não enquadramento de tais empregados no art. 62, I, da CLT (e apenas quanto a isso), pode ser aplicada mesmo a contratos de trabalho celebrados antes da vigência desse diploma. É que antes de a Lei 12.619/12 entrar em vigor, o ordenamento jurídico já permitia concluir que tais trabalhadores fazem jus ao pagamento de horas extraordinárias: como já mencionado, o art. 62, I, da CLT trata apenas do trabalho externo incompatível com controle de jornada e atualmente já não é razoável supor que essa seja a condição de trabalho dos empregados motoristas.

Assim, o próprio art. 62, I, da CLT, em sua melhor interpretação, já autorizava deferir a tais trabalhadores o direito formalizado pela Lei 12.619/12: remuneração das horas extras cumpridas. Esse é o fundamento que possibilita aplicar, aos contratos iniciados antes da vigência da Lei 12.619/12, a disciplina nela prevista quanto ao controle de jornada e ao pagamento do labor extraordinário. A Lei 12.619/12 não alterou as circunstâncias fáticas em que estão inseridos os empregados motoristas, nem modificou suas condições de trabalho, mas apenas reconheceu de forma expressa (e agora inegável) uma realidade anterior: a circunstância de que a atividade por eles prestada está, sim, sujeita a controle de jornada pelo empregador, estendendo-lhes as consequências jurídicas daí advindas (pagamento de horas extras).

Portanto, é possível estender a inaplicabilidade do art. 62, I, da CLT aos empregados motoristas cujos contratos foram celebrados antes da vigência da Lei 12.619/12. Não se trata de aplicação retroativa desse diploma, mas de interpretação de norma que vigora desde a edição da CLT (o seu art. 62), segundo diretriz que, se antes era reiteradamente recusada, agora é inegável: a de que tais trabalhadores estão submetidos a fiscalização de jornada.

Acrescente-se o fato de a Lei 12.619/12 ter sido fruto de exaustiva negociação e de ter consagrado o consenso entre as classes empresarial e profissional envolvidas. A regulamentação da atividade dos motoristas profissionais era desejo não apenas dos trabalhadores (que buscavam a contraprestação de todas as horas de efetivo labor), como também dos empregadores (que viviam na insegurança jurídica de ignorar se, em eventual reclamação trabalhista, seriam, ou não, condenados ao pagamento de horas extras e em que montante). A busca por melhores condições de trabalho (remuneração de todo o serviço realizado) e por definições mais precisas das obrigações patronais (identificação exata do passivo trabalhista) foi o que deu impulso à negociação entre as categorias.

Tamanho foi o empenho das classes profissional e empresarial na aprovação da Lei 12.619/12, que já se comenta que "o sucesso só foi possível devido à união de esforços entre as representações sindicais profissionais e econômicas, especialmente da CNTTT e CNT, além da indispensável mediação do Ministério Público do Trabalho de Brasília, que suspendeu a ação civil pública que teve início no Mato Grosso e tinha como objetivo garantir os intervalos legais e limitar a jornada de trabalho dos motoristas de transporte de cargas, dando lugar a um processo de negociação jamais visto no país" (Adilson Rinaldo Boaretto. Comentários sobre a Lei 12.619, de 30 de abril de 2012, que dispõe sobre o exercício da profissão de motorista e dá outras providências. LTr Suplemento Trabalhista, 2012, ano 48, 060/12, p. 297).

Assim, a Lei 12.619/12 representa o anseio coletivo e disciplina realidade anterior há muito tempo consolidada e enfrentada pelas categorias profissional e econômica, o que torna legítima sua aplicação aos contratos de trabalho celebrados antes de sua vigência, nos limites aqui definidos (apenas quanto à inaplicabilidade do art. 62, I, da CLT e às consequências jurídicas disso decorrentes).

Na mesma senda, a Lei 13.103/15 mantém as disposições relativas à necessidade do controle de jornada dos motoristas profissionais e do pagamento de horas extras (art. 2º, V, "b", art, 235-C), consolidando o entendimento de que os motoristas profissionais não se enquadram na exceção prevista no art. 62, I, da CLT.

Ante o exposto, correta a r. sentença que não enquadrou o Reclamante na exceção prevista no art. 62, I, da CLT, não merecendo reparos no particular.

No tocante ao horário trabalhado, a r. sentença fixou a jornada como sendo das 7h às 19h40, com um intervalo de uma hora e dois intervalos de 20 minutos cada, e uma folga semanal, coincidindo com domingo em semanas intercaladas. 

De acordo com o depoimento do Reclamante, como testemunha nos autos da RT 12.166/2014, ele viajava cerca de 12.000 KM por mês, em velocidade média de 55 a 60 KM/h. Essa média é confirmada pelos demais depoimentos. Assim sendo, o Reclamante viajava, aproximadamente, 208/210 horas por mês. Havia, no entanto, a necessidade de o motorista se apresentar ao serviço aproximadamente uma hora antes do início da viagem para fazer o check-list. Considerando-se tais informações, depreende-se que o Reclamante laborava em regime de sobrelabor, nos termos fixados na r. sentença.

Inviável o provimento ao pedido recursal do Reclamante, pois a jornada por ele postulada, ainda que mencionada por algumas testemunhas, é incompatível com a quilometragem que o Reclamante realizava durante o mês, conforme explanado acima.

Posto isso, mantém-se a r. sentença." (fls. 566/580)

O Regional constatou, com amparo no conjunto fático-probatório, que era possível o controle da jornada do reclamante, em especial, pela utilização dos relatórios de viagem em que o trabalhador anotava o horário de saída, da quilometragem, e do destino e horário de chegada, afastando, assim, a aplicabilidade das disposições do artigo 62, I, da CLT.

Assentando-se a insurgência em premissa fática contrária à impressa na decisão recorrida, acerca da impossibilidade de controle de jornada, o apelo encontra resistência na Súmula 126 do TST.

