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Data da publicação:

Acordão - TST

Breno Medeiros - TST



COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS AJUIZADA POR MOTORISTA DE APLICATIVO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA.



RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS AJUIZADA POR MOTORISTA DE APLICATIVO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. Constata-se, no caso, que a pretensão do autor, consistente na reativação de sua conta no aplicativo 99POP, bem como a condenação da empresa ao pagamento de lucros cessantes pelo suposto descredenciamento indevido, está relacionada à relação de parceria laboral travada com o aplicativo de ativação por demanda de usuários, pelo que emerge a competência jurisdicional da Justiça do Trabalho para dirimir a controvérsia em torno dos danos decorrentes da cessação do contrato de parceria firmado com a empresa prestadora dos serviços de transporte de particulares. É importante compreender essa relação de intermediação da mão de obra autônoma do prestador de serviços no contexto das novas relações de trabalho, que emergem como consequência do desenvolvimento tecnológico eruptivo da revolução 4.0. As relações de trabalho operadas pelos novos meios tecnológicos, à parte de não configurarem em essência a relação jurídica de emprego prevista na CLT, não se afastam da premissa laboral do retorno financeiro guiado pela parceria de trabalho entre agente de mercado e agente de labor, o que no caso das relações entre o aplicativo e o motorista credenciado se desenvolvem por um princípio geral de distribuição equitativa de lucros, incompatível com a relação tradicional de emprego, mas plenamente classificável como relação autônoma de parceria laboral, intermediada por meios digitais próprios das novas formas de oferecimento da mão de obra dinâmica dos trabalhadores não enquadrados no modelo nine-to-five (das nove às cinco), cujo crepúsculo coincide com a emergência das novas demandas de mercado que a citada revolução 4.0 fomenta no seio da relação entre capital, labor e consumo. O alvorecer de uma sociedade 5.0, focada no ser humano e na inventividade atrelada aos novos meios de trabalho, aponta para um progresso dignitário cuja inspiração se encontra atrelada à agenda de sustentabilidade socioambiental e aos modelos ESG (Enviromental, Social and Governence) de gestão, os quais tangenciam as boas práticas de mercado e, por conseguinte, refletem-se em novas práticas laborais. Focadas em parcerias produtivas de trabalho, tendentes à valorização das habilidades singulares dos parceiros laborais (e à maximização dos ganhos por critérios individuais de engajamento e retorno), essas novas práticas laborais não deixam de ser ancoradas na função social que rege a capitalização das oportunidades pelo critério de livre iniciativa, já que no mesmo preceito constitucional em que se erige tal pilar como princípio fundante da República coabita a valorização social do trabalho (art. 1º, IV, da Constituição), sendo certo que ambos os aspectos valorativos da norma estão intimamente imbricados à noção sistêmica de relação laboral. Desse modo, o enquadramento jurídico das novas relações de trabalho na seara da Justiça do Trabalho atende, a um só tempo, à premissa histórico-efeitual da autoridade dos direitos sociais, cuja defesa é sediada na Justiça do Trabalho, assim como ao argumento de vanguarda política que impulsiona uma ressignificação necessária dos esforços de trabalhadores em regimes de parceria disruptiva mais livres e descentralizadas de poderes diretivos mais imediatos da força de trabalho. Assim é que se conclui que, em que pese tais relações de trabalho inovadoras já não pertençam ao modelo de produção típico do século XX, forjado pelo emprego formal celetista, nem por isso estão fora do contexto de regulação estatal dos direitos sociais, de modo que a sindicabilidade de direitos constitucionais, entre eles o de livre disposição da força de trabalho pelo parceiro laboral, está imediatamente ligado à história institucional da narrativa dos direitos laborais, embora sob uma perspectiva dialeticamente aberta e nova, que rejeita a simples redução do trabalho ao modelo empírico do emprego. É bem verdade que o engajamento em plataformas de ativação por demanda de usuários está longe de reproduzir todas as dimensões inovadoras do chamado "trabalho 5.0", até porque a função de motorista encontra-se dentro dos critérios de obsolescência programada das atividades monológicas de trabalho. Mas, até por isso, deve ser reforçada a competência jurisdicional desse ramo laboral da Justiça para o exame de tais relações descentralizadas, mas igualmente focadas na matéria-prima labor como condicionante central do objeto contratual firmado entre as partes. Ora, se até mesmo em relações mais sofisticadas de parceria laboral é essencial reconhecer a competência desta Justiça especializada para o processamento de ações entre parceiros e agentes de mercado, com maior razão enxerga-se nessa nova forma de aproximação entre o trabalhador e as oportunidades de trabalho uma semente inexorável da relação de trabalho lato sensu, cuja competência para o exame decorre do critério fixado pelo inciso IX do art. 114 da Constituição Federal, o qual dispõe ser competência desta Justiça especializada o exame de causas que versem sobre "outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei". Sendo a relação de intermediação entre o agente de labor e a plataforma de serviço um autêntico contrato de parceria laboral, cuja origem do interesse comum é exatamente o agenciamento do trabalho de transporte pessoal fornecido a terceiros, não há como excluir da competência da Justiça do Trabalho o exame de controvérsia que envolva a hipótese de ruptura do contrato de parceira laboral, bem como os danos emergentes da cessação unilateral desse instrumento individual de contrato firmado com a empresa. Em termos simples, conclui-se que a relação contratual entre essa empresa e seus clientes é consumerista, ao passo que a sua relação com seus prestadores de serviço é uma relação de trabalho lato sensu, o que atrai a competência da Justiça do Trabalho para quaisquer controvérsias que se travem em torno da relação de parceria do trabalho firmada entre os trabalhadores credenciados e a plataforma de serviços. Fixada a competência deste ramo trabalhista o exame da presente causa judicial, merece reforma a decisão do Regional, a fim de que os autos sejam remetidos à Vara do Trabalho para regular processamento e julgamento do feito, como se entender de direito. Recurso de revista conhecido e provido. (TST-RR-443-06.2021.5.21.0001,  Breno Medeiros, DEJT 16/12/2022).