Nego provimento.

2.2 – MULTA CONVENCIONAL

O Regional denegou seguimento ao apelo com fulcro na Súmula 296, I, do TST.

A reclamada insurge-se contra a condenação ao pagamento de multa convencional, sob o argumento de que é incabível multa convencional aplicada por decisão judicial sobre fatos controvertidos. Transcreve arestos para o cotejo de teses.

Não tem razão, contudo.

O Regional, quanto ao tema, assentou os seguintes fundamentos:

"A r. sentença determinou a "aplicação de uma multa por instrumento coletivo, pertinente ao desrespeito à cláusula que prevê o pagamento de horas extras" (fl. 410).

Insurge-se a Reclamada contra essa r. decisão, aos argumentos de que não vilou nenhuma cláusula convencional e os fatos eram controvertidos. Acrescenta que não houve descumprimento dolosa das normas coletivas. Requer, assim, seja excluída a condenação de pagamento de multa convencional.

 Mantida a condenação em horas extras, com consequente reconhecimento de violação da cláusula convencional correspondente a pagamento de sobrelabor, não há como amparar o pedido patronal de afastamento das multas previstas em CCTs.

Não há amparo legal ou convencional para a exclusão das penalidades convencionais, ainda que a controvérsia sobre as horas extras tenha sido dirimida somente em Juízo, pois o teor da cláusula convencional nada ressalva a esse respeito.

Ainda, a previsão de multa por descumprimento da CCT é no sentido de pagamento de determinada quantia, quando violada a Convenção (por exemplo, fl. 149).

Assim, na esteira do que dispõe a Súmula 384 do C. TST (O descumprimento de qualquer cláusula constante de instrumentos normativos diversos não submete o empregado a ajuizar várias ações, pleiteando em cada uma o pagamento da multa referente ao descumprimento de obrigações previstas nas cláusulas respectivas), as multas convencionais são devidas à base de uma por instrumento violado, respeitado o período de vigência correspondente, estando correta a decisão de origem.

Posto isso, mantém-se a r. sentença." (fls. 580/581)

O Regional, ao interpretar a norma coletiva e condenar a reclamada ao pagamento da multa convencional por instrumento violado em relação às horas extras, chegou à conclusão de que não havia disposições normativas que condicionassem o pagamento da multa à inexistência de controvérsia sobre os fatos, ao contrário, a aplicação da penalidade decorreria da simples verificação de inadimplência.

Assim, não há falar em divergência jurisprudencial com os arestos de fl. 757/758, por inespecíficos, tendo em vista que o conhecimento do recurso de revista dependeria da demonstração de divergência específica sobre a interpretação de norma coletiva que dispunha acerca das multas convencionais, nos termos do artigo 896, "b", da CLT, o que não foi observado pela reclamada.

Nego provimento.

II - RECURSO DE REVISTA DO RECLAMANTE

Preenchidos os pressupostos extrínsecos de admissibilidade do recurso, dentre os quais a tempestividade às fls. 628 e 629; a representação processual às fls. 32; e o preparo dispensado.

a) Conhecimento

1 – JORNADA DE TRABALHO. AUSÊNCIA DOS CARTÕES DE PONTO. PRESUNÇÃO RELATIVA DE VERACIDADE DA JORNADA ALEGADA NA INICIAL. PROVA EM CONTRÁRIO

O reclamante sustenta que deve prevalecer a jornada indicada na inicial, tendo em vista que a reclamada não juntou aos autos os cartões de ponto. Afirma que a prova oral não elidiu a jornada de trabalho declinada na petição inicial. Indica afronta aos artigos 333 do CPC/73 e 74, § 2º, e 818 da CLT, além de contrariedade à Súmula 338, I, do TST.

Não tem razão, contudo.

O Regional, quanto ao tema, assentou os seguintes fundamentos:

"No tocante ao horário trabalhado, a r. sentença fixou a jornada como sendo das 7h às 19h40, com um intervalo de uma hora e dois intervalos de 20 minutos cada, e uma folga semanal, coincidindo com domingo em semanas intercaladas. 

De acordo com o depoimento do Reclamante, como testemunha nos autos da RT 12.166/2014, ele viajava cerca de 12.000 KM por mês, em velocidade média de 55 a 60 KM/h. Essa média é confirmada pelos demais depoimentos. Assim sendo, o Reclamante viajava, aproximadamente, 208/210 horas por mês. Havia, no entanto, a necessidade de o motorista se apresentar ao serviço aproximadamente uma hora antes do início da viagem para fazer o check-list. Considerando-se tais informações, depreende-se que o Reclamante laborava em regime de sobrelabor, nos termos fixados na r. sentença.

Inviável o provimento ao pedido recursal do Reclamante, pois a jornada por ele postulada, ainda que mencionada por algumas testemunhas, é incompatível com a quilometragem que o Reclamante realizava durante o mês, conforme explanado acima." (fls. 579/580).

E no julgamento dos embargos de declaração, assim se pronunciou:

"No presente feito não há vício de dicção. A jornada fixada na r. sentença, das 7h às 19h40min, com uma hora de intervalo intrajornada, mais dois intervalos de 20 minutos, e uma folga semanal, foi mantida por esta E. Turma em decorrência do depoimento prestado pelo próprio Reclamante como testemunha nos autos da RT 12.166/2014. Assim sendo, não obstante a Reclamada não tenha apresentado os cartões-ponto, a presunção de veracidade da jornada declinada na inicial é relativa, podendo ser elidida por prova em contrário, mormente pela confissão real do próprio Reclamante, que prevalece em relação aos depoimentos das testemunhas. O depoimento do preposto, ademais, não implica em confissão, pois não se refere à jornada realizada pelo Reclamante, mas sim a orientação da empresa para não haver trabalho noturno." (fls. 624/625).

Constata-se, da leitura dos excertos acima transcritos, que o Regional manteve a sentença que fixou a jornada do reclamante como sendo das 7h às 19h40min com fulcro nas provas contidas nos autos.