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista n° TST-RR-443-06.2021.5.21.0001, em que é Recorrente FRANCISCO RANIERE SANTOS LINHARES e é Recorrido 99 TECNOLOGIA LTDA.

Trata-se de recurso de revista interposto contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional, mediante o qual foi negado provimento ao recurso do reclamante.

O reclamante procura demonstrar a satisfação dos pressupostos do artigo 896 da CLT.

O recurso de revista foi admitido pela autoridade local em razão de potencial ofensa ao art. 114 I, VI e IX, da Constituição Federal.

Contrarrazões apresentadas.

Sem remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho.

É o relatório.

V O T O

1 – CONHECIMENTO

Satisfeitos os pressupostos genéricos de admissibilidade, passo ao exame dos específicos do recurso de revista.

COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS AJUIZADA POR MOTORISTA DE APLICATIVO. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA

Nas razões de revista, nas quais cuidou de indicar o trecho da decisão recorrida que consubstancia o prequestionamento da controvérsia objeto da insurgência, atendendo ao disposto no art. 896, § 1º-A, I, da CLT, a parte recorrente indica ofensa ao art. 114, I, VI e IX, da Constituição Federal e contrariedade à Súmula nº 392 do TST. Transcreve arestos.

Sustenta, em síntese, que a 99POP, na condição de intermediadora, explorou a força de trabalho do reclamante, fazendo uso de uma atividade eminentemente laboral do motorista, o que atrai a competência desta Especializada para dirimir a relação de trabalho ora evidenciada.

Alega que a natureza civil do contrato firmado entre as partes é irrelevante quando a discussão se trata de relação trabalhista.

Examino.

O e. TRT consignou, quanto ao tema:

MÉRITO

O reclamante, ora recorrente, sustenta a competência da Justiça do Trabalho para apreciar o presente feito, ainda que se trate de relação de trabalho não celetista, com amparo na Súmula 392 do TST e no art. 114, incisos I, VI e IX, da Constituição da República. Alega que "mesmo com mais de 7.000 mil corridas, sendo 96% delas com nota máxima, foi bloqueado no aplicativo pela 99 POP, sem qualquer comunicação prévia ou oportunidade de defesa, pugnando pela sua reativação à plataforma em sede de tutela de urgência, bem como pela condenação da empresa no pagamento de lucros cessantes". E que "Com aparo da Súmula 392 do TST, a Justiça do Trabalho é competente para processar e julgar ações de indenização por dano material decorrente da relação de trabalho, nos termos do art. 114, inc. VI, da Constituição da Federal". Salienta que "no atendimento aos clientes do aplicativo, o pagamento das viagens era realizado pela 99POP ao Motorista prestador do serviço, sendo obstada, portanto, a aplicação da Súmula 363 STJ, que tem por contexto a relação entre profissional e cliente direto, ou seja, fornecedor do serviço e consumidor direto do serviço". Afirma que "a 99POP, na condição de tomador/intermediador do serviço, explorou, na forma prestação do serviço em trato sucessivo, a força de trabalho do Recorrente, profissional liberal/autônomo, fazendo uso de uma atividade eminentemente laboral de Motorista, restando, diante disso, atraída a competência desta D. Justiça Laboral para dirimir o litígio relativo à relação de trabalho, ora evidenciada". Cita jurisprudência em favor da sua tese.

Ao final, requer a reforma da sentença para que seja declarada a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar a presente demanda por se tratar de relação de trabalho diversa da relação de emprego, com a remessa dos autos ao Juízo de origem para que seja dado seguimento a instrução processual com o devido julgamento do mérito.

Ao exame.

Na inicial, o reclamante relata que trabalha há três anos como motorista de aplicativo da reclamada 99POP, realizando, no total, mais de 7.000 corridas, sendo 96% delas com nota máxima. Afirma que, devido a uma injustiça, o aplicativo da reclamada baniu o reclamante, impossibilitando-o de continuar trabalhando na plataforma, sem qualquer chance de explicação, em ofensa ao seu direito de ampla defesa, acabando com a sua única fonte de renta. Dessa forma, requer a determinação do restabelecimento do cadastro do reclamante na plataforma da reclamada, bem como a condenação da parte ré na reparação dos lucros cessantes (dano material) das parcelas vencidas e vincendas até a data da reativação do autor à plataforma da 99 POP.

O Juízo de origem acolheu a preliminar suscitada pela reclamada para declarar a incompetência material da Justiça do Trabalho, sob os seguintes fundamentos:

"Falece competência material à Justiça do Trabalho para processar e julgar o presente feito.

Isso porque a controvérsia dos autos acerca da legalidade da conduta da ré em rescindir, unilateralmente, o contrato celebrado com o autor, não perpassa pela análise do vínculo jurídico havido entre as partes.

A relação havida entre as partes não foi relação de trabalho, exsurgindo dos autos que se trata de verdadeira natureza relação de natureza civil, um contrato de parceria entre o autor e a empresa reclamada. A reclamada disponibilizava uma plataforma digital com o fim de integrar o passageiro e o motorista, proprietário e condutor do automóvel, ou seja, trata-se de uma ferramenta de agregação a qual a parte autora aderiu espontaneamente para angariar clientes, assumindo todos os riscos do negócio e quando bem lhe aprouvesse.

A par disso, a atividade exercida pela parte autora foi regulamentada pela Lei 13.640, de 26/3/2018, que regulamentou o transporte remunerado privado individual de passageiros, que alterou a Lei 12.587, de 3/1/2012, para incluir em seu artigo 4º, inciso X, in verbis:

X - transporte remunerado privado individual de passageiros: serviço remunerado de transporte de passageiros, não aberto ao público, para a realização de viagens individualizadas ou compartilhadas solicitadas exclusivamente por usuários previamente cadastrados em aplicativos ou outras plataformas de comunicação em rede.