Nesse contexto, não se cogita de violação dos arts. 333 do CPC/73 e 74, § 2º, e 818 da CLT, ou mesmo contrariedade à Súmula 338, I, do TST, tendo em vista que a presunção de veracidade da jornada alegada na inicial é apenas relativa, podendo ser dirimida por prova em contrário, caso dos autos.

Não conheço.

2 – INTERVALO INTRAJORNADA E INTERJORNADAS

O reclamante sustenta que houve supressão do intervalo intrajornada, de forma que devido pagamento de 1h extra diária. Afirma que o descumprimento do intervalo de 11h acarreta os mesmos efeitos que o art. 71, § 4º, da CLT atribui ao desrespeito do intervalo intrajornada. Indica afronta aos artigos 66 e 71, § 4º, da CLT, além de contrariedade às Súmulas 110 e 437, I, do TST e à OJ 355 da SbDI-1 do TST.

Não tem razão, contudo.

O Regional, quanto ao intervalo intrajornada, assim se manifestou:

"Insurge-se o Reclamante contra a r. sentença que rejeitou o pedido de pagamento de horas decorrentes da violação do intervalo intrajornada. Sustenta que a testemunha Donizete afirmou que o intervalo era de 30/40 minutos. Requer, assim, o pagamento de uma hora extra por dia, nos termos da Súmula 437 do C. TST, e reflexos.

A prova oral a respeito do intervalo intrajornada é controvertida. O Reclamante destes autos disse que usufruia de 30 a 40 minutos intervalares. A testemunha João asseverou que a empresa não orienta a respeito do tempo que o motorista deve parar para usufruir o referido intervalo. A testemunha Donizete afirmou que parava de 30 a 40 minutos para o almoço e a testemunha Adão disse que fazia intervalo de 1h/1h30min. Os tacógrafos, a seu turno, não registram parada inferior a uma hora em horários próximos do horário de almoço. Considerando-se, assim, o conjunto probatório dos autos em sua totalidade, mister fixar-se que o Reclamante gozava de uma hora de intervalo intrajornada (média dos depoimentos aliada aos registros dos tacógrafos juntados pelo Reclamante).

Posto isso, mantém-se a r. sentença." (fls. 582)

Conforme leitura dos excertos transcritos no tópico anterior e do excerto acima transcrito, o Regional, soberano na análise do conjunto fático-probatório, manteve a fixação da jornada de trabalho do reclamante das 7h às 19h40min, com uma hora de intervalo intrajornada, mais dois intervalos de 20 minutos, e uma folga semanal.

Assim, a reforma da decisão regional, da forma como pretendida pelo reclamante, implica necessariamente o revolvimento do acervo fático-probatório dos autos, procedimento vedado nesta instância extraordinária, nos termos da Súmula 126 do TST.

Não conheço.

3 – INTERVALO DO ART. 235-D DA CLT

O reclamante sustenta que não usufruiu do intervalo do art. 235-D, I, da CLT, dispositivo que reputa violado.

Não tem razão, contudo.

O Regional, quanto ao tema, assentou os seguintes fundamentos:

"Consta na r. sentença que: "no que se refere ao intervalo do artigo 235-D, I, da CLT, considerando que o autor realizava um intervalo de 1 hora e dois intervalos de 20 minutos, e que este intervalo, que passou a vigorar em 2012, pode ser fracionado, rejeito o pedido de condenação da reclamada ao pagamento do tempo equivalente" (fl. 408).

Sustenta o Reclamante que laborou das 5h às 22h com intervalo de 30/40 minutos. Requer, assim, o pagamento das horas decorrentes da violação do intervalo previsto no art. 235-D da CLT.

O art. 235-D da CLT, incluído pela Lei 12.619/2012, vigente nos últimos anos do contrato do Reclamante, dispõe que:

"Art. 235-D. Nas viagens de longa distância, assim consideradas aquelas em que o motorista profissional permanece fora da base da empresa, matriz ou filial e de sua residência, por mais  de 24 (vinte e quatro) horas, serão observados:

I - intervalo mínimo de 30 (trinta) minutos para descanso a cada 4 (quatro) horas de tempo ininterrupto de direção, podendo ser fracionado o tempo de direção e o de intervalo de descanso, desde que não completadas as 4 (quatro) horas ininterruptas de direção;

II - intervalo mínimo de 1 (uma) hora para refeição, podendo coincidir ou não com o intervalo de descanso do inciso I".

No presente caso, como visto em tópicos anteriores, o Reclamante laborou das 7 às 19h40min, com 1 hora de intervalo intrajornada e dois intervalos de 20 minutos cada. Considerando que das 7h às 8h era o tempo de fazer o check-list, o tempo de direção iniciou às 8h. Assim, houve o intervalo intrajornada de uma hora às 12h (como fixado na r. sentença) e, posteriormente, dois intervalos de 20 minutos cada (consoante depoimento das testemunhas ouvidas, mencionando-se que a testemunha Donizete disse que parava 20 minutos para o café - autos 584/2013). Ante os termos do art. 235-D da CLT, de que o intervalo de 30 minutos poderia ser fracionado na hipótese de não completadas as 4 horas de efetivo tempo de direção, os dois intervalos de 20 minutos cada cumprem o comando legal, pelo que indevido o pagamento de horas extras no particular.

Posto isso, mantém-se a r. sentença." (fls. 583/585).

Não se cogita de afronta ao art. 235-D, I, da CLT, ante o registro fático delimitado pelo Regional. No caso, ficou consignado que o reclamante não trabalhava por 4h seguidas sem usufruir de intervalos, seja ele de 1h, ou fracionados de 20 minutos após determinado período de tempo ininterrupto de direção.

Não conheço.

4 – TEMPO DE ESPERA. ART. 235-C, § 9º, DA CLT

O reclamante sustenta que a prova oral atestou a obrigatoriedade de permanência junto ao veículo durante o descarregamento da mercadoria, estimado entre 3h e 4h, tempo esse que deve ser remunerado na forma do art. 235-C, § 9º, da CLT, dispositivo que reputa violado.

Não tem razão, contudo.

O Regional, quanto ao tema, assentou os seguintes fundamentos:

"Compreendeu a r. instância primeira que, "Quanto ao tempo de espera, consistente em cerca de 3 horas para descarregamento da mercadoria, tendo em vista o depoimento de JOÃO, de que os motoristas ficavam dormindo na cabine durante este tempo, e de ADÃO, que também ficava descansando, considero que referido lapso temporal era destinado a descanso, sem que configure tempo à disposição do empregador. Desta forma, não enseja o pagamento de horas extras" (fl. 408).

Insatisfeito, sustenta o Reclamante que a testemunha Donizete comprovou que o motorista tinha que permanecer junto ao veículo durante o descarregamento. Requer, assim, o pagamento do tempo de espera, previsto no art. 235-C da CLT.

Dispõe o § 8º do art. 235-C da CLT, na redação da Lei 12.619/2012, que "são consideradas tempo de espera as horas que excederem à jornada normal de trabalho do motorista de transporte rodoviário de cargas que ficar aguardando para carga ou descarga do veículo no embarcador ou destinatário ou para fiscalização da mercadoria transportada em barreiras fiscais ou alfandegárias, não sendo computadas como horas extraordinárias". O período de espera pressupõe a permanência do motorista junto ao veículo (PANCOTTI, José Antonio. Estatuto do Motorista Profissional, Lei n. 12.619/2012).

No presente caso, o Reclamante disse que "o motorista era incumbido de acompanhar a descarga no destino e a acompanhar o carregamento das embalagens que eram retiradas no momento da entrega da carga" , sendo "a média de descarregamento era de 2 a 3 horas para descarga, e 30 a 40 min. para carregar as embalagens". Afirmou, também, que " a descarga era feita por estoquistas do centro de distribuição da filial e a carga das embalagens também, e o motorista tinha que acompanhar para fazer a conferência dos produtos e das embalagens também, sendo anotado a falta de produtos ou de embalagens".

A testemunha João, nos autos 12166/2014, depôs que "o motorista para o caminhão e não precisa acompanhar a descarga, dizendo que se faltar algum produto, a fábrica e a filial resolvem, o motorista não é responsabilizado; 8) - o motorista também não acompanha o carregamento das embalagens que usou para levar as cargas; 9) - o motorista normalmente fica na cabine do veículo, dormindo, enquanto fazem a carga e descarga, com a carreta engatada; 10) - o tempo de descarga leva em torno de 2 a 3 horas e o tempo da carga das embalagens é rápido, pois são poucas".

A testemunha Donizete, nos autos 10034/2013, afirmou que "chegando em Porto Alegre trocavam de carreta ( se fosse o primeiro, eis que geralmente viajavam em 2-3) e seguiam para a Quaker aguardando o carregamento que durava 3/5 hs e começava o retorno por volta das 14hs; 6- a partir do segundo tinham que esperar o descarregamento da carreta do primeiro, caso ainda não estivesse pronto esse trabalho, que perdurava 2horas, se precisassem voltar carregados tinham que aguardar o carregamento na Quaker, o que nem sempre acontecia". Nos autos 584/2013, asseverou que "descarregavam em torno de 3hs/4hs , o que teria que ser acompanhado pelo motorista".

O testigo Adão, nos autos 10034/2013, disse que "quando chegava levava 4hs para descarregar o caminhão, o que não era acompanhado com o depoente que ficava "descansando" na filial e então iniciava a viagem de retorno".  

A prova quanto à necessidade da permanência do motorista no veículo, nos períodos de descarga está dividida. Considerando que o tempo de espera está excluído do tempo efetivo de trabalho (art. 235-C, §2º, da CLT), era ônus do Reclamante comprovar a necessidade de permanência junto ao veículo para que o período possa ser considerado como tempo de espera. A prova dividida, portanto, lhe desfavorece, pelo que inviável o provimento da pretensão recursal.

Posto isso, mantém-se a r. sentença." (fls. 585/587).

Da leitura do excerto acima transcrito, constata-se que o Regional, soberano na análise do conjunto fático-probatório, concluiu que a prova, quanto à necessidade de permanência do motorista no veículo, estava dividida. Assim, por reputar que o ônus da prova era do reclamante, o Regional manteve o indeferimento do pleito.

Nesse contexto, não se cogita de afronta ao art. 235-C, § 9º, da CLT, pois o Regional não afrontou à literalidade do dispositivo, mas tão somente manteve o indeferimento do pleito por reputar que incumbia ao reclamante o ônus da prova do fato constitutivo do seu direito.

Não conheço.

5 – TEMPO À DISPOSIÇÃO DO EMPREGADOR. MOTORISTA. PERNOITE NO VEÍCULO

O reclamante sustenta que pernoitava no caminhão, fiscalizando a carga transportada e o próprio veículo, de modo que deve receber pelo tempo à disposição que se encontrava. Indica violação do art. 244, §§ 2º e 3º, da CLT e transcreve arestos para o cotejo de teses.

Não tem razão, contudo.

O Regional, quanto ao tema, assentou os seguintes fundamentos:

"O pedido de pagamento de horas de sobreaviso foi rejeitado, como segue:

Entende o autor que permanecia em sobreaviso, tanto nas ocasiões em que deveria pernoitar no caminhão, para vigiar a carga transportada, quanto nos finais de semana e feriados, em que teria ficado em prontidão, aguardando ordens do empregador.