A referida lei conferiu à atividade dos motoristas de aplicativos caráter privado.

E, na hipótese, portanto, houve uma economia compartilhada (sharing economy), vinculando o autor à ré contratualmente para fins do exercício da atividade de transporte de passageiros, através de ferramentas tecnológicas.

O C. Superior Tribunal de Justiça, em julgamento de Conflito de Competência em caso análogo, já reconheceu a natureza cívil da relação firmada pelos detentores de veículos particulares, intermediada por aplicativos de empresas de tecnologia, conforme se extrai do seguinte julgado:

(...)

Assim, tratando-se de demanda em que a causa de pedir e o pedido deduzidos na inicial não se referem à existência de relação de emprego entre as partes, tampouco veiculam a pretensão de recebimento de verbas de natureza trabalhista, configurando-se em litígio que deriva de relação jurídica de cunho eminentemente civil, emerge a incompetência da Justiça do Trabalho para processar e julgar os pedidos de reintegração à plataforma 99-POP, e indenização por lucros cessantes.

Sendo assim, acolho a preliminar suscitada pela reclamada para declarar a incompetência material da Justiça Laboral para apreciar e julgar o presente feito."

Trata-se de reclamação trabalhista ajuizada por motorista de aplicativo da reclamada 99POP, requerendo o restabelecimento do seu cadastro na plataforma, bem como a condenação da reclamada ao pagamento de indenização por danos materiais (lucros cessantes) em razão do alegado descredenciamento indevido.

A controvérsia reside em definir qual o juízo competente para processar e julgar ação de obrigação de fazer c/c reparação de danos materiais ajuizada por motorista de aplicativo contra a empresa 99 Tecnologia Ltda..

Pois bem, sabe-se que a competência ratione materiae é determinada em função da natureza jurídica da pretensão.

Ocorre que essa mesma questão já foi apreciada pelo c. Superior Tribunal de Justiça num caso análogo, em sede de conflito de competência, no qual reconheceu a natureza cível da relação firmada pelos detentores de veículos particulares, intermediada por aplicativos de empresas de tecnologia, senão vejamos:

"CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. INCIDENTE MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C.C. REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS AJUIZADA POR MOTORISTA DE APLICATIVO UBER. RELAÇÃO DE TRABALHO NÃO CARACTERIZADA. SHARING ECONOMY. NATUREZA CÍVEL. COMPETÊNCIA DO JUÍZO ESTADUAL. 1. A competência ratione materiae, via de regra, é questão anterior a qualquer juízo sobre outras espécies de competência e, sendo determinada em função da natureza jurídica da pretensão, decorre diretamente do pedido e da causa de pedir deduzidos em juízo. 2. Os fundamentos de fato e de direito da causa não dizem respeito a eventual relação de emprego havida entre as partes, tampouco veiculam a pretensão de recebimento de verbas de natureza trabalhista. A pretensão decorre do contrato firmado com empresa detentora de aplicativo de celular, de cunho eminentemente civil. 3. As ferramentas tecnológicas disponíveis atualmente permitiram criar uma nova modalidade de interação econômica, fazendo surgir a economia compartilhada (sharing economy), em que a prestação de serviços por detentores de veículos particulares é intermediada por aplicativos geridos por empresas de tecnologia. Nesse processo, os motoristas, executores da atividade, atuam como empreendedores individuais, sem vínculo de emprego com a empresa proprietária da plataforma. 4. Compete a Justiça Comum Estadual julgar ação de obrigação de fazer c.c. reparação de danos materiais e morais ajuizada por motorista de aplicativo pretendendo a reativação de sua conta UBER para que possa voltar a usar o aplicativo e realizar seus serviços. 5. Conflito conhecido para declarar competente a Justiça Estadual. (STJ - CC: 164544 MG 2019/0079952-0, Relator: Ministro MOURA RIBEIRO, Data de Julgamento: 28/08/2019, S2 - SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 04/09/2019 - grifos acrescidos)

Segundo o e. STJ, a relação jurídica que originou o litígio não se enquadra nas hipóteses de competência traçadas pelo art. 114 da CRF/88, tendo em vista que "A pretensão decorre do contrato firmado com empresa detentora de aplicativo de celular, de cunho eminentemente civil".