É incontroverso que a reclamada não permitia a realização de viagens das 22h às 5h do dia seguinte e que havia uma escala de viagens dos motoristas, de forma que ao chegar de uma viagem, o trabalhador já sabia qual seria a próxima a ser realizada. Posto isto, o tempo de permanência no caminhão, em pernoite, não pode ser considerado regime de prontidão, nem de sobreaviso, pois obviamente o autor não estava aguardando ordens (fl. 409).

 Discorda o Reclamante e aduz que a Reclamada obrigava os motoristas a pernoitarem nos caminhões para vigiar o veículo e a carga. Requer que o período de pernoite seja considerado como tempo de sobreaviso, nos termos do art. 244, §3º, da CLT.

O art. 235-D, III, na redação da Lei 12.619/2012, dispõe que:

"Art. 235-D. Nas viagens de longa distância, assim consideradas aquelas em que o motorista profissional permanece fora da base da empresa, matriz ou filial e de sua residência por mais de 24 (vinte e quatro) horas, serão observados:

(...)

III - repouso diário do motorista obrigatoriamente com o veículo estacionado, podendo ser feito em cabine leito do veículo ou em alojamento do empregador, do contratante do transporte, do embarcador ou do destinatário ou em hotel, ressalvada a hipotese da direção em dupla de motoristas prevista no §6º do art. 235-E".

Essa lei prevê, ainda, que "não será considerado como jornada de trabalho nem ensejará o pagamento de qualquer remuneração o período em que o motorista ou o ajudante ficarem espontaneamente no veículo usufruindo do intervalo de repouso diário ou durante o gozo de seus itervalos intrajornadas" (parágrafo 10º do art. 235-E da CLT).

As previsões supratranscritas foram reiteradas Lei 13.103/2015, que concedeu a seguinte redação ao parágrafo 4º do art. 235-C da CLT: "nas viagens de longa distância, assim consideradas aquelas em que o motorista profissional empregado permanece fora da base da empresa, matriz ou filial e de sua residência por mais de 24 (vinte e quatro) horas, o repouso diário pode ser feito  no veículo ou em alojamento do empregador, do contratante do transporte, do embarcador ou do destinatário ou em outro local que ofereça as condições adequadas".

A permanência obrigatória do motorista no caminhão para o pernoite, determinada pelo empregador para a vigilância do veículo e da carga, todavia, assemelha-se ao regime de sobreaviso, pois tolhe a liberdade do empregado de se locomover livremente no período. Nesses casos, entende o C. TST ser necessário remunerar-se o período correspondente nos termos do art. 244 da CLT.

No presente caso, o Reclamante, nos autos 12166/2014, afirmou que não poderia se ausentar do caminhão durante o pernoite. A testemunha João Ferreira dos Santos, a seu turno, depôs que "a empresa pede que o motorista pare em posto seguro, não precisar ser conveniado". A testemunha Adão Simões Cardoso, nos autos 10034/2013, disse que não era obrigatório pernoitar no caminhão. A testemunha Donizete Barnabé, depôs nos autos 584/2013 que "sempre pernoitou dentro do caminhão, no qual há uma cama, explicando que nunca houve alteração desta condição (...) só poderia pernoitar em hotel se estivessem em 2 motoristas, o que geralmente acontecia no início de contrato de trabalho, mas nunca com o depoente (...) a ré não indicava postos seguros para pernoite em hotel, sequer ao final do contrato, sendo orientação da chefia ( item 3) a pernoite no caminhão (...) sabe que houve motoristas que foram advertidos por não dormir no caminhão mas não se recorda o nome; 13- o motorista tinha que cuidar da carga". Nos autos 10611/2013, o preposto da Reclamada afirmou que "a carga era segurada; 2) o reclamante viajava com caminhões baú fechados; 3) que se precisar a ré paga a estadia dos motoristas em hotéis, e isso só é feito quando há quebra do caminhão; 4) que nas outras oportunidades a ré não custeia o pernoite do motorista em hotel, motel etc".

A prova a respeito da obrigatoriedade da permanência do Reclamante no veículo, como visto, está dividida, pois as testemunhas divergem a respeito. A afirmação do preposto da Reclamada de que não custeava o pernoite em hotel não importa em ordem da empregadora para não pernoitar em outro local, não havendo, portanto, falar em confissão. A carga, ademais, consoante indica o preposto, era segurada, fragilizando a tese de necessidade de vigilância da mercadoria pelo motorista. Indevido, assim, o pagamento do período de pernoite como sendo de sobreaviso, pois a prova dividida desfavorece a parte a quem incumbe o ônus probatório.

Nessa senda, já decidiu este E. TRT, consoante a seguinte jurisprudência, em relação à mesma Reclamada:

"(...) a prova acerca da obrigatoriedade de pernoite encontra-se dividida, eis que as testemunhas indicadas pelo Reclamante alegam que havia determinação da empresa para que o motorista pernoitasse no veículo, enquanto a testemunha indicada pela Reclamada nega esta orientação. Tratando-se de fato constitutivo do direito, era ônus do Reclamante comprová-lo. Como a prova restou dividida, tem-se que não se desonerou deste ônus. Assim, ausente prova acerca da obrigatoriedade de pernoitar no veículo, não se pode considerar que se tratava de tempo à disposição " (32323-2011-015-09-00-3, Relator Desembargador Arion Mazurkevic, publicado em 18/06/2013). 

 "A prova oral não demonstra de forma inequívoca a obrigatoridade de pernoite no caminhão com o objetivo de vigiar a carga e o veículo. Ressalta-se que, embora o preposto tenha admitido que a ré não paga o pernoite do motorista em hotel, em momento algum confirmou a obrigatoriedade de pernoite no caminhão e nem tampouco que o motorista deveria vigiar a carga e o veículo" (TRT: 28688-2012-041-09-00-0, Relatora Desembargadora Nair Maria Lunardelli Ramos, publicada em 08/04/2014). 

Posto isso, mantém-se a r. sentença." (fls. 587/590).

A controvérsia gira em torno de saber se a pernoite no caminhão, por determinação da empresa, configura horas em regime de prontidão ou sobreaviso.

O entendimento dominante desta Corte é no sentido de que o fato de o motorista dormir no caminhão não configura tempo à disposição do empregador, pois não permanece aguardando ordens da empresa, mas em descanso.

Nesse sentido, os seguintes arestos:

    "RECURSO DE EMBARGOS REGIDO PELA LEI Nº 13.015/2014 HORAS DE SOBREAVISO - MOTORISTA - PERNOITE NO INTERIOR DO CAMINHÃO - TEMPO À DISPOSIÇÃO DO EMPREGADOR - DESCARACTERIZAÇÃO. Cinge-se a controvérsia em verificar se o tempo em que o motorista pernoitava no caminhão é considerado como tempo à disposição do empregador, nos termos do artigo 4º da CLT. No caso, é incontroverso "que não restou comprovado nos autos que o empregado permanecesse no caminhão aguardando chamado do empregador para o trabalho". De qualquer maneira, o empregado não poderia permanecer aguardando ordens ou ser chamado para o serviço enquanto dormia no caminhão, pois as funções de vigiar e descansar são incompatíveis. Assim, como é inerente ao trabalho desenvolvido, o período de pernoite do motorista no caminhão não caracteriza tempo de sobreaviso ou à disposição do empregador. Precedentes de Turmas do TST. Recurso de embargos conhecido e desprovido." (TST-E-RR-196-39.2013.5.09.0195, SbDI-1, Relator Ministro: Renato de Lacerda Paiva, DEJT 26/05/2017)

    "(...) II - RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.015/2014 - TEMPO À DISPOSIÇÃO - MOTORISTA - PERNOITE NO CAMINHÃO Esta Corte entende que o pernoite do motorista na cabine do caminhão não caracteriza tempo à disposição da Empresa. Julgados. (...)" (TST-ARR-11124-63.2014.5.03.0039, 8ª Turma, Relatora Ministra: Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, DEJT 30/06/2017)

    "A) AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO RECLAMANTE. 1. PERNOITE NO CAMINHÃO. TEMPO À DISPOSIÇÃO/SOBREAVISO. A manutenção de improcedência do pedido relativo ao pagamento do período em que o reclamante pernoitava no caminhão decorreu da conclusão do Regional no tocante à insuficiência do acervo probatório. De qualquer forma, consoante entendimento desta Corte, o fato de o reclamante pernoitar no caminhão não configura tempo à disposição do empregador, pois não permanece aguardando ordens a qualquer momento. (...)" (TST-ARR-2464-75.2012.5.03.0031, 8ª Turma, Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, DEJT 28/10/2016)

Incidência do óbice da Súmula 333 do TST e do art. 896, § 7º, da CLT.

Não conheço.

6 – INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. MOTORISTA. PERNOITE NO VEÍCULO

O reclamante sustenta que faz jus à indenização por danos morais, pelos seguintes motivos: a) atraso na homologação da rescisão contratual; b) pernoite na cabine do caminhão; e c) injusta acusação de furto. Indica violação dos arts. 5º, V e X, da Constituição Federal, 818 da CLT, 333, I, do CPC/73 e 186 e 927 do Código Civil. Traz arestos para o cotejo de teses.

Não tem razão, contudo.

O Regional, quanto ao tema, assentou os seguintes fundamentos:

"Insurge-se o Reclamante contra o indeferimento do pleito de indenização por danos morais. Aduz que houve atraso na homologação da rescisão contratual, um mês após o desligamento, o que causou atraso na entrega das guias do FGTS e SD e atraso no pagamento de suas contas. Sustenta que o pernoite obrigatório no caminhão também ofende a dignidade humana, considerando-se, também, o risco de assalto a que estava exposto. Assevera, por fim, que foi injustamente acusado de furto em Chapecó, ficando exposto a uma situação vexatória. Requer, assim, o pagamento de indenização por danos morais.

Para nascer o direito indenizatório, é necessária a presença de três requisitos: (a) o ato (omissivo ou comissivo) ilícito, (b) o dano e (c) o nexo de causalidade.

No caso, o Reclamante alega que sofreu danos morais decorrentes do atraso na homologação da rescisão contratual.  Não houve prova nos autos, todavia, de que o atraso decorreu de culpa da Reclamada, pois a homologação muitas vezes tem que ser agendada no MTE, havendo a possibilidade de não ser possível o agendamento no prazo para o pagamento das verbas rescisórias por ausência de vaga, sem culpa do empregador.

Ainda que assim não fosse, é entendimento desta e. 1ª Turma que, mesmo comprovado o atraso (ou a falta de pagamento) de salário e verbas rescisórias, o Reclamante deve demonstrar a ocorrência de circunstâncias que ensejam dano moral (deve evidenciar nos autos que tal inadimplemento assumiu contornos graves em sua esfera pessoal, a ponto de inserir o trabalhador em situação vexatória, humilhante ou danosa à honra).

 E o Reclamante não se desincumbiu do seu encargo probatório, qual seja, o de demonstrar tais circunstâncias. É que não há neste caderno processual nenhum elemento, nenhuma prova (oral ou documental) que pudesse indicar qual teria sido o impacto pessoal sofrido pelo Reclamante em decorrência do atraso da entrega das guias para saque do FGTS e para habilitação ao seguro-desemprego, ressaltando-se que no comunicado de dispensa (CD), assinado pelo obreiro, consta a data da rescisão contratual.

O dano moral poderia surgir da situação vexatória em que o trabalhador se vê inserido em decorrência da falta de pagamento das verbas rescisórias - e, no presente caso, o autor nem ao menos demonstrou que o inadimplemento patronal levou-o à impossibilidade de quitar suas despesas pessoais (e/ou familiares) ordinárias, à impossibilidade de comprar alimentos, à impossibilidade de arcar com as despesas mínimas necessárias à subsistência própria e a de seus dependentes.