Como é sabido, o Superior Tribunal de Justiça é o órgão judicial competente para solver os conflitos de competência envolvendo a Justiça do Trabalho e outros ramos do Judiciário, a teor do art. 105, I, "d", da Constituição da República.

Portanto, por uma questão de disciplina judiciária, e uma vez que a causa de pedir e o pedido do presente feito não envolvem o reconhecimento de vínculo empregatício nem o percebimento de verbas de natureza trabalhista, acompanho o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de reconhecer a incompetência da Justiça do Trabalho para apreciar a matéria.

Nega-se provimento.

Cinge-se à controvérsia à verificação da competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar ação de obrigação de fazer cumulada com reparação de danos materiais, ajuizada por motorista contra a empresa provedora de aplicativo de transporte - 99 Tecnologia LTDA.

Verifica-se a existência de transcendência jurídica, uma vez que versa sobre matéria nova no âmbito desta Corte.

Constata-se, no caso, que a pretensão do autor, consistente na reativação de sua conta no aplicativo 99POP, bem como a condenação da empresa ao pagamento de lucros cessantes pelo suposto descredenciamento indevido, está relacionada à relação de parceria laboral travada com o aplicativo de ativação por demanda de usuários, pelo que emerge a competência jurisdicional da Justiça do Trabalho para dirimir a controvérsia em torno dos danos decorrentes da cessação do contrato de parceria firmado com a empresa prestadora dos serviços de transporte de particulares.

É importante compreender essa relação de intermediação da mão de obra autônoma do prestador de serviços no contexto das novas relações de trabalho, que emergem como consequência do desenvolvimento tecnológico eruptivo da revolução 4.0.

As relações de trabalho operadas pelos novos meios tecnológicos, à parte de não configurarem em essência a relação jurídica de emprego prevista na CLT, não se afastam da premissa laboral do retorno financeiro guiado pela parceria de trabalho entre agente de mercado e agente de labor, o que no caso das relações entre o aplicativo e o motorista credenciado se desenvolvem por um princípio geral de distribuição equitativa de lucros, incompatível com a relação tradicional de emprego, mas plenamente classificável como relação autônoma de parceria laboral, intermediada por meios digitais próprios das novas formas de oferecimento da mão de obra dinâmica dos trabalhadores não enquadrados no modelo nine-to-five (das nove às cinco), cujo crepúsculo coincide com a emergência das novas demandas de mercado que a citada revolução 4.0 fomenta no seio da relação entre capital, labor e consumo.

O alvorecer de uma sociedade 5.0, focada no ser humano e na inventividade atrelada aos novos meios de trabalho, aponta para um progresso dignitário cuja inspiração se encontra atrelada à agenda de sustentabilidade socioambiental e aos modelos ESG (Enviromental, Social and Governence) de gestão, os quais tangenciam as boas práticas de mercado e, por conseguinte, refletem-se em novas práticas laborais.

Focadas em parcerias produtivas de trabalho, tendentes à valorização das habilidades singulares dos parceiros laborais (e à maximização dos ganhos por critérios individuais de engajamento e retorno), essas novas práticas laborais não deixam de ser ancoradas na função social que rege a capitalização das oportunidades pelo critério de livre iniciativa, já que no mesmo preceito constitucional em que se erige tal pilar como princípio fundante da República coabita a valorização social do trabalho (art. 1º, IV, da Constituição), sendo certo que ambos os aspectos valorativos da norma estão intimamente imbrincados à noção sistêmica de relação laboral.