Ausente prova de que o atraso levou o Reclamante a enfrentar circunstâncias adversas o bastante para causar vexame, humilhação ou ofensa à dignidade pessoal, não há como deferir a indenização pleiteada. Embora a dor moral não seja passível de prova, os fatos que lhe dão causa (v.g., protesto por falta de pagamento) são absolutamente passíveis de demonstração por prova oral ou documental.

O pernoite no caminhão também não enseja o pagamento de indenização por danos morais. Além de ser permitido pela Lei 13103/2015, o Reclamante não provou que em decorrência do pernoite no caminhão tenha sofrido alguma situação constrangedora ou que tenha sido assaltado. De acordo com a testemunha Donizete, ademais, havia uma cama no caminhão, pelo que não há prova de que as condições do pernoite seriam humilhantes.

No tocante à acusação de furto, também não foi comprovada eventual atitude ilícita por parte da Reclamada. Nos termos do e-mail de fl. 94, houve um furto no galpão da filial de Chapecó no dia em que o Reclamante lá esteve e o próprio Reclamante solicitou que seu caminhão fosse revistado, nada sendo encontrado. A filial de Curitiba apenas consignou no e-mail, a caneta, que no caminhão do Reclamante apenas constavam os produtos devidamente discriminados na nota fiscal. Não se vislumbra, assim, acusação de furto, em relação à pessoal do Reclamante, mas sim que este solicitou que revistassem seu veiculo, o que resultou na comprovação de que o produto furtado nele não se encontrava.

O fim da Idade Média e início da era Moderna são marcados pela tentativa das classes oprimidas em estabelecer uma nova ordem na sociedade.

Ainda que, nos dias de hoje, não vejamos seu triunfo absoluto, os ideais revolucionários franceses de liberdade, igualdade e fraternidade ainda são perseguidos pela humanidade.

E é especialmente nos liames de trabalho que essa busca por vezes torna-se mais árdua, pois a relação patrão-empregado sempre foi permeada por conflitos já tão bem pontuados pelos estudiosos da sociologia.

A partir daí, o tratamento com urbanidade entre cidadãos estejam ou não em relação de trabalho, é comportamento que se faz mister, não podendo o Direito dar abrigo ao tipo de conduta que ficou provada nos autos.

A ocorrência de divergências no ambiente laboral é absolutamente normal. Nesse sentido, o pedido de revista do veículo pelo obreiro e a constatação de que produtos furtados não estavam no interior do veículo do Reclamante não podem, por si só, configurar assédio moral ou perseguição à pessoa do Reclamante. A averiguação de eventual furto, ademais, é normal no local em que o ilícito ocorreu, não importando em ofensa à dignidade do Reclamante. Do mesmo modo, o pernoite no caminhão equipado com uma cama não pode, por si só, configurar dano moral, pois não se verificou a existência de situação vexatória.

À luz da Constituição vigente o dano moral nada mais é do que a violação do direito à dignidade e foi justamente por considerar a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra, da imagem corolário do direito à dignidade, que a Constituição Federal inseriu, em seu artigo 5º, incisos V e X, plena reparação do dano moral.

Sob tal prisma, não se pode concluir dos fatos expostos que o Reclamante tenha sofrido abalo em sua dignidade ou em seu patrimônio imaterial de um modo geral. Dissabores, contratempos, desentendimentos, discussões fazem parte do dia a dia das pessoas, na família, no trânsito, é não é diferente no ambiente de trabalho. Porém tais incômodos, disputas, fazem parte do "viver em sociedade", do próprio crescimento e desenvolvimento do espírito, sem que redundem em indenizações por danos morais, consoante as seguintes orientações jurisprudenciais:

(...)

Assim, não faz jus o Reclamante à indenização por danos morais.

Posto isso, mantém-se a r. sentença." (fls. 592/597).

O Regional entendeu que o fato do reclamante pernoitar na cabine do caminhão por si só, não implica ofensa à sua honra ou à sua dignidade, porquanto autorizado pelo art. 235-D, § 7º, da CLT. Ficou registrado, ainda, que o reclamante não comprovou dano sofrido pelo atraso na homologação da rescisão contratual, sendo que a demora não poderia ser imputada à reclamada, já que dependeria de ato do MTE. Por fim, o Regional assentou que não houve acusação de furto da reclamada contra o reclamante, mas apenas revista do veículo a pedido do próprio reclamante.

Esta Corte tem adotado o entendimento de que é incabível o deferimento da indenização por dano moral tão somente em razão do atraso no cumprimento das obrigações rescisórias (pagamento tempestivo, entrega das guias do seguro desemprego, entrega do TRCT para levantamento do FGTS, etc.), salvo quando comprovada a existência de lesão aos direitos de personalidade assegurados no art. 5º, X, da Constituição da República, o que não ocorreu no caso dos autos. Nesse sentido, os seguintes julgados: TST-ARR-20301-35.2014.5.04.0003, 8ª Turma, Relator Ministro: Márcio Eurico Vitral Amaro, DEJT 09/02/2018; e TST-ARR-212-85.2015.5.12.0050, 3ª Turma, Relator Ministro: Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 27/04/2018. Incidência do óbice da Súmula 333 do TST e do art. 896, § 7º, da CLT.

Ainda, é entendimento consolidado nesta Corte que o simples fato do motorista pernoitar no caminhão não é considerado degradante e não enseja o pagamento de indenização por danos morais, devendo haver demonstração concreta do prejuízo, conforme os seguintes julgados:

"RECURSO DE REVISTA. (...) 3. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. PERNOITE NA CABINE DO CAMINHÃO. O acórdão regional não revela que o empregado sofreu constrangimento pessoal que pudesse caracterizar abalo dos valores inerentes à sua honra. O fato de o reclamante dormir na cabine do caminhão não gera, por si só, dano moral, mormente quando não demonstrada a ocorrência de conduta ilícita a justificar o pagamento da indenização. Recurso de revista conhecido e provido." (TST-RR-379-82.2015.5.17.0141, 8ª Turma, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, DEJT 10/3/2017)

"AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. MOTORISTA. PERNOITE NA BOLEIA DO CAMINHÃO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 375 DO CPC DE 2015. VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 186 E 927 DO CÓDIGO CIVIL. INOCORRÊNCIA. I- O dano moral prescinde de prova da sua ocorrência, em virtude de ele consistir em ofensa a valores humanos, bastando a demonstração do ato em função do qual a parte diz tê-lo sofrido. II- Por isso mesmo é que em se tratando de atos praticados, no âmbito da relação de emprego, há de se provar que ele tenha ocorrido por dolo ou culpa do empregador, cabendo ao Judiciário se posicionar se o dano dele decorrente se enquadra ou não no conceito de dano moral. III- É certo, de outro lado, que o inciso X do artigo 5º da Constituição elege como bens invioláveis, sujeitos à indenização reparatória, a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. Encontra-se aí subentendida, no entanto, a preservação da dignidade da pessoa humana, em razão de ela ter sido erigida em um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, a teor do artigo 1º, inciso III da Constituição. IV- Significa dizer que a norma do inciso X do artigo 5º da Constituição deve merecer interpretação mais elástica a fim de se incluir entre os bens ali protegidos não só a honra e a imagem no seu sentido mais estrito, mas também sequelas psicológicas oriundas de ato ilícito, em razão de elas, ao fim e ao cabo, terem repercussões negativas no ambiente social e profissional. V- Não é por outro motivo que Yussef Said Cahali propugna interpretação mais ampla da norma constitucional, de modo a se tornar eficiente na proteção dos inúmeros espectros próprios da humanidade. VI- Fixados esses parâmetros, sobressaem das regras da experiência comum, ministradas pelo que ordinariamente ocorre (artigo 375 do CPC de 2015), a ausência de dano a viabilizar o pleito indenizatório. VII- Isso porque se acha consolidada na profissão a cultura de pernoites, em postos de gasolina, em boleias de caminhão, habitáculos desenvolvidos inclusive para esta finalidade. Precedentes. VIII- Desse modo, não se divisa a alegada violação aos artigos 186, 187, 927 e 944 do Código Civil e 5º, incisos V e X, e 7º, XXII, da Constituição, não havendo falar, pois, no acolhimento da pretensão recursal. IX- De outro lado, salientado pelo Regional que todas as condutas narradas na peça prefacial não foram comprovadas pelo Autor, o conhecimento do recurso de revista, a partir da alegação de que não tinha direito à desconexão com o trabalho ou que trabalhava exposto a situação degradante, implicaria, necessariamente, o reexame de fatos e provas, vedado em recurso de revista, a teor da Súmula 126 do TST. X- Agravo de instrumento a que se nega provimento." (TST-AIRR-909-94.2015.5.23.0052, 5ª Turma, Relator Ministro Antônio José de Barros Levenhagen, DEJT 11/4/2017)

"RECURSO DE REVISTA. DANO MORAL. MOTORISTA. PERNOITE NO CAMINHÃO. Em que pese o eventual desconforto causado pelo fato de pernoitar no caminhão, é imprescindível, para configuração do dano moral, que o empregado demonstre a condição aviltante em que esse pernoite se realizava, sem as condições de acomodação digna e de segurança que inspiravam, no legislador (v. art. 235-D, III da CLT), a compreensão de estar o repouso em "cabine leito do veículo" em consonância com a dignidade do trabalho rodoviário. No presente caso, o Regional deixou consignado que não restou comprovada a existência de prejuízos irreparáveis ao reclamante, no tocante a sua honra, dignidade e boa fama. Recurso de revista conhecido e não provido." (TST-RR-97500-61.2009.5.09.0653, 6ª Turma, Relator Ministro Augusto César Leite de Carvalho, DEJT 7/10/2016)

"RECURSO DE REVISTA. MOTORISTA VIAJANTE. PERNOITE EM CABINE DE CAMINHÃO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. A jurisprudência desta Corte Superior consagrou entendimento no sentido de que o simples fato de o motorista pernoitar na cabine do caminhão, sem prova da ocorrência de efetiva lesão aos direitos da personalidade, não dá ensejo à indenização por dano moral. Recurso de revista parcialmente conhecido e provido." (TST-RR-672-48.2010.5.03.0131, 1ª Turma, Relator Ministro Walmir Oliveira da Costa, DEJT 19/8/2016)

Nesse contexto, em que não evidenciado o prejuízo, uma vez que o reclamante não estava exposto a situação degradante, não há falar em ocorrência de conduta ilícita por parte da reclamada a justificar o pagamento da indenização por danos morais. Incidência do óbice da Súmula 333 do TST e do art. 896, § 7º, da CLT.

Por fim, quanto à alegação de acusação de furto, em verdade, o Regional consignou que não houve falsa acusação, mas apenas vistoria do veículo do reclamante, a qual foi requerida pelo próprio autor no intuito de demonstrar que não havia subtraído nenhuma carga. Não houve, pois, ato ilícito da reclamada, de forma que incólumes os arts. 186 do CC e 5º, V e X, da Constituição Federal.

Afasta-se a alegação de violação do art. 927 do Código Civil, porque não indicado o caput ou parágrafo tido por violado, nos termos da Súmula 221 do TST. Os artigos 818 da CLT e 333, I, do CPC/73, por sua vez, tratam sobre regras de distribuição do ônus probatório, as quais não foram fundamento adotado na decisão regional.

Não conheço.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Oitava Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade: I – negar provimento ao agravo de instrumento da reclamada; II - não conhecer do recurso de revista do reclamante.

Brasília, 29 de maio de 2019.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

Márcio Eurico Vitral Amaro

Ministro Relator

Instituto Valentin Carrion © Todos direitos reservados | LGPD   Desen. e Adm by vianett

Politica de Privacidade