Desse modo, o enquadramento jurídico das novas relações de trabalho na seara da Justiça do Trabalho atende, a um só tempo, à premissa histórico-efeitual da autoridade dos direitos sociais, cuja defesa é sediada na Justiça do Trabalho, assim como ao argumento de vanguarda política que impulsiona uma ressignificação necessária dos esforços de trabalhadores em regimes de parceria disruptiva mais livres e descentralizadas de poderes diretivos mais imediatos da força de trabalho.

Assim é que se conclui que, em que pese tais relações de trabalho inovadoras já não pertençam ao modelo de produção típico do século XX, forjado pelo emprego formal celetista, nem por isso estão fora do contexto de regulação estatal dos direitos sociais, de modo que a sindicabilidade de direitos constitucionais, entre eles o de livre disposição da força de trabalho pelo parceiro laboral, está imediatamente ligado à história institucional da narrativa dos direitos laborais, embora sob uma perspectiva dialeticamente aberta e nova, que rejeita a simples redução do trabalho ao modelo empírico do emprego.

É bem verdade que o engajamento em plataformas de ativação por demanda de usuários está longe de reproduzir todas as dimensões inovadoras do chamado "trabalho 5.0", até porque a função de motorista encontra-se dentro dos critérios de obsolescência programada das atividades monológicas de trabalho.

Mas, até por isso, deve ser reforçada a competência jurisdicional desse ramo laboral da Justiça para o exame de tais relações descentralizadas mas igualmente focadas na matéria-prima labor como condicionante central do objeto contratual firmado entre as partes.

Ora, se até mesmo em relações mais sofisticadas de parceria laboral é essencial reconhecer a competência desta Justiça especializada para o processamento de ações entre parceiros e agentes de mercado, com maior razão enxerga-se nessa nova forma de aproximação entre o trabalhador e as oportunidades de trabalho uma semente inexorável da relação de trabalho lato sensu, cuja competência para o exame decorre do critério fixado pelo inciso IX do art. 114 da Constituição Federal, o qual dispõe ser competência desta Justiça especializada o exame de causas que versem sobre "outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei".

Sendo a relação de intermediação entre o agente de labor e a plataforma de serviço um autêntico contrato de parceria laboral, cuja origem do interesse comum é exatamente o agenciamento do trabalho de transporte pessoal fornecido a terceiros, não há como excluir da competência da Justiça do Trabalho o exame de controvérsia que envolva a hipótese de ruptura do contrato de parceira laboral, bem como os danos emergentes da cessação unilateral desse instrumento individual de contrato firmado com a empresa.

Em termos simples, conclui-se que a relação contratual entre essa empresa e seus clientes é consumerista, ao passo que a sua relação com seus prestadores de serviço é uma relação de trabalho lato sensu, o que atrai a competência da Justiça do Trabalho para quaisquer controvérsias que se travem em torno da relação de parceria do trabalho firmada entre os trabalhadores credenciados e a plataforma de serviços.

Fixada a competência deste ramo trabalhista o exame da presente causa judicial, merece reforma a decisão do Regional, a fim de que os autos sejam remetidos à Vara do Trabalho para regular processamento e julgamento do feito, como se entender de direito.

Ante o exposto, conheço do recurso de revista, por violação do art. 114, IX, da Constituição Federal.

2. MÉRITO

COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS AJUIZADA POR MOTORISTA DE APLICATIVO.

Tendo em vista o conhecimento do recurso de revista por violação do art. 114, IX, da Constituição Federal, dou-lhe provimento para, declarando a competência da Justiça do Trabalho, determinar a remessa dos autos à vara de origem, a fim de que se processe e julgue regularmente o feito, como se entender de direito.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de revista, por violação do art. 114, IX, da Constituição Federal e, no mérito, dar-lhe provimento para, declarando a competência da Justiça do Trabalho, determinar a remessa dos autos à vara de origem, a fim de que se processe e julgue regularmente o feito, como se entender de direito.

Brasília, 14 de dezembro de 2022.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

BRENO MEDEIROS

Ministro Relator

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